Revista do TRT 10 V. 20 n. 2 2016
Como forma de refletir sobre assuntos atuais da Justiça do Trabalho, o presente número debruça-se sobre os temas debatidos no II Seminário Tocantinense de Direito e Processo do Trabalho e no Seminário de Formação Continuada para os Magistrados do Trabalho da 10ª Região. Inclusive, destacamos que esta edição referenda os vencedores do concurso de artigos científicos pertinentes ao evento do Tocantins, bem como as conclusões do citado Seminário de Magistrados, obtidas após amplo debate, por meio da publicação dos respectivos enunciados. Ademais, esta publicação conta com a parceria da AMATRA 10/Ematra, a Escola da Magistratura do Trabalho da Décima Região. O fruto dessa colaboração é a seção Arte e Trabalho, destinada a englobar manifestações artísticas, textos dissertativos e literários.
V. 20, N. 2 - Dezembro de 2016
Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região v. 20 n. 2 Brasília 2016 ISSN 0104-7027 Rev. do Trib. Reg. Trab.10ª R. Brasília v. 20 n.2 p. 1-193 2016
3 Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região Endereço: SAS Quadra 1, Bloco “D” Praça dos Tribunais Superiores - Brasilia/DF - CEP: 70097-900 Telefone: (61) 3348-1100 CNPJ:02.011.574/0001-90 http://www.trt10.jus.br Escola Judicial do TRT-10ª Região SGAN 916, Lote A2 - Asa Norte - Brasília/DF CEP: 70.790-160 (61) 3348-1870 https://escolajudicial.trt10.jus.br/ email: [email protected] Catalogação na Fonte elaborada pela Seção de Pesquisa e Documentação Márcia Basílio Lage – Bibliotecária – CRB 732 Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região. v. 1, n. 1, 1982/1983- . – Brasília: TRT 10ª Região, 1982/83 – . v. Bienal: 1982/1987. Anual: a partir de 1994. Publicação interrompida durante o período de 2012 a 2014. Numeração reiniciada a partir do v. 20 de 2016. ISSN 0104-7027 1. Direito do trabalho – periódicos. 2. Jurisprudência trabalhista. CDD 342.6 Os textos doutrinários e de jurisprudência desta Revista são de estrita responsabilidade de seus autores. Coordenação: Desembargador Brasilino Santos Ramos Produção: Anastácia Freitas de Oliveira Projeto grá昀椀co e diagramação: Ricardo Bermúdez e Nayane Cordeiro Colaboração: Núcleo de Comunicação Social e Seção de Pesquisa e Documentação A Revista do TRT-10ª Região é indexada em: Biblioteca Digital do Tribunal Superior do Trabalho Rede RVBI (formada pelas bibliotecas da Advocacia-Geral da União, Câmara dos Deputados, Câmara Legis- lativa do Distrito Federal, Ministério da Justiça, Procuradoria-Geral da República, Senado Federal, Supremo Tribunal Federal, Tribunal Superior do Trabalho, Superior Tribunal de Justiça, Superior Tribunal Militar, Tribu- nal de Contas do Distrito Federal, Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios) Rede REDIJT - Rede de informação da Justiça do Trabalho Google Acadêmico Portal Livre Rev. do Trib. Reg. Trab. 10ª Região, Brasília, v. 20, n. 2, 2016
4 TRT 10 - Edifício-sede Rev. do Trib. Reg. Trab. 10ª Região, Brasília, v. 20, n. 2, 2016
5 COMPOSIÇÃO Tribunal Pleno Desembargadores João Amílcar Silva e Souza Pavan Flávia Simões Falcão Mário Macedo Fernandes Caron Ricardo Alencar Machado Elaine Machado Vasconcelos André Rodrigues Pereira da Veiga Damasceno Pedro Luís Vicentin Foltran - Presidente e Corregedor Maria Regina Machado Guimarães - Vice-Presidente Márcia Mazoni Cúrcio Ribeiro Brasilino Santos Ramos Alexandre Nery de Oliveira José Ribamar Oliveira Lima Júnior José Leone Cordeiro Leite Dorival Borges de Souza Neto Elke Doris Just Cilene Ferreira Amaro Santos Grijalbo Fernandes Coutinho 1ª Seção Especializada Desembargador Pedro Luís Vicentin Foltran - Presidente Desembargadora Maria Regina Machado Guimarães - Vice-Presidente Desembargador João Amílcar Silva e Souza Pavan Desembargadora Elaine Machado Vasconcelos Desembargador André Rodrigues Pereira da Veiga Damasceno Desembargadora Márcia Mazoni Cúrcio Ribeiro Desembargador Alexandre Nery Rodrigues de Oliveira Desembargadora Elke Doris Just Desembargadora Cilene Ferreira Amaro Santos 2ª Seção Especializada Desembargador Pedro Luís Vicentin Foltran - Presidente Desembargadora Maria Regina Machado Guimarães - Vice-Presidente Desembargadora Flávia Simões Falcão Desembargador Mário Macedo Fernandes Caron Rev. do Trib. Reg. Trab. 10ª Região, Brasília, v. 20, n. 2, 2016
6 Desembargador Ricardo Alencar Machado Desembargador Brasilino Santos Ramos Desembargador José Ribamar Oliveira Lima Júnior Desembargador José Leone Cordeiro Leite Desembargador Dorival Borges de Souza Neto Desembargador Grijalbo Fernandes Coutinho Primeira Turma Desembargador Grijalbo Fernandes Coutinho - Presidente Desembargadora Flávia Simões Falcão Desembargadora Elaine Machado Vasconcelos Desembargador André Rodrigues Pereira da Veiga Damasceno Desembargador Dorival Borges de Souza Neto Segunda Turma Desembargador João Amílcar Silva e Souza Pavan - Presidente Desembargador Mário Macedo Fernandes Caron Desembargador Brasilino Santos Ramos Desembargador Alexandre Nery Rodrigues de Oliveira Desembargadora Elke Doris Just Terceira Turma Desembargador Ricardo Alencar Machado - Presidente Desembargadora Márcia Mazoni Cúrcio Ribeiro Desembargador José Ribamar Oliveira Lima Júnior Desembargador José Leone Cordeiro Leite Desembargadora Cilene Ferreira Amaro Santos Foros Trabalhistas Brasília (DF) SEPN 513, Bloco B, Lotes2/3, CEP 70.760-522 01ª Vara do Trabalho - Titular: Juiz Mauro Santos de Oliveira Goes 02ª Vara do Trabalho - Titular: Juíza Larissa Lizita Lobo Siveira 03ª Vara do Trabalho - Titular: Juiz Francisco Luciano de Azevedo Frota 04ª Vara do Trabalho - Titular: Juiz Denilson Bandeira Coêlho 05ª Vara do Trabalho - Titular: Juíza Elisângela Smolareck 06ª Vara do Trabalho - Titular: Juiz Antônio Umberto de Souza Júnior Rev. do Trib. Reg. Trab. 10ª Região, Brasília, v. 20, n. 2, 2016
7 07ª Vara do Trabalho - Titular: Juiz Oswaldo Florêncio Neme Junior 08ª Vara do Trabalho - Titular: Juiz Urgel Ribeiro Pereira Lopes 09ª Vara do Trabalho - Titular: Juiz Fernando Gabriele Bernardes 10ª Vara do Trabalho - Titular: Juiz Márcio Roberto Andrade Brito 11ª Vara do Trabalho - Titular: Juiz Rubens Curado Silveira 12ª Vara do Trabalho - Titular: Juiz Carlos Alberto Oliveira Senna 13ª Vara do Trabalho - Titular: Juíza Ana Beatriz do Amaral Cid Ornelas 14ª Vara do Trabalho - Titular: Juíza Idália Rosa da Silva 15ª Vara do Trabalho - Titular: Juiz Augusto C. A. de Souza Barreto 16ª Vara do Trabalho - Titular: Juiz Luiz Fausto Marinho de Medeiros 17ª Vara do Trabalho - Titular: Juiz Paulo Henrique Blair de Oliveira 18ª Vara do Trabalho - Titular: Juiz João Luís Rocha Sampaio 19ª Vara do Trabalho - Titular: Juíza Noêmia Aparecida Garcia Porto 20ª Vara do Trabalho - Titular: Juíza Júnia Marise Lana Martinelli 21ª Vara do Trabalho - Titular: Juiz Luiz Henrique Marques da Rocha 22ª Vara do Trabalho - Titular: Juiz Gilberto Augusto Leitão Martins Taguatinga (DF) QNC 4/5 Avenida Samdu Norte, CEP 72115-540 1ª Vara do Trabalho - Titular: Juiz Alexandre de Azevedo Silva 2ª Vara do Trabalho - Titular: Juíza Rosarita Machado de Barros Caron 3ª Vara do Trabalho - Titular: Juíza Solange Barbuscia de Cerqueira Godoy 4ª Vara do Trabalho - Titular: Juíza Elaine Mary Rossi de Oliveira 5ª Vara do Trabalho - Titular: Juíza Luciana Maria do Rosário Pires Gama (DF) Quadra 2, conjunto “A”, lote 20, Setor Sul - Gama/DF, CEP 72415-101 Titular: Juíza Tamara Gil Kemp Palmas (TO) Quadra 302 Norte, Conjunto QI 12, Alameda 2, Lote 1A, CEP 77006-338 1ª Vara do Trabalho - Titular: Juíza Eliana Pedroso Vitelli 2ª Vara do Trabalho - Titular: Juiz Francisco Rodrigues de Barros Araguaína (TO) Av. Neief Murad, 1131, Bairro Jardim Goiás, cEP 77.824-022 1ª Vara do Trabalho - Titular: Rubens de Azevedo Marques Corbo 2ª Vara do Trabalho - Titular: Juiz Erasmo Messias de Moura Fé Rev. do Trib. Reg. Trab. 10ª Região, Brasília, v. 20, n. 2, 2016
8 Gurupi (TO) Rua Antônio Lisboa da Cruz, 2031, Centro – Setor Central - CEP: 77.405-090 Titular: Patrícia Soares Simões de Barros Dianópolis (TO) Praça da Capelinha, 621 - Quadra 57 - lote 1 - Setor Novo Horizonte, CEP 77300-000 Titular: Juíza Sandra Nara Bernardo Silva Guaraí (TO) Avenida Araguaia, Esquina com a Avenida Bernardo Sayão N° 1360, CEP 77700-000 Titular: Juíza Silvia Mariózi dos Santos Juízes substitutos Naiana Carapeba Nery de Oliveira Mônica Ramos Emery Martha Franco de Azevedo Jonathan Quintão Jacob Reinaldo Martini Patricia Germano Paci昀椀co Débora Heringer Megiorin Rogério Neiva Pinheiro Solyamar Dayse Neiva Soares Erica de Oliveira Angoti Patricia Birchal Becattini Rossifran Trindade Souza Cristiano Siqueira de Abreu e Lima José Gervásio Abrão Meireles João Batista Cruz De Almeida Thaís Bernardes Camilo Rocha Acélio Ricardo Vales Leite Suzidarly Ribeiro Teixeira Fernandes Marcos Alberto dos Reis Maria Socorro de Souza Lobo Raquel Gonçalves Maynarde Oliveira Osvani Soares Dias Raul Gualberto F. Kasper de Amorim Claudinei da Silva Campos Audrey Choucair Vaz Maurício Westin Costa Rejane Maria Wagnitz Rev. do Trib. Reg. Trab. 10ª Região, Brasília, v. 20, n. 2, 2016
9 Daniel Izidoro Calabro Queiroga Adriana Zveiter Carlos Augusto de Lima Nobre Laura Ramos Morais Leador Machado Vilmar Rego Oliveira Vanessa Reis Brisolla Natália Queiroz Cabral Rodrigues Almiro Aldino de Sateles Junior Gustavo Carvalho Chehab Larissa Leonia Bezerra De A. Albuquerque Rafael de Souza Carneiro Elysângela de Souza Castro Dickel Alcir Kenupp Cunha Renato Vieira de Faria Edisio Bianchi Loureiro Ricardo Machado Lourenco Filho Francisca Brenna Vieira Nepomuceno Roberta de Melo Carvalho Angelica Gomes Rezende Regina Celia Oliveira Serrano Maximiliano Pereira de Carvalho Marcos Ulhoa Dani Fernando Gonçalves Fontes Lima Jaeline Boso Portela Santana Strobel Escola Judicial Diretor Desembargador Brasilino Santos Ramos Vice-Diretor Desembargador Alexandre Nery Rodrigues de Oliveira Conselho Consultivo Desembargador Brasilino Santos Ramos Desembargador Alexandre Nery Rodrigues de Oliveira Desembargadora Flávia Simões Falcão Juiz Rubens Curado Silveira Juíza Suzidarly Ribeiro Teixeira Fernandes Servidor Rafael Simões Espírito Santo Rev. do Trib. Reg. Trab. 10ª Região, Brasília, v. 20, n. 2, 2016
10 Comissão da Revista e outras publicações Desembargador Brasilino Santos Ramos (Diretor da Escola Judicial) - Presidente Desembargador Alexandre Nery Rodrigues de Oliveira (Vice-Diretor da Escola Judicial) - Vice -Presidente Juíza Júnia Marise Lana Martinelli Juiz Ricardo Machado Lourenço Filho Servidora Anastácia Freitas de Oliveira Escola Judicial do TRT 10ª Região Secretaria Executiva da Escola Judicial - SEEJUD Secretária Executiva: Rosana Oliveira de Aragão Sanjad Seção de Formação Jurídica - SCFJU - João Batista Português Júnior Seção de Educação a Distância - SCEAD - Luiz Alberto dos Santos Carvalho Seção de Formação Técnico-Administrativa e Gerencial - SCFTG - Shirley Ayres Oliveira Seção de Pesquisa e Documentação - SCPED - Rosani Aparecida A. Frutuoso Seção Administrativa e de Apoio a Eventos - SCAPE - Fernanda Paixão Araújo Pinto Rev. do Trib. Reg. Trab. 10ª Região, Brasília, v. 20, n. 2, 2016
11 SUMÁRIO ............................................................................................................................ ARTIGOS Trabalho e Escola: A aprendizagem De昀椀ciente e desempregado? O 昀氀exibilizada .................................. 13 teletrabalho como mecanismo de 67 readaptação............................ Levando-se a sério a indeni- zação por danos morais por O contrato de trabalho de pres- inadimplência de verbas rescisó- tadores de serviçoes sexuais da rias................................................ 37 invisibilidade da relação fático-ju- rídica da ocupação de pro昀椀ssional A precarização das relações de do sexo ao seu reconhecimento 79 trabalho em virtude da crise como trabalho .......................... econômica em face dos direitos fundamentais dos As novas perspectivas dos adicio- trabalhadores............................... 49 nais de insalubridade e periculosi- 93 dade........................................... Que “loucura” é essa? Re昀氀exões sobre saúde metal no trabalho....................................... 55 ARTE E TRABALHO A última dança: Uma representa- ção literária da LER/DORT ............ 107 ACÓRDÃOS E SENTENÇAS ...................................................... 111 ENUNCIADOS ...................................................... 186 Rev. do Trib. Reg. Trab. 10ª Região, Brasília, v. 20, n. 2, 2016
12 APRESENTAÇÃO Caro leitor, visualização mais amigável em tablets e dispositivos móveis. Encerramos o ano de 2016 com o sen- timento de que avançamos muito na pro- Como forma de re昀氀etir sobre assuntos dução e divulgação de artigos cientí昀椀cos e atuais da Justiça do Trabalho, o presente jurisprudência de elevada qualidade. Por número debruça-se sobre os temas debati- isso, a consolidação da Revista do TRT 10 dos no II Seminário Tocantinense de Direito como canal de divulgação dessas informa- e Processo do Trabalho e no Seminário de ções vem sendo de fundamental importân- Formação Continuada para os Magistrados cia. do Trabalho da 10ª Região. Inclusive, des- tacamos que esta edição referenda os ven- Nos últimos meses, a revista conquistou cedores do concurso de artigos cientí昀椀cos maior visibilidade com a indexação em im- pertinentes ao evento do Tocantins, bem portantes plataformas acadêmicas. Hoje é como as conclusões do citado Seminário possível localizar a Revista do TRT 10 no de Magistrados, obtidas após amplo deba- Google Acadêmico, reconhecido como te, por meio da publicação dos respectivos uma das maiores e mais populares plata- enunciados. formas de busca de informação cientí昀椀ca. Além disso, nosso periódico também pode Ademais, esta publicação conta com a ser encontrado no Portal LivRe, que tem parceria da AMATRA 10/Ematra, a Escola como objetivo facilitar a identi昀椀cação e o da Magistratura do Trabalho da Décima Re- acesso a publicações eletrônicas de acesso gião. O fruto dessa colaboração é a seção livre na Internet. Arte e Trabalho, destinada a englobar ma- nifestações artísticas, textos dissertativos e Outrossim, a 昀椀m de garantir a maior di- literários. fusão possível do conteúdo da Revista, também hospedamos nosso periódico na Desejamos a todos uma ótima leitura. plataforma ISSU. Esse novo canal permite Brasilino Santos Ramos Diretor da Escola Judicial do TRT-10ª Região Rev. do Trib. Reg. Trab. 10ª Região, Brasília, v. 20, n. 2, 2016
13 TRABALHO E ESCOLA: A APRENDIZAGEM FLEXIBILIZADA Acacia Zeneida Kuenzer¹ RESUMO aluno, apresenta como contraponto a 昀氀exi- bilização dos tempos e espaços de aprendi- Este artigo tem por objetivo analisar a zagem, mediados pelas novas tecnologias; emergência da concepção de aprendiza- o protagonismo do aluno; a construção gem 昀氀exível, crescentemente incorporada colaborativa do conhecimento e a prática ao discurso e às práticas pedagógicas da docente como organização de conteúdos educação escolar e da educação pro昀椀s- e produção de propostas inovadoras de sional. Justi昀椀cada pela crítica à rigidez de aprendizagem. Essa concepção compõe-se modelos únicos para alunos com diferentes de categorias que aparentemente se confun- trajetórias e interesses, ao conteudismo, à dem com as que constituem as teorias críti- disciplinarização, a centralidade no profes- cas, o que remete à necessidade de analisar sor e ao pouco ou nenhum protagonismo do as bases materiais que a geraram, para que 1. Doutora em Educação pela PUC de São Paulo, professora titular aposentada da UFPR e professora do Doutorado em Diversidade e Inclusão Social da Universidade Feevale. Rev. do Trib. Reg. Trab. 10ª Região, Brasília, v. 20, n. 2, 2016
14 se compreenda suas raízes, e por consequ- Nesse sentido, a aprendizagem 昀氀exível é ência, os interesses a que serve. justi昀椀cada pelas mesmas razões que justi昀椀- cam a 昀氀exibilização curricular: as críticas ao PALAVRAS-CHAVE: Aprendizagem 昀氀exí- modelo único para alunos com diferentes vel. Novas tecnologias em educação. Educa- trajetórias e interesses, ao conteudismo, à ção. Acumulação 昀氀exível. disciplinarização, a centralidade no profes- sor e ao pouco ou nenhum protagonismo do Introdução aluno. A aprendizagem 昀氀exível tem sido referida O contraponto seria uma organização para expressar um re昀椀namento das metodo- curricular mais 昀氀exível, baseada na pesquisa logias de Educação à Distância; mesmo res- e no diálogo, a partir da valorização do alu- trita a esse contexto, contudo, essa concep- no como sujeito critico e não como receptor ção tem se prestado a várias interpretações. de conteúdos, viabilizada pela construção A mais comum, e utilizada com mais frequ- colaborativa e solidária do conhecimento. ência pelas Instituições de Ensino Superior que oferecem cursos em EAD como diferen- Nessa perspectiva, a Fundação Uniban- cial, tem sido a 昀氀exibilização dos tempos de co, a partir das críticas aos modelos rígidos, aprendizagem; neste caso, a justi昀椀cativa é aponta a construção da Base Nacional Co- autonomia do aluno para de昀椀nir seus horá- mum, estimulada pelo MEC, como oportu- rios de estudo, em contraposição à rigidez nidade para a 昀氀exibilização curricular do dos tempos dos cursos presenciais. Ensino Médio, uma vez que o documento preliminar propõe 60% de conteúdos co- Outra forma de conceber a aprendiza- muns. Os demais 40% serão de昀椀nidos por gem 昀氀exível é como resultado de uma me- cada sistema de ensino, abordando conte- todologia inovadora, que articula o desen- údos que atendam às especi昀椀cidades regio- volvimento tecnológico, a diversidade de nais. A partir da proposta, aponta a Fundação modelos dinamizadores da aprendizagem e Unibanco a necessidade de abrir possibilida- as mídias interativas; neste caso, ela se justi- des de escolha pelo aluno, o que realmente 昀椀ca pela necessidade de expandir o ensino caracterizaria a 昀氀exibilidade. Essas escolhas superior para atender as demandas de uma contemplariam conhecimentos vinculados à sociedade cada vez mais exigente e compe- trajetória pretendida pelo jovem: ensino téc- titiva. nico ou área de conhecimento que preten- de seguir no ensino superior. Em sua versão amplamente pedagógica, a aprendizagem 昀氀exível se materializa nas Assim, a 昀氀exibilidade, tanto do currícu- comunidades de aprendizagem, em rede, lo quanto da aprendizagem, respeitaria a formadas por grupos de interesse, geralmen- dimensão vivencial de cada aluno no pro- te de pro昀椀ssionais, que pesquisam, trocam cesso de construção do conhecimento, a experiências e colaboram na solução de integração à prática pro昀椀ssional numa pers- problemas, de forma aberta e constante. pectiva re昀氀exiva e a construção colaborati- va e solidária do conhecimento. Rev. do Trib. Reg. Trab. 10ª Região, Brasília, v. 20, n. 2, 2016
15 A forma de participação do aluno nessa dessa proposta, para ser adequada, precisa proposta muda bastante: de espectador, pas- buscar suas raízes nas bases materiais que a sa a ser sujeito de sua própria aprendizagem, geraram, o que extrapola os limites da tecno- o que exigirá dele iniciativa, autonomia, disci- logia, atingindo as relações de produção que plina e comprometimento. Nas modalidades con昀椀guram o regime de acumulação 昀氀exível, de aprendizagem 昀氀exível disponibilizadas, cimentado pela ideologia pós-moderna. ele fará seu próprio horário de estudo, esta- belecerá as condições e o ritmo em que irá Esse movimento é necessário, uma vez estudar, segundo seu per昀椀l e suas possibili- que a concepção apresentada, aparente- dades. Em tese, ao gerenciar seus tempos e mente, se confunde com as categorias do espaços, aprenderia a aprender, sozinho ou materialismo histórico. Há portanto, que su- em colaboração, o que conduziria a um me- perar o nível fenomênico para buscar as re- lhor aproveitamento; e, lações que explicam esse nas práticas colaborati- novo discurso, e assim, vas, deixaria de ser iso- “A forma de participação ao completar o seu ca- lado em suas tarefas e do aluno nessa ráter lacunar, evidenciar leituras, de modo tam- seu caráter ideológico. bém a superar posturas proposta muda bastante: individualistas. de espectador, passa a O discurso pedagógi- ser sujeito de sua própria co do regime de acumu- Na aprendizagem aprendizagem, o que lação 昀氀exível 昀氀exível, o conceito de comunidade de apren- exigirá dele iniciativa, A aprendizagem 昀氀exí- dizagem implica o des- autonomia, disciplina vel surge como uma das locamento do professor ” expressões do projeto pe- e do conteúdo para o e comprometimento dagógico da acumulação grupo, que participa, se 昀氀exível, cuja lógica conti- envolve, pesquisa, inte- nua sendo a distribuição rage, cria, com a mediação de algum orien- desigual da educação, porém com uma for- tador. O professor passa a ser organizador de ma diferenciada. conteúdos e produtor de propostas de curso, de abordagens inovadoras de aprendizagem, Assim é que o discurso da acumulação 昀氀e- em parceria com especialistas em tecnolo- xível sobre a educação aponta para a neces- gia; a relação presencial passa ser substituída sidade da formação de pro昀椀ssionais 昀氀exíveis, pela tutoria, que acompanha a aprendiza- que acompanhem as mudanças tecnológicas gem dos alunos. decorrentes da dinamicidade da produção cientí昀椀co-tecnológica contemporânea, ao in- Em princípio, essa concepção seria resul- vés de pro昀椀ssionais rígidos, que repetem pro- tante do avanço da base microeletrônica; cedimentos memorizados ou recriados por reduzi-la, contudo, a essa dimensão, é uma meio da experiência. Para que esta forma- simpli昀椀cação que atende apenas a interes- ção 昀氀exível seja possível, torna-se necessário ses de caráter ideológico. A análise acurada substituir a formação especializada, adquiri- Rev. do Trib. Reg. Trab. 10ª Região, Brasília, v. 20, n. 2, 2016
16 da em cursos pro昀椀ssionalizantes focados em ocupações parciais e, geralmente, de curta duração, complementados pela formação no trabalho, pela formação geral adquirida por meio de escolarização ampliada, que abranja no mínimo a educação básica, a ser disponibilizada para todos os trabalhadores. A partir desta sólida formação geral, dar-se -á a formação pro昀椀ssional, de caráter mais abrangente do que especializado, a ser com- plementada ao longo das práticas laborais. Como a proposta é substituir a estabilida- de, a rigidez, pela dinamicidade, pelo movi- mento, à educação cabe assegurar o domí- nio dos conhecimentos que fundamentam as práticas sociais e a capacidade de trabalhar com eles, por meio do desenvolvimento de competências que permitam aprender ao longo da vida, categoria central na pedago- gia da acumulação 昀氀exível. Se o trabalhador transitará, ao longo de sua trajetória laboral, por inúmeras ocupações e oportunidades de educação pro昀椀ssional, não há razão para in- vestir em formação pro昀椀ssional especializada; a integração entre as trajetórias de escolarida- Embora a expansão da oferta de educa- de e laboral será o elo entre teoria e prática, ção básica continue sob a responsabilidade resgatando-se, desta forma, a unidade rompi- da escola, na modalidade presencial, as po- da pela clássica forma de divisão técnica do líticas públicas estimulam, cada vez mais, a trabalho, que atribuía a uns o trabalho opera- utilização das novas tecnologias de informa- cional, simpli昀椀cado, e a outros o trabalho inte- ção e comunicação tendo em vista imple- lectual, complexo. mentar uma nova qualidade à aprendiza- gem, aproximando-a dos novos padrões de Ao a昀椀rmar que o novo disciplinamento para comportamento social e de práticas laborais o trabalho 昀氀exível em uma sociedade atraves- da sociedade informatizada. O objetivo da sada pela microeletrônica exige a capacidade nova pedagogia é formar subjetividades 昀氀e- de trabalhar intelectualmente, o regime de xíveis que se relacionem, produzam e consu- acumulação 昀氀exível reconhece a importância mam em uma sociedade cuja base técnica, a da ampliação da escolaridade em nível básico mover o mercado, é a microeletrônica. e em nível superior, acompanhada da capaci- tação pro昀椀ssional continuada para atender às Para a ampliação do ensino superior, em novas demandas do mercado de trabalho. particular pela iniciativa privada, a aprendi- Rev. do Trib. Reg. Trab. 10ª Região, Brasília, v. 20, n. 2, 2016
17 zagem 昀氀exibilizada pelos cursos à los pré-estabelecidos, sendo de昀椀nidas e rede- distância atende, ao mesmo tem- 昀椀nidas segundo as estratégias de contratação po, a redução dos custos e dos va- e subcontratação que são mobilizadas para lores cobrados dos alunos, o que atender à produção puxada pela demanda tem se con昀椀gurado como e昀椀cien- do mercado. te estratégia de mercantilização desse nível de ensino. São combinações que ora incluem, ora excluem trabalhadores com diferentes qua- A formação pro昀椀ssional con- li昀椀cações, de modo a constituir corpos co- tinuada também é amplamente letivos de trabalho dinâmicos, por meio de atendida por essa modalidade, uma rede que integra diferentes formas de com oferta abundante e diver- subcontratação e trabalho temporário e que, si昀椀cada, que abrange desde os ao combinar diferentes estratégias de extra- cursos básicos de informática aos ção de mais-valia, asseguram a realização da cursos de línguas, pós-graduação lógica mercantil. em nível de especialização e ca- pacitação pro昀椀ssional em níveis Se há combinação entre trabalhos desi- mais complexos, para atender às guais e diferenciados ao longo das cadeias novas necessidades do mercado. produtivas, há também demandas diferen- ciadas, e desiguais, de quali昀椀cação dos tra- O que o discurso da pedagogia balhadores, que podem ser rapidamente da acumulação 昀氀exível não revela atendidas pelas estratégias de aprendizagem é que, ao destruírem-se os víncu- 昀氀exível, o que permite que as contratações los entre capacitação e trabalho sejam de昀椀nidas a partir de um per昀椀l de tra- pela utilização das novas tecno- balhador com aportes de educação geral e logias, que banaliza as competên- capacidade para aprender novos processos, cias, tornando-as bastante parecidas e com e não a partir da quali昀椀cação. uma base comum de conhecimentos de au- tomação industrial, a par da estratégia toyo- Daí o caráter “昀氀exível” da força de tra- tista de de昀椀nir a produção pela demanda, o balho; importa menos a quali昀椀cação prévia mercado de trabalho passa a reger-se pela do que a adaptabilidade, que inclui tanto as lógica dos arranjos 昀氀exíveis de competências competências anteriormente desenvolvidas, diferenciadas. (Kuenzer, 2007) cognitivas, práticas ou comportamentais, quanto a competência para aprender e para Diferentemente do que ocorria no tayloris- submeter-se ao novo, o que supõe subjeti- mo/fordismo, onde as competências eram vidades disciplinadas que lidem adequada- desenvolvidas com foco em ocupações pre- mente com a dinamicidade, com a instabili- viamente de昀椀nidas e relativamente estáveis, dade, com a 昀氀uidez. a integração produtiva se alimenta do con- sumo 昀氀exível de competências diferenciadas, O discurso da necessidade de elevação que se articulam ao longo das cadeias produ- dos níveis de conhecimento e da capacida- tivas. Estas combinações não seguem mode- de de trabalhar intelectualmente, quando Rev. do Trib. Reg. Trab. 10ª Região, Brasília, v. 20, n. 2, 2016
18 adequadamente analisado a partir da lógica tanto do ponto de vista cognitivo quanto da acumulação 昀氀exível, mostra seu caráter ético, por meio de educação geral comple- concreto: a necessidade de ter disponível mentada com capacitações pro昀椀ssionais para consumo, nas cadeias produtivas, for- disponibilizadas de forma diferenciada por ça de trabalho com quali昀椀cações desiguais e origem de classe, que os levem a exercer, e diferenciadas que, combinadas em células, aceitar, de forma natural, as múltiplas tare- equipes, ou mesmo linhas, atendendo a di- fas no mercado 昀氀exibilizado. Ser multitarefa, ferentes formas de contratação, subcontra- neste caso, implica exercer trabalhos dispo- tação e outros acordos precários, assegurem nibilizados pelo mercado, para os quais seja os níveis desejados de produtividade, por su昀椀ciente um rápido treinamento, a partir da meio de processos de extração de mais-va- educação geral, seja no nível básico, técnico lia que combinam as dimensões relativa e ou superior. Para a maioria dos trabalhado- absoluta. res, signi昀椀cará exercer trabalhos temporários simpli昀椀cados, repetitivos Esta forma de consu- e fragmentados. mo da força de trabalho “… a pedagogia ao longo das cadeias da acumulação 昀氀exível A aprendizagem 昀氀e- produtivas aprofunda a tem como 昀椀nalidade xível, como metodolo- distribuição desigual do gia, é uma das formas conhecimento, onde, a formação de de atender à 昀椀nalidade para alguns, depen- trabalhadores com de formação desses pro- dendo de onde e por subjetividades 昀氀exíveis 昀椀ssionais, cuja força de quanto tempo estejam trabalho poderá ser con- integrados nas cadeias tanto do ponto sumida de forma mais ou produtivas, se reserva de vista cognitivo menos predatória, ao o direito de exercer o quanto ético...” longo das cadeias pro- trabalho intelectual inte- dutivas, segundo as ne- grado às atividades prá- cessidades da produção ticas, a partir de extensa puxada pela demanda. e quali昀椀cada trajetória de escolarização; o mesmo não ocorre com a maioria dos traba- Os pressupostos da aprendizagem 昀氀exí- lhadores, que desenvolvem conhecimentos vel: para além do discurso tácitos pouco so昀椀sticados, em atividades la- borais de natureza simples e desquali昀椀cada Já se a昀椀rmou anteriormente que um dos e são precariamente quali昀椀cados por proces- problemas trazidos pelo discurso da pe- sos rápidos de treinamento, com apoio nas dagogia da acumulação 昀氀exível, que tem novas tecnologias e com os princípios da na aprendizagem 昀氀exível a sua metodolo- aprendizagem 昀氀exível. gia, é a confusão semântica causada pela utilização de termos iguais para expressar Em resumo, a pedagogia da acumulação concepções diferentes. Para trazer clare- 昀氀exível tem como 昀椀nalidade a formação de za a esse debate, necessário se faz uma trabalhadores com subjetividades 昀氀exíveis, abordagem hermenêutica que articule as Rev. do Trib. Reg. Trab. 10ª Região, Brasília, v. 20, n. 2, 2016
19 dimensões epistemológica e ontológica, A primeira análise a ser feita diz respeito que remeta tanto à interpretação do dis- ao processo de produção do conhecimen- curso quanto à sua análise a partir de uma to; no marco conceitual do materialismo dada realidade. Feitas as considerações de histórico, o conhecimento resulta da recria- ordem ontológica no item anterior, mesmo ção, ou seja, da reprodução da realidade que de forma sintetizada, resta a necessida- no pensamento, o que ocorre através da de de analisar o discurso da aprendizagem atividade humana; é através desse proces- 昀氀exível do ponto de vista epistemológico, o so que a realidade adquire signi昀椀cado para que remete ao confronto entre as concep- os seres humanos. ções de conhecimento e aprendizagem da modernidade e da pós-modernidade. Homens e mulheres só conhecem aquilo que é objeto de sua atividade, e conhecem porque atuam praticamente; por isso, a pro- dução ou apreensão do conhecimento pro- duzido não pode se resolver teoricamente através do confronto dos diversos pensa- mentos, ou seja, pelo trabalho intelectual, e sim através do confronto entre teoria e prática, do qual emergem novas sínteses com potencial transformador da realidade. (Marx e Engels, 2008) Dessa compreensão emerge a concep- ção de práxis, atividade teórica e prática que transforma a natureza e a sociedade; prática, na medida em que a teoria, como guia da ação, orienta a atividade humana; teórica, na medida em que esta ação é consciente. (Vázquez, 1968) A prática, contudo, não fala por si mes- ma; os fatos, ou fenômenos, têm que ser identi昀椀cados, contados, analisados, interpre- tados, já que a realidade não se deixa revelar através da observação imediata; é preciso ver para além das aparências, que mostram apenas os fatos super昀椀ciais, aparentes, que ainda não se constituem em conhecimen- to. Para conhecer é preciso superar o que é aparente, para compreender as relações, as conexões, as estruturas internas, as formas de organização, as relações entre parte e to- Rev. do Trib. Reg. Trab. 10ª Região, Brasília, v. 20, n. 2, 2016
20 talidade, as 昀椀nalidades, que não se deixam lam através do movi- conhecer no primeiro momento. mento do pensamento que se debruça sobre o Ou seja, o ato de conhecer necessita do mundo das ações e das trabalho intelectual, teórico, que se dá no relações que elas ge- pensamento que se debruça sobre a reali- ram. dade a ser conhecida; é neste movimento do pensamento que parte das primeiras Já a atividade pode e imprecisas percepções para relacionar- se constituir em ações se com a dimensão empírica da realidade repetitivas, as vezes au- que são construídos os significados. Quan- tomatizadas, resultan- do resulta da ação humana desencadea- tes da memorização, as da pela vontade de atingir uma finalida- quais nem sempre são de, o trabalho intelectual também é uma compreendidas; nestes das formas de prática, desde que referido casos, onde pouco inter- à realidade, para compreendê-la e trans- vém a re昀氀exão, a ativida- formá-la; como mero exercício do pensa- de humana não se cons- mento, é apenas reflexão. Assim, quando titui em prática. o docente planeja uma atividade para que No entanto, por se os alunos, a partir da apropriação da teo- con昀椀gurar como um mo- ria, enquanto conhecimento já produzido, vimento no pensamento, desenvolvam uma ação intelectual para por mais que a ativida- refletir sobre uma prática social ou de tra- de teórica se aproxime balho, com a finalidade de apreendê-la, da prática, com ela não compreendê-la e reconstruí-la, e desta se confunde, guardando forma, mudar a realidade, integrando o especi昀椀cidades que se conhecimento novo a suas experiências e resumem na produção conhecimentos anteriores, temos uma prá- de ideias, representa- tica. (Vázquez, 1968). ções e conceitos. E, em decorrência de ser um A partir desta concepção, definem-se processo de apropriação as dimensões constituintes do processo de da realidade pelo pensa- produção do conhecimento em suas rela- mento, não transforma, ções: a teórica, que se mantém no plano por si, a realidade. Ainda que a atividade teó- da reflexão, e a prática, que se mantém no rica mude concepções, transforme represen- plano dos fazeres. Não há prática que não tações, produza teorias, em nenhum destes esteja respaldada por algum tipo de ativi- casos transforma, sozinha, a realidade. É pre- dade cognitiva, e portanto, por alguma ati- ciso que as ideias se transformem em ações. vidade teórica. A atividade teórica só exis- te a partir e em relação com a prática; não A concepção de aprendizagem 昀氀exível, há pensamento fora da ação humana, pois ao apresentar a produção de conhecimentos a consciência e as concepções se formu- como resultante da interlocução dos alunos Rev. do Trib. Reg. Trab. 10ª Região, Brasília, v. 20, n. 2, 2016
21 nas redes, nas comu- há discursos desinteressados, uma vez que nidades de prática, são produzidos a partir de uma dada cultura mediada pelas tecno- e manifestam relações de poder. logias, inscreve-se em outro campo episte- Nos processos amplamente pedagógicos, mológico, o das teo- a aprendizagem 昀氀exível, ao criticar o acade- rias pós-modernas. micismo, acaba por reduzir a necessidade de domínio da teoria, uma vez que concebe o Do ponto de vista conhecimento como resultante dos discur- dessas teorias, o co- sos que ocorrem nas redes, foruns ou chats. nhecimento é uma Essa mesma simpli昀椀cação ocorre, de modo impossibilidade histó- geral, nos cursos à distância, em que se pro- rica, uma vez que ao põe um único percurso: são apresentadas pensamento humano leituras selecionadas pelo conteudista, que é impossível apreen- serão interpretadas em exercícios previamen- der a realidade, por- te propostos, que geralmente não atingem os que está demarcado níveis mais complexos dos comportamentos por diversidades cul- cognitivos, atendo-se, na maioria das vezes, turais; assim, as inter- à reprodução de conhecimentos já constru- pretações são diver- ídos para o reconhecimento de fatos ou si- sas, sendo verdadeiras tuações comuns, por operações mentais tais apenas no contexto como descrição, identi昀椀cação, indicação; cultural que lhe deu ou ao estabelecimento de relações que per- origem. O que há são mitem tecer explicações para os fenômenos interpretações, narrati- observados. São pouco frequentes os exer- vas atreladas à prática cícios que demandem operações mentais cotidiana, reduzindo- mais complexas, como avaliar, criticar, criar se o conhecimento soluções para situações inéditas, solucionar à linguagem, do que casos complexos que ensejem múltiplas res- decorre que a teoria postas, criticar resultados, fazer diagnósticos se constrói mediante o e assim por diante. embate de discursos intersubjetivos, ao ní- Tem-se, como resultado, a super昀椀cializa- vel da superestrutura; ou seja, pelo confronto ção do processo educativo, reduzindo-se o de discursos, e não pelo confronto entre pen- conhecimento a narrativas sobre as ativida- samento e materialidade. des cotidianas, fenômeno denominado por Moraes (2003), de recuo da teoria; essa pre- Assim, não há verdade, não há possibilida- carização da formação atinge a formação de de conhecer, o que resulta no ceticismo docente, o que fecha o círculo da fragilização epistemológico (Moraes, 2003). Importante dos processos educativos sistematizados: destacar que não há negação da realidade e acesso restrito à teoria por trabalho intelectu- sim da possibilidade de apreendê-la, pois não al pouco complexo. Rev. do Trib. Reg. Trab. 10ª Região, Brasília, v. 20, n. 2, 2016
22 Por outro lado, a a昀椀rmação do conheci- é tomada em seu sentido de atividade, desti- mento como resultante do confronto de dis- tuída de caráter teórico. cursos, ao não reconhecê-lo como resultante da relação entre teoria e prática, entre traba- Sem a mediação da teoria, e sem referên- lho intelectual e atividade, põe por terra a cia à materialidade, o conhecimento resulta concepção de práxis, o que conduz a duas da re昀氀exão prática sobre a prática, sem que dimensões que caracterizam o pós-moder- se supere o senso comum ou o conhecimen- nismo: o presentismo e o pragmatismo, que, to tácito, resultante da negação da teoria; não por coincidência, alimentam o consumo declarada a impossibilidade de conhecer, e e portanto, sustentam a lógica mercantil. desta forma, negado o caráter cientí昀椀co do conhecimento produzido em decorrência A negação da praxis de seu viés cultural e enquanto possibilidade de exercício de poder, de transformação a par- “Aqui, a prática adentramos ao campo tir da relação entre teoria da epistemologia da prá- e prática (a teorização é tomada em tica, que teve em Schön é uma impossibilidade) um de seus principais implica na negação da seu sentido propositores no início da centralidade da catego- de atividade, década de 1990. ria trabalho, compreen- dido em sua dimensão destituída de Esse autor, a partir de geral, ontológica, como caráter teórico” seus estudos sobre edu- constituinte do ser so- cação pro昀椀ssional, apre- cial; nessa concepção, senta uma nova episte- passa a ser substituído mologia, que advém do pela categoria cultura, conhecimento que os dimensão superestrutural que se constitui a pro昀椀ssionais constroem a partir da re昀氀exão partir de diferentes modos de vida, que por sobre as suas práticas, "pensando o que fa- sua vez constituem múltiplas identidades a zem, enquanto fazem", em situações de in- partir da coexistência de múltiplos papéis vi- certeza, singularidade e con昀氀ito. vidos pelos sujeitos. Ao a昀椀rmar "que os problemas da prática A dimensão pragmatista da aprendiza- do mundo real não se apresentam aos pro- gem 昀氀exível 昀椀ssionais com estruturas bem-delineadas" e que, "na verdade, eles tendem a não se apre- A prática é tomada como ponto de par- sentar como problemas, mas na forma de es- tida e ponto de chegada do conhecimento, truturas caóticas e indeterminadas" (2000, p. mas não na perspectiva materialista histórica, 16), Schön destaca que há situações em que que supõe a re昀氀exão teórica sobre a prática, não há respostas certas ou procedimentos que leva a sínteses teóricas mais elaboradas, -padrão, fugindo das estratégias convencio- que por sua vez orientam práticas diferencia- nais de explicação. Propõe, então, um ensino das, de caráter transformador. Aqui, a prática prático re昀氀exivo, baseado numa epistemolo- Rev. do Trib. Reg. Trab. 10ª Região, Brasília, v. 20, n. 2, 2016
23 gia da prática que abra espaço para o talento dade que ele conhece. artístico, apresentando outros dois conceitos: O problema que esta concepção apresen- conhecimento-na-ação e re昀氀exão-na-ação. ta, é a redução da formação ao conhecimen- to tácito e à prática, ao seu caráter meramen- Ao desenvolver o ensino prático re昀氀exivo, te instrumental. Schön esclarece que é "um ensino prático vol- tado para ajudar os estudantes a adquirirem A epistemologia da prática, contrapondo- os tipos de talento artístico essenciais para se à concepção de práxis, desvincula a práti- atuarem em zonas indeterminadas da prática" ca da teoria, que passa a supor-se su昀椀ciente; (2000, p. 25). As principais características do a prática, tomada em seu sentido utilitário, ensino prático-re昀氀exivo são o aprender fa- contrapõe-se à teoria, que se faz desnecessá- zendo, a instrução e o diálogo de re昀氀exão- ria ou até nociva. Neste caso, a teoria passa a na-ação entre instrutor e estudante. O autor ser substituída pelo senso comum, utiliza a expressão "talento artístico pro昀椀ssio- nal" para referir-se "aos tipos de competências que é o sentido da prática, e a ela não que os pro昀椀ssionais demonstram em certas se opõe. Em decorrência, justi昀椀ca-se uma situações da prática que são únicas, incertas formação que parte do pressuposto que e con昀氀ituosas" (SCHÖN, 2000, p. 29 - grifos no não há inadequação entre o conhecimento original). do senso comum e a prática, o que con- fere uma certa tranquilidade ao pro昀椀ssio- Conhecer-na-ação revela-se, para Schön, nal, posto que nada o ameaça; o contrário por um tipo de inteligência tática e espontâ- ocorre com relação à teoria, cuja intromis- nea que somos incapazes de tornar verbal- são parece ser perturbadora. ( KUENZER, mente explícita. Já a re昀氀exão-na-ação agrega 2003, p.9). uma função crítica, questionando a estrutura dos pressupostos do ato de conhecer-na-ação. Para ele, ao pensarmos criticamente na ação, podemos reestruturar as estratégias de ação (SCHÖN, 2000, p. 33). Na epistemologia da prática sugerida por Schön, o talento artístico pro昀椀ssional é enten- dido em termos de re昀氀exão-na-ação e cumpre um papel central na descrição da competên- cia pro昀椀ssional (SCHÖN, 2000, p. 38). Revela que na base dessa visão da re昀氀exão-na-ação está uma visão construcionista da realidade, na qual novas visões, apreciações e crenças estão enraizadas em “mundos construídos por nós mesmos”, contrapondo-se à raciona- lidade técnica, que se baseia numa visão ob- jetivista da relação do pro昀椀ssional com a reali- Rev. do Trib. Reg. Trab. 10ª Região, Brasília, v. 20, n. 2, 2016
24 Do ponto de vista do pensamento 昀椀losó- A dimensão presentista da aprendiza- 昀椀co, a epistemologia da prática corresponde gem 昀氀exível ao pragmatismo, que, ao reconhecer que o conhecimento está vinculado a necessidades A negação da praxis enquanto possibili- práticas, infere que o verdadeiro se reduz ao dade de transformação anula os projetos, útil. Como a昀椀rma Moraes, o processo cogni- as possibilidades, e a historicidade: o que tivo plasma-se no interior de limites que se vale é o presente. A experiência histórica é de昀椀nem pela e昀椀cácia, pela manipulação do substituída pela experiência do momento; as tópico e do imediato. O conhecimento limita- organizações históricas e suas experiências se à prática imediata e reduz-se à experiên- acumuladas são substituídas pelo ativismo, cia sensível, aos limites do empírico enquan- onde a sensação do ineditismo nas ações vo- to 昀椀m em si mesmo, e não enquanto ponto luntaristas torna-se a referência maior das es- de partida e ponto de chegada da produção colhas das posturas e das posições políticas. do conhecimento na perspectiva da transfor- (Debord, 2013) mação. (MORAES, 2003) A História é compreendida como uma for- ma especí昀椀ca de discurso, a forma narrativa, que, segundo um roteiro previamente de昀椀ni- do, atribui um efeito de verdade aos fatos e dados históricos, revestindo-os de uma racio- nalidade que não existe na realidade; portan- to, a História não existe. Em consequência, também não existe o universalismo e nem o coletivo, pois os fenômenos sociais não po- dem ser explicados por referências externas a eles, uma vez que essas referências são atra- vessadas por leituras particularistas, diversas culturalmente. Se não há história, não há valores, nem princípios ou fundamentos e não há futuro; só o presente, que deve ser vivido em sua completude. Reforça-se o individualismo, re- duzindo-se a sociedade à interação entre in- divíduos e as relações sociais são reduzidas ao plano individual (escolhas pessoais). Consequentemente, não há teorias sociais, pois estas são ilusões que disfarçam interes- ses particulares; a totalidade passa a ser um recurso metodológico impossível, pois não há como estabelecer relações causais entre Rev. do Trib. Reg. Trab. 10ª Região, Brasília, v. 20, n. 2, 2016
25 fenômenos sociais. A totalidade é substituída A relação entre aluno, professor e co- pela fragmentação. nhecimento Esse discurso revela apenas a aparência A aprendizagem 昀氀exível, ao criticar a con- das relações sociais e produtivas no regime de cepção tradicional que centra a prática peda- acumulação 昀氀exível. A análise aprofundada gógica do professor, reforça o protagonismo dessa teoria remete a outra tese de Debord do aluno no ato de aprender: de espectador, sobre a sociedade do espetáculo: a questão passa a ser sujeito de sua própria aprendiza- do controle das massas, que segundo o autor, gem, o que exigirá dele iniciativa, autonomia, se exerce pelo poder concentrado que impõe, disciplina e comprometimento. Essa concep- pelas novas tecnologias de informação e co- ção extrapola a liberdade para de昀椀nir tempos municação, um padrão de valores que regu- e espaços para os modos de aprender: sozi- lam toda a sociedade pela conformação de nho ou em processos colaborativos, mas sem- uma única identidade; assim, os valores são pre mediados pela tecnologia, com foco no criados pelo poder (do capital), que apresenta método, e não no objeto do conhecimento, o como universal seus interesses particulares. O que se traduz pelo aprender a aprender. Des- controle difuso complementa o controle con- taque-se que, nos processos colaborativos, centrado, ao induzir a uma falsa liberdade de em tese, o individualismo seria superado. escolha pela superprodução de mercadorias cada vez mais tecnologicamente so昀椀sticadas, Há vários pontos a analisar acerca dessa cujo consumo também responde a padrões concepção, do ponto de vista epistemológi- de comportamento favoráveis ao processo de co, de modo a esclarecer os pontos lacuna- acumulação. (Debord, 2013) res desse discurso. Assim é que, sob o discurso da heteroge- Inicialmente, há que retomar o proces- neidade, do respeito às diferenças, esconde- so de construção do conhecimento. Como se o processo de homogeneização cultural; apontou-se nos itens anteriores, a base teó- nega-se a universalização no discurso, mas rica do aprender a aprender é a epistemolo- as formas de controle a produzem e reprodu- gia da prática, que tem como fundamento zem no plano da materialidade, uma vez que a re昀氀exão sobre a prática, o que resulta no a cultura tornou-se produto, como a昀椀rma Ja- ceticismo epistemológico; como o conheci- meson (2006), para quem o pós-modernismo mento é uma impossibilidade histórica, cons- é uma dilatação imensa da esfera da merca- truindo-se as explicações pelo confronto de doria: é o coroamento do mercado e de seu discursos mediados pela cultura, e não a par- estilo de vida. tir da relação entre pensamento e materiali- dade, estabelece-se uma diferença de fundo A partir dessa análise, é possível a昀椀rmar entre o que se entende por protagonismo do que a aprendizagem 昀氀exível é uma nova for- aluno nesta concepção, em relação ao mate- ma de mercadoria que, para ser produzida e rialismo histórico. consumida, demanda a formação de subjeti- vidades 昀氀exíveis: pragmatistas, presentistas e Em resumo, na epistemologia da prática, fragmentadas. o pensamento debruça-se sobre as práticas Rev. do Trib. Reg. Trab. 10ª Região, Brasília, v. 20, n. 2, 2016
26 não sistematizadas, derivadas das respostas como totalidade ricamente articulada e com- criativas para resolver os problemas do co- preendida, mas também como prenúncio de tidiano do trabalho e das relações sociais, novos conhecimentos que estimulam novas no esforço de compreendê-las e sistematizá buscas e formulações. (Kosik, 1976) -las, mas sempre a partir delas mesmas. Ou seja, à medida em que conhecimentos táci- No processo de construção do conheci- tos vão sendo desenvolvidos pela experiên- mento, o ponto de partida é apenas formal- cia, serão objetos de re昀氀exão em busca de mente idêntico ao ponto de chegada, uma sua sistematização, sem a mediação da te- vez que, em seu movimento em espiral cres- oria; esse processo leva a aprendizagens no cente e ampliada, o pensamento chega a um próprio processo – o aprender a aprender, a resultado que não era conhecido inicialmen- criar soluções pragmáticas que podem ser in- te, e projeta novas descobertas. O ponto de tercambiadas pela linguagem, uma vez com- partida para a aprendizagem é sincrético, preendidas pela re昀氀exão. As aprendizagens nebuloso, pouco elaborado, senso comum; colaborativas, mediadas pelas tecnologias, o ponto de chegada é uma totalidade con- serão resultantes desse processo de troca de creta, onde o pensamento recapta e com- experiências práticas sem, necessariamente, preende o conteúdo inicialmente separado re昀氀exão sustentada teoricamente. e isolado do todo; posto que sempre síntese provisória, esta totalidade parcial será novo No campo epistemológico do materialis- ponto de partida para outros conhecimen- mo histórico, ao se a昀椀rmar que o conheci- tos. Os signi昀椀cados vão sendo construídos mento resulta da ação do aluno, tem-se uma através do deslocamento incessante do pen- compreensão radicalmente diferente. A ação samento a partir das primeiras e precárias do aluno resulta de um movimento no pen- abstrações para o conhecimento elaborado samento, mas a partir da materialidade para através da articulação entre teoria e prática, apreendê-la, compreendê-la em suas múlti- entre sujeito e objeto, entre o indivíduo e a plas dimensões e inter-relações. sociedade em um dado momento histórico. (Kosik, 1976) Em síntese, o método de produção do conhecimento é um movimento que leva o A ação do aluno, portanto, diferentemen- pensamento a transitar continuamente entre te da concepção da epistemologia da práti- o abstrato e o concreto, entre a forma e o ca, refere-se ao movimento do pensamen- conteúdo, entre o imediato e o mediato, en- to da prática para a teoria, e desta para a tre o simples e o complexo, entre o que está prática, para ressigni昀椀cá-la; esta explicação dado e o que se anuncia. Esse processo tem é necessária para que 昀椀que claro que, em- como ponto de partida um primeiro nível de bora em ambos os casos se defenda a ação abstração composto pela imediata e nebulo- do aluno, as concepções, a ação docente e sa representação do todo e como ponto de as metodologias que delas decorrem, são, chegada as formulações conceituais abstra- mais do que distintas, opostas. No materia- tas; nesse movimento, o pensamento, após lismo histórico, situam-se no campo da prá- debruçar-se sobre situações concretas, volta xis; na aprendizagem 昀氀exível, no campo do ao ponto de partida, agora para percebê-lo pragmatismo decorrente do ceticismo epis- Rev. do Trib. Reg. Trab. 10ª Região, Brasília, v. 20, n. 2, 2016
27 temológico. voluntárias e deliberadas, depende de pro- A concepção de prática docente, em cessos sistematizados de aprendizagem. decorrência, também se diferencia, em que pese seja comum a crítica à centralidade na Ainda segundo Vigotski, as ações peda- prática docente. gógicas implicam em práticas pedagógicas sistemáticas que conduzam os aprendizes Na aprendizagem 昀氀exível, o professor pas- a atitudes metacognitivas, o que vale di- sa a ter reforçadas as atribuições de planeja- zer, passam a ter domínio e controle cons- mento e acompanhamento mediante tutoria, ciente do sistema conceitual, bem como a assumindo papel secundário nas relações de compreender as suas próprias operações aprendizagem; sua função principal 昀椀ca des- mentais, desenvolvendo a capacidade de locada para o grupo, que interage com seu refletir sobre e de reconstruir seus con- apoio. ceitos cotidianos a partir de sua intera- ção com os conceitos No materialismo histó- “Na aprendizagem 昀氀exível, científicos. Para tanto, rico, ele assume o papel o professor passa a ter reforçadas deve se estabelecer de mediador, que orga- um permanente movi- nizará situações signi昀椀ca- as atribuições de planejamento mento entre o sujeito tivas de aprendizagem e acompanhamento mediante que aprende e o ob- em que teoria e prática tutoria, assumindo papel jeto da aprendizagem, estejam articuladas, quer secundário nas relações de o interno e o externo, pelo tratamento de situa- aprendizagem; sua função o intrapsicológico e o ções concretas mediante interpsicológico, o in- exemplos, casos, proble- principal 昀椀ca deslocada dividual e o social, a mas, simulações, labora- para o grupo, que interage parte e a totalidade. tórios, jogos, quer pela com seu apoio” inserção do aprendiz na Estas relações entre prática laboral, através o objeto a ser apren- de visitas, estágios ou práticas vivenciais. dido e o sujeito da aprendizagem, para o mesmo autor, são sempre mediadas por Para Vigotski (1984), a transição do senso outros indivíduos; a interação do sujeito comum e dos saberes tácitos para o conheci- com o mundo se dá pela mediação de ou- mento cientí昀椀co não se dá espontaneamen- tros sujeitos, os docentes, não ocorrendo te, conferindo à intervenção pedagógica de- a aprendizagem como resultado de uma cisivo papel; ou seja, se o homem é capaz de relação espontânea entre o aprendiz e o formular seus conceitos cotidianos esponta- meio; da mesma forma, a aprendizagem é neamente, tal não se dá no caso do desen- sempre uma relação social, resultante de volvimento de conceitos cientí昀椀cos, que de- processos de produção que o homem co- mandam ações especi昀椀camente planejadas, letivo foi construindo ao longo da história. e competentes, para este 昀椀m. Portanto, o de- Mesmo quando a aprendizagem parece re- senvolvimento das competências complexas, sultar de uma ação individual, ela sintetiza que envolve intenção, planejamento, ações a trajetória histórica. Rev. do Trib. Reg. Trab. 10ª Região, Brasília, v. 20, n. 2, 2016
28 Em resumo, a concepção de conhecimen- remete à sua formação; na epistemologia da to do materialismo histórico aponta os seguin- prática, essa formação se dá a partir da apren- tes pressupostos para os processos educati- dizagem 昀氀exível, com baixa densidade teóri- vos: os processos sociais e de trabalho como ca, centrada apenas na re昀氀exão da prática a ponto de partida para a seleção e organização partir da prática, reforçando o aligeiramento e dos conteúdos, superando a lógica que rege a fragmentação, como evidencia a expansão as abordagens disciplinares, que expressam a dos cursos de formação docente na modali- fragmentação da ciência e a sua separação dade a distância, a expressiva maioria de qua- da prática; os princípios metodológicos de lidade discutível. articulação entre teoria e prática, entre parte e totalidade e entre disciplinaridade e interdis- As críticas a essa concepção de formação ciplinaridade; a integração entre saber tácito docente remontam aos anos 2000, porém e conhecimento cientí昀椀co; a transferência de com reduzida e昀椀cácia; a citação de Pimenta conhecimentos e experiências para novas si- explicita com clareza a posição dos intelec- tuações. tuais histórico-críticos; a autora critica a apro- priação generalizada e acrítica dos Essa diretriz aponta a necessidade de supe- termos ‘professor re昀氀exivo’ e ‘pro- rar o trabalho educativo enquanto contempla- fessor pesquisador’, nas reformas ção, absorção passiva de sistemas explicativos educacionais de diversos países: complexos desvinculados do movimento da realidade histórico-social, apontando a práxis “diversos autores têm apre- como fundamento dos projetos pedagógicos. sentado preocupações quan- to ao desenvolvimento de um De fato, o processo que faz a mediação possível “praticismo” daí de- entre teoria e prática é o trabalho educativo; corrente, para o qual bastaria é através dele que a prática se faz presente a prática para a construção do no pensamento e se transforma em teoria; do saber docente; de um possível mesmo modo, é através do trabalho educa- “individualismo”, fruto de uma tivo que a teoria se faz prática, que se dá a re昀氀exão em torno de si própria; interação entre consciências e circunstâncias, de uma possível hegemonia entre pensamento e bases materiais de produ- autoritária, se se considera que ção, con昀椀gurando-se a possibilidade de trans- a perspectiva da re昀氀exão é su- formação da realidade. 昀椀ciente para a resolução dos problemas da prática; além A partir da práxis, entende-se a prática de um possível modismo, com sempre como ponto de partida e ponto de uma apropriação indiscrimina- chegada do trabalho intelectual, através do da e sem críticas, sem com- trabalho educativo, que integra estas duas di- preensão das origens e dos mensões. contextos que a gerou, o que pode levar a banalização da Essa forma de conceber os processos pe- perspectiva re昀氀exão”. (PIMEN- dagógicos, e em particular a ação docente, TA, 2002, p. 22). Rev. do Trib. Reg. Trab. 10ª Região, Brasília, v. 20, n. 2, 2016
29 Na concepção materialista histórica, dife- Jogar a criança fora com a água do ba- rentemente da concepção de epistemologia nho? da prática que inclusive fundamentou as di- retrizes curriculares em suas distintas versões, A de análise levada a efeito nos itens an- o processo de formação de professores deve teriores, em que se a昀椀rma a vinculação da abranger não apenas o desenvolvimento aprendizagem 昀氀exível ao regime de acumula- de competências técnicas para o exercício ção vigente, no qual o ceticismo pedagógico, pro昀椀ssional, mas o desenvolvimento da capa- o pragmatismo utilitarista, a fragmentação, cidade de intervenção crítica e criativa nos o presentismo, a individualização, desem- processos de formação humana, porque esta penham o papel de cimento ideológico ao é a própria natureza dos processos educati- acirramento do processo de exploração em vos. E, na perspectiva da simetria invertida, curso, pode levar à constatação da impossibi- a objetivação desta relação no percurso for- lidade de utilização das tecnologias de infor- mativo melhor capacitará o futuro professor mação e comunicação nos processos de en- para exercê-la em sua prática laboral. sino, o que seria um equívoco. Se contudo, por contradição, há positividades, elas só po- dem ser adequadamente percebidas a partir da radicalização – ida às raízes – da crítica. Uma vez a crítica realizada, necessário se faz o resgate das possibilidades pedagógicas das novas tecnologias. A primeira questão a considerar é se os processos pedagógicos de base microeletrô- nica servem a todos os potenciais alunos, em todos os níveis e modalidades de ensino, em particular à distância. Ou há uma clivagem a ser considerada? Sobre essa questão, Castels (1999) mostra, a partir de extensa pesquisa empírica, o cará- ter seletivo das novas tecnologias de informa- ção e comunicação. Inicialmente, o autor aponta a difusão da diferenciação social e cultural, levando à seg- mentação dos usuários; as mensagens não são apenas segmentadas pelo mercado, mas cada vez mais diferenciadas em função dos interesses do usuário; as comunidades virtu- ais são uma das expressões desta diferencia- ção; reforça-se, desta forma, uma crescente Rev. do Trib. Reg. Trab. 10ª Região, Brasília, v. 20, n. 2, 2016
30 fragmentação das identidades e individuali- a informação sobre o que procurar e o zação dos sujeitos, contrariamente aos valo- conhecimento sobre como usar a mensa- res de solidariedade e produção coletiva das gem será essencial para se conhecer verda- condições de existência, sobre os quais cons- deiramente um sistema diferente da mídia truiu-se a pedagogia contemporânea. de massa padronizada. Assim, o mundo da multimídia será habita- do por duas populações essencialmente distintas: a interagente e a receptora da interação, ou seja, aqueles capazes de selecionar seus circuitos multidirecionais de comunicação e os que rece- bem um número restrito de opções pré-empacotadas; e quem será o que, será determinado amplamente pelas diferenças de classe, raça, sexo e país ( CASTELS, 1999, p. 393-394). A análise feita por esse autor remete a constatar que diferentes grupos de interesse e participantes de diferentes classes sociais têm relações diferenciadas, e portanto, aprendizagens diferenciadas em proces- sos pedagógicos mediados pelas tecnologias. O que remete aos conhecimen- tos e experiências prévios, condições essenciais para a A crescente estrati昀椀cação social entre os construção de signi昀椀cados a partir de conhe- usuários é outra característica apontada por cimentos novos. Castels (1999); esta opção não só se restringe aos que têm tempo e dinheiro para o aces- Para que a aprendizagem aconteça, as so, aos países e regiões com infraestrutura e atividades deverão ter como ponto de par- com mercado potencial, mas principalmente tida os conhecimentos prévios dos alunos, aos educativa e culturalmente favorecidos; para em seguida apresentar os conhecimen- segundo o autor, tos novos; nessa transição, são desenvolvi- Rev. do Trib. Reg. Trab. 10ª Região, Brasília, v. 20, n. 2, 2016
31 dos novos signi昀椀cados a partir de estruturas ção, a certi昀椀cação pode se dar a partir do cognitivas pré-existentes. Nesse processo, que cada aluno, no exercício de sua indivi- ambos os conhecimentos se modi昀椀cam: o dualidade, pode alcançar. Reforça-se, dessa novo passa a ter signi昀椀cado, é compreendi- forma, o aligeiramento do processo educati- do e passível de aplicação; é assimilado ao vo, bem como seu caráter meramente certi昀椀- conhecimento prévio, que, por sua vez, 昀椀ca catório. Por outro lado, sendo bem de昀椀nidos mais elaborado. O resultado é uma síntese de os critérios de avaliação, pode haver número qualidade superior, que se objetiva em novas signi昀椀cativo de alunos que não alcancem os formas de pensar, de sentir e de fazer. objetivos propostos e não sejam certi昀椀cados, que não interessa aos cursos cuja 昀椀nalidade Em resumo, há que organizar ativida- seja mercantil. des em que se parta do conhecido para o novo, da parte para a totalidade, do simples Outra característica apontada por Castels para o complexo; isso só será possível pela é a integração de todos os tipos de mensa- ação teórico-prática do aluno nas situações gens em um padrão cognitivo comum: de aprendizagem planejadas pelo profes- sor, com base, sempre, em práticas sociais diferentes modos de comunicação e de trabalho que deverão ser analisadas tendem a trocar códigos entre si... crian- e transformadas a partir de aportes teóricos do um contexto semântico multifaceta- cada vez mais amplos e mais complexos. do composto de uma mistura aleatória Nas atividades presenciais o professor terá de vários sentidos... reduzindo a dis- condições de identi昀椀car os conhecimentos tância mental entre as várias fontes de prévios dos alunos e organizar e reorganizar envolvimento cognitivo e sensorial: pro- atividades que viabilizem a aprendizagem, gramas educativos parecem videoga- de modo a enfrentar diferenças de acesso ao mes; noticiários são construídos como conhecimento e a experiências signi昀椀cativas espetáculos audiovisuais, julgamentos derivadas de condições materiais de existên- parecem novelas (CASTELS, 1999, p. cia desiguais. E, a partir da identi昀椀cação das 394). desigualdades, ter como horizonte a univer- salização do acesso à educação como direito Em decorrência, o usuário precisará fundamental. ter um amplo domínio sobre as diferen- tes formas de linguagem para exercer a Na aprendizagem 昀氀exível, o atendimento diferenciação crítica sobre seus usos e individualizado só se dá no que tange a tem- finalidades não explicitadas, assim como pos e espaços; no mais, o percurso metodo- autonomia para trabalhar intelectual e lógico é padronizado, independentemente eticamente, o que não é a realidade de das condições de vida e conhecimentos pré- expressivo número de estudantes, dadas vios; as diferenças até podem ser objeto de as clivagens acima apontadas, em parti- tratamento pelo tutor, mas há limites a essa cular a de classe social, que define formas intervenção, que pode ser efetiva quando desiguais de acesso ao conhecimento e as diferenças são pouco signi昀椀cativas. A não desenvolvimento de competências cogni- haver critérios bem estabelecidos de avalia- tivas complexas. Rev. do Trib. Reg. Trab. 10ª Região, Brasília, v. 20, n. 2, 2016
32 Outra dimensão a considerar, apontada das injustiça fazem parte da sociedade do es- desde os anos 90, é o risco da banalização petáculo. (Debors, 2013) do esforço, da passividade cognitiva, da per- da de interesse pela leitura, características Nesse contexto, a motivação, o esforço e a cada vez mais presentes entre os estudantes disciplina necessários ao trabalho intelectual de todos os níveis e modalidades educativas. são rapidamente descartados. Aprender depressa e sem esforço, é o desejo permanente manifesto. Para atendê-lo, de- Finalmente, Castels aponta o que denomi- senvolve-se uma pedagogia mercantilizada na de característica mais importante da multi- que oferece opções de curta duração, baixo mídia: a captação da maioria das expressões custo e reduzida qualidade, presenciais e à culturais, em toda a sua diversidade, distância, e que o pouco esforço intelectual é recompensado com um certi昀椀cado tão va- equivalendo ao 昀椀m da separação entre zio de signi昀椀cado quanto incapaz de facilitar mídia audiovisual e mídia impressa, cultu- a inclusão. ra popular e cultura erudita, entretenimen- to e informação, educação e persuasão; Ainda há que considerar que a relação todas as expressões culturais, da melhor à com o conhecimento mediada pelas novas pior, da mais elitista à mais popular, vêm tecnologias se dá de outras formas, em par- juntas neste universo digital que liga, em ticular em face da fragmentação caleidoscó- um supertexto histórico gigantesco, as pica propiciada pelos avanços tecnológicos, manifestações passadas, presentes e futu- amplamente disponibilizados em equipa- ras da mente comunicativa; com isto, elas mentos de todos os tipos e preços; ao nave- constroem um novo ambiente simbólico; gar no hipertexto, perde-se o foco e esque- fazem da virtualidade a nossa realidade ( ce-se do objetivo inicial com facilidade; desta CASTELS, 1999, p. 394). forma, as informações, muitas de qualidade discutível tanto do ponto de vista cientí昀椀co quanto ético, se sucedem rapidamente; perde- se a capacidade de re昀氀exão e de crítica, em nome do espetá- culo. O que a mídia reproduz é a verdade; os ídolos midiáticos de昀椀nem formas de linguagem, posturas e padrões de consu- mo; a ética é substituída pela estética e o que atrai e motiva é a conjugação de movimentos, cores, formas e sons, integrados pelas mídias de forma cada vez mais espetacular. A estetização da violência e a banalização Rev. do Trib. Reg. Trab. 10ª Região, Brasília, v. 20, n. 2, 2016
33 A análise levada a efeito nos parágrafos comportamento que movem a acumulação anteriores traz sérias consequências para a 昀氀exível. O discurso da diversidade apenas educação, particularmente do ponto de vis- falseia sensação de liberdade e de respeito ta dos países pobres e dos que vivem do tra- às diferenças para esconder o processo de balho, ou dele são excluídos, demandando homogeneização em curso. Há que buscar, rediscussão das categorias linguagem, iden- portanto, as possibilidades trazidas pelas tidade, autonomia, em suas relações com as contradições estruturantes do modo de pro- 昀椀nalidades dos processos educativos. dução capitalista. A fragmentação e a individualização fun- Sem a pretensão de aprofundar o estudo damentam o discurso da pós-modernidade, desse tema tão complexo, que tem sido ob- esvaziando o discurso pedagógico, que pas- jeto de pesquisas em todas as áreas, muitas sa a ser instado à rede昀椀nição; sem uma críti- de caráter interdisciplinar, gostaria de apre- ca mais consistente sobre estas categorias, de sentar alguns pontos para estimular o deba- modo a apreendê-las como parte da ideolo- te, a partir da concepção materialista histó- gia que confere coerência ao regime de acu- rica. mulação 昀氀exível, o novo discurso pedagógico defende a 昀氀exibilização dos processos edu- cativos, para o que organizações curriculares generalistas se apresentam como solução. No contexto dessas críticas, resta pergun- tar se há positividades no uso das novas tec- nologias de informação e comunicação. A primeira observação a fazer é que, em relações sociais e de produção mediadas pela base microetrônica, a não utilização das novas tecnologias nos processos edu- cativos é uma hipótese que não se coloca, uma vez que permeiam, mediam e mesmo determinam as ações humanas a partir dos anos 80, processo esse irreversível e tenden- te ao aprofundamento constante, uma vez que são a alma do regime de acumulação 昀氀exível. A questão é como utilizá-las em processos educativos emancipatórios, dado que não são neutras, como a昀椀rma Castels, acima citado; há uma determinação do ca- pital acerca de quem acessa e utiliza o que, além do estímulo ao desejo de consumir e da construção de padrões culturais e de Rev. do Trib. Reg. Trab. 10ª Região, Brasília, v. 20, n. 2, 2016
34 Inicialmente, há pelo menos duas possi- nova forma de re- bilidades de uso das novas tecnologias nos lacionar-se com processos especificamente pedagógicos: o conhecimento, nas atividades presenciais e nas atividades individualmente e à distância, desde que não se abra mão de forma colabora- da função mediadora do professor na or- tiva, compartilhan- ganização de atividades significativas que do aprendizagens, estimulem o aluno a relaciona-se com o acessando infor- conhecimento. mações e produ- tos culturais, anali- Nas duas possibilidades, o uso das tec- sando criticamente nologias pode estimular o desenvolvimen- as relações sociais to da capacidade de análise crítica e da e produtivas para autonomia intelectual e ética, a partir do construir suas pró- estudo de situações reais fundamentadas prias concepções, em sólida teoria, desde que o professor valores e formas de esteja formado para tal, o que implica em conduta, contra- domínio epistemológico, teórico e meto- pondo-se à homo- dológico em sua área de docência, com- geneização cultu- plementada pelo letramento digital. ral tendo em vista O que se observa, contudo, pela super- a compreensão e ficialidade que os projetos de formação a intervenção em têm apresentado, é que essas competên- uma sociedade que cias não se desenvolvem para a maioria precisa ser transfor- dos docentes. mada. Em decorrência, nas atividades pedagó- Nesse sentido, gicas os docentes têm usado as tecnolo- as tecnologias são gias apenas como suporte para preparar novas formas de e fazer apresentações e induzir os alunos mediação entre a realizar pesquisas, nas quais, na maioria o ser humano e o das vezes, a cópia do texto da enciclopé- conhecimento, e dia é substituída pelo copiar e colar textos seu uso na prática que nem sempre têm a densidade teórica pedagógica, com base nas categorias do desejada. materialismo histórico, poderá estimular o desenvolvimento de identidades compro- Com formação adequada, o profes- metidas com a construção de relações so- sor será capaz de superar o uso das no- ciais e produtivas mais justas. vas tecnologias como suporte e defini-las não só como material didático tendo em Na educação à distância, cumpre desta- vista a construção de atividades que via- car que ainda predomina a reprodução do bilizem a aprendizagem, mas como uma pior das aulas presenciais: vídeo-aulas in- Rev. do Trib. Reg. Trab. 10ª Região, Brasília, v. 20, n. 2, 2016
35 termináveis, leitura e interpretação de tex- aluno à compreensão da realidade a partir tos com apoio de tutor. As atividades pro- de sólida formação teórica, desenvolven- postas , de modo geral não ultrapassam os do competências cognitivas complexas, níveis mais básicos da taxionomia de com- demanda um novo esforço dos professo- petências cognitivas, responsáveis pela res, para o que devem ser adequadamente reprodução de conhecimentos já constru- formados. ídos para o reconhecimento de fatos ou representações de problemas comuns. Su- E, neste caso, não basta formação na área perar este modelo para construir roteiros especí昀椀ca acrescida de formação tecnológi- em educação à distância que conduzam o ca; ela deverá ser respaldada por formação Rev. do Trib. Reg. Trab. 10ª Região, Brasília, v. 20, n. 2, 2016
36 epistemológica e pedagógica que permita KOSIK, K. Dialética do concreto. Rio de compreender como o aluno se relaciona Janeiro, Paz e Terra, 1976. com o conhecimento pela mediação das novas tecnologias, para que possa construir KUENZER. A. Z. Competência como Prá- percursos formativos compostos por ativida- xis: os dilemas da relação entre teoria e práti- des integradas que levem ao conhecimento ca na educação dos trabalhadores. Boletim e à participação social, pelo desenvolvimen- Técnico do Senac, Rio de Janeiro, v. 29, n.1, to de competências cognitivas complexas a jan/abr., 2003b. partir do acesso à teoria. _______________. Da dualidade assumida As possibilidades, por contradição ao à dualidade negada; o discurso da 昀氀exibiliza- pretendido pela acumulação 昀氀exível, estão ção justi昀椀ca a inclusão excludente. Educação postas; há, contudo, um longo caminho a e Sociedade, São Paulo, v. 28, p.1153-1178, percorrer, para que processos educativos, 2007. presenciais e à distância, possam ser desen- volvidos por docentes quali昀椀cados e com- MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. A ideolo- prometidos com a emancipação humana. gia alemã. São Paulo, Martins Fontes, 2008. A começar pela formação dos professores, pela democratização do acesso aos meios MORAES. M. C. M. M. (org.) Iluminismo às e pelo avanço dos estudos nessa área, em Avessas: produção de conhecimento e polí- particular no que tange aos novos processos ticas de formação docente. Rio de Janeiro: de relação e de produção do conhecimento. DP&A, 2003. PIMENTA, S. G. e GHEDIN, E. (orgs.). Profes- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS sor Re昀氀exivo no Brasil: gênese e crítica de um conceito. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2002. CASTELS, M. A sociedade em rede. São Paulo, Paz e Terra, 1999. VÁZQUEZ, A. S. Filoso昀椀a da Práxis. Rio de Janeiro. Paz e Terra, 1968. SCHÖN. D. Educando o Pro昀椀ssional Re- 昀氀exivo: um novo design para o ensino e a VIGOTSKI, L.S. A formação social da men- aprendizagem. Porto Alegre: Artmed Edito- te. São Paulo, Martins Fontes, 1984. ra, 2000. DEBORD, G. A sociedade do espetá- culo. Brasil: eBooksBrasil.com, 2013. Dis- ponível em:. Acesso em: 04 nov. 2016. JAMESON, F. Pós-modernismo: a lógica do capitalismo tardio. São Paulo, Ática, 2006. Rev. do Trib. Reg. Trab. 10ª Região, Brasília, v. 20, n. 2, 2016
37 LEVANDO-SE A SÉRIO A INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS POR INADIMPLÊNCIA DE VERBAS RESCISÓRIAS 1 Cristiano Siqueira de Abreu e Lima RESUMO PALAVRAS-CHAVE: Dano moral. Verba rescisória. Direito à dignidade. Seguro de- Analisa o papel da atividade laboral na semprego. Fundo de Garantia do Tempo de sociedade abrangendo as dimensões econô- Serviço. micas e psicológicas dos trabalhadores. Dis- corre sobre a violação de diretos trabalhistas INTRODUÇÃO destacando o inadimplemento de verbas res- cisórias. Apresenta a jurisprudência sobre o Para construção de uma sociedade livre, assunto, defendendo o reconhecimento au- justa, solidária, promessa 昀椀rmada como ob- tomático de indenização por danos morais jetivo fundamental da arquitetura constitu- nos casos de inadimplemento das obrigações cional (CF, art. 3º, I), a noção de desenvol- rescisórias (dano in re ipsa). vimento transcende a simples acumulação 1. Mestre em Direito Internacional dos Direitos Humanos (University of Essex), Professor do Centro Universitário de Brasília (UNICEUB), Juiz do Tra- balho Substituto da 10ª Região Vice-Presidente da Associação dos Magistrados do Trabalho da 10ª Região (2014/2016). Rev. do Trib. Reg. Trab. 10ª Região, Brasília, v. 20, n. 2, 2016
38 de riquezas e reclama verdadeira transforma- tinado ao descanso, lazer e convívio social, ção social, em que assegurados os legítimos mas também em diversos outros direitos civis meios necessários para a escolha individual e e políticos daquele empregado, como o exer- coletiva da vida que pretendemos viver e das cício real da liberdade religiosa e da partici- 2 liberdades que desejamos gozar. pação cívica nos assuntos da comunidade. A昀椀nal, como se dedicar a uma determinada Nesse cenário, o trabalho tem inegável religião e como exercer a vocação política protagonismo, pois é, por meio do trabalho, comunitária, por exemplo, se o empregado que a maior parte da população economica- encontra-se “preso” ao eixo trabalho, sem mente ativa alcança os recursos 昀椀nanceiros tempo livre para as atividades extralaborais? necessários para o cus- teio das necessidades “Com isso, o trabalho, Com isso, o trabalho, essenciais relacionadas além de mecanismo à alimentação, mora- além de mecanismo para imprimir identida- dia, saúde, educação e para imprimir de a cada indivíduo-tra- lazer. (CF art. 6; 1998; identidade a cada balhador, revela-se im- PIDESC arts. 11, 12, 13). portante elo de ligação De fato, o direito à remu- indivíduo-trabalhador, entre o desenvolvimento neração justa impacta revela-se importante elo econômico e social,(OIT, diretamente a qualidade de ligação entre 2013) con昀椀gurando-se da alimentação ingerida ferramenta imprescindí- diariamente pelo traba- o desenvolvimento vel do processo emanci- lhador, os tratamentos econômico e social” patório das capacidades preventivos e paliativos necessárias a satisfação que asseguram um nível dos direitos humanos. adequado de sua saúde, Por ser interrelacionado 3 o aumento das possibilidades de escolha re- e interdependente a todos os outros direitos lacionados à moradia e educação. Se o tra- humanos, o trabalho tem papel de destaque balhador contribui para o orçamento familiar, no projeto constitucional brasileiro sendo sua seu trabalho também tem o efeito expansivo valorização fundamento da República Fede- de ajudar na satisfação dos direitos huma- rativa do Brasil e da própria ordem econômi- nos de todos que se bene昀椀ciam os recursos ca (CF, arts. 1º, IV e 170, caput). 昀椀nanceiros advindos daquele trabalho. Além disso, a limitação da jornada de trabalho e A proteção, portanto, do trabalho é medi- consequentemente o reconhecimento do di- da que se impõe em diversos níveis e dimen- reito à desconexão re昀氀etem, não apenas na sões, devendo-se buscar estratégias que asse- garantia de tempo livre do trabalhador des- gurem não somente a empregabilidade pela 2. A esse respeito, recomenda-se a leitura de dois ganhadores do Prêmio Nobel de Economia: Joseph Stiglitz (Employment, Social Justice and Societal Well-Being, International Labour Review, Oxford University Press, Vol. 141, 2002) e Amartya Sen (Development as a Freedom, United King- dom, Oxford University Press, 1999) 3. A noção de interdependência e inter-relação foi extraída da Declaração e Programa de Ação de Viena (1993), segundo a qual “todos os direitos humanos são universais, indivisíveis, interdependentes e inter-relacionados”. Rev. do Trib. Reg. Trab. 10ª Região, Brasília, v. 20, n. 2, 2016
39 livre iniciativa, sem obviamente se descuidar rescisórias pode servir como interessante ins- de condições decentes na forma como o trumento para desestimular esta prática lesi- trabalho é executado, cujos patamares míni- va. mos encontram-se balizados no próprio texto constitucional, como se percebe dos artigos LEVANDO-SE A SéRIO A INDENIzAÇÃO 7º e 8º da Carta Magna, verdadeiros alicerces POR DANOS MORAIS NO CASO DE INADIM- do sistema normativo de proteção ao traba- PLêNCIA DAS VERbAS RESCISóRIAS. lhador. O atraso reiterado e injusti昀椀cado no pa- Nada obstante, muitos empregadores ar- gamento dos salários e/ou a falta do adim- riscam-se em descumprir a legislação social plemento das obrigações trabalhistas, por com claro objetivo de baratear o custo da ocasião de rescisão contratual (pagamento mão-de-obra. Além de se obter uma vanta- das verbas rescisórias, ausência de baixa da gem econômica comparativa em relação CTPS, entrega do TRCT e guias de habilitação aos demais concorrentes por meio da viola- ao seguro-demprego), são ilicitudes que tem ção de direitos trabalhistas (dumping social), potencial de gerar danos morais nos termos a medida perversa impacta negativamente dos artigos 1º, III e IV, 5º, X, da Constituição as capacidades dos trabalhadores, pois extir- da República e 186, 389 e 927 do Código Ci- pam do trabalho o poder emancipatório de vil. promoção de outros direitos humanos. Na ex- periência da litigação trabalhista, não raro se observam situações em que o empregador deliberadamente não cumpre as obrigações rescisórias, aventurando-se em ter ganho econômico nas possibilidades de o emprega- do não “procurar” seus direitos na Justiça, de se fazer acordo judicial desfavorável 昀椀nancei- ramente ao empregado, ou seja, em patamar reduzido ao que seria efetivamente devido (e pior com o incentivo e “ajuda” do próprio Poder Judiciário) ou do simples retardo no pagamento das verbas devidas, normalmen- te com ganho 昀椀nanceiro ao ofensor a partir da correção monetária e juros de mora bem inferiores àqueles próprios do mercado de capitais. Sem prejuízo da discussão sobre várias outras alternativas de combate a este qua- dro pernicioso, o reconhecimento da indeni- zação por presunção de danos morais (in re ipsa) no caso de inadimplemento de verbas Rev. do Trib. Reg. Trab. 10ª Região, Brasília, v. 20, n. 2, 2016
40 A responsabilidade pelo respeito, prote- da Constituição Federal os valores sociais do ção e promoção dos direitos humanos é de trabalho e da livre iniciativa, o constituinte es- todos - cidadãos, empresas e Estado – que trategicamente intencionou estabelecer uma possuem o compromisso de construir uma compatibilização entre os aludidos funda- sociedade propícia ao surgimento de espa- mentos da República Federativa do Brasil, ra- ços emancipatórios que capacitem o acesso zão por que a atividade produtiva não serve a bens materiais e imateriais aptos a aparelhar apenas como importante meio de geração a decisão livre de cada indivíduo sobre os de riquezas em benefício da “livre iniciativa”, caminhos legítimos das suas próprias existên- mas igualmente como instrumento indispen- cias. Em relação exclusivamente aos agentes sável à criação de espaços e capacidades econômicos, o artigo 170, inciso III, da Cons- para os diversos trabalhadores exercerem tituição da República é claro ao determinar seus direitos humanos por meio de um tra- que a ordem econômica deve se fundar no balho valorizado e decente (CF, arts. 1º, 3º, princípio da função social da propriedade 6º, 7º, 170 e 193). (DALLAGRAVE NETO, 2005). que, no entendimento do Eros Grau, signi昀椀ca o dever de geri-la em benefício da coletivida- O trabalho, ao se revelar o mais impor- de, in verbis: tante elo de aproximação entre o desen- volvimento econômico e social, (OIT, 2013) O que mais releva enfatizar, entretan- con昀椀gura essencial instrumento do proces- to, é o fato de que o princípio da função so emancipatório das capacidades neces- social da propriedade impõe ao proprie- sárias a satisfação dos direitos humanos. tário – ou a quem detém o poder de con- A昀椀nal, para a grande maioria das pessoas, trole, na empresa – o dever de exercê-lo o trabalho é o meio que permite o acesso em benefício de outrem e não, apenas, a bens materiais e imateriais destinados a de não o exercer em prejuízo de outrem. uma existência digna. O direito a remune- Isso signi昀椀ca que a função social da pro- ração justa (CF, art. 7º, IV e Pacto Interna- priedade atua como fonte da imposição cional dos Direitos Econômicos, Sociais e de comportamentos positivos - prestação Culturais, art. 7.a.1), por exemplo, é inter de fazer, portanto, e não, meramente de -relacionado e interdependente4 ao direito não fazer – ao deterntor do poder que de- a um adequado padrão de vida, o qual será 昀氀ui da propriedade. (GRAU, 2001, p. 269). importante instrumento para o gozo dos di- reitos à alimentação, vestuário, moradia, Transportando tal compreensão ao con- saúde, educação e lazer (CF, art. 6º e Pacto texto laboral, não há duvidas de que o em- Internacional dos Direitos Econômicos, So- pregador tem responsabilidade em relação ciais e Culturais, art.s 11, 12 e 15). A falta aos valores sociais do trabalho e à dignidade do cumprimento pelo empregador da obri- daqueles que se colocam à disposição de seu gação básica de se remunerar a atividade poder diretivo (CF, art. 1º, III e IV). Ademais, laboral prestada (CF, arts. 2º e 457), reduz ao colocar no mesmo inciso III do artigo 1º ou mesmo impede a capacidade emanci- 4. A noção de interdependência e inter-relação foi extraída da Declaração e Programa de Ação de Viena (1993), segundo a qual “todos os direitos humanos são universais, indivisíveis, interdependentes e inter-relacionados”. Rev. do Trib. Reg. Trab. 10ª Região, Brasília, v. 20, n. 2, 2016
41 padora do trabalho aos empregados, cau- lários decorrentes do vínculo empregatício. sando-lhes automaticamente ressentimen- Não se pode esquecer que muitos direitos to e di昀椀culdades. sociais, alçados à condição de direitos funda- mentais, tais como, como o aviso prévio (CF, Assim, o desconforto, constrangimento art. 7º, XXI), multa de 40% de FGTS (CF, art. e até sofrimento causados aos empregados 7º, I e ADCT, art. 10) e seguro-desemprego que precisam dos salários (e, se for o caso (CF, arts. 7º, II e 201, III e 209, §4º), foram con- de rompimento do vínculo empregatício, das cebidos justamente para amenizar o período verbas rescisórias) para honrar os custos ne- de desemprego, imediatamente após a res- cessários ao sustento próprio e de sua família cisão contratual, garantindo ao trabalhador, são presumidamente automáticos (dano in não apenas condições minimamente decen- re ipsa), não sendo necessário condicionar- tes por um determinado período, mas tam- se à comprovação da bém as condições mate- ocorrência de fatos ob- “Assim, não se riais necessárias para se jetivos e “concretos” dos trata de mero recolocar no mercado revezes suportados pelo de trabalho. Assim, não trabalhador em seu dia a desconforto que pode se trata de mero descon- dia (atraso no pagamen- ser generalizado forto que pode ser gene- to de uma conta de luz, como simples ralizado como simples água, falta de dinheiro chateação passageira. para alimentação, ins- chateação passageira. Na verdade, se trata de crição no SERASA e SPC Na verdade, se trata de grave dano ao patrimô- etc). A昀椀nal, se o empre- grave dano ao patrimônio nio moral do emprega- gado está acostumado do. O descumprimento a saldar suas obrigações do” das obrigações rescisó- moral do emprega mensais e a satisfazer rias, especialmente nos suas necessidades físicas casos de completo ina- e imateriais com os recursos provenientes de dimplemento (sem pagamento de parcelas seu emprego, por óbvio, o inadimplemento rescisórias, entrega do TRCT para movimen- do empregador gera uma série de di昀椀culda- tação do FGTS, fornecimento das guias para des, de naturezas variadas, que causam an- habilitação ao seguro-desemprego e baixa na gústia e dor na esfera íntima do trabalhador. CTPS), conduz o empregado a período cer- to, mas indeterminado, de di昀椀culdades, pois Ressentimento semelhante ocorre ao em- o coloca em 昀氀anco crítico para enfrentar as pregado quando seu empregador não cum- adversidades da vida, sem os meios econô- pre as obrigações decorrentes da rescisão micos adequados, causando manifesto dano contratual, pois, nessa situação de grande a seu patrimônio moral, na medida em que, insegurança, o empregado normalmente 昀椀ca não bastasse 昀椀car desprovido de atender as em estado vulnerabilidade, na medida em é necessidades inerentes à sua própria dignida- abruptamente afastado dos bens materiais de, exsurge inegável sentimento de injustiça e necessários ao sustento próprio, em razão da ressentimento de, mesmo após empregada perda da garantia proporcionada pelos sa- a força de trabalho em favor do empregador, Rev. do Trib. Reg. Trab. 10ª Região, Brasília, v. 20, n. 2, 2016
42 não receber a devida contrapartida patronal básicas, mesmo após emprestar seu suor à de cumprir as obrigações imperativas e indis- atividade produtiva do empregador, o reco- poníveis determinadas em lei. nhecimento de danos morais nessas hipóte- ses é medida pedagógica que visa desenco- Não se pode olvidar que o artigo 389 do rajar a prática reiterada do descumprimento Código Civil é muito claro ao estabelecer que das obrigações trabalhistas pelo empregador, “não cumprida a obrigação, responde o de- o qual, em muitos casos, para obter delibera- vedor por perdas e danos”, o que obviamen- damente vantagem econômica comparativa te inclui a compensação por danos morais. indevida (dumping social), aposta no não-a- No mesmo sentido, os artigos 186 e 927 do juizamento de ações trabalhistas em virtude Código Civil que, em sua leitura combinada, da falta de consciência dos empregados em determinam a obrigação de compensação relação a seus direitos, na restrição de aces- de danos morais por todo aquele que causou so físico ou econômico dos trabalhadores à danos culposa ou dolosamente a outrem. jurisdição ou em acordos judiciais que dece- pam boa parte dos direitos que o empregado É bem verdade que a jurisprudência do- faria efetivamente jus. minante dos tribunais trabalhistas, muito pro- vavelmente sob o medo de se banalizar o Inúmeras decisões reconhecem o direito instituto da reparação civil, têm se mostrado do empregado à indenização por danos mo- oscilante e contraditória, evidenciado mui- rais em razão da falta de cumprimento das tas vezes certa timidez em se reconhecer a obrigações rescisórias: existência de danos morais em hipóteses de falta de cumprimento das obrigações rescisó- rias, mas admitindo em hipóteses até menos graves como, por exemplo, pela simples re- tenção da CTPS pelo empregador, conduta realmente censurável, mas não impeditiva da satisfação da maior parte dos direitos fun- damentais, já que, via de regra, é possível retirar outra carteira, caso haja necessidade de contratação por outro empregador. Aliás, a Justiça Comum, por muito menos, reco- nhece danos morais em casos, por exemplo, como atraso em viagens aéreas e inscrição em órgãos de proteção do comércio. Além de o atraso reiterado de salários du- rante a vigência do contrato de trabalho e/ ou o não cumprimento das obrigações res- cisórias causarem inequivocamente angústia, insegurança e até desespero nos trabalha- dores que 昀椀cam desprovidos dos meios ne- cessários para satisfazer suas necessidades Rev. do Trib. Reg. Trab. 10ª Região, Brasília, v. 20, n. 2, 2016
43 RECURSO ORDINÁRIO – DANO MO- irresponsável aberta, causadora, portanto, RAL – DESPEDIMENTO INCONSEQUENTE de danos materiais e morais ao trabalha- – FALTA DE PAGAMENTO DAS VERbAS dor que literalmente é posto na rua. Re- RESCISóRIAS. Deve-se exigir a imple- curso improvido. (TRT 15ª Região; 4ª Tur- mentação e o respeito ao patamar mí- ma; 0000176-89.2010.5.15.032; Relator: nimo civilizatório, constitucional e legal, Desembargador Federal do Trabalho José que regula as relações do trabalho daí Pedro de Camargo Rodrigues de Souza) por que, se o empregador se vale do di- reito potestativo de dispensa, em contra- DANO MORAL. ATRASO EXCESSIVO partida deve cumprir a legislação que o NA HOMOLOGAÇÃO DO ACERTO RES- obriga a quitar as verbas rescisórias, na CISóRIO. Pratica ato ilícito o empregador forma do art. 477 da CLT. Se não o faz, que promove a dispensa sem justa causa pratica ato ilícito ou abusivo de direito, na do empregado e deixa de promover a ho- exata forma como prevêem os arts. 186 mologação do acerto rescisório, sem jus- e 187 do Código Civil, estando obrigado ti昀椀cativa plausível, privando o trabalhador a indenizar. O ato de despedimento juri- de receber o FGTS e o seguro-desempre- dicamente inconsequente, que remete o go. Além disso, o período razoavelmente empregado à Justiça do Trabalho para a longo durante o qual o autor se viu priva- busca de mais elementares direitos impli- do de valores que assegurariam a sua so- ca, em si mesmo, a ocorrência de dano brevivência logo em seguida à dispensa, moral, eis que a privação desses valores faz presumir o dano moral. Isto porque, acarreta a humana angústia de não ter a supressão dos meios de subsistência meios de sobrevivência própria e da famí- autoriza supor que o empregado enfren- lia. Raciocínio diverso teria como conse- tou transtornos de ordem econômica. A quência a desconsideração de diretrizes conduta ilícita adotada pela empregado- constitucionais do Estado Democrático de ra, inclusive, traduz grave desapreço pela Direito, como, por exemplo, os que privi- pessoa do trabalhador, o que também legiam a dignidade da pessoa humana, os contribui para a con昀椀guração do dano valores sociais do trabalho e da livre ini- moral. Ainda que o autor não tenha pro- ciativa, o respeito aos direitos sociais dos duzido prova de lesão efetiva, como a im- trabalhadores, a proteção contra a despe- possibilidade honrar compromissos 昀椀nan- dida arbitrária ou sem justa causa, a fun- ceiros, considero evidenciada a ofensa à ção social da propriedade e a livre e igual honra subjetiva do trabalhador e também concorrência, a busca do pleno emprego, à sua dignidade (TRT 3ª Região; 7ª Turma; o primado do trabalho, o bem estar e a 0000541-2011-027-03-001; Relator: De- justiça social. Há de se por cobro, portan- sembargador Antônio Gomes de Vascon- to, a essa prática irresponsável de despe- celos, in DEJT de 03.11.2011) dimentos sem o pagamento das verbas rescisórias. O direito de rescindir a relação ATRASO NO PAGAMENTO DAS VER- de trabalho, que não encontra tamanha bAS RESCISóRIAS. DANO MORAL E liberdade no mundo europeu (veja-se a MATERIAL. CAbIMENTO. A ausência de OIT), atinge no Brasil contornos de prática pagamento das verbas rescisórias, do for- Rev. do Trib. Reg. Trab. 10ª Região, Brasília, v. 20, n. 2, 2016
44 necimento da guia para levantamento do que, em tal situação, o inadimplemento seguro-desemprego ou do recolhimneto desses títulos trabalhistas repercute ne- dos depósitos do FGTS gera dano moral ao gativamente em todas as esferas da vida empregado, porque esses fatos causaram do trabalhador, malferindo os direitos da insatabilidade 昀椀nanceira, causando so昀椀r- personalidade. Assim sendo, comprova- mento ao obreiro que não pode mais con- da a conduta culposa da reclamada, bem tra com o resultado da venda de sua força como o nexo causal entre o ato ilícito de trabalho. Recurso ordinário da recal- praticado por esta e o inequívoco dano mante a que se dá provimento (TRT 2ª Re- moral sofrido pelo reclamante, imperioso gião; 4ª Turma; 028200-59.2008.5.02.0065 reconhecer. (TRT 2ª Região; 4ª Turma; RO RO; Relator: Desembargador Paulo Augus- nº 0001052-49.2012.5.02.0254-4; Relatora: to Câmara, in DOE 21.01.2011) Desembargadora Maria Isabel Cueva Mo- raes; in DEJT de 04.10.2013) INDENIzAÇÃO POR DANO MORAL. INADIMPLEMENTO DAS VERbAS RESCI- DANO MORAL. DESCASO COM AS SóRIAS. Sabemos que a prática de ação VERbAS RESCISóRIAS. AUSêNCIA DE que resulte prejuízo a outrem enseja o de- HOMOLOGAÇÃO E LIbERAÇÃO DO FGTS ver de indenizar por danos materiais ou E SEGURO-DESEMPREGO. O inadimple- morais, de conformidade com a gravidade mento contratual na relação de emprego, dos fatos e a intensidade dos danos cau- por si só, não deve ensejar malferimen- sados à pessoa ou ao seu patrimônio, o to aos direitos da personalidade, senão que encontra amparo constitucional, art. quando se faça acompanhar de situação 5º, V e X, da Constituição Federal. Para vexatória, constrangedora ou humilhante. efeitos de danos morais, consoante enten- Mas um mínimo substrato em direitos res- dimento majoritário na doutrina e jurispru- cisórios há o trabalhador de receber em dência, não é preciso provar que a vítima sua demissão imotivada, e que se afere se sentiu ofendida, magoada, desonrada ao menos pela homologação da rescisão com a conduta do agente. O dano moral contratual, para liberação das guias de le- dispensa prova em concreto, pois se pas- vantamento do FGTS e do seguro-desem- sa no interior da personalidade, tem pre- prego. O descumprimento desses direitos sunção absoluta. Provada a existência do adquiridos, no momento mais crítico ao fato ilícito, ensejador do constrangimento, empregado, que é o de sua demissão imo- mostra-se devido o ressarcimento civil por tivada, nenhum encargo ou custo repre- dano moral, nos moldes dos arts. 186 e senta à pessoa da empregadora, e assim 927, do Código Civil. No caso vertente, sendo, sua sonegação manifesta perversa o ilícito patronal de inadimplir parte das conotação de injusti昀椀cável insensibilidade verbas rescisórias gerou patente abalo na social. Nesse contexto, impõe-se ao tra- esfera íntima do reclamante (danum in re balhador desnecessária circunstância de ipsa), que se vê desprovido de sua princi- inequívoca apreensão e angústia à sua pal (senão a única) fonte de sustento e de imediata subsistência digna e de seus fa- sua família, não tendo como honrar com miliares, em malferimento a direitos da as despesas habituais da família. Daí por personalidade, pelo sentimento de impo- Rev. do Trib. Reg. Trab. 10ª Região, Brasília, v. 20, n. 2, 2016
45 tência e menoscabo a ensejar justa repa- Os fundamentos para esta diferenciação ração por danos morais. (TRT 2ª Região; 6ª no tratamento jurídico das duas situações po- Turma; RO nº 02233200701002008; Rela- dem sem resumidos em duas perspectivas. tor: Desembargador Valdir Florindo. unâ- nime, DOe 23.11.2010). Em primeiro lugar, para a posição domi- nante, não seria presumível automaticamen- DANO MORAL. Hipótese em que os do- te que o inadimplemento das obrigações res- cumentos dos autos revelam não apenas cisórias violaria os direitos de personalidade o atraso reiterado no pagamento de salá- (honra, imagem, nome, intimidade, privaci- rios, mas também a mora no pagamento dade entre outros – CF, art. 5º, V e X). dos haveres rescisórios à reclamante. São presumíveis os inúmeros problemas gera- Com o devido respeito, a justi昀椀cativa pre- dos pelo atraso no pagamento de salários cisa ser tensionada e melhor contextualiza- e das parcelas rescisórias, mormente con- da, merecendo re昀氀exão comparativa entre siderando que se tratou de conduta reite- as duas situações. Sob a perspectiva da vio- rada por parte da demandada. A situação lação aos direitos de personalidade, em que delineada nos autos representa ofensa à medida o atraso no pagamento de salários dignidade do empregado, e a mora ine- se diferencia do inadimplemento das obriga- quivocamente causa prejuízo à situação ções rescisórias? Em ambos os casos, o em- 昀椀nanceira do obreiro, a amparar a conde- pregado suporta em razão do ato ilícito do nação em indenização por dano moral. empregador (descumprimento de obrigações Recurso parcialmente provido. (TRT 4ª trabalhistas fundamentais) grandes di昀椀culda- Região; 1ª Turma; RO 00015-2008-004- des 昀椀nanceiras, em especial relacionadas ao 04-00-7; Relatora: Desembargadora Eu- custeio das despesas ordinárias necessárias rídice Jose昀椀na bazo Tôrres; julgado em ao sustento pessoal e familiar. O impacto à 25.09.2008) dignidade é inevitável, pois, sem o emprego e sem as verbas rescisórias, o trabalhador No entanto, curiosamente, a jurisprudên- perde por completo a perspectiva imediata cia dominante das Cortes Trabalhistas tem de acesso aos bens materiais imprescindíveis se mostrado ainda vacilante em relação ao à sobrevivência. tema. Para o inadimplemento repetido de salários (falta ou simplesmente atraso), a ju- risprudência pací昀椀ca tem se inclinado pelo reconhimento automático do direito à inde- nização por danos morais (dano in re ipsa). Agora, na hipótese de não cumprimento das obrigações rescisórias, a jurisprudência que se revela majoritária tem exigido a prova de fato concreto que possa abalar a esfera ex- trapatrimonial do empregado (por exemplo, inscrição nos órgãos de proteção ao crédi- to). Rev. do Trib. Reg. Trab. 10ª Região, Brasília, v. 20, n. 2, 2016
46 A contradição dos posiocionamentos ju- direito à respectiva indenização. A responsa- risprudenciais nas duas hipóteses analisadas, bilidade em suportar os riscos da atividade portanto, é insuperável, pois, se é possível econômica é do empregador e, ainda que presumir a violação a direitos de personali- sem intenção ou por mera conduta culposa, dade no caso do atraso repetido do adimple- a exibilidade de reparação é devida, caso sua mento da obrigação de pagamento de salá- conduta importe em prejuízo moral ao em- rios, também o deveria ser em relação a falta pregado. de cumprimento das verbas rescisórias. É ver- dade que esta presunção 昀椀ca mais fácil de Em segundo lugar, há decisões que sus- se reconhecer nas hipóteses de desemprego tentam que o inadimplemento das obriga- involuntário do trabalhor. Entretanto, mesmo ções rescisórias constitui mero dissabor ou se o empregado pedir de- aborrecimento ao em- missão ou se, logo após pregado, devendo a a extinção, obtiver outro “A responsabilidade em questão ser revolvida emprego, o dano subsiste, suportar os riscos da atividade simplesmente pelo re- pois este advém do sen- econômica é do empregador conhecimento do di- timento de injustiça e an- e, ainda que sem intenção ou reito ao cumprimento gústia de se ter trabalhado, das obrigações sone- sem o recebimento da con- por mera conduta culposa, gadas com imposição traprestação 昀椀nanceira, as- a exibilidade de reparação é da multa do artigo 477, segurada na legislação, ou devida, caso sua §8º, da CLT. seja, o cumprimento da conduta importe em prejuízo Para tal linha argu- obrigação correspondente ” mentativa, a melhor contraposta pelo empre- moral ao empregado re昀氀exão é solicitar a gador que se favoreceu de simples projeção pes- seus serviços. A apropria- soal para a situação ção indevida do trabalho pelo empregador dos milhares de desempregados que, a des- sem o devido pagamento é motivo su昀椀ciente peito de terem cumprido suas obrigações para intenso abalo psicológico, diretamente contratuais, são “presenteados” com o rom- majorado à medida das privações sofridas pimento do vínculo empregatício – muitas pelo trabalhador que não são atenuadas pe- vezes de forma imotivada – sem a contra- los valores recisórios que deveria receber. partida do recebimento de seus direitos resci- sórios. Imaginem o transtorno daqueles que Não se pode esquecer ainda que o foco se encontram desempregados, sem recebi- da compensação indenizatória é a vítima mento dos valores rescisórios, sem poderem da lesão, sendo a extensão do dano (inten- levantar os depósitos de FGTS e sem pode- sidade das di昀椀culdades da vítima) relevante rem se habilitar ao percebimento do seguro- para mensuração do valor da indenização desemprego. Será que se pode presumir que e não para a constituição do próprio direito esses trabalhadores passarão di昀椀culdades? à reparação. Justamente por este motivo é Será que não ter recursos para sobrevivência que a falta de intenção do empregador em própria e/ou de seus familiares é mero des- inadimplir as verbas rescisórias não afasta o conforto? Falo, por mim. Pai de dois 昀椀lhos e Rev. do Trib. Reg. Trab. 10ª Região, Brasília, v. 20, n. 2, 2016
47 esposo, o atraso salarial de uma única vez salários), parece legítimo defender que a sur- geraria di昀椀culdades e constrangimentos signi- presa pelo desemprego involuntário, a falta 昀椀cativos, pois para honrar os compromissos de pagamento de saldo de salário e o inadim- contratuais assumidos com terceiros e custe- plemento de outras obrigações rescisórias ar as despesas básicas, por exemplo, de ali- equilibrariam as duas situações confrontadas mentação, possivelmente a saída “mais hon- sob a perspectiva da angústia pelas di昀椀culda- rosa” seria, na melhor das hipóteses, tomar des 昀椀nanceiras suportadas. empréstimos possivelmente com os mais próximos (já que nas instituições 昀椀nanceiras Assim, pelo grave abalo facilmente presu- di昀椀cilmente desempregado teria sucesso) mido, parece-me possível concluir que os ar- que, por mais me esforçasse, sequer racio- tigos 1º, III e IV, 5º, V e X, da Constituição da nalmente teria a garantia de ter condições de República e 186, 389 e 927 do Código Civil pagar nos meses subsequentes. Agora, 昀椀co autorizam o reconhecimento de indenização imaginando se tivesse perdido o emprego por danos morais, não apenas nas hipóteses e sem qualquer valor rescisório, que tipo de de atraso ou falta de pagamento reiterado de “aborrecimento” poderia presumir? salários, mas também naquelas em que há o inadimplemento completo das obrigações Oportuno mencionar que as multas dos rescisórias com ou sem intenção do empre- artigos 467 e 477, §8º, da CLT, além daquelas gador. previstas em acordos e convenções coletivos são penalidades que têm natureza jurídica e CONCLUSÃO 昀椀nalidade diversas da indenização por danos morais, razão por que suas incidências não A importância do trabalho na sociedade afastam o direito à devida compensação mo- contemporânea, como instrumento que ca- ral, na medida em que esta busca compensar pacita as pessoas a exercerem seus direitos à vitima dos prejuízos sofridos em sua esfera fundamentais, exige o compromisso de se íntima, enquanto que aquelas tão somen- buscarem alternativas que, não apenas asse- te buscam penalizar o ofensor pela ilicitude gurem trabalho em condições decentes para prática. todos aqueles que quiserem, mas também desestimulem práticas de violação dos direi- É curioso também observar relativa incoe- tos trabalhistas. rência nos posicionamentos jurisprudenciais relacionados às duas hipóteses, pois no ina- O reconhecimento automático de indeni- dimplemento das obrigações rescisórias tam- zação por danos morais nos casos de inadim- bém há descumprimento de obrigações de plemento das obrigações rescisórias (dano in pagar salário, pois, independentemente da re ipsa) ainda não é uma realidade, pois a modalidade rescisória, o rompimento do vín- jurisprudência trabalhista dominante tem se culo empregatício gera o direito ao saldo sa- inclinado por exigir a comprovação de fato larial dos dias trabalhados e ainda não pagos. concreto que resulte em ofensa a direitos Ainda que o inadimplemento nesse caso não de personalidade do empregado, por exem- fosse reiterado (exigência para o reconheci- plo, inscrição nas instituição de proteção ao mento do dano in re ipsa para o atraso de crédito. Entretanto, além de se contradizer Rev. do Trib. Reg. Trab. 10ª Região, Brasília, v. 20, n. 2, 2016
48 à jurisprudência pací昀椀ca que reconhece a BRASIL. Código de processo civil: Lei nº presunção de dano por atraso ou falta de 13.105 de 16 de março de 2015. Poder Exe- pagamento repetido de salários, tal posicio- cutivo, Brasília, DF, 16 mar. 2015. namento jurisprudencial se mostra margi- nal às regras que disciplinam a responsabi- BRASIL. Decreto nº591, de 6 de julho de lidade civil (artigos 1º, III e IV, 5º, V e X, da 1992. Promulga o Pacto Internacional sobre Constituição da República e 186, 389 e 927 Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PI- do Código Civil), especialmente quando se DESC). Poder Executivo, Brasília, DF, 1992. acredita, sem banalizar a injustiça social, Disponível em:. cisórias causam inequivocamente angústia, Acesso em: 01 nov. 2016. insegurança e até desespero aos trabalha- dores que 昀椀cam desprovidos dos meios ne- DALLEGRAVE NETO, José Affonso. Res- cessários para satisfação das suas necessi- ponsabilidade civil no direito do trabalho. dades básicas, mesmo após emprestar seu São Paulo, Ltr, 2005, p. 269. suor à atividade produtiva do empregador. GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica Não se pode banalizar o sofrimento psí- na Constituição de 1988. 6 ed. São Paulo: quico do indivíduo que trabalhou, não teve Malheiros, 2001, p. 269. seus direitos rescisórios reconhecidos e, ainda, em razão disso, presumidamente ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRA- passou por di昀椀culdades 昀椀nanceiras maiores BALHO (OIT). Per昀椀l do trabalho decente no a que deveria suportar pelo simples desem- brasil. Disponível em:. Acesso em: 01 nov. 2016. zação por danos morais a sério é medida não apenas de justiça social (ou de repú- dio às injustiças sociais), mas também de reconhecimento de relevante ferramente e estratégia para proteção do valor social do trabalho com o desestímulo das práticas de violação dos direitos rescisórios. REFERêNCIAS bIbLIOGRÁFICAS BRASIL. Constituição da República Fede- rativa do brasil. Brasília, DF. 1988. Disponível em:. Acesso em: 01 nov. 2016. Rev. do Trib. Reg. Trab. 10ª Região, Brasília, v. 20, n. 2, 2016
49 A PRECARIZAÇÃO DAS RELAÇÕES DE TRABALHO EM VIRTUDE DA CRISE ECONÔMICA EM FACE DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DOS TRABALHADORES1 Jéssica de Oliveira Alencar Correia1 RESUMO dignidade humana da parte hipossu昀椀ciente que é o trabalhador. Pretende-se fazer uma análise jurídica acerca da evolução das relações de traba- PALAVRAS-CHAVE: Relação de Trabalho. lho até sua con昀椀guração atual, traçando um Crise Econômica. Precarização. Direitos Fun- paralelo entre a relação de trabalho e os damentais. princípios fundamentais aplicados aos traba- lhadores. Conclui-se que, em razão da crise INTRODUÇÃO econômica enfrentada pelo Brasil, a relação de trabalho tem sofrido diversas violações, É de largo conhecimento que o princípio sendo precarizada e colocando em risco a da dignidade da pessoa humana, previsto na 1. Advogada. Bacharela em Direito pela Faculdade Paraíso do Ceará (FAP). Pós-Graduanda em Direito Previdenciário e Trabalhista pela Universida- de Regional do Cariri (URCA). Endereço eletrônico: [email protected] Rev. do Trib. Reg. Trab. 10ª Região, Brasília, v. 20, n. 2, 2016
50 Carta Magna de 1988 em seu artigo 1º, inciso III é tido como fundamento da nossa Repú- blica. Fundamento este que norteia toda a atuação entre Estado x indivíduo, e entre par- ticulares também, servindo como parâmetro, limite, visando evitar abusos por parte desses sujeitos. Os direitos fundamentais decorrem da dignidade da pessoa humana, e merecem destaque o direito ao trabalho (art. 6º, CF/88) e o direito ao meio ambiente do trabalho equilibrado, (art. 7º, XXII, CF/88), por serem formas de exteriorizar a dignidade da pessoa humana, nela incluída a do trabalhador. Em vários outros dispositivos a nossa Carta Mag- na de 1988 demonstra a valoração que foi dada ao trabalho, como no artigo 170, caput, que trata da valorização do trabalho e artigo 193, que se refere ao trabalho como funda- mento de toda a ordem social. Desse modo, percebe-se que o direito do trabalho foi tratado pela Constituição de 1988 como um dos fundamentos, um dos pilares que sustentam o Estado Democrático. Tama- nha a sua importância, esse tema foi tratado não só na legislação pátria, mas também em tratados e convenções internacionais, como a Declaração Universal dos Direitos Humanos (ONU, 1948) que em seu artigo XXIII assegu- ra o direito ao trabalho em condições justas e favoráveis, e a Declaração da OIT de 1998 Diferentemente, os direitos fundamentais sobre os princípios e direitos fundamentais no dependem de positivação para que sua exis- trabalho. tência seja con昀椀rmada em determinado Es- tado, sendo, portanto, direitos internos. Eles Os direitos humanos podem ser entendi- são frutos do reconhecimento da dignidade dos como aqueles direitos inerentes ao ser da pessoa humana, decorrem de uma evolu- humano, que existem independentemente ção histórica e por tal motivo podem dividir- de positivação. São assim chamados, pois, se em três dimensões: a primeira dimensão objetivam garantir ao homem uma existên- de direitos fundamentais é representada pela cia mais digna e igualitária. Podem ser enten- liberdade, uma liberdade negativa que proí- didos como direitos internacionais, previstos be ao Estado interferir na vida dos indivíduos, em tratados e convenções. titulares de tais liberdades e é representada Rev. do Trib. Reg. Trab. 10ª Região, Brasília, v. 20, n. 2, 2016
51 direitos da coletividade, sendo direitos me- taindividuais. Nessa perspectiva de proteção aos direitos fundamentais, é necessário fazer uma breve análise no capítulo seguinte acerca da evolu- ção do direito do trabalho para que possamos entender de forma melhor como a proteção aos direitos fundamentais do trabalhador se deu ao longo do tempo. A EVOLUÇÃO DO DIREITO DO TRABA- LHO A origem do direito do trabalho teve seu momento mais marcante com o regime capi- talista, mas de forma a controlar esse regime, servindo de parâmetro para evitar a utiliza- ção da mão de obra de forma degradante, como ocorreu na revolução industrial da In- glaterra no século XVIII. Há no surgimento do direito trabalhista a conjugação de fatores sociais, econômicos e políticos que atuaram de forma conjunta no surgimento desse ramo do direito. Os fatores econômicos podem ser entendidos como as transformações econô- micas que in昀氀uenciaram a seara trabalhista, como o surgimento de grandes indústrias na revolução industrial, eclodindo o modo de produção capitalista. Como fator social no pelos direitos civis e políticos. A segunda di- surgimento do direito trabalhista tem-se a for- mensão de direitos fundamentais são os di- mação de grandes centros urbanos formados reitos de igualdade, representados pelos di- pelos proletários das indústrias. E, por 昀椀m, reitos sociais, tais como, educação, saúde, como fator político tem-se as manifestações moradia e trabalho. Diferentemente dos direi- feitas pelos operários a 昀椀m de obterem me- tos de primeira dimensão, estes representam lhores condições de trabalho e salários mais uma atuação por parte do Estado, exigindo justos, todas as ações por parte dos emprega- uma conduta positiva no sentido de promo- dos contra os empregadores e contra o Esta- ver e garantir os direitos sociais previstos no do no sentido de melhorarem as condições. artigo 6º da Constituição Federal de 1988. Já Outro exemplo importante de fator político foi a terceira dimensão de direitos fundamentais o surgimento de movimentos políticos com são representados pela fraternidade, são os a predominância de trabalhadores, como os Rev. do Trib. Reg. Trab. 10ª Região, Brasília, v. 20, n. 2, 2016
52 movimentos comunis- tas e socialistas. “O Direito do Tra- balho – como qual- quer ramo jurídico – constitui um com- plexo coerente de institutos, princípios e normas jurídicas, que resulta de um determinado con- texto histórico espe- cífico”. (DELGADO, 2013, p. 81). No Bra- sil, sem dúvida, o momento mais mar- cante na história do Direito Trabalhista foi a promulgação da Constituição Federal de 1988, pois a partir desse diploma legal é que os trabalhado- res puderam ver seus direitos efetivamente disciplinados, com a real possibilidade de alcançarem melho- res condições, salá- rios justos e com uma proteção jurídica sig- nificativa. Atualmente, em virtude da crise eco- res visando minimizar os gastos, tendem nômica que está acontecendo no Brasil, o a suprimir direitos trabalhistas como uma desemprego aumentou consideravelmen- forma de ultrapassar essa crise causando te e isso tem causado certa insegurança o menor impacto possível em seus lucros, jurídica nas relações trabalhistas, tendo porém, essa conduta além de contrariar a em vista que muitos trabalhadores acei- Constituição Federal e a Consolidação das tam dispor de vários direitos por medo de Leis do Trabalho, ainda é responsável por perderem seu emprego. Os empregado- causar a precarização do trabalho. Rev. do Trib. Reg. Trab. 10ª Região, Brasília, v. 20, n. 2, 2016
53 A CRISE E A PRECARIZAÇÃO DO TRA- de alguma norma desfavorável ao traba- BALHO lhador, ou institucional quando a desvalo- rização ocorre dentro do próprio ambien- Atualmente, o desemprego tem au- te de trabalho, ou ainda, marginal quando mentado de forma considerável no Brasil, ocorre fora da relação de trabalho. Com somando mais de 22 milhões de desem- objetivo de proteger os direitos fundamen- pregados em 2016 (BRASIL, 2016). Esse tais surgiu o trabalho decente, que é jus- desemprego causou um retrocesso social tamente o oposto da precarização, tendo significativo, aumentando a pobreza e em vista que o trabalho decente respeita a onerando cada vez mais o Estado, tendo dignidade da pessoa humana. em vista que a busca por benefícios assis- tenciais também aumenta. Propostas de TRABALHO DECENTE COMO FORMA reforma do Estado vi- DE COMBATER A PRE- sando uma maior flexi- “A precarização no CARIZAÇÃO bilização das relações trabalho ocorre de várias de trabalho apresen- formas, dentre as quais O trabalho decente tam-se como a saída deve ser visto como mais viável para retirar podemos destacar a falta um objetivo a ser al- o país da crise e pro- de segurança no meio cançado pelo Estado, porcionar a retomada ambiente de trabalho, sempre valorizando do crescimento. comprometimento da saúde o trabalhador e dan- do-lhe condições mí- O problema com a do trabalhador, aumento nimas de exercer suas flexibilização é que ela da terceirização funções. O trabalho coloca em risco o tra- e trabalho informal” decente pode ser anali- balhador ao passo que sado sob a perspectiva o submete a condições individual, coletiva e incompatíveis com a sua dignidade, cau- ainda da seguridade social. Em relação à sando a precarização, que se traduz na perspectiva individual, o trabalho decente retirada ou diminuição dos direitos de tra- se traduz na liberdade de escolha por par- balhadores por parte dos empregadores, te do trabalhador, no exercício do trabalho visando substituir o trabalho assalariado em condições que garantam saúde, segu- e consequentemente a proteção ao traba- rança e bem-estar no meio ambiente do lhador. A precarização no trabalho ocorre trabalho e na garantia de uma remunera- de várias formas, dentre as quais podemos ção adequada. Já na perspectiva coletiva, destacar a falta de segurança no meio am- o trabalho decente se traduz na liberdade biente de trabalho, comprometimento da do exercício do direito sindical, sendo ve- saúde do trabalhador, aumento da terceiri- dada qualquer proibição ao seu exercício. zação e trabalho informal. Por fim, no plano da seguridade social, o trabalho decente é garantido através de A precarização pode ser normativa, políticas públicas, como prevenção ao de- quando ocorre a inclusão no ordenamento semprego. Rev. do Trib. Reg. Trab. 10ª Região, Brasília, v. 20, n. 2, 2016
54 Vale destacar que a busca pelo trabalho BRASIL. Constituição da República Fede- decente deve ser uma das preocupações rativa do Brasil. Brasília, DF. 1988. Disponível permanentes não só do poder judiciário, em:. retamente na defesa dos interesses da ca- Acesso em 22 out. 2016. tegoria profissional. DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de CONCLUSÃO Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 12ª edi- ção, 2013. Diante de tudo exposto, podemos per- ceber tamanhas modificações nas relações ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. De- trabalhistas ao longo dos anos. Porém, os claração universal dos direitos humanos. direitos duramente conquistados pelos tra- Disponível em: . Acesso em: 22 out. 2016. pelo atual momento de crise que vive o país, de modo que por conta da instabi- ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRA- lidade econômica atual, tem se mostrado BALHO. Declaração da OIT sobre os princí- cada vez mais presente o fenômeno da pios e direitos fundamentais do trabalho. precarização do trabalho. SUÍÇA: Organização Internacional do Tra- balho. 1998. Disponível em:. Acesso em: 22 out. 2016. Universal dos Direitos Humanos (ONU). Com o objetivo de eliminar práticas que violem di- reitos humanos fundamentais é que surge o trabalho decente, uma forma de trabalho em que princípios fundamentais são respeitados, de modo que o trabalhador pode exercer sua pro昀椀ssão com segurança, saúde e dignidade. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BRASIL tem mais de 22 milhões de desempregados, alerta Ataídes. Agên- cia Senado: Senado Federal. Disponível em:. Acesso em: 23 out. 2016. Rev. do Trib. Reg. Trab. 10ª Região, Brasília, v. 20, n. 2, 2016
55 QUE ‘LOUCURA’ É ESSA? REFLEXÕES SOBRE SAÚDE MENTAL NO TRABALHO1 2 Suzidarly Ribeiro Teixeira Fernandes Laís de Carvalho Lima3 RESUMO relacionadas à saúde mental no trabalho, as quais têm atraído a atenção de estudiosos de A concepção de saúde, enquanto mera diversas áreas do saber humano. O presente ausência de enfermidades, há muito se mos- estudo se propõe a investigar se o trabalho trou insu昀椀ciente e, atualmente, utiliza-se um é fator desencadeante ou agravante do sofri- conceito ampliado para saúde, incluindo o mento psíquico. Para tanto, aborda noções bem-estar físico, mental e social do indiví- referentes à saúde e à higidez mental, assi- duo. Nesse contexto inserem-se as questões nala traços característicos da contempora- 1, Vencedor do concurso de artigos cientí昀椀cos vinculado à realização do II Seminário Tocantinense de Direito e Processo do Trabalho na categoria pós-graduação. 2. Mestranda em Prestação Jurisdicional e Direitos Humanos pela Universidade Federal do Tocantins (UFT). Máster em Direitos Sociais pela Universi- dad de Castilla-La Mancha (Espanha). Especialista em Direito do Trabalho e Direito Processual do Trabalho pela Universidade do Tocantins (UNITINS). Juíza do Trabalho do TRT da 10ª Região (DF/TO). E-mail: [email protected]. 3. Advogada trabalhista especialista em Direito Público, graduada pela Universidade Federal do Tocantins (UFT). Tecnóloga em Gestão Pública, gra- duada pelo Instituto Federal de Ciência e Tecnologia do Tocantins (IFTO). Membro da Comissão de Conciliação, Mediação e Resolução Alternativa de Con昀氀itos da OAB, Seccional Tocantins. E-mail: [email protected]. Rev. do Trib. Reg. Trab. 10ª Região, Brasília, v. 20, n. 2, 2016
56 neidade (hiperconsumismo, líquidez e pres- balho se mostra essencial à discussão e aos sa) e analisa re昀氀exos dessas características nas avanços nessa área, ressaltando-se que as relações laborais da modernidade. A re昀氀exão considerações trazidas nesta análise não têm sobre o modo de gestão do labor hodierno per- pretensão de esgotamento da matéria. mite reconhecer uma conexão entre trabalho e sofrimento psíquico da pessoa trabalhadora, Foi utilizada pesquisa bibliográ昀椀ca para sendo necessário, porém, o afastamento das a apreensão de fundamentos teóricos fun- barreiras e preconceitos que ainda existem a damentais, nacionais e internacionais, com esse reconhecimento e à admissão da relevân- apreciação qualitativa e re昀氀exiva do material cia do bem-estar psicológico do trabalhador. selecionado. Na pesquisa de artigos cientí昀椀- cos pertinentes foram utilizados os descrito- PALAVRAS-CHAVE: Trabalho. Saúde Men- res “trabalho” e “saúde mental”, selecionan- tal. Sofrimento psíquico. do-se aqueles que discutiam o sofrimento psíquico relacionado ao labor. A partir desses INTRODUÇÃO substratos de pesquisa, propõem-se pondera- ções acerca da saúde mental no trabalho e O presente estudo traz re昀氀exões sobre sobre o labor como fator de sofrimento psí- um tema hodierno e de reconhecida rele- quico da pessoa trabalhadora. vância social: a saúde mental no trabalho. Muitos estudiosos têm se debruçado sobre SAÚDE MENTAL E RELAÇÕES DE TRABA- questões que perpassam a higidez mental da LHO pessoa inserida no trabalho, e o assunto vem ganhando espaço em várias áreas do saber Durante muito tempo, considerava-se saú- acadêmico, justi昀椀cando a realização de estu- de como a ausência de doença, seguindo-se dos com esse objeto. os ensinamentos do 昀椀lósofo americano Chris- topher Boorse, segundo o qual “a saúde de Se o trabalho pode se apresentar como fa- um organismo consiste no desempenho da tor desencadeante ou agravante do sofrimen- função natural de cada parte.” (BOORSE, to psíquico é indagação que tem instigado 1975, apud ALMEIDA FILHO; JUCÁ, 2002, p. muitos estudiosos, e que foi escolhida como 881). pergunta-problema de investigação. Essa de昀椀nição se mostrou insatisfatória, Para apresentar contribuições ao tema, o dada a complexidade do ser humano, e, atu- artigo aborda, inicialmente, noções referen- almente, o conceito de saúde é mais amplo tes à saúde e à higidez mental. Também são e engloba o bem-estar físico, mental e social analisados aspectos das relações de trabalho do indivíduo. Nesse sentido, o preâmbulo contemporâneas e de fatores que podem da Constituição da Organização Mundial de constituir agravo para o equilíbrio mental do Saúde (OMS, 1946) dispõe que “a saúde é um trabalhador. estado de completo bem-estar físico, mental e social e, não apenas a ausência de enfermi- Reconhecer que sofrimentos psíquicos po- dade”. Essa foi a direção igualmente escolhi- dem estar diretamente relacionados ao tra- da pela Lei Federal Brasileira n. 8.080/1990 Rev. do Trib. Reg. Trab. 10ª Região, Brasília, v. 20, n. 2, 2016
57 que, em seu artigo 3º, parágrafo único, esta- ra cerebral. Nesse sentido, “saúde mental é o belece que “dizem respeito também à saúde estado de funcionamento adequado e satis- as ações que se destinam a garantir às pesso- fatório da mente, emoções e pensamentos”. as e à coletividade condições de bem-estar (ABRE, 2014, p. 7). físico, mental e social”. (BRASIL, 1990, p.1) Partindo-se dessas conceituações estendi- Essa conceituação ampli昀椀cada para saú- das de saúde e saúde mental, percebe-se que de concedeu destaque para o bem-estar que os assuntos envolvendo a higidez mental do tra- deve existir para além da integridade corporal balhador estão ganhando relevo e as atenções e do funcionamento normal dos órgãos que têm sido voltadas para aspectos da organiza- compõem o corpo humano, alcançando, so- ção laboral. Como explicam Campos, David e bretudo, as condições psíquicas e sociais do Souza (2014, p. 91), “isso se deve aos aspectos indivíduo. psicossociais do trabalho que revelam ser um pro- A saúde mental foi “...os assuntos blema relevante em dife- conceituada pela pri- envolvendo a higidez rentes contextos sociais e meira vez pelo médi- mental do trabalhador econômicos e impactam co psiquiatra Lorusso na saúde física e mental (apud SECRETARIA DE estão ganhando dos trabalhadores e, por- SAÚDE, [20--], p,1) nos relevo e as atenções tanto, indicam a importân- seguintes termos: cia em ser investigado”. têm sido voltadas Um maior espaço des- Saúde Mental é para aspectos da o equilíbrio emo- sa temática nas discus- cional entre o ser organização laboral.” sões, cientí昀椀cas ou não, interno e as exigên- também pode ser expli- cias ou vivências cado pelo expressivo nú- externas. É a capaci- mero de afastamentos do dade de administrar a própria vida e as trabalho em decorrência de transtornos men- suas emoções dentro de diversas situa- tais. No Brasil, só em 2014, mais de 200 mil ções sem perder a noção do que é real e pessoas receberam auxílio-doença por esse importante. É ser capaz de ser sujeito de motivo, que 昀椀gura como a terceira causa de suas próprias ações sem perder a noção longos afastamentos do serviço por doença. de tempo e espaço. É buscar viver a vida Acirrada competição no ambiente de traba- em sua plenitude, respeitando o legal e o lho, pressão por metas e resultados e excesso outro. de cobranças são alguns fatores que têm le- vado, cada vez mais, as pessoas ao estresse e Para a Associação Brasileira de Familiares, à depressão, incapacitando-as temporária ou Amigos e Portadores de Esquizofrenia (ABRE, de昀椀nitivamente para o labor. (FREIRES, 2015). 2014), no conceito de saúde mental inclui-se o bem-estar psicológico da pessoa, não se li- Nesse âmbito, invoca-se o estudo psico- mitando ao correto desempenho da estrutu- dinâmico do trabalho, cujo objeto abarca a Rev. do Trib. Reg. Trab. 10ª Região, Brasília, v. 20, n. 2, 2016
58 subjetivação das relações dentro do ambien- Que tempos são esses? Martins (2012), par- te organizacional, a atribuição de sentido ao tindo-se de uma temporalidade socialmente trabalho, a inserção do trabalhador no am- instituída, aponta três quali昀椀cativos que des- biente produtivo e sua realidade pessoal e, crevem com propriedade a sociedade atual: ainda, a análise dos modos de pensar, sentir hiperconsumista, líquida e apressada (referin- e agir, individuais ou coletivos, relacionados do-se aos conceitos trazidos por Lipovestsky, ao trabalho. (MENDES, 2007). Bauman e Beriaín, respectivamente). As re昀氀exões sobre saúde mental no tra- Uma sociedade balho devem partir dessas perspectivas, em que impera o hi- considerando os sujeitos envolvidos, o perconsumo, que é modo como se relacionam, os processos essencialmente sub- de gestão do trabalho etc. jetivo e emocional, em que a pessoa de- A ‘LOUCURA’ DOS TEMPOS MODERNOS seja objetos como condição para viver O termo loucura vagueou pela história e dar razão à vida, e humana e assumiu nuances e sentidos dos não por sua utilidade mais variados possíveis, como se percebe ou necessidade. Um na narrativa feita por Foucault (1978). Na consumo emocional, contemporaneidade, há duas linhas teóri- dominado pela busca cas que buscam compreender a loucura: a das felicidades priva- concepção organicista (loucura como do- das, com uma nova ença denominada esquizofrenia, diagnosti- relação emocional do cada e tratada pela psiquiatria) e uma visão consumidor com as psicofuncional (loucura como fenômeno mercadorias (LIPOVET- psicológico e cultural). (FRAYZE-PEREIRA, SKY, 2007). 1982). Um tempo mo- O presente estudo pretende invocar ou- derno marcado pela tra acepção de loucura, como estilos de 昀氀uidez, pela liquidez, vida e trabalho que fogem do razoável, do pela propensão e ap- tolerável, que conduzem o indivíduo a um tidão para a mudan- desequilíbrio: a loucura dos tempos moder- ça. Uma mudança contínua e constante. Um nos. Uma loucura que não envolve, neces- tempo que “escorre”, “vaza”, “esvai”, e no sariamente, um adoecimento mental, mas qual o poder tem a liberdade de 昀氀uir, livre de que pode levar a este. Uma loucura que barreiras, fronteiras ou de laços sociais den- imprime, no sentimento coletivo, a sensa- sos. (BAUMAN, 2001). ção de perda de controle. Uma loucura que acarreta sofrimento psíquico e que, por isso, Pressa. Uma sociedade marcada pela pres- impede a plenitude do bem-estar mental e sa, numa arritmia ditada pela busca de mais psicológico do indivíduo. e mais atividades. Uma aceleração social que Rev. do Trib. Reg. Trab. 10ª Região, Brasília, v. 20, n. 2, 2016
59 impede a plenitude das experiências, que fa- Percebe-se, pois, que os processos inter-re- vorece a ansiedade e o estresse no trabalho e lacionais (entre o indivíduo e a organização) que traz como consequência uma tirania do e/ou intra-relacionais (do trabalhador consi- momento presente (BERIAÍN, 2008). go mesmo) foram impactados pelos novos cenários trazidos pela hodiernidade. E, nesse As mudanças experimentadas pela socie- contexto, a dinâmica das relações laborais dade, e que a tornaram hiperconsumista, atuais pode favorecer a instauração e/ou líquida e apressada, repercuti- intensi昀椀cação do sofrimento ético e criativo, ram e modi昀椀caram as relações bem como a instalação do sofrimento pato- de trabalho. Estas qualidades gênico. podem ser observadas no modo como a gestão do tra- balho tem sido realizada (com TRABALHO COMO FATOR DE SOFRIMEN- ênfase na produção/consumo, TO PSÍQUICO de modo informal/昀氀uido e num ritmo acelerado). Appel-Silva Partindo-se do entendimento que saúde é e Biehl (2006) destacam uma bem-estar geral e amplo e que saúde mental mudança até no sentido do tra- pressupõe equilíbrio emocional, apresenta-se balho, que passou a 昀椀nanciar o como signi昀椀cativa a análise do trabalho e das consumo hedônico, com uma condições de realização deste. concepção de tempo-espaço de sofrimento (labor) versus Baseando-se no estudo psicodinâmico do tempo-espaço de prazer (lazer trabalho, é possível a昀椀rmar que as circuns- e consumo). tâncias e maneira de realização do labor de- terminam modos especí昀椀cos de sofrimento Guiraldelli (2014) descreve psíquico. No diagnóstico, considera-se tanto essa realidade, quali昀椀cando-a a organização na qual os trabalhadores es- como um aprofundamento e tão inseridos, como o per昀椀l da categoria em agudização da questão social, questão. Assim, é possível identi昀椀car aspectos referindo a: taxas de desempre- do trabalho que podem estar relacionados go estrutural e crescente (das ao per昀椀l de sofrimento apresentado por essa quais decorre um achatamento categoria de obreiros. Aspectos objetivos e dos níveis salariais), informalida- subjetivos da atividade podem atuar sobre o de (com inevitável desproteção social e traba- indivíduo provocando até seu adoecimento. lhista), relações laborais marcadas por uma 昀氀e- (BORSOI, 2007). xibilidade e maior exigência (com jornadas de trabalho exaustivas, cobrança de metas inal- O sofrimento psíquico pode ser: ético, cançáveis, assédio moral etc.), terceirização criativo e/ou patogênico. Para não adoecer, ampla, instabilidade no emprego, aumento a estrutura psicológica do indivíduo busca dos acidentes de trabalho e dos adoecimen- estratégias de defesa contra o sofrimento tos físico e mental dos trabalhadores diante da psíquico, investindo em saídas e medidas sobrecarga e pressão laboral. criativas (sofrimento criativo). Essas medidas Rev. do Trib. Reg. Trab. 10ª Região, Brasília, v. 20, n. 2, 2016
60 são “utilizadas para minimizar a percepção to psíquico no trabalhador: a exigência de do sofrimento do trabalho, possibilitando que cumprimento de metas absurdas; a perma- se mantenham no plano da normalidade e nência de conexão por longos períodos (a continuem trabalhando”. (MORAES, 2013, p. partir das ferramentas tecnológicas de infor- 416-417). mação e comunicação). (SOUZA; BUENO, 2016). Se as mencionadas estratégias não forem su昀椀cientes, diante do agravamento das con- Podem se converter em sofrimento psí- dições agressoras, surge o sofrimento pato- quico do indivíduo a pressa e cobrança para gênico, no qual há o fechamento do diálogo obter mais e mais resultados do trabalho e entre organização e trabalhador. Ainda rela- o insucesso no atendimento de metas cada cionado às novas formas de gestão do traba- vez mais inatingíveis e constantemente mo- lho e sofrimentos psíquicos delas decorrentes, di昀椀cadas, porquanto o indivíduo “(...) expe- Moraes (2013) cita também o sofrimento éti- rimenta a sensação de fracasso e vivencia o co, característico de situações em que, para sofrimento de não saber fazer; inicialmente manter sua ocupação, o trabalhador sacri昀椀ca adota uma posição passiva, por vezes mar- seu bem-estar psicológico ao agir contraria- cada pela raiva e pelo desânimo. A sensa- mente aos seus próprios valores. ção de fracasso coloca em risco sua iden- tidade, sua competência, seu saber fazer”. As relações laborais mudaram e trouxeram (MORAES, 2013, p. 416). consigo os genes da instabilidade, da 昀氀uidez e da urgência. As consequências desse novo modelo de administração do trabalho alheio, com cobrança e exigência exacerbadas, são apresentadas por Lima, Barros e Aquino (2012) como custo humano da intensi昀椀cação do trabalho e engloba, além do desgaste e esgotamento físicos, o abalo intelectual e emocional. Segundo esses autores, “as con- sequências negativas podem ser percebidas pela incidência de estresse e de acidentes no trabalho, pelo aumento do absenteísmo em decorrência de LER/DORT4 (...), en昀椀m pelo adoecimento que afeta o trabalhador (...)”. (LIMA; BARROS; AQUINO, 2012, p. 120). As condições de trabalho podem gerar estresse ocupacional, síndrome de burnout, depressão e ansiedade, podendo ser cita- das, dentre as principais causas de sofrimen- 4. Lesões por esforços repetitivos/distúrbios osteomusculares relacionados ao trabalho. Rev. do Trib. Reg. Trab. 10ª Região, Brasília, v. 20, n. 2, 2016
61 A modernidade líquida mostra sua face- desencadeadora de problemas psíquicos ao ta nas dinâmicas laborais, com as jornadas trabalhador, tais como ansiedade, inseguran- 昀氀exíveis e o teletrabalho, desenvolvidos de ça, depressão e, em situações extremas, até maneira diluída e fragmentada. A observân- de suicídio. Essa decisão extrema e desespe- cia dessas modalidades, no entanto, acaba rada de pôr 昀椀m à própria vida é, do mesmo por fazer com o trabalhador 昀椀que à dispo- modo, mencionada por Dejours e Bègue sição do tomador dos serviços por muito (2010 apud ANTUNES; PRAUN, 2015, p. 414): tempo, sem um período do dia 昀椀xo em que possa se desligar do trabalho. Sofrem, por É essa quebra dos laços de solidariedade isso, limitações ao lazer, ao descanso e ao e, por conseguinte, da capacidade do tempo dedicado à família, com nocivos efei- acionamento das estratégias coletivas de tos à organização da vida social e familiar. defesa entre os trabalhadores que se en- (LIMA; BARROS; AQUINO, 2012). contram na base do aumento dos proces- sos de adoecimento psíquico e de sua ex- O teletrabalho também privou o trabalha- pressão mais contundente: o suicídio no dor de algo essencial ao ser humano: a con- local de trabalho. vivência social. Hobsbawm apresenta sua preocupação quanto a essa mudança, nos As condições de labor que desenca- seguintes termos: deiam mal-estar psíquico e emocional vio- Claro que é tecnicamente possível tra- lam a dignidade da pessoa trabalhadora, balharmos em casa e nos comunicarmos diante do comprometimento de sua saúde com o mundo somente por e-mail. Mas (tomada em sua acepção ampla). Esse tema a realidade é que as pessoas não gostam chegou ao Tribunal Superior do Trabalho do de trabalhar assim. Mesmo os pioneiros da Brasil (TST), sendo reconhecido o nexo de alta tecnologia não vivem dispersos pelos causalidade entre o trabalho e o desgaste Estados Unidos e pela Grã-Bretanha, mas emocional do trabalhador, com re昀氀exos em se concentram em determinadas áreas sua saúde mental e riscos para sua vida. Para onde podem se encontrar 昀椀sicamente e melhor compreensão da matéria, transcreve- trocar ideias. se a ementa do referido julgado: É muito desconfortável para um ser hu- (…) ASSÉDIO MORAL - COBRANÇA DE mano não ter ninguém com quem conver- METAS - AMEAÇA DE DEMISSÃO E USO sar e renunciar aos contatos pessoais. (…). DE EXPRESSÕES VERBAIS AGRESSIVAS Na área do trabalho, a socialização é, E DEPRECIATIVAS - EXERCÍCIO ABUSI- e continuará a ser, absolutamente indis- VO DO PODER DIRETIVO - CONDUTA pensável. (HOBSBAWN, 2000, p. 149, grifo OFENSIVA À DIGNIDADE DO TRABALHA- nosso). DOR – DANO MORAL - INDENIZAÇÃO. Para Abramides e Cabral (2003), a precari- Foi externado, por meio dos depoimen- zação das relações de trabalho com diversas tos das testemunhas, que as metas eram rescisões, valorização de contratos tempo- cobradas por meio de ameaças - diretas rários, desemprego, terceirização, quartei- ou veladas - de demissão ou transferên- rização, entre outros, caracteriza-se como cia para locais distantes, havendo refe- rência a uso de expressões grosseiras e Rev. do Trib. Reg. Trab. 10ª Região, Brasília, v. 20, n. 2, 2016
62 de comparações depreciativas quando dessas cobranças. (…). E, ainda que te- nha estabelecido metas razoáveis, não é dado ao empregador cobrá-las de forma arbitrária, por meio de ameaças que instaurem no ambiente de trabalho um clima de pressão psicológica, medo e tensão incompatíveis com a saúde mental dos trabalhadores. A adminis- tração dos trabalhadores por meio do estresse, típica do modelo toyotista de produção, tem gerado, como compro- vam estudos cientí昀椀cos respaldados, o sofrimento e o adoecimento psíquico dos trabalhadores, que têm sua autoes- tima e sua autocon昀椀ança abaladas pelo enfrentamento diário da possibilidade de ser enquadrado como "vencedor" ou "perdedor" a partir do alcance ou não dos parâmetros de昀椀nidos pela ge- rência. (...). (…). Presentes os requisitos da responsabilidade civil - conduta ilíci- ta, nexo de causalidade, culpa e dano, aqui caracterizado in re ipsa, emerge para a reclamada o dever de indenizar. Recurso de revista conhecido e provido. (…) (RR-1290-74.2012.5.06.0313, Relator: Ministro Luiz Philippe Vieira de Mello Fi- lho, Data de Julgamento: 28/09/2016, 7ª Turma, Data de Publicação: DEJT 07/10/2016, g.n.). Pela pesquisa realizada e pelos estudos acima referidos, percebe-se que há elementos su昀椀cientes para estabelecer uma relação entre lo atual de administração do trabalho, embora trabalho e sofrimento psíquico da pessoa tra- aceite o sofrimento e adoecimento físicos, não balhadora. É preciso, no entanto, remover os tolera o sofrimento mental, que 昀椀ca subjugado, embaraços ao reconhecimento de que o labor dissimulado, escondido. “É essa a lógica da or- pode atuar como agravante ou desencadeante ganização do trabalho, que só permite que o de distúrbios e sofrimentos psíquicos. (GLINA et sofrimento mental deixe sua máscara no 昀椀nal de al, 2001). Como adverte Dejours (1992), ainda sua evolução: a doença mental caracterizada”. se enfrenta uma dura realidade, pois o mode- (DEJOURS, 1992, p. 125). Rev. do Trib. Reg. Trab. 10ª Região, Brasília, v. 20, n. 2, 2016
63 contribuir para que o trabalhador tenha acesso a direitos legais tra- balhistas e previdenciários, além do necessário amparo terapêuti- co para restabelecimento de sua higidez. CONCLUSÃO O trabalho relaciona-se ao ho- mem e este ao labor, em cíclico movimento in昀椀nito, com intensi- dade que se coordena e se dina- miza pela satisfação na atividade desempenhada, a recuperação das forças físicas e mentais do obreiro e a produtividade decor- rente do esforço empregado. As re昀氀exões traçadas neste estudo permitiram veri昀椀car que as condições de trabalho da mo- dernidade, enquanto perturba- doras do bem-estar psicológico e mental do trabalhador, com- prometem a saúde mental des- te, não possibilitando uma plena recuperação de forças, nem uma ressigni昀椀cação e valoração do labor. Evidenciado, desse modo, o liame existente entre trabalho e sofrimento psíquico da pessoa trabalhadora. Permanecer à margem e a salvo de uma Superando a “loucura do trabalho”, é preciso loucura contemporânea é desa昀椀o que come- admitir e proclamar que a identidade de uma ça a se delinear, quando se admite a existência pessoa, em grandeza e dignidade, está para de uma sociedade hiperconsumista, líquida e além de tudo o que ela possa fazer ou produzir apressada, cujos valores e padrões repercu- (ALBORNOZ, 2012). tem no modo de gerir o trabalho humano. O diálogo sobre saúde mental e trabalho deve, pois, continuar e evoluir, o que pode Rev. do Trib. Reg. Trab. 10ª Região, Brasília, v. 20, n. 2, 2016
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65 d=AAANGhAA+AAAPoDAAR&dataPublica- GLINA, Débora Miriam Raab et al . Saú- cao=07/10/2016&localPublicacao=DEJT&- de mental e trabalho: uma re昀氀exão sobre query=DANO%20and%20MORAL%20and%20 o nexo com o trabalho e o diagnóstico, CUMPRIMENTO%20and%20DE%20and%20 com base na prática. Cadernos de Saúde METAS%20and%20COBRAN%C7A%20and%20 Pública, Rio de Janeiro, v. 17, n. 3, p. 607- VEXAT%D3RIA%20and%20CONFIGURA%C7%- 616, 2001. Disponível em: . Acesso em: 11 out. 2016. scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pi- d=S0102=311-2001000300015X&lng=en&nrm- CAMPOS, Juliana Faria; DAVID, Helena iso>. Acesso em: 10 set. 2016. Maria Scherlowski Leal; SOUZA, Norma Va- leria Dantas de Oliveira. Prazer e sofrimen- GUIRALDELLI, Reginaldo. Trabalho, traba- to: avaliação de enfermeiros intensivistas lhadores e questão social na sociabilidade à luz da psicodinâmica do trabalho. Esco- capitalista. Cadernos de psicologia social la Anna Nery, Rio de Janeiro, v. 18, n. 1, p. do trabalho, São Paulo, v. 17, n. 1, p. 101- 90-95, 2014. Disponível em: . Acesso em: 14 set. 2016. DEJOURS, Christophe. A loucura do tra- HOBSBAWM, Eric. O novo século. Entre- balho: estudo de psicopatologia do trabalho. vista a Antonio Polito. Tradução de Cláudio Tradução de Ana Isabel Paraguay e Lúcia Leal Marcondes. São Paulo: Companhia das Letras, Ferreira. 5. ed. São Paulo: Cortez-Oboré, 1992. 2000. FOUCAULT, Michel. A história da loucura LIMA, Camila Alves; BARROS, Edgla Maria na idade clássica. Tradução de José Teixeira Costa; AQUINO, Cássio Adriano Braz de. Fle- Coelho Netto. São Paulo: Perspectiva, 1978. xibilização e intensi昀椀cação laboral: manifes- tações da precarização do trabalho e suas FRAYZE-PEREIRA, João. O que é loucura. consequências para o trabalhador. Revista São Paulo: Brasiliense, 1982. (Coleção Primei- Labor, Fortaleza, n. 7, v. 1, p. 102-125, 2012. ros Passos, n. 73). Disponível em: . Acesso em: 25 ago. 2016. Rev. do Trib. Reg. Trab. 10ª Região, Brasília, v. 20, n. 2, 2016
66 LIPOVETSKY, Gilles. A felicidade parado- SOUZA, Ana Cláudia Fagundes Miguel xal: ensaio sobre a sociedade de hipercon- de; BUENO, Helen Paola Vieira. Principais sumo. Tradução de Maria Lúcia Machado. problemas psicológicos enfrentados no São Paulo: Schwarcz, 2007. ambiente de trabalho na pós-modernida- de. Revista Laborativa. v. 5, n. 1, p. 85-93, MARTINS, José Clerton de Oliveira. Tem- 2016. Disponível em: . Acesso em: 30 set. em risco. In: BRASILEIRO, M.D,S.; MEDINA, 2016. J.C.C.; CORIOLANO, L.N. (Orgs.). Turismo, cultura e desenvolvimento. Campina Grande: EDUEPB, 2012. p. 169-193. Disponí- vel em: . Acesso em: 12 set. 2016. MENDES, Ana Magnólia. Da psicodinâ- mica do trabalho à psicopatologia do tra- balho. In: ______ (Org.). Psicodinâmica do Trabalho: teoria, método e pesquisas. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2007. p. 29-49. MORAES, Rosangela Dutra. Sofrimento Criativo e Patogênico. In: VIEIRA, Fernando de Oliveira; MENDES, Ana Magnólia; MERLO, Álvaro Roberto Crespo. Dicionário crítico de gestão e Psicodinâmica do Trabalho. Curitiba: Juruá, 2013. p. 253-258. ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE (OMS). Constituição da Organização Mun- dial da Saúde. Nova York (EUA), 1946. Dis- ponível em: . Acesso em: 15 set. 2016. SECRETARIA DE SAÚDE DO ESTADO DO PARANÁ. De昀椀nição de saúde mental. Dis- ponível em: . Acesso em: 18 set. 2016. Rev. do Trib. Reg. Trab. 10ª Região, Brasília, v. 20, n. 2, 2016
67 DEFICIENTE E DESEMPREGADO? O TELETRABALHO COMO MECANISMO DE READAPTAÇÃO1 Antonio Gonçalves Portelinha Neto2 3 Laís de Carvalho Lima RESUMO OIT acerca da pessoa de昀椀ciente e a garantia do trabalho digno; debater o teletrabalho em O presente estudo visa analisar se o tele- suas acepções e características, pontos polê- trabalho poderia ser interpretado como solu- micos e vantagens; e dispor sobre a situação ção ao desemprego na forma de mecanismo do empregado que se vê inabilitado por en- de readaptação do trabalhador já emprega- fermidade ou acidente que o torna portador do que vem a se tornar de昀椀ciente. Como ob- de de昀椀ciência, introduzindo a 昀椀gura da rea- jetivos, o presente estudo pretende apresen- daptação pro昀椀ssional. Por metodologia utili- tar os dispositivos constitucionais, legais e da zou-se da pesquisa bibliogra昀椀a, trazendo es- 1. Vencedor do concurso de artigos cientí昀椀cos vinculado à realização do II Seminário Tocantinense de Direito e Processo do Trabalho na categoria pro昀椀ssional. 2.Advogado trabalhista especialista em Direito Público, graduado pela Universidade Federal do Tocantins (UFT). Membro da Comissão de Concilia- ção, Mediação e Arbitragem da OAB, Seccional Tocantins. E-mail: [email protected]. 3. Advogada trabalhista especialista em Direito Público, graduada pela Universidade Federal do Tocantins (UFT). Tecnóloga em Gestão Pública, graduada pelo Instituto Federal de Ciência e Tecnologia do Tocantins (IFTO). Membro da Comissão de Conciliação, Mediação e Arbitragem da OAB, Seccional Tocantins. E-mail: [email protected]. Rev. do Trib. Reg. Trab. 10ª Região, Brasília, v. 20, n. 2, 2016
68 tudo qualitativo em sua essencialidade, sob mento nacional, como a própria Organização método dedutivo, embora de forma acessória Internacional do Trabalho - OIT, justi昀椀cam a apresente dados estatísticos como elementos relevância do presente estudo, já que o direi- con昀椀rmadores. No tocante ao objetivo geral, to ao trabalho decente e a vedação à discri- con昀椀rmou-se a hipótese de que o teletraba- minação obstam a exclusão de trabalhado- lho pode ser utilizado como ferramenta de res. readaptação, em prol de garantir o emprego Ademais, justamente pelas mudanças no do trabalhador que, em virtude de sua de- cenário mundial, em que a tecnologia é base 昀椀ciência, torna, por exemplo, o vínculo de fundamental da produção, antecipando-se emprego presencial inviável. Entretanto, para o ordenamento ao proteger o trabalhador sua consecução prática, contra a automação, por deverão ser realizados “O teletrabalho, exemplo, surgem novas investimentos em trei- como instituto que formas de se interpretar namento, tecnologia e, a prestação de serviço, principalmente, deve providencia a prestação evoluindo sobre o con- haver a regulamentação laboral à distância, texto mecanicista do pre- da matéria em prol de corroboraria ao ideal sencialismo no local de dar segurança a empre- moderno de trabalho trabalho. O teletrabalho, gado e empregador. decente, acaso como instituto que provi- dencia a prestação labo- PALAVRAS-CHAVE: implementado como ral à distância, corrobora- De昀椀ciente. Readapta- ferramenta à consecução ria ao ideal moderno de ção. Teletrabalho. da inclusão” trabalho decente, acaso implementado como fer- INTRODUÇÃO ramenta à consecução da inclusão. A realidade do mercado de trabalho, ao sofrer transformações por meio do apelo Com tal 昀椀m, utilizou-se da pesquisa bi- da máxima produção e e昀椀ciência no uso de bliográ昀椀ca, a demonstrar os posicionamen- recursos, in昀氀uenciou de昀椀nitivamente no or- tos contrários e favoráveis à problemática denamento trabalhista. A Consolidação das levantada. Ainda, por partir de colações de Leis do Trabalho, como marco legislativo la- posicionamentos e normativas, optou-se pela boral brasileiro, foi recepcionada pela Carta pesquisa qualitativa, sob o método dedutivo, Magna de 1988, cuja caracterização do traba- em sua essência, embora apresentados, de lho é de direito social. forma acessória, dados estatísticos e caso Nesse sentido, o trabalho, como direi- concreto. to de todos, deve ter por corolário a igualda- de material, visto que certos indivíduos, por Assim, o objetivo principal do presente possuírem necessidades especiais, por exem- estudo constitui-se por analisar se o teletra- plo, não auferem isonomia concorrencial no balho pode, de fato, como mecanismo inte- caso da busca pelo emprego, estando-se a grador, servir de ferramenta de readaptação falar da pessoa de昀椀ciente. Tanto o ordena- ao trabalhador de昀椀ciente, sob a perspectiva Rev. do Trib. Reg. Trab. 10ª Região, Brasília, v. 20, n. 2, 2016
69 do portador de necessidades especiais, sua daptação pro昀椀ssional e emprego de pes- previsão legal e internacional e, principal- soas com de昀椀ciência, visando garantir mente, sob re昀氀exões de suas vantagens, des- adequadas medidas de readaptação pro- vantagens e pontos controvertidos, a 昀椀m de 昀椀ssional sejam colocadas à disposição de caracterização da segurança da manutenção de昀椀cientes, promovendo oportunidades do emprego e da dignidade do trabalhador de emprego, tendo por base também o de昀椀ciente. princípio da igualdade de oportunidades de emprego. (...) Nem toda pessoa de昀椀- A PESSOA DEFICIENTE E A GARANTIA DO ciente é incapaz para o trabalho. Nem TRABALHO DIGNO: A LEGISLAÇÃO NACIO- toda pessoa incapaz é de昀椀ciente. MAR- NAL E A OIT TINS (2012, p.1). O Direito do Trabalho brasileiro passou Nesses termos, a própria Constituição Fe- por um longo processo de consolidação no deral, em seu art. 7º, XXXI, passou a proibir país, iniciando-se, timidamente, após a abo- qualquer discriminação em relação a salário lição da escravatura por meio da Lei Áurea, e critérios de admissão do trabalhador por- em 1.888, tendo um maior destaque após a tador de de昀椀ciência. Além disso, garante a inserção do Brasil na OIT, como membro fun- “habilitação e reabilitação das pessoas por- dador, sendo institucionalizado, formalmen- tadoras de de昀椀ciência e a promoção de sua te, após a edição da Consolidação das Leis integração à vida comunitária”, art. 203, IV, do Trabalho (CLT), em 1943. instituindo verdadeira ação a昀椀rmativa, pois prevê norma legal a reservar “percentual dos Nesse esteio, e por consequência desse cargos e empregos públicos para as pessoas longo processo, as relações de trabalho pas- portadoras de de昀椀ciência e de昀椀nirá os crité- saram a ser vistas com maior cuidado pelo le- rios de sua admissão”, art. 37, VIII. gislador, a constar no histórico nacional, prin- cipalmente, com o advento da Carta Magna Ainda, sob o cenário nacional, a política de 1988, ao elevar o trabalho a direito social. de inclusão social promovida pelos dispositi- Não se pode olvidar que ao mencionar vos citados, pode ser encarada como alento o trabalho digno do ser humano, incluem- à discriminação velada do empregador em se todas as pessoas, inclusive aquelas que contratar de昀椀ciente ou manter em seus qua- apresentam alguma espécie de de昀椀ciência. dros aquele cuja força de trabalho diminuiu Tal necessidade especial não desabilita to- ou se transformou com o advento de alguma talmente ou provoca inaptidão completa ao necessidade especial. trabalhador de exercer uma atividade pro昀椀s- sional, motivo pelo qual há de serem inseri- Citam-se os números: das no mercado de trabalho. A esse respeito, preleciona em sua obra o autor Sérgio Pinto Martins: Em 2010 o mercado de trabalho do Brasil, era ocupado por 306 mil tra- Os países devem introduzir, nos seus balhadores com de昀椀ciência. Do total de ordenamentos jurídicos, políticas de rea- trabalhadores com de昀椀ciência, veri昀椀ca- Rev. do Trib. Reg. Trab. 10ª Região, Brasília, v. 20, n. 2, 2016
70 se a predominância dos classi昀椀cados Sob a perspectiva da busca pela igualda- com de昀椀ciência física (54,47%), seguida de material, agora sob a ótica infraconstitu- dos auditivos (22,49%), visuais (5,79%), cional, o resguardo ao acesso do portador mentais (5,10%) e de昀椀ciências múltiplas de de昀椀ciência ao trabalho digno, consagrou- (1,26%). No que se refere ao gênero, se por meio da Lei Federal n° 8.213/91, que os homens têm uma maior representati- passou a determinar às empresas com mais vidade em todos os tipos de de昀椀ciência, de cem funcionários que ocupassem seus registrando uma participação de 65,42%, cargos com pessoas de昀椀cientes habilitadas, em média. A representatividade mas- conforme previsão do art. 93, o que veio a culina entre os trabalhadores com de昀椀- ser rati昀椀cado pela Política Nacional para a In- ciência física é de 64,34%, sendo 65,99% tegração da Pessoa Portadora de De昀椀ciência, referente à de昀椀ciência auditiva, 64,45% à por meio da Lei Federal 3.298/99. visual, 71,97% às mentais e 66,68% às de昀椀ciências múltiplas. Os rendimentos médios das pessoas com de昀椀ciência no mesmo ano foram de R$ 1.922,90. Quan- to à escolaridade, dos 306 mil empregos ocupados por pessoas com de昀椀ciência, 121 mil são trabalhadores que possuem ensino médio completo, seguido por 41 mil com ensino fundamental completo e 37 mil com superior completo. (SILVA, SIL- VA, 2013, p. 63). O Ministério do Trabalho e Emprego - MTE, em seu último indicador de empregabilidade divulgado, revela grande diminuição de pos- tos de trabalho de readaptados, rati昀椀cando o cenário brasileiro de desigualdade e discrimi- nação: No ano de 2010, a de昀椀ciência do tipo física foi a que apresentou maior partici- pação, chegando a um saldo de 2.866 vagas, seguida por 1.850 vagas de porta- dores de de昀椀ciência mental. No entanto, o saldo positivo de 4.021 vagas foi im- pactado pelas 2.414 demissões de rea- bilitados. No total do ano foram 73.274 contratações, sendo 54,8% (40.712) so- mente de de昀椀cientes físicos. (MTE, 2010, p.1, grifo nosso). Rev. do Trib. Reg. Trab. 10ª Região, Brasília, v. 20, n. 2, 2016
71 A exemplo da natureza de ação a昀椀rmativa A esse respeito, a Convenção n. 88 da da política, concentrada em permitir a con- OIT, rati昀椀cada pelo Brasil e passando a vi- secução da igualdade material entre os con- ger por meio do Decreto n. 41.721/57, pas- correntes no mercado, de昀椀cientes ou não, sou a dispor em seu artigo 6º, “a”, I que o próprio dispositivo legal revela verdadeira seria assegurado o recrutamento e coloca- limitação ao poder de gestão do emprega- ção dos trabalhadores, ajudando-os a obter dor, visto que só poderá haver a dispensa uma formação ou readaptação pro昀椀ssional. imotivada do de昀椀ciente se a empresa tiver em seus quadros o mínimo estabelecido no Além disso, não é demais salientar que art. 93 da Lei 8213/91. o Decreto n. 3.048/99 rati昀椀cou a preocupa- Art. 93. A empresa com 100 (cem) ou ção estatal com a reinserção dos trabalha- mais empregados está obrigada a preen- dores de昀椀cientes ao mercado de trabalho, cher de 2% (dois por cento) a 5% (cinco passando a dispor um capítulo sobre a ha- por cento) dos seus cargos com bene昀椀ci- bilitação e reabilitação daqueles que pre- ários reabilitados ou pessoas portadoras cisariam de uma readaptação pro昀椀ssional. de de昀椀ciência, habilitadas, na seguinte Reitera-se, inclusive, que o Brasil, antes proporção: (...) mesmo da edição do Decreto n. 3.048/99, § 1º A dispensa de pessoa com de昀椀- ratificou a Convenção n. 159, tendo vi- ciência ou de bene昀椀ciário reabilitado da gência por meio do Decreto n. 129/91, a Previdência Social ao 昀椀nal de contrato por qual trata da reabilitação profissional do prazo determinado de mais de 90 (noven- deficiente, tendo como principal foco a ta) dias e a dispensa imotivada em con- preocupação da obtenção, conservação e trato por prazo indeterminado somente progressão do trabalho daquele que pos- poderão ocorrer após a contratação de sui deficiência. outro trabalhador com de昀椀ciência ou Dessa maneira, a pessoa de昀椀ciente no bene昀椀ciário reabilitado da Previdência Brasil, mais precisamente aquela que tor- Social. (BRASIL, 2015, p.1, grifo nosso) nou-se portador de necessidade especial Observa-se que o ordenamento cria ver- após já inserido no mercado de trabalho, dadeira hipótese de garantia de emprego in- passou a ter resguardado um direito ao direta, visando o trabalho decente da pessoa trabalho decente, conforme disposição da com necessidades especiais. Tais preceitos Constituição Federal, legislação nacional e de igualdade material vêm sendo observa- convenções da OIT. dos, notadamente quanto àqueles que obti- veram uma de昀椀ciência por evento ou enfer- Nesse contexto, há, entretanto, as discus- midade ocorrida após já estarem inseridos sões acerca dos elementos viabilizadores no mercado de trabalho. Essas pessoas, ao da readaptação do trabalhador de昀椀ciente se tornarem de昀椀cientes, devem passar por à sua rotina de trabalho, principalmente a um processo de reabilitação ou readapta- depender do tipo de incapacidade sofrida, ção no trabalho, sendo esse último o objeto da função ocupada e do ramo da prestação do presente estudo. do serviço. Rev. do Trib. Reg. Trab. 10ª Região, Brasília, v. 20, n. 2, 2016
72 Nota-se, assim, que essa medida assecura- dade contemporânea, por intermédio da tória da legislação brasileira possui in昀氀uência internet, interligando computadores, celu- direta do princípio da dignidade da pessoa lares e a昀椀ns, em todo o mundo. (OLIVEIRA, humana, também fundamento da República 2014, p.2). Federativa, pois é por meio do trabalho de- cente que o indivíduo consegue resguardar Nesses termos, pode-se dizer que o teletra- o acesso ao mínimo existencial, não só em balho é fruto da viabilidade tecnológica, tra- relação aos próprios alimentos, mas também zendo, em si, suas vantagens e desvantagens, ao convívio social, o que também deve ser além de diversos pontos controvertidos, prin- garantido àqueles que passaram a ter uma cipalmente pela ausência de disposição legal de昀椀ciência, alcançando-se assim a igualdade especí昀椀ca no ordenamento nacional. material. Entre os diversos pontos controvertidos, tem-se o enquadramento do teletrabalho aos TELETRABALHO: POLÊMICAS E VANTA- chamados elementos caracterizadores da GENS relação de emprego, por exemplo, essencial- mente a subordinação, o que poderia causar As relações de trabalho passaram por um prejuízos ao empregado quando da tentativa longo processo de institucionalização, con- de ver reconhecida sua relação com o em- forme inicialmente mencionado. Concomi- pregador. tantemente, essas relações passaram pelas constantes alterações da modernidade. Atu- Tal fato motivou a nova redação do art. 6° almente, e devido ao avanço da tecnologia da CLT, dada pela Lei nº 12.551, de 2011, em que relativiza a distância física, é possível que se estabeleceu expressamente a inexis- encontrar uma nova forma de trabalho, de- tência de distinção entre o trabalho presen- nominada teletrabalho, entendido pela OIT cial e o teletrabalho e que, em seu parágrafo como a “forma de trabalho efetuada em lugar único, os “meios telemáticos e informatiza- distante do escritório central e/ou do centro dos de comando, controle e supervisão se de produção, que permita a separação físi- equiparam, para 昀椀ns de subordinação jurídi- ca e implique o uso de uma nova tecnologia ca, aos meios pessoais e diretos de comando, facilitadora da comunicação”. (BASTOS, p.1 controle e supervisão do trabalho alheio”, su- [201-]). prindo o dissenso. O instituto do teletrabalho é muito O professor Maurício Godinho Delgado pouco discutido pela doutrina e, por con- aduz em sua obra que: ta da pouca maturidade do tema, ainda não existe de昀椀nição conceitual consolida- O novo preceito incorporou, implici- da quanto à expressão utilizada, haja vis- tamente, os conceitos de subordinação ta a moderna forma de prestação destes objetiva e de subordinação estrutural, serviços à distância, bem como pelas di- equiparando-os, para os 昀椀ns de reconheci- versas maneiras e meios utilizados na sua mento da relação de emprego, à subordi- execução, como a implementação de nação tradicional (clássica), que se realiza novos subsídios informatizados na socie- por meios pessoais e diretos de comando, Rev. do Trib. Reg. Trab. 10ª Região, Brasília, v. 20, n. 2, 2016
73 controle e supervisão do trabalho alheio. em informática, bem como pro昀椀ssionalis- Desse modo, o novo dispositivo da CLT mo, quali昀椀cação e treinamento maior que permite considerar subordinados pro昀椀s- o exigido para a realização de trabalhos em sionais que realizem trabalho a distância, geral. (OLIVEIRA , 2014, p. 4) submetidos a meios telemáticos e infor- matizados de comando, controle e super- Entretanto, a despeito do disposto, enten- visão. (DELGADO, 2016, p. 1003) de-se o teletrabalho como gênero que abarca diversas espécies adaptáveis às necessidades Quanto aos demais elementos, observa-se de empregador e empregado, principalmen- que no teletrabalho prestado pelo emprega- te sob a intenção de garantir a manutenção do a distância, há a pessoalidade, pois exis- do emprego de quem, já inserido nos qua- tem mecanismos para dros da organização, tor- garantir que o trabalha- “…entende- se na-se portador de de昀椀ci- dor não se faça substi- ência impeditiva de sua tuir; o serviço é prestado o teletrabalho como continuidade: de forma contínua (não eventualidade), pela a partir de inúmeros gênero que abarca possibilidade do contro- diversas espécies locais, sendo várias as le de assiduidade e jor- possibilidades: a) tele- nada; por pessoa física adaptáveis às trabalho em telecen- e de forma remunerada necessidades de tros: locais situados (onerosidade). fora da sede central empregador e da empresa, tais como Outras divergências empregado…” em centros satélites que, segundo a doutrina (pequenos estabele- especializada, inviabili- cimentos separados zaria o teletrabalho, se- da empresa, mas que dela dependem em riam as desvantagens encontradas deste para muitos aspectos e que com elas estão em trabalhador e empregador. Defende-se o alto permanente comunicação eletrônica); e custo de investimento tecnológico, que rapi- centros compartilhados ou comunitários damente se torna obsoleto; a necessidade de (telecabana ou vicinal, para os ingleses, operador de alto grau de instrução e com co- 'ABC' - Advance Bussiness Center); b) te- nhecimento em informática e, por 昀椀m, a di昀椀- letrabalho em domicílio: executado pelo culdade de interação social do empregado e trabalhador em sua residência ou em ou- seu isolamento do ambiente organizacional. tro local por ele livremente escolhido; c) teletrabalho nômade: executado por tra- O exercício do teletrabalho no Brasil balhadores que não têm local 昀椀xo para a encontra di昀椀culdades, sobretudo, referen- prestação dos serviços; d) teletrabalho tran- te à falta deste per昀椀l pro昀椀ssional exigido sacional: trabalho executado por trabalha- ao teletrabalhador. Como visto, o teletra- dores de um país, cujo resultado é enviado balho exige um trabalhador de elevado a empresas situadas em outro país; (...)." nível de escolaridade e de conhecimento (SAKO apud BASTOS, p,1, [201-]). Rev. do Trib. Reg. Trab. 10ª Região, Brasília, v. 20, n. 2, 2016
74 Desta feita, torna-se imperioso salientar Porém, sem sombra de dúvidas, a maior van- que, em meio às polêmicas trazidas pela tagem trazida pela referida modalidade de nova modalidade de trabalho, não se pode trabalho está ligada à economia de tempo e deixar de destacar as suas vantagens, essen- facilidade de acesso à empresa, por intermé- cialmente aos trabalhadores que passaram a dio dos meios telemáticos. Com o teletraba- ter uma de昀椀ciência. Tal re昀氀exão é ponto cru- lho, o empregado passa a prestar os serviços cial no presente estudo, principalmente para em casa, sem precisar se locomover para o aqueles que passaram a ter di昀椀culdade em espaço físico da empresa. locomoção. Assim, o teletrabalho corresponde a Conforme mencionado, o teletrabalho é uma nova forma de organização do tra- uma modalidade de trabalho desempenha- balho, que diferencia dos empregos atuais do pelo empregado a distância. Com a pres- e possibilita novas formas, desvencilhan- tação dessa modalidade, o empregado deixa do-se do modelo burocrático/mecânico de enfrentar as intempéries do trânsito, tem vigente na fase do sistema de produção um maior proveito do tempo em relação ao industrial para um modelo orgânico/昀氀e- trabalho e sua vida pessoal, tendo em vis- xível, elaborado pelo empregado, da sua ta que não perderá duas ou três horas para melhor forma e como melhor lhe atender. deslocar-se de sua residência até as depen- (SOUZA, p. 1, [201-]). dências do trabalho, até porque no caso da grande maioria dos de昀椀cientes esse desloca- Com relação especí昀椀ca à pessoa do de昀椀- mento é praticamente impossível. ciente, cita-se novamente Oliveira, pois de- fende o teletrabalho como integrador e chan- Não se pode negar o aumento no ren- ce de emprego do indivíduo cujo ingresso no dimento pessoal de um teletrabalhador mercado é esboçado não por ausência de que controla seus horários, escolhe o am- quali昀椀cação pro昀椀ssional, mas do preconcei- biente em que deseja trabalhar e se exime to: de rotinas estressantes. Todos estes fatores O teletrabalho também oferece integra- entusiasmam diretamente a motivação e ção e maiores chances de contratação às o contentamento do teletrabalhador na pessoas cujo mercado de trabalho ainda prestação dos serviços, além de conciliar mantém certo nível de preconceito, ou os interesses das empresas, com o aumen- até mesmo àqueles em que as di昀椀cul- to signi昀椀cativo da produtividade e, conse- dades enfrentadas diariamente, sejam quentemente, dos lucros auferidos, que elas físicas ou psicológicas, impedem ou por sua vez, poderão ainda re昀氀etir em um desestimulam o trabalhador a buscar qua- aumento salarial ao empregado. (OLIVEI- li昀椀car-se e adentrar no mercado pro昀椀ssio- RA, 2014, p. 4) nal. (OLIVEIRA, 2014, p. 5). Há vantagens, inclusive, para o emprega- Portanto, tendo em vista que as vantagens dor, como diminuição de despesa com trans- apresentadas pelo teletrabalho estão ligadas porte, uniformes, redução do espaço físico e diretamente à locomoção do empregado, a aumento da produtividade do empregado. princípio existem indícios de que, no tocante Rev. do Trib. Reg. Trab. 10ª Região, Brasília, v. 20, n. 2, 2016
75 àqueles que passaram a ter uma de昀椀ciência Inobstante ter se tornado paraplégico, o ligada à mobilidade, tal forma de trabalho empregado ainda tem saúde para trabalhar poderia ser um meio alternativo de readapta- e, após passar pelo processo de reabilitação, ção daquele trabalhador já empregado, mas passa a ter aptidão para voltar ao mercado acometido no curso de seu vínculo por inca- de trabalho. Tal procedimento encontra gua- pacidade que o tornara de昀椀ciente. rida na Convenção 159 da OIT, mencionada alhures, pois a 昀椀nalidade da reabilitação é a A READAPTAÇÃO DO TRABALHADOR de “permitir que a pessoa de昀椀ciente obtenha AGORA DEFICIENTE: INCLUSÃO SOCIAL E e conserve um emprego e progrida no mes- TRABALHO DECENTE mo, e que se promova, assim a integração ou e reintegração dessa pessoa na sociedade”, Enquanto o empregado desempenha suas assim como previsto em seu art.1º, item 2. funções dentro de uma empresa, que fun- ciona a todo vapor, e a prestação de servi- No ordenamento infraconstitucional, a ço ocorre de forma e昀椀caz, tudo está bem. O reabilitação encontra previsão expressa no problema surge quando esse empregado, ao art.89 e seguintes da Lei n°8213/91, consti- voltar para casa, por exemplo, sofre um aci- tuindo serviço prestado pelo INSS, implican- dente e tem sua capacidade física reduzida do fornecimento de meios adequados ao re- de forma permanente, tornando um de昀椀cien- torno ao trabalho: te físico nos termos da lei. Art. 89. A habilitação e a reabilitação pro昀椀ssional e social deverão proporcionar ao bene昀椀ciário incapacitado parcial ou to- talmente para o trabalho, e às pessoas por- tadoras de de昀椀ciência, os meios para a (re) educação e de (re)adaptação pro昀椀ssio- nal e social indicados para participar do mercado de trabalho e do contexto em que vive. (BRASIL, 1991, p. 1, grifo nosso). Observa-se que a readaptação, objeto desse estudo, se apresenta como fase poste- rior à reabilitação do empregado, pois con- substanciada na inserção do empregado em função adequada à sua limitação, enquanto a reabilitação é a própria estabilização da li- mitação do empregado. Ocorre a readaptação sempre que um empregado tenha sido afastado do traba- lho por longo período, recebendo benefí- cio previdenciário, e então seja preparado Rev. do Trib. Reg. Trab. 10ª Região, Brasília, v. 20, n. 2, 2016
76 para retornar às suas atividades em uma tendente e trabalho seis horas por dia, de função adequada à sua condição física ou segunda a sábado. Peço doações para a mental. O procedimento de reabilitação entidade. Eu gosto do que faço. Recebi e readaptação está previsto nos arts. 136- treinamento, computador, Internet e te- 141 do Decreto n° 3.048/1999. (RESENDE, nho todo o suporte necessário, diz Nilton. 2015, p. 559) (NOMURA, p.1, 2009). Dessa forma, o empregado, após ser acome- O teletrabalho, a despeito dos pontos con- tido de enfermidade ou acidente incapacitante, trovertidos já debatidos, encontraria lugar fará jus ao benefício previdenciário, seja auxílio como fator de readaptação do empregado doença normal ou na modalidade acidentário. de昀椀ciente, como ferramenta de manuten- Após, atestando o INSS a limitação permanente ção de emprego, por ser desempenhado por do trabalhador, a enquadrá-lo como de昀椀ciente, meios telemáticos e informatizados, princi- terá para si o uso do serviço de reabilitação, a palmente telefone e computador e por facili- exemplo do fornecimento de próteses. A partir tar que o trabalho vá até a casa dos mesmos. deste momento, num mundo ideal, inviabiliza- do o exercício da função anteriormente ocupa- Torna-se imperioso salientar que essa nova da, deveria o trabalhador ser readaptado em forma de reinserção das pessoas com de昀椀ci- outra função compatível às suas limitações atu- ência no mercado trabalho também deverá ais, mantendo seu emprego e dignidade. ser uma forma de trabalho decente, devendo observar todos os direitos conquistados pelo Contudo, como se apresentou estatistica- trabalhador, inclusive os assegurados pela mente, o trabalhador pode ter seu contrato própria Constituição Federal. rescindido simplesmente por ter se tornado de- 昀椀ciente. A 昀椀gura legal da readaptação, como Para a OIT, o trabalho decente “[...] é o posta, não vem sendo su昀椀ciente para que essa ponto de convergência dos quatro objetivos reinserção no mercado ocorra de forma e昀椀caz. estratégicos da OIT [...]” e tange-se em asse- gurar: Ocorre que, por vezes, a própria limitação do empregado inviabiliza a manutenção do [...] o respeito aos direitos no trabalho vínculo presencial. O trabalhador não conse- (em especial aqueles de昀椀nidos como fun- gue perfazer os requisitos, seja por problemas damentais pela Declaração Relativa aos de locomoção, seja pelo fato de depender par- Direitos e Princípios Fundamentais no cialmente da ajuda de terceiros. A readapta- Trabalho e seu seguimento adotada em ção aqui poderia ser realizada pelo teletraba- 1998: (i) liberdade sindical e reconheci- lho, como fator de consecução de dignidade e mento efetivo do direito de negociação trabalho decente. coletiva; (ii)eliminação de todas as formas Cita-se o relato abaixo: de trabalho forçado; (iii) abolição efetiva do trabalho infantil; (iv) eliminação de to- Apesar de ter paralisia cerebral, Nilton das as formas de discriminação em maté- Nestal Júnior (foto), conseguiu seu pri- ria de emprego e ocupação), a promoção meiro emprego na Avape. Eu sou telea- do emprego produtivo e de qualidade, a Rev. do Trib. Reg. Trab. 10ª Região, Brasília, v. 20, n. 2, 2016
77 extensão da proteção social e o fortale- p. 1, grifo nosso). cimento do diálogo social. [...] (OIT, p, 1, Nesses termos, a consecução da readapta- [201-]). ção por meio do teletrabalho é vantagem de Como exposto, não se pode olvidar que mão dupla, vez que preenche a empresa o essa nova modalidade de trabalho facilitaria requisito legal de contratação de昀椀ciente com o acesso daqueles que se tornaram de昀椀cien- pro昀椀ssional já pertencente aos seus quadros, tes em um determinado estágio da vida, os gerando economia no investimento em conhe- quais, inclusive, já trabalhavam, a voltarem cimento organizacional e favorece a dignidade a desenvolver a sua atividade laborativa, de quem abruptamente tornara-se portador de passando, portanto, a serem reinseridos no necessidade especial. mercado de trabalho, eliminando a discrimi- Assim, o teletrabalho, na forma de enquadra- nação histórica do de昀椀- mento como fator de re- ciente e sua visão como adaptação do emprega- indivíduo improdutivo e “...o teletrabalho, na forma do de昀椀ciente, preenche inapto a integrar o capi- de enquadramento como o requisito constitucional tal intelectual da organi- fator de readaptação do de não discriminação e zação. acesso ao emprego, além A utilização do te- empregado de昀椀ciente, da máxima do trabalho letrabalho, segundo a preenche o requisito decente. doutrina, apresenta, constitucional de não portanto, várias van- discriminação e acesso ao CONCLUSÃO tagens para o empre- gador, entre as quais emprego, além da máxima Nos termos do a redução do espaço do trabalho decente” debatido, infere-se do imobiliário, com di- teletrabalho a real viabili- minuição de custos dade de sua consecução inerentes à aquisição como ferramenta de readaptação do emprega- de locais, aluguéis, manutenção, trans- do que veio a tornar-se de昀椀ciente, ou mesmo do porte, etc. A par dessas vantagens, pro- portador de necessidades especiais, cuja presta- picia uma atenção melhor aos clientes ção do serviço presencial torna-se inviável. mediante a conexão informática/tele- mática; gera maior produtividade pelo Desta feita, o trabalho a distância não empregado, em face do desapareci- se constitui modalidade incompatível com o or- mento do absenteísmo, da eliminação denamento nacional, porém, pela sua natureza de tempo perdido, sobretudo no trânsi- autônoma e desvinculada da organização, de- to, da maior motivação e da satisfação pende de investimentos a curto prazo, no tocan- no exercício da atividade. Além desses te ao equipamento necessário ao empregado, e aspectos, a empresa se vê livre das greves a longo prazo, visto que a organização também de transporte, dos acidentes no trajeto do deve se estruturar para realizar a 昀椀scalização da trabalho, dos fenômenos meteorológi- prestação de serviço e da própria saúde e segu- cos, entre outros (BARROS, 2016, p. 214, rança do trabalhador, visto que continuará sob o Rev. do Trib. Reg. Trab. 10ª Região, Brasília, v. 20, n. 2, 2016
78 imperativo das leis trabalhistas. (MTE). Dados CAGED: 3º Quadrimestre de Além disso, ainda conclui-se que não há su昀椀- 2010. Disponível em < http://www3.mte.gov. ciente trato jurídico sobre o tema, que resguar- br/ observatorio/indicadores_boletim_03. de empregado e empregador, necessitando-se pdf> Acesso em 20 set. 2016. de regulamentação a matéria do teletrabalho e NOMURA, M.C. Teletrabalho pode ser op- sua aplicação no contexto da readaptação do ção para pessoa com de昀椀ciência. IG Empre- empregado de昀椀ciente. gos. Disponível em Acesso em 20 set. 2016. cado de trabalho, roga pela utilização da cita- da ferramenta, mas ainda não está preparado ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRA- no contexto legal e estrutural para mantê-lo de BALHO (OIT). Vantagens do trabalho a dis- forma efetiva, mesmo sob imenso apelo social. tância. Genebra, 2013. Disponível em Acesso em 20 set. 2016. BARROS, Alice Monteiro. Curso de Direito ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRA- do Trabalho. 10 ed. São Paulo: LTr, 2016. BALHO (OIT). O que é Trabalho Decente. Ge- nebra, [201-]. Disponível em < http://www. BASTOS, G.A.C. Teletrabalho (Telework ou oitbrasil.org.br/content/o-que-e-trabalho-de- Telecommuting): uma Nova Forma de Ver cente> Acesso em 20 set. 2016. o Tempo e o Espaço nas Relações de Traba- lho. São Paulo: Lexmagister, [201-]. Disponí- OLIVEIRA, A.C. Aspectos legais do teletra- vel em Acesso em 20 set. 2016. PACO_NAS_RELACOES_DE_TRABALHO.aspx> Acesso em 20 set. 2016. RESENDE, Ricardo. Direito do Trabalho Es- quematizado. 5 ed. São Paulo: Método, 2015. DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Di- reito do Trabalho. 15 ed. São Paulo: LTr, 2016 SILVA, J.P.; SILVA, J.S. Inclusão de pessoas com de昀椀ciência no mercado de trabalho. MARTINS, Sergio Pinto. Garantia de emprego Revista Direito & Dialogicidade. Ceará: Crato, ao de昀椀ciente ou reabilitado. São Paulo: Carta v. 4 , n. 2, jul./dez. 2013. Forense, 2012. Disponível em Acesso em 20 set. 2016. Jurídico. Rio Grande, [201-]. Disponível em
79 O CONTRATO DE TRABALHO DE PRESTADORES DE SERVIÇOS SEXUAIS DA INVISIBILIDADE DA RELAÇÃO FÁTICO-JURÍDICA DA OCUPAÇÃO DO PROFISSIONAL 1 DO SEXO AO SEU RECONHECIMENTO COMO TRABALHO 2 Deise Justino Matos Ana Patrícia Rodrigues Pimentel3 RESUMO te na desconstrução da ilicitude do objeto da atividade sexual profissional, bem como na O presente estudo aborda o trabalho do descrição do modo como o posicionamento profissional do sexo, convergindo o estudo invisibilizador desta profissão está a desvalori- para seu contrato de trabalho, em razão de zar o trabalho humano, indignizá-lo e restrin- a sistemática negativa de direitos trabalhistas gir seu exercício, contrariamente às ordens ao prestador de serviços sexuais residir no constitucionais dos arts. 1º, III e IV, 5º, XIII fundamento jurídico da ilicitude do objeto e 170 caput. Utilizou-se do método indutivo contratual por contrariedade a moral e aos para produzir pesquisa de natureza aplicada costumes. O objetivo desta pesquisa consis- e de finalidade descritiva, fazendo uso dos 1. Artigo classificado na primeira colocação do concurso de artigos científicos vinculado à realização do II Seminário Tocantinense de Direito e Processo do Trabalho na categoria estudante. 2. Acadêmica da graduação em Direito pela Universidade Federal do Tocantins. Membra do Grupo de Pesquisa em Processo Civil da Universidade Federal do Tocantins. Estagiária de direito pela Justiça Federal - Seção Judiciária do Tocantins - Palmas. E-mail: [email protected]. 2. Mestre em Prestação Jurisdicional e Direitos Humanos pela Fundação Universidade Federal do Tocantins. Docente da Fundação Universidade Federal do Tocantins. E-mail: [email protected]. Rev. do Trib. Reg. Trab. 10ª Região, Brasília, v. 20, n. 2, 2016
80 materiais de legislação, livros e artigos cien- Desta maneira, o objetivo deste trabalho tíficos de teoria jurídica, bem como bancos consiste em voltar o foco da luz da ciência virtuais de jurisprudências de tribunais. jurídica ao trabalho dos profissionais do sexo, nas contrarrazões da corrente majoritária, PALAVRAS-CHAVE: Contrato de trabalho. defendendo a licitude do objeto e a validade Profissional do sexo. Valorização do trabalho dos contratos de prostituição com o destina- humano. tário final do serviço e com a casa de prosti- tuição. INTRODUÇÃO O presente trabalho analisará o contrato A validade dos contratos de trabalhos de trabalho em sua morfologia, plano de va- envoltos na prostituição, seja com o desti- lidade, natureza jurídica, principiologia e limi- natário final ou com a tações de ordem social casa de prostituição, é “O posicionamento jurídico impostas, aplicando a tema pouco desenvol- majoritário acerca do contrato de teoria geral no que tange vido pela doutrina e trabalho que envolve atividade às especifidades do exer- carente de abordagem cício da atividade sexu- de maior cientificidade sexual consiste na teoria da al. Nessa senda, desen- jurídica. Tal situação invalidade deste contrato de volver-se-á acerca das encontra origem na na- trabalho em razão de adoção da consequências jurídicas tureza tradicionalmente tese da ilicitude do objeto da do seu não reconheci- marginal do meretrício, prostituição, o que juridicamente mento como trabalho, ausência de regulamen- implica na ausência de proteção a dignidade do trabalho tação legal da profissão trabalhista à esta atividade ” sexual, necessidade de e invisibilização da ca- valorização do trabalho tegoria dos trabalhado- humano através do seu res do sexo. reconhecimento como trabalho e perspectivas de sua regulamenta- O posicionamento jurídico majoritário ção. acerca do contrato de trabalho que envol- ve atividade sexual consiste na teoria da O presente estudo consiste em pesquisa de invalidade deste contrato de trabalho em natureza aplicada, tendo sido utilizado o mé- razão de adoção da tese da ilicitude do todo indutivo, por meio do qual, observan- objeto da prostituição, o que juridicamente do o estado legal e social da condição dos implica na ausência de proteção trabalhista prestadores de atividade sexual, levantou-se à esta atividade. Por tal razão, os direitos a hipótese de licitude de seu trabalho, des- de reconhecimento desta atividade e pro- crevendo as repercussões jurídicas desta hi- teção trabalhista lhe são furtados com base pótese. O estudo possui finalidade descritiva, em fundamentação axiologicamente discri- a qual será perseguida por meio de pesquisa minatória, tendo seus profissionais sido re- bibliográfica, utilizando-se como materiais legados ao âmbito da marginalidade pelo a legislação pura, livros e artigos de teorias próprio direito. aplicadas do direito, assim como os bancos Rev. do Trib. Reg. Trab. 10ª Região, Brasília, v. 20, n. 2, 2016
81 de jurisprudência virtuais dos tribunais refe- como no caso do cambista de jogo do bicho. renciados. Quando não fosse por uma razão de ordem jurídica, um imperativo de natureza ética e O CONTRATO DE TRABALHO DOS PRO- moral impede solução diversa. […] (NASCI- FISSIONAIS DO SEXO: LICITUDE,VALIDADE MENTO, 2001, p. 220, grifo nosso). E MORFOLOGIA Se o objeto da relação de emprego é ilí- O contrato de trabalho, analogicamente cito ou imoral, a consequência será a sua ao Código Civil Brasileiro, pressupõe a exis- ineficácia, como ocorre com todo ato jurí- tência dos elementos essenciais de qualquer dico; também o direito civil considera uma negócio jurídico válido (BARROS, 2009, p. das condições de validade do ato jurídico a 245). No plano da validade do negócio jurídi- licitude do seu objeto. (NASCIMENTO, 2001, co, o Código Civil Brasileiro traz em seu art. p. 610, grifo nosso). 104 os seguintes elementos: Art. 104. A validade do negócio jurídico requer: I - agente capaz; II - objeto lícito, possível, determinado ou determinável; III - forma prescrita ou não defesa em lei. (BRASIL, 2002). No plano da licitude, para o direito priva- do, compreende-se, tautologicamente, como aquilo que não é ilícito, aquilo que não é con- trário às permissões legais. A doutrina e jurisprudência de expressiva relevância acrescentam ao conceito de licitu- de além da não contrariedade a lei, ainda a não contrariedade à moral e aos bons costu- mes. Desta maneira se observa Amauri Mas- caro Nascimento: Também não é profissão a atividade ilícita, uma vez que o trabalho é ordena- do a um fim: servir terceiros; logo, o ilíci- to não pode ser objeto de uma profissão. Quem faz comércio do seu corpo não é, tecnicamente, profissional. Aquele que exerce atividade de fins ilícitos não pode ser juridicamente declarado profissional, orientação, aliás, adotada pelos tribunais, Rev. do Trib. Reg. Trab. 10ª Região, Brasília, v. 20, n. 2, 2016
82 No que tange ao trabalho sexual, o ele- Já no âmbito da legalidade para o exer- mento de celeuma em relação à validade de cício da profissão, no que se refere ao setor seu trabalho consiste na licitude ou não do privado, este se traduz no art. 5º, II da Consti- objeto contratual – a atividade sexual. tuição Federal, compreendendo a liberdade de agir em não contradição à lei. A inclusão dos requisitos de não contrarie- dade à moral e bons costumes na definição Consequentemente, a ausência do reco- de licitude cível não acompanha o estágio nhecimento desta atividade como profissão em que se encontra a compreensão das li- trará incongruentes consequências jurídicas berdades individuais e da legalidade no âm- à esta classe de trabalhadores. Consoante à bito privado, demonstrando o inconveniente doutrina de Alice Monteiro de Barros (2009, paternalismo jurídico na tentativa de prote- p. 247-248 e p. 524), o contrato de trabalho ger a sociedade de atividade lícita e legítima desenvolvido em atividade ilícita é inválido e por apego e preservação de valores morais nulo, e não repercute quaisquer efeitos traba- tradicionais de determinada classe. lhistas, nem mesmo a retribuição pelos ser- viços prestados. Isto se dá em razão de uma Nota-se que no plano da legalidade penal, das características do contrato de trabalho o exercício da prostituição é legal, tendo, no ser a sua onerosidade, repercussão esta que entanto, sido criminalizados diversos exercí- inexiste quando o objeto é considerado ilícito cios relacionados à livre e consciente venda e o contrato consequentemente nulo. do sexo sob o Título VI do Código Penal Brasi- A nulidade do contrato invalida os efeitos leiro como ofensivos à dignidade sexual, espe- que do ato decorreriam (DELGADO, 2015, cificamente em seu Capítulo V, como formas p. 560), tornando impossível a retomada ao de exploração sexual. A própria prostituição, status quo ante em razão de a teoria das apesar de não criminalizada, ainda é vista por nulidades se aplicar de maneira idêntica ao doutrinadores como uma das formas de ex- processo civil no que se refere à ilicitude do ploração sexual (CUNHA; GOMES; MAZZUOLI, objeto (DELGADO, 2015, p. 565), tornando o 2009, p. 58-59 apud CAPEZ, 2012, p. 212). contrato sem qualquer repercussão trabalhis- ta, gerando enriquecimento sem causa do Nesse sentido, quanto à ofensa à dignida- tomador do serviço. Contudo, é exatamen- de sexual dos exercícios vinculados à prosti- te este o entendimento dos tribunais pátrios, tuição, Mouçoçah afirma: consoante ao julgamento do Tribunal de Jus- tiça de Minas Gerais: (...) o ato de prostituir-se não afeta a dig- nidade sexual em seu sentido político, pois EMENTA: INDENIZAÇÃO - DANOS MATE- o objeto de proteção dos crimes sexuais RIAIS - LUCROS CESSANTES - PROSTITUI- não é a moral sexual, e sim a agressão à ÇÃO - ATIVIDADE NÃO REGULAMENTADA melhor expressividade do conceito de dig- - IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. nidade sexual, que é o direito à autodeter- O comércio do corpo, ainda hoje, é repu- minação sexual. Portanto, exploração exis- diado socialmente por afrontar a moral e te apenas nos casos em que este livre agir os bons costumes, sendo juridicamente é lesionado (…) (MOUÇOÇAH, 2014, p. 13). impossível o pleito fundado no exercício Rev. do Trib. Reg. Trab. 10ª Região, Brasília, v. 20, n. 2, 2016
83 de tal atividade. […] (BRASIL, TRIBUNAL Descrição sumária da atividade: Bus- DE JUSTIÇA DE MINAS GERAIS, 2016, p.1) cam programas sexuais; atendem e acom- panham clientes; participam em ações No que tange a licitude do objeto, Muçou- educativas no campo da sexualidade. As çah (2015, p. 3) e Silva e Neto (2008, p. 24), atividades são exercidas seguindo normas este último como sendo membro integrante e procedimentos que minimizam a vulne- do Ministério Público do Trabalho, sustentam rabilidades da profissão. que a Classificação Brasileira de Ocupações Características do Trabalho: - CBO, instituída pela portaria nº. 397/02 do Condições gerias do exercício: Traba- Ministério do Trabalho, reconheceu de uma lham por conta própria em locais diversos vez por todas a licitude do trabalho sexual, e horários irregulares. No exercício de algu- ao reconhecer sob o código 5198-05 a ocu- mas das atividades podem estar expostos pação de “Profissional do sexo”, subtítulo de à intempéries e a discriminação social. Há “Garota de programa, Garoto de programa, ainda riscos de contágios de dst, e maus- Meretriz, Messalina, Michê, Mulher da vida, tratos, violência de rua e morte. Prostituta, Trabalhador do sexo”, sob as se- Formação e experiência: Para o exercí- guintes características, entre outras: cio profissional requer-se que os trabalha- Rev. do Trib. Reg. Trab. 10ª Região, Brasília, v. 20, n. 2, 2016
84 dores participem de oficinas sobre sexo lha profundamente ao instituto do elemento seguro, o acesso à profissão é restrito aos natural, por conter característica de habitu- maiores de dezoito anos; a escolaridade alidade fática e não previsão formal. Desta média está na faixa de quarta a sétima sé- forma, a eventual ausência destes elementos ries do ensino fundamental. de fundo moral e não essenciais não devem Competências pessoais: Demonstrar gerar qualquer efeito no plano da validade capacidade de persuasão; Demonstrar ca- do contrato de trabalho. pacidade de comunicação; Demonstrar capacidade de realizar fantasias sexuais; Desta forma, evidenciam-se as incongru- Demonstrar paciência; Planejar o futuro; ências jurídicas criadas pela teoria da ilici- Demonstrar solidariedade aos colegas de tude da atividade sexual, e a consequente profissão; Demons- ausência de proteção trar capacidade de “ ... evidenciam-se as trabalhista causada pelo ouvir; Demonstrar incongruências jurídicas criadas não reconhecimento da capacidade lúdica; pela teoria da ilicitude da atividade profissão, mostrando-se Demonstrar sensua- sexual, e a consequente ausência a contrariedade à moral lidade; Reconhecer de proteção trabalhista causada e bons costumes como o potencial do clien- pelo não reconhecimento meros elementos habi- te; Cuidar da higiene da profissão, mostrando-se tuais não necessários à pessoal; Manter sigilo a contrariedade à moral e bons configuração do contra- profissional. […] (BRA- costumes como meros elementos to e repercussão de seus SIL, MINISTÉRIO DO habituais não necessários à efeitos. TRABALHO E EMPRE- configuração do contrato GO, 2016, p.1). e repercussão de seus efeitos.” A autonomia priva- da contratual nos con- Morfologicamente, o tratos de trabalho: o contrato de trabalho possui elementos essen- Princípio da liberdade profissional frente ciais, naturais e acidentais (DELGADO, 2015, as limitações de ordem social do trabalho p. 549-550). São elementos essenciais (jurídi- co-formais) os requisitos enunciados pela lei O contrato de trabalho, como negócio ju- no art. 104 do Código Civil Brasileiro, e a sua rídico pactuado entre duas pessoas a fim de falta repercute em nulidade do contrato de prestação de uma prestação pessoal, (DEL- trabalho. São elementos naturais os elemen- GADO, 2015, p. 543), é sobretudo um negó- tos recorrentes aos contratos de trabalho que cio jurídico de natureza privada (DELGADO, não são imprescindíveis, e sua falta não gera 2015, p. 548). qualquer repercussão jurídica ao trabalhador. Na esfera contratual, destaca-se o concei- A observância sistemática da morfologia to de autonomia da vontade, o qual consiste contratual aponta que não contrariedade a em princípio clássico do direito civil contra- moral e bons costumes não possui funda- tual. Este, forjado sob a vigência do estado mento para manter-se como elemento essen- liberal, teve como sua origem o respeito ab- cial do contrato de trabalho, mas se asseme- soluto as liberdades individuais, aceitando Rev. do Trib. Reg. Trab. 10ª Região, Brasília, v. 20, n. 2, 2016
85 como cláusula válida tudo aquilo pelo que É por tal razão que parte da doutrina con- as partes se manifestassem. Conceitua Sílvio sidera a substituição do termo autonomia da Rodrigues: vontade por autonomia privada, em razão de autodeterminação não ocorrer por simples O Princípio da Autonomia da Vontade avença das partes, mas encontra limitações consiste na prerrogativa conferida aos in- de ordem pública por sofrer influência social, divíduos de criarem relações na órbita do política, econômica e psicológica (TARTUCE; direito, desde que se submetam as regras AMORIM, 2014, p.256-257). impostas pela lei e que seus fins coinci- dam como o interesse geral, ou não o Nesse sentido, as limitações contratuais, contradigam. (RODRIGUES, 2007, p.15). de sobremaneira nos contratos de trabalho, significam em avanço social. Maurício Godi- Desta maneira, a teoria da autonomia da nho Delgado (2015, p. 542-543) apresenta o vontade equiparou a força da vontade das contrato de trabalho como o maior exemplo partes à força da lei entre os contratantes. contemporâneo de contrato de adesão, em Contudo, a alteração nos meios de produção alusão a diferença de paridade entre as par- modificou, por consequência inafastável, o tes contratantes, colocando a compreensão modo de contratação. Concomitantemen- da liberdade dentro da relação contratual te (GONÇALVES, 2004, p.4), a compreensão como elemento a ser interpretado sob a pers- do desequilíbrio contratual em determinadas pectiva do estágio atual de evolução históri- situações, despontou um novo paradigma ca e democracia social. contratual, elevando à dimensão social o que até então era questão absolutamente indivi- A Constituição Federal, em seu art. 5º, dual, despontando o dirigismo contratual em XIII, declara a liberdade de trabalho desde determinados setores socialmente mais rele- que atendidas as qualificações profissionais vantes. previstas em lei, na mesma senda em que Rev. do Trib. Reg. Trab. 10ª Região, Brasília, v. 20, n. 2, 2016
86 a Consolidação das Leis Trabalhistas, em de prazer livre entre pessoas capazes, sem seu art. 444, declara a liberdade contratual potencialidade ofensiva à dignidade em ní- desde que resguardada a observância das vel pessoal ou social. A visão do sexo como regras de proteção ao trabalho. Desta ótica sagrado, íntimo, amoroso e gratuito é deri- da autonomia privada, vada de visão romântica a liberdade contratual inapropriada aos tempos no âmbito trabalhista é “ ...sob a ótica da mitigação presentes, em que limi- mitigada aos princípios da autonomia privada nos tações de ordens morais sociais do trabalho, de ao sexo envolvem, em sobremaneira à digni- contratos de trabalho às síntese, a capacidade ci- dade humana e função razões de ordem social, a vil, consciência e consen- social do contrato de atividade sexual se apresenta timento das partes. trabalho. Limita-se a como trabalho digno o qual liberdade negocial, na deve ser respeitado como Portanto, sob a ótica forma de restrição da da mitigação da autono- autonomia da vontade, objeto de escolha mia privada nos contra- a fim de para proteger profissional legítima.” tos de trabalho às razões o trabalhador contra o de ordem social, a ativi- poder do tomador de dade sexual se apresenta serviços. como trabalho digno o qual deve ser respeitado como objeto de es- No entanto, os profissionais do sexo são colha profissional legítima. sujeitos ao fenômeno peculiar ao qual Mu- çouçah (2014, p. 15) nomeia de vitimização PANORAMA JURISPRUDENCIAL ACER- presumida, que consiste em ter, por razões CA DO RECONHECIMENTO DO CONTRA- de moralidade sexual, sua atividade profis- TO DE TRABALHO DOS PROFISSIONAIS sional considerada como indigna e uma fa- DO SEXO talidade imoral em vez de uma autodetermi- nação livre consciente. No âmbito da atividade prostitucional, genericamente, dois tipos de contratos po- No que se refere à limitação da atividade dem ser estabelecidos, primeiro, diretamen- sexual, é questão central: O trabalho prostitu- te com a pessoa natural destinatária final do cional ofende a dignidade humana do maior serviço, como profissional autônomo, e se- capaz que se prostitui livremente? Se positi- gundo, por meio de casas de prostituição4, va fosse a resposta, a limitação deste traba- com a qual pode ou não manter vínculo em- lho estaria plenamente justificada. Contudo, pregatício, e onde pode ou não ser agencia- a resposta é negativa. O sexo é atividade da por um rufião5. 4. Atenção: Nota-se, ainda, que a casa de prostituição pode ser utilizada pelos profissionais do sexo sem que com ela se mantenha vínculo empre- gatício, vide sua definição no art. 229 do Código Penal como “estabelecimento em que ocorra exploração sexual, haja, ou não, intuito de lucro ou mediação direta do proprietário ou gerente” 5. Segundo o art. 230 do Código penal, é aquele que tira “proveito da prostituição alheia, participando diretamente de seus lucros ou fazendo-se sustentar, no todo ou em parte, por quem a exerça” Rev. do Trib. Reg. Trab. 10ª Região, Brasília, v. 20, n. 2, 2016
87 A casa de prostituição e o agenciador po- no aforismo "utile per inutile vitiari non de- dem estabelecer contratos de trabalho com bet". (...) (BRASIL, TRIBUNAL REGIONAL DO quaisquer profissionais que exerçam ativi- TRABALHO DA 3ª REGIÃO, 2000, p. 1, grifo dades legais, exceto o contrato cujo objeto nosso). é atividade sexual, e desta forma o vínculo Jurisprudência TRT 4 (2000, p.1) expõe: empregatício do profissional do sexo com a casa de prostituição nunca é reconhecido (…) A validade do contrato de trabalho, em razão da ilicitude do objeto. A jurispru- como de qualquer contrato, depende, en- dência atual de diferentes Tribunais Regio- tre outros pressupostos, da licitude do ob- nais do Trabalho, como do TRT 12 (2016, jeto. Embora a prostituição não seja tra- p.1) defende: tada como ilícito pela legislação pátria, VÍNCULO DE EMPREGO. PROSTITUI- o mesmo não ocorre com a exploração ÇÃO. Não há vínculo de emprego entre de tal atividade, (...) A respeito do assunto, a casa que explora a prostituição e a Carlos Alberto Barata Silva, in Compêndio prestadora desses serviços, ante a ili- de Direito do Trabalho, Ed. LTr, pág. 221, citude do objeto que alicerça a relação 4ª: “(...) no exame da licitude da causa, jurídica, nos termos do art. 104, II, do Có- deve-se atentar para um aspecto bem digo Civil. (BRASIL, TRIBUNAL REGIONAL pouco estudado. Se o fim econômico da DO TRABALHO DA 12ª REGIÃO, 2016, p. 1, fonte de trabalho (empregador, empresa grifo nosso). ou estabelecimento) não for proibido de maneira essencial, isto é, se embora sen- Jurisprudência do TRT 3 (2000, p.1) do imoral, não for vedada a sua atividade também expõe: pelos poderes públicos, serão válidos os contratos de trabalho realizados com seus DANÇARINA DE CASA DE PROSTITUI- servidores? Imaginemos uma pensão de ÇÃO POSSIBILIDADE DE RECONHECIMEN- meretrício. A nosso ver, é indispensável TO DE VÍNCULO EMPREGATÍCIO. Restando que os servidores de tal estabelecimento provado que a autora laborava no estabe- sejam agrupados em duas correntes per- lecimento patronal como dançarina, sen- feitamente definidas: a primeira, a dos do revelados os elementos fático-jurídicos que exercem funções intrinsicamente da relação de emprego, em tal função, imorais, como as prostitutas que geral- não se tem possível afastar os efeitos ju- mente têm subordinação para com uma rídicos de tal contratação empregatícia, ou um principal, e a segunda, a dos que conforme pretende o reclamado, em de- exercem funções intrinsicamente hones- corrência de ter a reclamante também tas como, por exemplo, os cozinheiros, os exercido a prostituição, atividade esta copeiros, as camareiras, etc. É evidente que de forma alguma se confunde com que os contratos de trabalho dos tra- aquela, e, pelo que restou provado, era balhadores da segunda categoria são exercida em momentos distintos. Entendi- válidos, o que não ocorrerá, entretan- mento diverso implicaria favorecimento ao to, com relação aos da primeira. É que, enriquecimento ilícito do reclamado, além segundo este critério, é necessário que se de afronta ao princípio consubstanciado distinga entre a causa próxima ou imedia- Rev. do Trib. Reg. Trab. 10ª Região, Brasília, v. 20, n. 2, 2016
88 ta e a causa remota ou mediata. Segundo da mutação desses costumes na socie- o mesmo, ‘só serão válidos os contratos dade hodierna e da necessária separação imorais ou ilícitos proximamente, po- entre a Moral e o Direito. 4. Não se pode dendo sê-lo aqueles que, embora remo- negar proteção jurí- tamente ilícitos, têm sua prática cercada dica àquelas (e àque- de moralidade, inclusa na esfera ética do les) que oferecem direito” (BRASIL, TRIBUNAL REGIONAL DO serviços de cunho TRABALHO DA 4ª REGIÃO, 2000, p. 1, grifo sexual em troca de nosso) remuneração, desde que, evidentemente, Já o STJ, em Maio de 2016, na contra- essa troca de inte- corrente do que então vinha sendo deci- resses não envolva dido pelos TRTs, compreendeu: incapazes, menores de 18 anos e pessoas HABEAS CORPUS. ROUBO IMPRÓ- de algum modo vul- PRIO. NULIDADE DA SENTENÇA. SU- neráveis e desde que PRESSÃO DE INSTÂNCIA. NULIDADE o ato sexual seja de- DO ACÓRDÃO. NÃO OCORRÊNCIA. corrente de livre dis- DESCLASSIFICAÇÃO PARA EXERCÍCIO posição da vontade ARBITRÁRIO DAS PRÓPRIAS RAZÕES. dos participantes e PRETENSÃO LEGÍTIMA E PASSÍVEL DE não implique violên- DISCUSSÃO JUDICIAL. REGRA. MORAL cia (não consentida) E DIREITO. SEPARAÇÃO. MUTAÇÃO DOS ou grave ameaça. 5. COSTUMES. SERVIÇO DE NATUREZA SE- Acertada a solução XUAL EM TROCA DE REMUNERAÇÃO. dada pelo Juiz sen- ACORDO VERBAL. AUSÊNCIA DE PAGA- tenciante, ao afastar o MENTO. USO DA FORÇA COM O FIM DE crime de roubo – cujo SATISFAZER PRETENSÃO LEGÍTIMA. (...) elemento subjetivo 2. Não mais se sustenta, à luz de uma visão não se compatibiliza secular do Direito Penal, o entendimento com a situação versa- do Tribunal de origem, de que a natureza da nos autos – e enten- do serviço de natureza sexual não permi- der presente o crime te caracterizar o exercício arbitrário das de exercício arbitrário próprias razões, ao argumento de que o das próprias razões, compromisso assumido pela vítima com a ante o descumprimento do acordo ver- ré – de remunerar-lhe por serviço de na- bal de pagamento, pelo cliente, dos prés- tureza sexual – não seria passível de co- timos sexuais da paciente. (...) 7. Habeas brança judicial. 3. A figura típica em apre- corpus não conhecido. Ordem concedida ço relaciona-se com uma atividade que de ofício, para restabelecer a sentença de padece de inegável componente moral primeiro grau, que desclassificou a condu- relacionado aos "bons costumes", o que ta imputada à paciente para o art. 345 do já reclama uma releitura do tema, mercê Código Penal e, por conseguinte, declarar Rev. do Trib. Reg. Trab. 10ª Região, Brasília, v. 20, n. 2, 2016
89 extinta a punibilidade do crime em questão. A valorização do trabalho, como ordem (BRASIL, SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, constitucional fundamento da ordem econô- 2016, p. 1, grifo nosso). mica (art. 170, caput, Constituição Federal), e Desta forma, a dignidade da pessoa humana, como funda- em entendi- mento da República (art. 1º, III, Constituição mento inédito Federal), constituem em patamares civiliza- à corte, crian- tórios mínimos (DELGADO, 2015, p. 122) que do novo para- não permitem sua redução em qualquer seg- digma para o mento econômico-profissional. enfrentamento da questão, o Em razão da ausência de definição legal STJ reconhece- acerca dos meios de efetivação da valoriza- ra a mutação ção do trabalho, Amauri Mascaro Nascimen- dos costumes to (2011, p. 463) aponta como solução da e da moral que observância das configurações fático-jurídica marginalizaram concretas para compreensão de como em- a prostituição, preender a objetivação do princípio. No que vindo a consi- se refere às especifidades da atividade sexual derar legítima profissional, sua configuração demonstra a a prestação de ausência de seu reconhecimento como tra- serviços sexu- balho como o ponto central da sua desvalo- ais em troca de rização e do cerceamento de direitos traba- remuneração lhistas. entre maiores capazes por li- O Projeto de Lei 98/2003 (Deputado Fer- vre e espontâ- nando Gabeira/PT-RJ), cujo objetivo era nea vontade, promover a regulamentação do trabalho da declarando a profissional, fora arquivado em 2011, e no possibilidade momento se encontra em tramite o Projeto de cobrança de Lei 4211/2012 - PL Gabriela Leite (Depu- judicial pelos tado Jean Wyllys/Psol-RJ) com o mesmo ob- serviços pres- jetivo, o qual encontra a mesma resistência tados, em sen- para o reconhecimento da profissionalidade tido oposto à do trabalho sexual que o primeiro durante a então uníssona jurisprudência e doutrina, tramitação pelo congresso nacional. salientando, ainda, a necessidade de pro- teger juridicamente os prestadores destes A invisibilidade promoveu, por conseguin- serviços. te, a superficialidade e resistência do/ao de- bate acerca da regulamentação da profissão, DA VALORIZAÇÃO DO TRABALHO PROS- o que reserva à escolha somente proposta TITUCIONAL E SUA DIGNIZAÇÃO única de Projeto de Lei, com falhas como a possibilidade de apropriação de até 50% da Rev. do Trib. Reg. Trab. 10ª Região, Brasília, v. 20, n. 2, 2016
90 remuneração do profissional do sexo (art. 2º face à liberdade profissional e as limitações do Projeto de Lei 4211/2012), entre outras, de ordem social ao trabalho. Observou-se a criticada tanto pelos entusiastas quanto opo- utilização de conceito de licitude incluindo nentes à regulamentação da profissão. elementos morfológicos habituais e não es- Contudo, invisibilizando a profissionalida- senciais, cujos efeitos são a desproteção do de da atividade sexual, negando-lhe reconhe- trabalhador. Fora observado, ainda, como cimento e subtraindo direitos trabalhistas dos a jurisprudência e doutrina adotam tal teo- que a exercem, permite-se a exploração da ria de maneira majoritária, tendo o recente atividade e desvalorização de seu trabalho. entendimento contrário do Superior Tribunal Inexistindo proteção legal ao profissional do sexo, ele está exposto a situações como a ne- cessidade de utilização dos meios de trabalho criminalizados (o rufião e a casa de prostitui- ção), à negociação utilização de equipamen- tos de proteção individual (preservativos e contraceptivos), que são indispensáveis para a saúde do trabalhador, à agressão física, se- xual e psicológica, entre outras reais formas de exploração do atividade sexual. A omissão do Estado brasileiro no reco- nhecimento e regulamentação da profissão ao mesmo tempo que não protege a socie- dade da venda do sexo, não protege o profis- sional do sexo, negando-lhe direitos trabalhis- tas mínimos. A promoção da valorização do trabalho humano dos profissionais do sexo somente ocorrerá com a desconstrução da vitimização presumida destes profissionais, reconhecimento da dignidade da atividade profissional, reconhecimento de sua licitude e, por conseguinte, sua proteção pelo direito, como trabalho legítimo que é. CONCLUSÕES O desenvolvimento demonstrara as incon- gruências da teoria da ilicitude do objeto no contrato de trabalho da atividade sexual no que se refere ao conceito de licitude ado- tado, à morfologia contratual, natureza ju- rídica do contrato de trabalho, bem como Rev. do Trib. Reg. Trab. 10ª Região, Brasília, v. 20, n. 2, 2016
91 de Justiça criado novo paradigma para a ob- como profissão e sua regulamentação a pos- servância desta relação profissional, inaugu- sível resposta frente necessidade de valoriza- rando nova perspectiva a ser adotada pelas ção e dignização desta profissão. instâncias inferiores. Os resultados alcançados demonstram REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: como a invisibilização da atividade sexual desvaloriza o trabalho sexual e cerceia sua BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Di- dignidade laborativa ao lhe furtar proteção reito do Trabalho. 5. Ed. São Paulo: Editora jurídica mínima para o exercício de seu traba- LTr, 2009. lho, sendo o reconhecimento desta atividade BRASIL. Superior Tribunal de Justiça; STJ. HC Nº 211.888 - TO (2011/0152952-2) Re- lator: Ministro Rogerio Schietti Cruz. 17 de maio de 2016. Disponível em: Acesso em: 20 ago. 2016. ______. Código Civil, Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Brasília, DF: Senado Federal, 2002. ______. Código Penal, Decreto-Lei 2.848, de 07 de dezembro de 1940. Brasília, DF: Se- nado Federal, 1940. ______. Constituição da República Fede- rativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Senado Federal, 1988. ______. Ministério do Trabalho e Empre- go.Classificação Brasileira de Ocupações (CBO).Portaria nº 397, de 09 de Outubro de 2002.Brasília, DF. 2002. ______. Tribunal de Justiça de Minas Ge- rais. TJ-MG 100240603314510021 MG 1.0024.06.033145-1/002(1), Relator: JOSÉ ANTÔNIO BRAGA, Data de Publicação: 07/07/2007. Disponível em http://migre. me/vGPub> Acesso em: 06 set. 2016. Rev. do Trib. Reg. Trab. 10ª Região, Brasília, v. 20, n. 2, 2016
92 ______. Tribunal do Trabalho da GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil 12ª Região. TRT-12 - RO: nº 0001174- brasileiro: contratos e atos unilaterais. v. III, 87.2014.5.12.0036, Relator: Des. Jorge Luiz São Paulo: Editora Saraiva, 2004. Volpato, Publicação: 26/04/2016. Disponível em Acesso em: 10 ago. 2016. lítica Criminal II. 2014. Trabalho apresentado no XXIII Congresso Nacional do CONPEDI, ______. Tribunal do Trabalho da 3ª Re- 2014. Universidade Federal da Paraíba. João gião. TRT-3 - RO: 112500 1125/00, Relator: Pessoa, 2014. Convocada Rosemary de O. Pires, Quinta Turma, Data de Publicação: 18/11/2000 ______, Renato de Almeida Oliveira. Tra- DJMG. Página 23. Disponível em: < https:// balhadores da Sexualidade e seu Exercício as1.trt3.jus.br/juris/detalhe.htm?conversatio- Profissional: Um enfoque sob o prisma da nId=21317>. Acesso em: 06 set. 2016. ciência jurídica trabalhista. Universidade de São Paulo: 2015. ______. Tribunal do Trabalho da 4ª Re- gião. TRT- 4. RO nº 01279371/97-8, Rela- NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de tora Maria Helena Mallmann, Julgado em direito do trabalho: história e teoria geral 06.07.2000. Disponível em:< http://mi- do direito do trabalho: relações individuais gre.me/vGPNO>. Acesso em 07 set. 2016 e coletivas do trabalho. 26. ed. São Paulo: Saraiva, 2011 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de SILVA E NETO, Manoel Jorge. Proteção direito do trabalho. 14. ed. São Paulo: LTr, Constitucional do Trabalho da Prostituta. 2015. Revista do Ministério Público do Trabalho. Procuradoria-Geral do Trabalho, p. 13-34. São CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal, Paulo: Ltr, 2008. parte especial, volume 3: Dos crimes contra a dignidade sexual a Dos crimes contra a admi- RODRIGUES, Silvio. Dos Contratos e das nistração pública. 12. ed. São Paulo: Saraiva, declarações unilaterais de vontade. 30. ed. 2012. v.3. São Paulo: Saraiva, 2007. TARTUCE, Flávio. NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual do Direito do Consu- midor: Direito Material e Processual. 3. ed. São Paulo: Editora Método, 2014. Rev. do Trib. Reg. Trab. 10ª Região, Brasília, v. 20, n. 2, 2016
93 AS NOVAS PERSPECTIVAS DOS ADICIONAIS DE INSALUBRIDADE E PERICULOSIDADE1 Elizângela Gomes Quintana2 3 Leonardo Navarro Aquilino RESUMO e 16 instituídas pelo Ministério do Trabalho e Emprego. Em oposição a estas considera- O art. 93 § 2º do Decreto-lei nº 5.452 de ções a Constituição da República Federativa 1º de maio de 1943 determina a vedação do do Brasil de 1988, no artigo 7º, XXIII, “garante percebimento cumulativo dos adicionais de ao trabalhador o percebimento dos adicio- insalubridade e periculosidade e concede ao nais de remuneração para as atividades pe- empregado a escolha do mais favorável. Ain- nosas, insalubres ou perigosas, na forma da da em consonância com esse posicionamen- lei”. E em conformidade com a constituição to têm-se as normas regulamentadoras NR15 há duas convenções criadas pela Organiza- 1. Artigo classi昀椀cado na segunda colocação do concurso de artigos cientí昀椀cos vinculado à realização do II Seminário Tocantinense de Direito e Processo do Trabalho na categoria estudante. 2. Licenciada em Letras – Português/Inglês pela Universidade Federal do Tocantins. Graduanda em Direito pela Faculdade Católica do Tocan- tins. Aluna do Curso de Especialização em Direito do Trabalho e Previdenciário pela Universidade Estácio de Sá. Aluna bolsista do Programa de Iniciação Cientí昀椀ca da Faculdade Católica do Tocantins. 3. Mestre em Direito pela Universidade Católica de Brasília. Especialista em Direito das Obrigações pela Universidade Estadual Paulista – UNESP. Professor de Direito do Trabalho dos cursos de Direito da Faculdade Católica do Tocantins e Faculdade Serra do Carmo. Rev. do Trib. Reg. Trab. 10ª Região, Brasília, v. 20, n. 2, 2016
94 ção Internacional do Trabalho nº 148 e 155 Com fundamentos na Constituição da Re- que apontam para a cumulação dos adicionais pública Federativa do Brasil de 1988 que tam- de insalubridade e periculosidade. A proble- bém trata dos direitos sociais do trabalhador. mática motriz da pesquisa consiste em veri昀椀car Tanto a CLT como a Constituição é imbuída as divergências doutrinárias e legais existentes de princípios, valores, proteções, direitos, no ordenamento jurídico e sua repercussão e vedações que se direcionam ao interesse dicotômica na jurisprudência. O objetivo geral mor de assegurar ao trabalhador seus direi- perscrutou as fundamentações das novas deci- tos, bem como deveres. sões jurisprudências quanto à cumulação dos adicionais de insalubridade e periculosidade. Contudo, para que tais fundamentos se A pesquisa aplicou o método dedutivo e evi- concretizem, a CLT deve estar em confor- dencia-se como qualitativa e exploratória, pois midade com a Constituição e em nenhum partiu da investigação e re昀氀exão de dados lo- momento divergirem a ponto de que tragam grados em doutrinas, artigos regulamentados interpretações distintas que prejudiquem ou e decisões jurisprudenciais. Constatou-se que a abdiquem o trabalhador de seus direitos. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 em seu art. 7º, XXIII não recepcionou Como o art. 93 §2º do Decreto-lei 5.452 de o art. 93 §2º da CLT e que com a rati昀椀cação das 1943, juntamente com as Normas regulamen- convenções nº 148 e 155 da Organização Inter- tadoras NR 15 e 16 instituídas pelo Ministério nacional do Trabalho – OIT, as decisões judiciais do Trabalho e Emprego estão de encontro tendem a apresentar novas fundamentações com as premissas do Art. 7º, XXIII da Cons- e conclusões com a admissão do pagamento tituição da República Federativa do Brasil de dos adicionais de insalubridade e periculosida- 1988 e as Convenções nº 148 e 155 da Or- de em situações especí昀椀cas. ganização Internacional do Trabalho quanto a poder ou não conceder ao trabalhador o PALAVRAS-CHAVE: Adicionais de Insalubri- recebimento cumulativo dos adicionais de dade e Periculosidade. Art. 93§2º do Decreto insalubridade e periculosidade. -lei nº 5. 452 de 1943. Convenções nº 148 e 155 da Organização Internacional do Trabalho. Ju- Tais divergências deverão ser conhecidas, risprudência e deferimento da cumulação dos esclarecidas, apontadas em seus argumentos adicionais. e fundamentos jurídicos e as interpretações que lhes tem sido aplicadas para que só as- INTRODUÇÃO sim sejam realizadas considerações racionais e imparciais. A Consolidação das Leis do Trabalho regu- lamentada pelo Decreto-Lei Nº 5.452, de 1º de De nenhum modo a presente pesquisa pre- maio de 1943 representa a normatização das tende ser desenvolvida para servir de mero relações de trabalho entre empregado e em- apoio a quaisquer lados sem que haja con- pregador, entendida esta Lei como a maior cordância racional ou defesa imparcial, pois proteção sobre os direitos que o trabalhador a ânsia de desenvolver tal tema está ligada a possui para se defender diante de prováveis contribuir de modo acadêmico e cientí昀椀co a abusos ou restrições. 昀椀m de que o Direito do Trabalho alcance seu Rev. do Trib. Reg. Trab. 10ª Região, Brasília, v. 20, n. 2, 2016
95 objetivo de proteger e resguardar a saúde e tados como forma de construir um entendi- vida do trabalhador e, por conseguinte que mento racional e imparcial. os interpretadores de tais legislações façam a execução da lei entendendo o seu espírito de Passamos a discorrer e compreender o modo consciente e não como mero aplica- pensamento da doutrinadora Alice Montei- dor da legislação. ro de Barros que inicia sua abordagem com menção ao art. 7º, XXXIV da CRFB/88 com a A relevância da pesquisa consiste justa- determinação dos empregados urbanos, ru- mente em buscar a compreensão das diver- rais e avulsos como legitimados a perceber o gências existentes e as possibilidades de se adicional de insalubridade. aplicar ou não a cumulação dos adicionais de insalubridade e pericu- Entende-se por insalu- losidade como elemen- bridade as atividades ou to balizador na cons- “ ...as atividades insalubres operações descritas no trução e interpretação são descritas como aquelas quadro aprovado pelo Mi- dos institutos dentro do que de acordo com sua nistério do Trabalho e Em- Direito do Trabalho. natureza, condições ou prego de acordo com art. métodos consequentemente 190 da CLT. Nesse sentido, pes- acabam por expor o trabalhador quisar e proporcionar a agentes químicos, físicos ou Especi昀椀camente as familiaridade do referi- biológicos que causam prejuízos à atividades insalubres são do tema, das divergên- descritas como aquelas cias sobre a cumulativi- saúde, quando tais agentes estão que de acordo com sua dade dos adicionais de acima do limite de tolerância natureza, condições ou insalubridade e pericu- conforme art. 189 da CLT” métodos consequente- losidade evidenciam e mente acabam por expor intensi昀椀cam a vontade o trabalhador a agentes de contribuição para que o legislador bem químicos, físicos ou biológicos que causam como os que fazem uso desses institutos pos- prejuízos à saúde, quando tais agentes estão sa oferecer um efetivo acesso à ordem jurídi- acima do limite de tolerância conforme art. ca equitativa. 189 da CLT. OS POSICIONAMENTOS DOUTRINÁRIOS A Súmula nº 47 do TST sobre INSALUBRI- E LEGAIS QUANTO A CUMULAÇÃO DOS DADE (mantida) - Res. 121/2003, DJ 19, 20 ADICIONAIS DE INSALUBRIDADE E PERICU- e 21.11.2003 determina que: O trabalho exe- LOSIDADE. cutado em condições insalubres, em caráter intermitente, não afasta, só por essa circuns- Os doutrinadores (BARROS, 2011; MAR- tância, o direito à percepção do respectivo TINS, 2015 E MELLO, 2010) terão suas concei- adicional. tuações e posicionamentos das divergências quanto à cumulação ou não dos adicionais Para BARROS, (2011, p. 621) ainda que o de insalubridade e periculosidade apresen- trabalhador seja exposto a condições deter- Rev. do Trib. Reg. Trab. 10ª Região, Brasília, v. 20, n. 2, 2016
96 minadas como insalubres e de forma intermi- prejudicam a sua saúde e ocasionam danos a tente, entende-se que o empregado vivencia diversos órgãos distintos deveria ser admitido uma situação de perigo e que, por conseguinte o pagamento cumulativo dos adicionais de in- deve ser remunerado. salubridade. Com base na tabela do Ministério do Traba- No entendimento da autora, a determina- lho e constatado que os limites de tolerância ção da NR – 15 que veda a cumulação dos foram desobedecidos e que consequentemen- adicionais e permite o recebimento apenas do te o trabalhador está exposto aos agentes quí- agente de maior grau, ultrapassa os limites da micos, é devido a este o adicional dentro dos própria legislação que não proíbe a cumulação respectivos percentuais de 10%, 20% ou 40% dos adicionais. conforme seja o grau mínimo, médio e grau máximo de exposição. Além de advertir que em caso da permissão do pagamento de apenas um dos adicionais o E somente a determinação pericial como empregador poderia perder o interesse em eli- atividade insalubre sem estar classi昀椀cada na minar outros agentes que acarretariam o dano tabela mencionada não resulta no direito de a saúde do empregado. perceber o adicional. A Orientação Jurispru- dencial n. 4, incisos I e II da SDI-1 do TST conso- A Súmula nº 80 do TST determina que po- lida tais a昀椀rmações e vão de encontro com a derá haver a eliminação da insalubridade por Súmula 460 do STF. meio do fornecimento dos aparelhos de pro- teção EPIs. A eliminação das circunstâncias de De acordo com BARROS, (2011, p. 622) a insalubridade retira o percebimento deste adi- reclassi昀椀cação ou descaracterização da insa- cional. lubridade pelo Ministério do Trabalho como autoridade competente in昀氀uencia no percebi- Contudo, somente o fornecimento de EPIs mento deste adicional, sem quaisquer ofensas não retira o direito de receber o adicional de ao instituto do direito adquirido ou no princípio insalubridade, pois, necessária é a constatação da irredutibilidade salarial. da diminuição ou eliminação das circunstân- cias insalubres, conforme a súmula 289 do TST. É discutido ainda sobre o adicional de insalu- bridade se em caso do trabalhador ser exposto Ainda de acordo com a súmula 293 do TST a mais de um agente de insalubridade se deve- o pedido do adicional de insalubridade com ria este receber cumulação dos adicionais, mas base em determinado agente nocivo que seja há vedação expressa na norma regulamenta- distinto do agente identi昀椀cado pela perícia e dora NR – 15 da portaria n. 3214, de 1978 no que prejudica a saúde do trabalhador não im- item 15.3. pede o percebimento do mesmo. Apesar de essa orientação ser majoritária, Terminada a abordagem do adicional de in- a autora BARROS, (2011, p. 623) não concor- salubridade, partimos para explanação da dou- da com a mesma, pois expõe que se o em- trinadora BARROS, (2011, p. 625) do adicional pregado possui incidência de dois agentes que de periculosidade. Rev. do Trib. Reg. Trab. 10ª Região, Brasília, v. 20, n. 2, 2016
97 Assim, como no adicional de insalubrida- O art. 193, § 2º da CLT, prevê que caso o de, possui legitimidade para percebimento empregado seja exposto a situações insalu- do adicional de periculosidade os emprega- bres e perigosas de modo simultâneo, terá dos urbanos, rurais e avulsos. que decidir pelo mais favorável, vedando a cumulatividade entre os mesmos. Com base no art. 193 c/c a súmula 364, inciso I do TST conceituam o adicional de Contudo, com base na exposição da auto- periculosidade como circunstâncias em que ra sobre os adicionais pode-se entender que o empregado é exposto em contato perma- seu posicionamento defende a cumulativida- nente ou intermitente com explosivos ou in- de dos adicionais de insalubridade e pericu- 昀氀amáveis, e que sejam veri昀椀cadas condições losidade, pois acredita que se o empregado de risco iminente, assim comprovada por pe- tem a saúde agredida por diversos agentes, rícia. esses danos devem ser reparados e não des- considerados com pagamento de apenas um Ainda na Lei n. 7.369, de 20 de setembro dos adicionais, ainda que seja o mais bené昀椀- de 1985, os empregados que exercem ativi- co. dades no setor de energia elétrica, e sejam constatadas as condições de risco ou quais- Ao analisar também, o posicionamento quer situações em meio à energia elétrica de Sérgio Pinto Martins (2015) perceberemos nas quais sejam veri昀椀cados riscos, possuem o posicionamento diverso do apresentado. Ex- direito de receberem o adicional. poremos não mais as conceituações vigentes Rev. do Trib. Reg. Trab. 10ª Região, Brasília, v. 20, n. 2, 2016
98 na legislação que já foram apresentadas por A periculosidade a que se refere o art. 193 BARROS, (2011), pois nos deteremos no po- dá-se de forma permanente. Depreende-se sicionamento divergente quanto à temática. que se o trabalhador 昀椀car exposto cotidia- namente às condições perigosas, ainda que No pensamento de MARTINS (2015) o em- por pouco tempo, mas de forma habitual, pregado se submete a exercer atividades in- o empregado terá direito ao adicional, pois salubres para receber salário maior. Pois, em é compreensível que o risco, perigo poderá alguns casos por mais que se faça uso dos acontecer a qualquer momento. Contudo, EPIs, não se consegue retirar a insalubrida- o fato do empregado ou quaisquer pessoas de que é inerente a determinadas atividades serem expostas à área perigosa, de modo pro昀椀ssionais. eventual, não lhes concedem o direito de perceber o adicional de O doutrinador consi- “Constata-se que, periculosidade, confor- dera (2015, p. 278) que mesmo nos casos em que me preceitua a Súmula “O certo, porém, seria 364 do TST. o empregador eliminar o funcionário está em a insalubridade no local condições de risco de Constata-se que, mes- de trabalho ou o empre- modo intermitente, mo nos casos em que gado não estar sujeito a o funcionário está em trabalhar em locais insa- ele terá direito ao adicional condições de risco de lubres. O pagamento do de periculosidade, pois a modo intermitente, ele adicional não resolve o qualquer momento poderá terá direito ao adicional problema relativo à saú- de periculosidade, pois de do trabalhador”. sofrer um dano irreparável ” a qualquer momento poderá sofrer um dano MARTINS (2015, p. irreparável. 279) esclarece uma diferenciação básica entre os adicionais de insalubridade e peri- Ao comparar estes adicionais, periculosi- culosidade, pois o primeiro está ligado à hi- dade e insalubridade, veri昀椀ca-se que nesta giene e medicina, corresponde a Medicina última as consequências acontecem aos pou- do Trabalho. Enquanto a periculosidade está cos no organismo humano, deteriorando a relacionada a riscos ligada a Engenharia do saúde do indivíduo que varia de acordo com Trabalho. per昀椀l biológico de cada um. E a periculosida- de não tem como se prever quando poderá Nessa sistemática o ambiente sadio é o ocorrer, podendo assim, ser a qualquer ins- mesmo que salubre destituído de quaisquer tante. doenças e o ambiente seguro é aquele em que não há perigo. Dessa forma, entende-se Ao referenciar o § 2º do art. 193 da CLT o que a insalubridade pode ser eliminada ou autor deixa claro a impossibilidade de cumu- neutralizada pelo uso de EPI e outras medi- lação dos adicionais de insalubridade e peri- das. Já a periculosidade não tem como re- culosidade e o dever do empregado escolher mover o risco totalmente. o mais favorável. Rev. do Trib. Reg. Trab. 10ª Região, Brasília, v. 20, n. 2, 2016
99 Rati昀椀ca que o parágrafo mencionado não siciona contra o pagamento cumulativo dos foi revogado pelos incisos XXII e XXIII do art. adicionais de insalubridade e periculosidade. 7º da CRFB/88 que explicitam sobre a redu- Com base no rigor e literalidade da lei enten- ção dos riscos inerentes ao trabalho e ao pa- de que em nenhum momento há desobe- gamento dos adicionais para atividades pe- diência legal e que o legislador deixou bem nosas, insalubres ou perigosas. claro que o empregado deveria escolher o adicional que melhor lhes bene昀椀ciar. No entendimento de MARTINS (2015, p. 283) a Constituição não assegura no art. 7º, O autor Raimundo Simão de Melo (2010) norma mais favorável que o § 2º do art. 193 tem uma visão antagônica de MARTINS (2015) da CLT, pois conforme o último instituto, não e em conformidade com BARROS (2011). Ex- se impede o trabalhador de receber o adi- por-se-á os seus fundamentos sobre os adi- cional, porque lhes faculta a escolher o mais cionais de insalubridade e periculosidade, favorável. pois ele considera que deve haver a aplica- ção cumulativa dos adicionais. E ainda conforme a interpretação do autor as Convenções da OIT nº 148 e 161 explicam O autor considera a insalubridade como sobre serviços de saúde do trabalho, mas não questão de ordem pública, devido aos male- explicam como deve ser pago os adicionais e fícios que atingem ao empregado, e comina- nem se serão cumulados. das a consequências econômicas, sociais e humanas, que incidem na própria sociedade. Além destes, a Convenção nº 155 da OIT também trata das questões relacionadas à segurança e saúde dos trabalhadores e, na visão do autor, não explicita no art. 11, b, a cumulação dos adicionais de insalubridade e periculosidade. MARTINS (2015, p. 284) considera que o artigo citado trata sobre riscos à saúde origi- nados da exposição simultânea dos agentes que prejudicam a saúde e não do dever de pagamento cumulativo dos adicionais de in- salubridade e periculosidade. Ressalta-se que caso haja a necessidade de obrigação de pagar os adicionais mencio- nados anteriormente deve ser feita alteração na redação da CLT. A análise do doutrinador até os pontos ex- plicitados possibilita a昀椀rmar que este se po- Rev. do Trib. Reg. Trab. 10ª Região, Brasília, v. 20, n. 2, 2016
100 São apresentadas três formas de combate que deveria ser remunerada as atividades à insalubridade, e a primeira é a compensa- determinadas como insalubres, perigosas e ção remuneratória concedida ao empregado penosas, na verdade deveria ter proibido tais com argumentos de que tal aumento salarial atividades e determinado à erradicação ou seria destinada a melhor alimentação para amenização dos riscos à saúde e integridade que assim re昀氀etisse melhor condição ao exer- física e psíquica do empregado. cício das atividades, além desse mesmo au- mento intimidar o empregador a tomar me- didas preventivas. Contudo, essa primeira estratégia de com- bate a insalubridade frustrou-se, pois para os empregadores restou comprovado que 昀椀ca mais barato pagar os adicionais do que as- sumir medidas preventivas. De início, repre- sentaria grande custo, mas que na realidade seria um relevante investimento em termos de diminuição de custo com responsabilida- des advindas de danos causados a diversos empregados. Dessa forma os empregadores, na maior parte dos casos, dão preferência a pagar o adicional do que tomar medidas que melho- rem as condições de trabalho do empregado. E este na sua ignorância quanto aos danos causados a sua saúde e falta de consciência perante a gravidade da situação, muitas ve- zes se sujeita a receber o adicional, vender a sua saúde do que se negar a trabalhar nessas condições. O Brasil é um dos países que adota a estra- A segunda forma de combate a atividades tégia mencionada para combater a insalubri- insalubres seria haver total proibição. Mas, ve- dade, e que na visão do autor o resultado é ri昀椀cou-se que essa medida é incabível, pois a o fato dos empregadores pagarem o adicio- insalubridade em alguns casos é inerente a nal e não adotarem medidas que previnam e certas atividades que são necessárias à ma- melhorem as condições de trabalho do em- nutenção da vida, exemplo são as atividades pregado. hospitalares. De acordo com MELO (2010) a Constitui- Assim, só é possível nessas situações to- ção Federal de 1988, quando determinou mar todas as medidas tanto coletivas como Rev. do Trib. Reg. Trab. 10ª Região, Brasília, v. 20, n. 2, 2016
101 individuais cabíveis com intuito de proteger ca e da livre iniciativa que é fundamentada os trabalhadores e diminuir e amenizar os ris- na valorização do trabalho humano. cos. O objetivo é de resguardar a todos a exis- A terceira estratégia de enfrentar o traba- tência digna de acordo com a ordem da jus- lho em condições insalubres seria a redução tiça social, em conformidade com os princí- da jornada de trabalho e a concessão de in- pios da defesa do meio ambiente e da busca tervalos no meio da jornada. do pleno emprego. Executada em alguns países e com e昀椀cá- As Convenções nº 148 e nº 155 da Organi- cia, tem sido apresentada como uma tendên- zação Internacional do Trabalho- OIT que res- cia moderna a ser adotada nos países desen- pectivamente tratam da contaminação do ar, volvidos. ruído, e vibrações e Segurança e Saúde dos Trabalhadores, ambas foram rati昀椀cadas pelo Os pontos positivos são: o empregador ordenamento jurídico brasileiro por meio não paga adicional e é obrigado a cumprir do Decreto nº 1.254, de 29 de setembro de com as responsabilidades de oferecer quali- 1994. E ainda, que não citem explicitamente dade e melhoria contínua nas condições do a expressão “cumulação”, pode-se depreen- trabalhador, com objetivo mor de eliminar der que também não há vedação. ou reduzir de forma signi昀椀cativa os riscos à saúde do mesmo. MELO (2010, p. 194) entende que quan- do a Constituição trata da dignidade huma- MELO (2010, p. 193) critica o fato de que na, valor social do trabalho, pleno emprego para atividade ser considerada insalubre ne- e defesa do meio ambiente, determina que cessita que esteja enquadrada no quadro é preciso que o trabalhador tenha direito a determinado do MTE, pois apenas a consta- uma atividade decente, adequada segura, tação da perícia já deveria conceder ao tra- obedecendo as condições de se resguardar balhador o direito ao adicional de insalubri- a saúde como bem maior do trabalhador e dade. Pois de acordo com art. 5º, inciso V da não simplesmente ter acesso a quaisquer ti- CRFB/88 quaisquer danos ou agravos devem pos de trabalho de modo que prejudiquem a ser reparados por meio de indenização, seja sua qualidade de vida. dano material, moral ou à imagem, direito fundamental e que deve ser de imediato con- Para MELO (2010) a não observância do cedido, além das cláusulas gerais de respon- princípio da dignidade humana, bem como sabilidade determinadas pelo Código Civil dos valores sociais do empregado tornaram- em seus artigos 186 e 927, que deixa claro se um motivador para que os empregadores que nenhum dano deve 昀椀car sem reparação. deixem de tomar medidas preventivas a pon- to de terem como objetivo mor erradicar a A Constituição da República Federativa do insalubridade e adotar medidas salubres, pois Brasil estabeleceu como fundamento a digni- os valores são considerados irrisórios e não dade humana e os valores sociais do traba- levam a mudança de comportamento dos lho, pois no art. 170 trata da ordem econômi- empregadores. Rev. do Trib. Reg. Trab. 10ª Região, Brasília, v. 20, n. 2, 2016
102 MELO (2010) traz re昀氀exões cientí昀椀cas e ju- MELLO (2010, p. 200) argumenta no senti- rídicas mais detalhadas sobre a cumulação do da não obediência a Convenção n. 155 e dos adicionais, pois de acordo com autor, é considera a não cumulatividade dos adicio- indubitável que cada agente nocivo causa nais de insalubridade como ilógica, injusta e dano distinto, e prejudica a saúde do traba- ilegal, além de levar ao enriquecimento ilícito lhador ao longo do tempo, ao atingir diver- do empregador perante o prejuízo do traba- sos órgãos. lhador. É apontada a incongruência entre a Nor- Ainda considera tal prática um incentivo ma Regulamentadora NR – 15 com a Con- a perpetuar a prática da venda da saúde do venção considerada Lei Ordinária n. 155. empregado por um valor irrisório e a não adoção de medidas que A NR – 15, em seu “A NR – 15, em seu erradiquem as condi- dispositivo 15.3 deter- dispositivo 15.3 determina ções insalubres no am- mina que em caso de biente de trabalho. haver mais de um fator que em caso de de insalubridade, será haver mais de um fator Em consonância com considerado apenas o de insalubridade, será o pensamento de MELO de maior grau, sendo (2010) posicionam-se proibido o pagamento considerado apenas o os autores Regina Célia cumulativo de maior grau, sendo Buck e Sebastião Ge- proibido o pagamento raldo de Oliveira. Argu- A corrente majoritá- mentam que o objetivo ria aponta ser aplicada cumulativo. ” mor do adicional não a NR 15 em detrimento é simplesmente pagar da Convenção. pelas condições insa- lubres nas quais labora o empregado, mas Tais incongruências ocorrem de acordo fazer com que o empregador adote de fato com o doutrinador pela ausência cultural medidas que suprimam, reduzam ou neu- de se seguir os instrumentos internacionais, tralizem os agentes que prejudicam a saúde mesmo que tenha sido incorporado ao direi- do obreiro. to interno e com força de Lei Ordinária. Na visão de MELO (2010, p. 206) no Direito, Dois critérios fazem-se básicos e atendido só não é possível cumulação de verbas quan- pela Convenção para a aplicação desta no do a natureza jurídica for idêntica. No caso direito brasileiro, como o fator cronológico dos adicionais de insalubridade e periculosi- ou o da especialidade. Além de se conside- dade o autor entende serem de natureza dis- rar a harmonia existente entre a Convenção tintas, pois, o adicional de insalubridade tem n. 155 com o inciso XXII e XXIII do art. 7º da como fato gerador a exposição do obreiro a CRFB/88 que trata da “redução dos riscos agentes que prejudicam a sua saúde de for- inerentes ao trabalho, por meio de normas ma contínua e provocam doenças com me- de saúde, higiene e segurança”. nor ou maior gravidade, conforme o tempo Rev. do Trib. Reg. Trab. 10ª Região, Brasília, v. 20, n. 2, 2016
103 de exposição, tipo de agente e resistência do art. 193, § 2º, da CLT não foi recepciona- organismo humano. da pela Constituição Federal, que, em seu art. 7º, XXIII, garantiu o direito dos traba- Já o adicional de periculosidade, tem lhadores ao percebimento dos adicionais como fato gerador o perigo iminente à vida de insalubridade e de periculosidade, sem do trabalhador que pode se esvair a quais- ressalva acerca da cumulação. A possibili- quer momentos. dade de recebimento cumulado dos men- cionados adicionais se justi昀椀ca em face As diferenças dos adicionais mencionados de os fatos geradores dos direitos serem nos direciona para o entendimento do juiz diversos. No caso, a Corte a quo manteve Fernando Formolo no artigo de sua autoria a sentença que deferira o pedido de pa- sobre “A cumulatividade dos adicionais de in- gamento do adicional de insalubridade em salubridade e periculosidade”, de que devem grau máximo decorrente do contato com ser pagos cumulativamente sempre que o álcalis cáusticos e hidrocarbonetos e de trabalhador estiver simultaneamente exposto pagamento do adicional de periculosidade a agentes nocivos e condições perigosas. em face da exposição do obreiro à fonte radioativa. A inclusão no sistema jurídico JURISPRUDÊNCIAS QUE APLICARAM A interno das Convenções Internacionais nº CUMULAÇÃO DOS ADICIONAIS DE INSALU- 148 e 155, com a qualidade de normas ma- BRIDADE E PERICULOSIDADE terialmente constitucionais ou supralegais, como decidido pelo STF, determina a atu- O processo RR 7761220115040411 que alização contínua da legislação acerca das teve como relator Luiz Philippe Vieira de Melo condições nocivas de labor e a considera- Filho da 7ª Turma do TST na data de 20 de ju- ção dos riscos para a saúde do trabalhador nho de 2015 determinou o não conhecimen- oriundos da exposição simultânea a várias to do pedido de revisão quanto à decisão substâncias insalubres e agentes perigosos. que deferiu a cumulação dos adicionais de Assim, não se aplica mais a mencionada insalubridade e periculosidade, como pode norma da CLT, a昀椀gurando-se acertado o se veri昀椀car por meio do trecho a seguir: entendimento adotado pela Corte a quo que manteve a condenação ao pagamen- RECURSO DE REVISTA DA RECLAMA- to cumulado dos adicionais de insalubrida- DA - CUMULAÇÃO DO ADICIONAL DE de e de periculosidade. Recurso de revista INSALUBRIDADE E DO ADICIONAL DE PE- não conhecido. RICULOSIDADE - POSSIBILIDADE - PREVA- Na decisão citada estabelece o novo en- LÊNCIA DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS tendimento do STF quanto a permissão dada E SUPRALEGAIS SOBRE A CLT - JURIS- à cumulação dos adicionais de insalubrida- PRUDÊNCIA DO STF - OBSERVÂNCIA DAS de e periculosidade por serem originários de CONVENÇÕES Nº 148 E 155 DA OIT. No jul- fatores diversos e assim serem de direito do gamento do RR - 1072-72.2011.5.02.0384, empregado receber os dois. de relatoria do Min. Cláudio Mascarenhas Brandão, esta Turma julgadora 昀椀rmou en- Ainda o relator argumenta em sua decisão tendimento de que a norma contida no que o artigo 193§2º da CLT que determina a Rev. do Trib. Reg. Trab. 10ª Região, Brasília, v. 20, n. 2, 2016
104 opção do trabalhador escolher o adicional de 155 da OIT que reconhece a possibilidade do melhor proveito não foi recepcionado pela percebimentos dos adicionais de insalubrida- Constituição Federal de 1988 em seu art. 7º, de e periculosidade quando o trabalhador é XXIII, além das convenções nº 148 e 155 en- exposto a situações diversas. tenderem que a CLT deve ser atualizada, pois No ementário de jurisprudência do TRT da suas novas determinações orientam a melho- 3ª região expressa o entendimento que rati昀椀- rar a qualidade de vida do trabalhador. ca as citações anteriores: Com base no argumentos dos adicionais serem originados de fatores diversos, tam- bém o RO 06117-2009-028-12-00-3 -2 da 3ª ACUMULAÇÃO ADICIO- Vara do Trabalho de Joinville – SC decide NAIS DE PERICULOSIDADE E pela cumulação dos adicionais como pode DE INSALUBRIDADE. CUMU- ser observado no trecho abaixo: LAÇÃO. POSSIBILIDADE. A vedação contida no art. 193 O adicional de insalubridade visa indenizar da CLT encontra-se suplanta- danos causados ao trabalhador pelo contato da pelos princípios constitu- diuturno com agentes agressivos a sua saúde. cionais, especialmente o da O adicional de periculosidade tem por 昀椀m dignidade da pessoa humana. compensar o risco à vida a que o trabalhador Se o empregado, submetido a está exposto em decorrência do contato com condições insalubres no am- agentes perigosos. Dessa forma, infere-se que biente de trabalho, tem agra- os dois adicionais possuem fatos geradores vada essa situação pela expo- diversos, diante do que devem ser pagos sição à condição de risco, de cumulativamente, sempre que o trabalhador forma habitual e decorrente exercer atividade que, por sua natureza, con- da atividade exercida, não é dições ou método de trabalho, exponha-o de aceitável (ou justo) que tenha forma concomitante a agentes insalubres e de optar o trabalhador por re- situações de perigo. O direito à cumulação ceber apenas um dos adicio- dos adicionais está alicerçado no princípio nais. Ou seja, se na execução da proteção da dignidade da pessoa humana das atividades laborativas o (art. 1º, CRFB/88), no inciso XXII do art. 7º da empregado se submete, con- CRFB/88, que impõe a adoção de medidas comitantemente, a duas con- tendentes a propiciar a diminuição dos riscos dições gravosas à sua saúde, inerentes ao trabalho, por meio de normas deve receber remuneração de saúde, higiene e segurança, e também condizente com essa situa- na Convenção nº 155 da OIT, que determi- ção, que, a toda evidência, na que sejam considerados os riscos para a não con昀椀gura bis in idem, haja saúde decorrentes da exposição simultânea vista a existência de fatos geradores distin- a diversas substâncias ou agentes (art. 11, b). tos: exposição a agente insalubre (agentes agressivos à saúde) e exposição à condi- Novamente a decisão tem como base o ção de risco de vida. (TRT 3ª Região. Pri- texto constitucional e as convenções nº 148 e meira Turma. 0000927- 35.2013.5.03.0152 Rev. do Trib. Reg. Trab. 10ª Região, Brasília, v. 20, n. 2, 2016
105 RO. Recurso Ordinário. Rel. Desembar- CONCLUSÃO gador Emerson José Alves Lage. DEJT/ TRT3/Cad.Jud 17/07/2015 P.103). Por muitos anos o art. 193 §2º da CLT c/c as Normas Regulamentadoras NR15 e 16 ser- Todas as jurisprudências expressas consoli- viram e ainda servem como argumentação dam o novo entendimento dos referidos tribu- jurídica para indeferir o pedido de pagamen- nais no sentido de admissão do reconhecimento to cumulativo dos adicionais de insalubrida- de e periculosidade. E com o novo fundamento jurídico no art. 7º, XXIII da Constituição de 1988 c/c as Convenções nº 148 e 155 que trazem em seu bojo o objetivo de assegurar ao trabalhador melhoria em sua qualidade de vida faz com que os julgadores re昀氀itam sobre as novas nor- mativas e apliquem as mesmas em suas de- cisões atendo-se ao objetivo e resguarda os diversos princípios e valores constitucionais que também seguem a CLT no sentido de proteger aos trabalhadores. Tais discussões e posicionamentos nos apresenta que há uma maior força no reco- nhecimento da cumulação dos adicionais de insalubridade e periculosidade e que essa nova corrente se consolida na medida em que o Brasil executa a observância dos tra- tados internacionais no sentido de tutelar os direitos que por anos foram suprimidos e ga- rantir a conformidade entre as legislações na direção de melhorar a qualidade de vida da massa que sustenta a nossa nação que é a classe trabalhadora. REFERÊNCIAS: BARROS, Alice Monteiro de. Curso de de percebimento dos adicionais de insalubrida- direito do trabalho.7. ed. São Paulo: LTr, de e periculosidade. Tais decisões apresentam 2011. como base jurídica o art. 7º, XXIII da CRFB/88 e as convenções nº 148 e 155 OIT, rati昀椀cadas pelo BRASIL. Lei n° 13.105, de 16 de março Brasil, assim devendo ser observadas. de 2015. Código de Processo Civil. Diá- Rev. do Trib. Reg. Trab. 10ª Região, Brasília, v. 20, n. 2, 2016
106 rio Oficial da União. Brasília, DF, 17 mar. TST: RECURSO DE REVISTA: RR 2015. Disponível em: . Acesso em: 24 de abr. 2016. . Acesso em: 17 de tuição da República Federativa do Bra- setembro de 2016. sil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988, 292 p. TRT-15 : RECURSO ORDINA- RIO TRABALHISTA: Reenec/RO BUCK, Regina Célia. Cumulatividade 00103710720155150082 0010371- dos adicionais de insalubridade e peri- 07.2015.5.15.0082. Disponível em:< culosidade. 2.ed. São Paulo: LTr, 2015. http://trt-15.jusbrasil.com.br/jurispruden- cia/353816500/recurso-ordinario-trabalhis- MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do Tra- ta-reenec-ro-103710720155150082-0010371- balho 31. ed. São Paulo: Atlas, 2015. 0720155150082/inteiro-teor-353816507>. Acesso em 17 set. 2016. MELO, Raimundo Simão de. Direito Am- biental e saúde do trabalhador: respon- EMENTÁRIO DE JURISPRUDÊNCIA (PJe/ sabilidades legais, dano material, dano Físico) TRT DA 3ª REGIÃO. Disponível em:. Acesso em 17 set. 2016. NORMA REGULAMENTADORA 15, Ati- vidades e Operações Insalubres. Disponível em: < http://www.guiatrabalhista.com.br/le- gislacao/nr/nr15_anexoXIII_A.htm>. Acesso em: 24 de abr. 2016. NORMA REGULAMENTADORA 16: Ativi- dades e Operações Perigosas. Disponível em: . Acesso em 15 de set. de 2016. OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Prote- ção Jurídica à Saúde do Trabalhador. 25 ed. São Paulo: Saraiva, 2010. Rev. do Trib. Reg. Trab. 10ª Região, Brasília, v. 20, n. 2, 2016
107 A ÚLTIMA DANÇA: UMA REPRESENTAÇÃO LITERÁRIA DA LER/DORT Laís de Carvalho Lima1 O termo LER é a abreviatura de Lesões Osteoarticulares Relacionadas ao Trabalho por Esforços Repetitivos e consiste em uma equiparando-a à LER. (NOVAES, [20--], p.1 entidade, diagnosticada como doença, na .grifo nosso). qual movimentos repetitivos, em alta frequência e em posição ergonômica Porque as pessoas dançam? Fiz-me tal incorreta, podem causar lesões de es- questionamento ao arrolar ociosidade com truturas do Sistema tendíneo, muscular alguns próximos amigos. Era turva e baru- e ligamentar. É ela descrita em diversos lhenta noite naquele velho e carcomido ber- outros países com outras denominações, ço de cultura, que chamamos Academia. CTD (Cumulative Trauma Disorders) – Re- Alguns costumes torpes, em meu humilde petitive Strain Injury (RSI) etc.: Em 1998 o entendimento, fascinam a grande malha de INSS introduziu o termo DORT – Doenças prodigiosas mentes em época de juventude, 1. Advogada. Graduada em Direito pela Universidade Federal do Tocantins – UFT, especialista em Direito Público e Tecnóloga em Gestão Pública pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Tocantins. E-mail: [email protected] Rev. do Trib. Reg. Trab. 10ª Região, Brasília, v. 20, n. 2, 2016
108 perfurando o racionalismo enxuto, que eu, cado racionalmente. caro leitor, assumo abraçar. Eu não discordaria! Então pensa agora o Porque as pessoas dançam? Achegamo- leitor ser estas poucas nos por entre a multidão, sob os berros de linhas perca de valo- um intrépido mancebo, brincalhão da sorte, roso tempo, mas ouso que vociferava números ao microfone. Assisti pedir certo frio de âni- assoberbada os ricochetearem de corpos las- mo. Envoltos estavam civos, vacilantes rodopiadores pelo som de meus pensamentos extremo mau gosto. Observei cada atitude nestas vistas. Cogitei exagerada, cada levantar de vestes. Surpre- ser impulso corpori- endi a mim mesmo num sacolejar involuntá- 昀椀cado das sinapses rio e tímido de pernas, e parei constrangido. nervosas, relaxamen- Sorri dissimulado, aparentando um controle to muscular involun- que eu perdera no vislumbrar. tário, ou pura insani- dade. Fitei a quadrilha Meus companheiros - uma velha amiga e aberta, num 昀氀amejar seu acompanhante - enamoravam-se delicio- de braços, babados samente, podendo meus inquirismos, assim, e cores gritantes, pro- elevarem-se calmos ao ambiente. Mordi de curando algum sinal lábios, assumo meu paciente leitor! Conside- de resposta, até que, ro-me irremediável conservador, mesmo sob sob a modorra dos as duras invectivas dos mais queridos eu não céticos, percebera eu mudava. O que eu poderia fazer? este outro olhar. Aquele roçar de peito nos seios sinuosos, Uma molecota quase à mostra enervou-me. Os lábios ma- faceira, morena de cilentos tocavam vertiginosamente a outra cenho enfeitado de boca, mas sendo os olhos meros escravos brilhos e purpurina, das polpas carnudas, sabendo eu que ele as arfava sob um ves- queria tocar. Os braços mais fortes enrola- tido espalhafatoso. vam-se no corpo 昀椀no, e os quadris de ambos Contive um riso de- giravam colados ao som frenético de algum savergonhado, ven- estilo popular. do-a esfregar seu colo no peito de um Descobri, pois, naquele momento porque enorme dançarino. Desvendei, pois, ali mi- as pessoas dançavam. nha pergunta. Porque as pessoas dançam? Pura satisfação! Existia um ardor momentâ- Os sapientes estudiosos, analíticos de neo, embalado por determinada melodia, umas vozes cientí昀椀cas, diriam ser minha dú- que elevava o espírito dos humanos. Uma vida puro blasé. Para estes, certamente o de- tenra linha entre a sexualidade e a selva- sejo impetuoso pela dança poderia ser expli- geria. Por quê? Veja leitor, quando estiver Rev. do Trib. Reg. Trab. 10ª Região, Brasília, v. 20, n. 2, 2016
109 por entre as músicas de ritmo, em que as Divisei que chorava. Mas como? Não seria a personalidades se transmutam num vão de dança representação de alegria? Esta mole- escada, onde há imprevisibilidade do que mente permanecia chacoalhando o peque- se achar. no corpo, gritando uma ajuda inexplicável. Comprimia os seios duros pelas roupas aper- Contei, pois, mais de um terço de horas, tadas, abraçando furiosamente a si mesma. sem que a moça interrompesse seus volteios. Ela não conseguia parar. Admito, pensei ser Rev. do Trib. Reg. Trab. 10ª Região, Brasília, v. 20, n. 2, 2016
110 mera pilhéria, algum artifício circense para corpo, pois este pedaço de carne chamado nos pregar uma peça. Os próprios colegas humano não poderia experimentar tal ine- de labuta friccionavam as pernas e os bra- briante sensação: a voluptuosidade que dera ços da garota, mas ela continuava a dançar. a Lilith um lugar no inferno. Desligaram a música, o que fora pior, pois ouvia-se a grandes distâncias os urros de Fiquei sentado algum tempo a mais, não pavor da infeliz criatura. Frenética como o recordo quanto. Revia o explodir de juntas e apertar de um parafuso naquele 昀椀lme Tem- o espalhar do sangue ao chão, os pés que- pos Modernos. brados acompanhando a poeira, o choro, e o vômito. Tentei imaginar o que passara por O que podia eu fazer? Permaneci onde es- frente aos olhos da menina: as sombras, as tava com a mão ao queixo. vozes, e no 昀椀nal, aquela noite. A昀椀rmo que demorei muito tempo até que minhas reminiscências me traíssem. Quase Referências Bibliográ昀椀cas esquecia os pequenos detalhes daquela noi- te, quando me sobreveio uma luz explanado- NOVAES, Antonio Carlos. A diferença en- ra. A pobre desafortunada alcançara o êxtase tre LER e DORT. Disponível em:. Acesso em: 01 set. 2016. níaca dos velhos anciãos, quando seu corpo tomara vida própria. O cansaço é o limite do Rev. do Trib. Reg. Trab. 10ª Região, Brasília, v. 20, n. 2, 2016
111 TRT 0000601-84.2014.5.10.0010 RO - ACÓRDÃO RELATOR : DESEMBARGADOR DORIVAL EMENTA: 1) AÇÃO CIVIL PÚBLICA. BORGES DE SOUZA NETO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO. REVISOR : DESEMBARGADOR GRIJALBO EMPRESA PRIVADA. ABSTENÇÃO DE FERNANDES COUTINHO TERCEIRIZAÇÃO EM ATIVIDADE-FIM. RECORRENTE : HOSPITAL SANTA LÚCIA S/A O conceito de terceirização, introdu- ADVOGADO : FRANCISCO QUEIROZ CAPU- zido no Brasil nas décadas de 60/70, TO NETO consiste em uma técnica de gestão ad- RECORRIDO : MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRA- ministrativa que possibilita a fragmen- BALHO (PRT 10ª REGIÃO) tação das atividades produtivas, com PROCURADOR : VANESSA FUCINA AMARAL o objetivo de concentrar seus recursos DE CARVALHO financeiros e mão de obra na ativida- ORIGEM : 10ª VARA DO TRABALHO DE BRA- SÍLIA/DF de final do seu negócio. No caso, evi- CLASSE ORIGINÁRIA: Ação Trabalhista - Rito denciada a distorção ao conceito de Sumaríssimo terceirização, porquanto comprovada (JUIZ RICARDO MACHADO LOURENÇO a utilização completa e permanen- FILHO) te de mão de obra em atividade-fim, Rev. do Trib. Reg. Trab. 10ª Região, Brasília, v. 20, n. 2, 2016
112 impõe-se o reconhecimento da ilicitude da conduta adotada pela empresa. 2) Dispensada a manifestação prévia do Mi- AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANO MORAL nistério Público do Trabalho, nos termos do COLETIVO. REPARAÇÃO. A reparação artigo 102 do Regimento Interno deste Déci- por dano moral, seja individual ou cole- mo Regional Trabalho. tivo, tem por escopo: a) a compensação do dano sofrido pela vítima ou pelo gru- V O T O po ou comunidade, b) a atribuição de ADMISSIBILIDADE uma sanção ao agente e c) a prevenção à reiteração de atos que atinjam bens Presentes os pressupostos objetivos e sub- essenciais e inerentes ao indivíduo, ao jetivos de admissibilidade do recurso, dele grupo social ou a sujeitos indetermina- conheço. dos. Na esfera coletiva, dois fatores são primordiais à fixação da indenização: Tempestivas e regulares, conheço das a) o porte econômico do agente e b) a contrarrazões. extensão do dano, assim considerada a abrangência sobre determinado grupo PRELIMINAR. NULIDADE. NEGATIVA DE de trabalhadores, no caso da Justiça de PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. Trabalho, e a territorialidade alcançada pela prática do ofensor. Constatada a A demandada a昀椀rma a nulidade de sen- fixação em patamar capaz de compro- tença por negativa de prestação jurisdicional, meter a própria existência do empreen- sob o argumento de que o juízo monocrático dimento, impõe-se a redução da indeni- não analisou os termos dos embargos de de- zação. claração. Todavia, ao encaminhar a decisão de 昀氀s. RELATÓRIO 793/794, denota-se claramente que o juízo monocrático analisou os tópicos suscitados O Exmo. Juiz RICARDO MACHADO LOU- em embargos de declaração, negando a RENÇO FILHO, em exercício na 10ª Vara do ocorrência das alegadas irregularidades. Trabalho do Brasília/DF, julgou parcialmen- te procedentes os pedidos formulados pelo Rejeito a preliminar. MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO DA 1ª REGIÃO na ação civil pública movida em PRELIMINAR. JULGAMENTO EXTRA PETI- desfavor de HOSPITAL SANTA LÚCIA S/A (昀氀s. TA. IMPOSSIBILIDADE DE CONTRATAÇÃO 736/747v e 793/794). DE NOVAS EMPRESAS. INEXISTÊNCIA DE PE- DIDO DE RECONHECIMENTO DE VÍNCULOS A demandada interpôs recurso ordinário EMPREGATÍCIOS. (昀氀s. 796/845v), que foi contra-arrazoado pelo MPT (昀氀s. 880/892v). A demandada suscita a preliminar de julga- Juízo prévio de admissibilidade (昀氀. 893). mento extra petita em razão da inexistência de Rev. do Trib. Reg. Trab. 10ª Região, Brasília, v. 20, n. 2, 2016
113 pedidos alusivos à proibição de contratação de 1973 (correlato ao artigo 1.036/CPC-2015). Logi- novas empresas, bem como de reconhecimen- camente, os processos a serem sobrestados são to de vínculos empregatícios entre a demanda- aqueles em que houve interposição de recurso da e os terceirizados. extraordinário e aguardam remessa à Excelsa Corte. Em que pesem as argumentações recursais, insta salientar que o objeto da ação civil públi- A aludida hipótese não alcança o presente ca é a própria ilegalidade de terceirização de caso, que ainda se encontra na análise do re- atividades-昀椀m, em detrimento das relação em- curso ordinário, sendo que, para os demais re- pregatícias. Considerado o objeto colimado na cursos ainda viáveis, deverão ser observados os presente ação, o reconhecimento da ilegalidade pressupostos legais. importa, de imediato, a proibição da reiteração da irregularidade. Ademais, afastado o contrato A pretensa suspensão é incabível por impor- de prestação de serviços, por ilegal, impõe-se tar prejuízo no trâmite processual. a declaração do vínculo empregatício entre as partes. Rejeito a preliminar. Rejeito as preliminares. ILEGITIMIDADE ATIVA. MPT/10ª REGIÃO. MÉRITO A ré suscitou a preliminar de ilegitimidade ati- va do Ministério Público do Trabalho, argumen- NECESSIDADE DE SOBRESTAMENTO. RE- tando a inviabilidade de propositura da ação, PERCUSSÃO GERAL. ARE 713.211-MG. TER- porquanto todas as provas presentes nos autos CEIRIZAÇÃO DE ATIVIDADE-FIM. delimitam claramente o número e quem são os pro昀椀ssionais que prestam serviços ao Hospital A recorrente postula o sobrestamento do feito Santa Lúcia. apontando a repercussão geral advinda do julga- mento da ARE 713.211-MG, na qual se discute a A preliminar suscitada foi rejeitada pelo Juízo possibilidade da terceirização da atividade-昀椀m. de primeiro grau. Conforme dispõe o artigo 1.036 do CPC-2015: A recorrente, revolvendo a matéria, recorre “Sempre que houver multiplicidade de recursos postulando a reforma da decisão hostilizada. extraordinários ou especiais com fundamento em idêntica questão de direito, haverá afetação Vejamos. para julgamento de acordo com as disposições desta Subseção, observado o disposto no Regi- A competência do Ministério Público mento Interno do Supremo Tribunal Federal e para a propositura de ação civil pública em no do Superior Tribunal de Justiça”. defesa de direitos individuais homogêneos encontra disciplina no art. 6º, VII, “d”, da Como informado pelo MPT, o despacho exa- LC nº 75/93: “Art. 6º Compete ao Minis- rado pelo Excelso STF solicitou ao Colendo TST tério Público da União: VII - promover o a observância dos termos do artigo 543-B/CPC- inquérito civil e a ação civil pública para: Rev. do Trib. Reg. Trab. 10ª Região, Brasília, v. 20, n. 2, 2016
114 (…) d) outros interesses individuais indis- Julgamento: 16/2/2012, Relator Ministro Lé- poníveis, homogêneos, sociais, difusos lio Bentes Corrêa, Subseção I Especializada e coletivos;(...)”; não havendo nenhuma em Dissídios Individuais, Data de Publicação: limitação quanto à esfera de atuação nos DEJT 23/3/2012.) termos vindicados pela ré. “RECURSO DE EMBARGOS EM RECURSO Indique-se, ainda, quanto à legitimidade DE REVISTA. ACÓRDÃO EMBARGADO PU- ativa do Ministério Público para a defesa de BLICADO SOB A ÉGIDE DA LEI 11.496/2007. direitos individuais homogêneos, a jurispru- MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO. LEGITI- dência a seguir transcrita: MIDADE ATIVA. AÇÃO CIVIL COLETIVA. DIS- “RECURSO DE EMBARGOS INTERPOSTO PENSA EM MASSA. PRETENSÃO ENVOLVENDO SOB A ÉGIDE DA LEI Nº 11.496/2007. LEGITI- VERBAS RESCISÓRIAS, SALDO DE SALÁRIO MIDADE ATIVA. MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRA- E RECOLHIMENTOS DO FGTS. DIREITOS INDI- BALHO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DIREITOS INDI- VIDUAIS HOMOGÊNEOS. 1. Considerado o VIDUAIS HOMOGÊNEOS. INTERESSE SOCIAL ajuizamento da presente ação civil coletiva RELEVANTE. 1. Na dicção da jurisprudência para a defesa de direitos coletivos e individu- corrente do Supremo Tribunal Federal, os di- ais homogêneos de trabalhadores ligados à reitos individuais homogêneos nada mais são reclamada pela mesma relação jurídica base, senão direitos coletivos em sentido lato, uma notadamente o contrato de trabalho, presen- vez que todas as formas de direitos meta in- te, ainda, a nota da relevância social e da in- dividuais (difusos, coletivos e individuais ho- disponibilidade, bem como o intuito de defe- mogêneos) são direitos coletivos e, portanto, sa do patrimônio social, consubstanciado na passíveis de tutela mediante ação civil públi- busca dos aportes necessários ao Fundo de ca(ou coletiva). 2. Consagrando interpretação Garantia do Tempo de Serviço, tem-se como sistêmica e harmônica às leis que tratam da insuperável a necessidade de interpretação legitimidade do Ministério Público do Trabalho conforme à Constituição do parágrafo único (artigos 6º, VII, letras c e d, 83 e 84 da Lei Com- do art. 1º da Lei 7.347/85, para reconhecer plementar nº 75/1993), não há como negar não só a propriedade da via eleita como a a legitimidade do Parquet para postular tutela legitimidade ad causam ativa do Ministério judicial de direitos e interesses individuais ho- Público do Trabalho. 2. Concorrem à viabili- mogêneos. 3. Constatado, no presente caso, zação da proposta de interpretação confor- que o objeto da ação civil pública diz respeito me à Magna Carta os métodos gramatical ou a direitos individuais, por ostentarem origem linguístico, histórico-evolutivo, teleológico e comum - uma vez que decorrem de possíveis sistemático, mediante os quais são alcança- irregularidades praticadas pelo empregador das as seguintes conclusões: I) o parágrafo (pagamento dos salários dos empregados único do art. 1º da Lei 7.347/85, introduzido em atraso), exsurge o objeto da ação civil pela Medida Provisória 2.180-35/2001, veda a pública como direito individual homogêneo, veiculação de pretensão envolvendo o FGTS atraindo, assim, a legitimidade do Ministério quando vinculada a interesses meramente Público do Trabalho para a causa. 4. Recurso individuais, não abarcando hipótese como a de embargos conhecido e provido.” (Proces- presente, em que, para além dos depósitos so E-RR - 155200-45.1999.5.07.0024 Data de nas contas vinculadas dos empregados, bus- Rev. do Trib. Reg. Trab. 10ª Região, Brasília, v. 20, n. 2, 2016
115 ca-se o resguardo do patrimônio público e so- coletivos stricto sensu, ou individuais homo- cial - escopo de raiz indivisível; II) a 昀椀nalidade gêneos, sendo que, pera este último dever-se dos idealizadores da Medida Provisória 2.180- -á aferir a caracterização da dimensão social 35/2001 foi a de obstar a tutela coletiva nas e coletiva do interesse a ser protegido. ações a respeito dos índices de atualização [...] monetária expurgados das contas vinculadas (...) a jurisprudência do STJ vem se orien- dos trabalhadores, questão já superada na tando no sentido de se admitir a legitimidade atualidade e que nenhuma correlação guar- do Ministério Público quando existente inte- da com a presente ação civil pública, mane- resse social compatível com a sua 昀椀nalidade jada com a 昀椀nalidade de garantir o aporte de institucional (nesse sentido, cf. REsps 168.859- recursos ao FGTS, mediante eventual con- RJ, 177.965-PR, Rel. Ministro Ruy Rosado de denação da ré na obrigação de regularizar Aguiar; REsp 105.215-DF, Rel. Ministro Sálvio os depósitos nas contas vinculadas dos seus de Figueiredo Teixeira).” (Pedro Lenza, in “Te- empregados; e III) o sistema de ações coleti- oria Geral da Ação Civil Pública”, 2ª edição, vas, em cujo vértice impera a Carta de 1988, revisada, atualizada e ampliada - São Paulo; expressamente garante ao Ministério Público Editora Revista dos Tribunais, 2005, p. 215, a função institucional de promover ação ci- 216/217). vil pública na defesa do patrimônio público e Entendo, portanto, que as razões de insur- social e de outros interesses difusos e coleti- gência, deduzidas pela ré, não in昀椀rmam a so- vos, estes últimos tidos, na autorizada dicção lução adotada na origem, por meio da qual da Corte Suprema, como gênero no qual se se declarou a legitimidade ativa do Ministério encontram os interesses coletivos em senti- Público do Trabalho para a propositura da do estrito e os interesses individuais homo- presente ação civil pública. gêneos. Precedente desta SDI-I/TST. Recurso de embargos conhecido e provido.” (Proces- Tampouco emerge a suscitada carência so E-RR – 74500-65.2002.5.10.0001, Data de de condição da ação por ausência de pres- Julgamento: 10/11/2011, Relatora Ministra supostos de constituição e desenvolvimento Rosa Maria Weber, Subseção I Especializada válido do processo, pois, consoante o artigo em Dissídios Individuais, Data de Publicação: 91 do CDC, a ação civil coletiva é manejável DEJT 18/11/2011.) quando se busca a reparação pelos danos in- Citem-se, ainda, os comentários do Profes- dividualmente sofridos pelas vítimas da con- sor Pedro Lenza, indicadores de que a ação duta lesiva, o que não é especi昀椀camente o do Parquet nos casos de interesses sociais se pedido dos autos. caracteriza por sua abrangência social e per- tinência institucional, senão vejamos: Nego provimento. “(...) como visto, o art. 129, III permite a ampliação das atividades do MP desde que LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO seja para a proteção de interesses sociais e individuais indisponíveis. Foi o que fez o CDC A recorrente pretende o ingresso das em- em seu art. 82, I, abrindo possibilidade de presas pessoais e jurídicas que mantiveram atuação do MP na defesa de quaisquer dos contratos de prestação de serviços como li- interesses transindividuais, sejam eles difusos, tisconsórcio passivo necessário, asseverando Rev. do Trib. Reg. Trab. 10ª Região, Brasília, v. 20, n. 2, 2016
116 indispensável a inclusão destas, sob pena de porquanto não há se falar em nulidade. nulidade processual. Nego provimento. Em que pesem as argumentações recur- sais, convém trazer a lembrança o disposto NULIDADE. CERCEIO DE DEFESA. no artigo 246, § 3º, do CPC-2015, pelo qual o litisconsórcio necessário é cabível por im- A demandada, sob a alegação de cerceio posição legal ou por exigência da relação ju- de defesa, se insurge contra o indeferimento rídica. da oitiva das testemunhas FRANCISCA KÁTIA DA SILVA DOS SANTOS e de ALEX XAVIER DA Com efeito, nenhuma das condições esta- SILVA. belecidas pelo ordenamento jurídico se en- quadra na hipótese dos autos. Todavia, a questão não merece maiores debates, porquanto as aludidas testemunhas As empresas contratadas pela ora recor- a昀椀rmaram o interesse no sucesso da ré e na rente para a prestação de serviços, embora manutenção do contrato de terceirização venham a sofrer indiretamente com a pre- (vide 昀氀. 735). sente decisão, não devem necessariamente integrar a lide. Nego provimento. Nesse sentido, esclarecedora a fundamen- AÇÃO CIVIL PÚBLICA. TERCEIRIZAÇÃO. tação exposta no seguinte julgado: ATIVIDADE-FIM. “Com efeito, a hipótese dos autos não e de litisconsórcio passivo necessário, uma Trata-se de ação civil pública proposta pelo vez que a postulação formulada na ação ci- MPT da 10ª Região em desfavor do HOSPITAL vil pública foi toda ela direcionada contra a SANTA LÚCIA S/A, apontando irregularidades Recorrente, como única e exclusiva responsá- na contratação de terceirizados, por empre- vel, já que não se está diante de repercussão sas interpostas, para realização de atividades das cominações nas empreiteiras. Não vão 昀椀ns gerenciadas pelo próprio nosocômio. responder pela ação nem a Recorrente tem direito de regresso a esgrimir contra elas. Po- O juízo monocrático concluiu pela proce- deria haver, quando muito, interesse das em- dência parcial, condenando a demandada, a preiteiras na manutenção dos contratos de partir do trânsito em julgado, abster-se de ce- terceirização, quando então poderiam, por lebrar novos contrato de prestação de servi- iniciativa própria (e não do juízo), integrar a ços com empresas fornecedoras de mão de lide em litisconsórcio facultativo, por a昀椀nida- obra de técnicos e de auxiliares de radiologia de de questões (CPC, art. 46, IV)” (Acórdão 4ª e diagnóstico por imagem e de 昀椀sioterapia. Turma/TST, E-RR – 97100-71.2002.5.03.0067, Determinou ainda que, no prazo de noventa Relator: Ministro Ives Gandra Martins Filho, dias, a contar do trânsito e m julgado, regis- DEJT 8/12/2004). trar como seus empregados sob o regime da Consolidação das Leis do Trabalho, os pro昀椀s- Inexistentes as violações legais apontadas, sionais técnicos e auxiliares de radiologia e Rev. do Trib. Reg. Trab. 10ª Região, Brasília, v. 20, n. 2, 2016
117 diagnóstico por imagem de 昀椀sioterapia que Não se trata simplesmente de aplicar à lhe prestam serviços à data da prolação des- espécie o entendimento 昀椀rmado na Súmu- ta decisão e os que eventualmente venham la 331 do TST – como argumenta o réu. a suceder a esses pro昀椀ssionais no curso desta A questão é identi昀椀car os princípios que ação. E por 昀椀m, 昀椀xou indenização por danos informam as relações de trabalho (inclusi- morais coletivos de R$2.000.000,00, a ser re- ve a de emprego) em nosso ordenamento vertida a instituto de interesse de social, indi- jurídico. cado, em execução, pelo Ministério Público do Trabalho da 10ª Região. Em suas razões A Constituição de 1988 prevê como de convencimento, o Exmo. Juiz sentencian- fundamento da República Federativa do te asseverou que: Brasil “os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa” (inciso IV do art. 1º), e con- “A atividade social do réu é a prestação de sagra, como garantia fundamental, que “a serviços de assistência médico-hospitalar, bem propriedade atenderá a sua função social” como de serviços complementares e a昀椀ns – (inciso XXII do art. 5º). como são as atividades de radiologia e 昀椀siote- rapia. A argumentação da defesa é impertinen- Um delineamento do valor social confe- te, nesse aspecto, diante do teor do estatuto rido ao trabalho e à livre iniciativa consta social da pessoa jurídica. do art. 7º do texto constitucional, que trata dos direitos dos trabalhadores urbanos e Ou seja, na espécie, há, como já indica- rurais. do, a circunstância de um hospital sem pro昀椀s- sionais diretamente vinculados às atividades Decorre da proteção conferida ao tra- previstas em seu estatuto social. balho por nosso ordenamento jurídico, como parâmetro de delimitação da fun- A hipótese dos autos demonstra a ocor- ção social da propriedade (e, por conse- rência de terceirização irregular de serviços. guinte, da empresa), o princípio de que o É certo que se trata de terceirização diferen- trabalho não é mercadoria. Esse princípio te da tradicional. Nessa última, o empregado consta expressamente da Declaração refe- é contratado por uma empresa prestadora, rente aos Fins e Objetivos da Organização que se encarrega de disponibilizar a mão de Internacional do Trabalho (anexo à Consti- obra à tomadora dos serviços. No caso pre- tuição da OIT, de 1944).” sente, os trabalhadores – os pro昀椀ssionais téc- nicos e auxiliares de radiologia e diagnóstico Com raízes na Segunda Guerra Mun- por imagem e de 昀椀sioterapia – são sócios da dial, o conceito de transferir para fora da empresa que é contratada pelo tomador dos empresa parte do seu processo produti- serviços – isto é, o réu. É a chamada “pejoti- vo, no fenômeno conhecido como ter- zação”. ceirização, começou a ser introduzido no Brasil entre as décadas de 1960/1970, A consequência, porém, é a mesma: a sendo vista como uma técnica de gestão fraude à legislação trabalhista. administrativa decorrente da reengenha- ria que possibilita a fragmentação das ati- Rev. do Trib. Reg. Trab. 10ª Região, Brasília, v. 20, n. 2, 2016
118 vidades produtivas do tomador do serviço. caso de trabalho temporário. A empresa deixa de ser centralizadora de to- das as suas atividades, passando a concen- Posteriormente o colendo TST inseriu nes- trar seus recursos 昀椀nanceiros e a sua mão de ta possibilidade os serviços de vigilância e de obra na atividade 昀椀nal do seu negócio. asseio e conservação e, mais recentemente, os serviços especializados ligados à ativida- Como não poderia deixar de ser, num sis- de-meio do empregador. tema capitalista fundado na exploração do trabalho como instrumento da mais-valia, a Cabe salientar que esta Justiça Especiali- terceirização atingiu a classe trabalhadora, zada não se atém à forma aparente ou à in- em especial diante da conduta das classes titulação jurídica do vínculo de trabalho, vai dirigentes empresarias e estatais que consi- além, perquirindo-se as reais condições em deram a terceirização como simples forma que se desenvolve a relação de trabalho, de redução de custos com os trabalhadores aferindo a existência dos elementos caracte- das atividades-meio da empresa e dos entes rizadores do vínculo empregatício. Este é o públicos, pois possibilita, em regra, o paga- princípio norteador da primazia da realidade, mento de salários diferenciados, de menor que o ilustre Américo Plá Rodrigues leciona valor, em relação ao seus empregados efeti- com maestria nos seguintes termos: vos, porquanto os “terceirizados” pertencem a outro segmento. “O signi昀椀cado que atribuímos a este princí- pio é o da primazia dos fatos sobre as formas, Diante da insidiosa terceirização, duas mo- as formalidades ou as aparências. dalidades de trabalho receberam atenção es- pecial do legislador: o trabalho temporário Isso signi昀椀ca que em matéria laboral im- (Lei nº 6.019, de 3.1.1974) e os serviços de porta o que ocorre na em la prática, mais do vigilância (Lei nº 7.102, de 20.6.1983). que aquilo que hajam pactado de forma mais Salvo estas exceções, não há, ainda hoje, ou menos solene, ou expressa, ou aquilo que nenhuma regulamentação no nosso ordena- conste em documentos, formulários e instru- mento jurídico acerca da terceirização. Nes- mentos de controle. te vácuo legislativo, o Direito do Trabalho, exercitado pelas Cortes trabalhistas, precisou Esse desajuste entre os fatos e a forma pode “interpretar” as normas de proteção inseridas ter diferentes procedências: na Consolidação das Leis do Trabalho, como 1) resultar de una intenção deliberada de forma de limitar o avanço do capital sobre a 昀椀ngir ou simular uma situação jurídica distinta mão de obra, o qual, sob o pálio da legalida- da real. É o que se costuma chamar de simula- de ou ausência normativa, coloca em risco ção. É muito difícil de conceber casos de situ- os direitos adquiridos arduamente pela clas- ação absoluta na qual se pretenda apresentar se trabalhadora. Esta é a gênese da Súmula um contrato de trabalho, quando na realidade 331 do colendo TST, cujas origens remontam não exita nada. Ao contrário, o mais frequen- à Súmula 256/TST, que vedava a terceiriza- te é o caso das simulações relativas, nas quis ção e a昀椀rmava o vínculo diretamente com o se dissimula o contrato real, substituindo-o 昀椀c- tomador de serviços, com única exceção no tamente por um contrato diverso. As diferen- Rev. do Trib. Reg. Trab. 10ª Região, Brasília, v. 20, n. 2, 2016
119 ças entre o contrato simulado e o efetivo reno dos fatos, o que poderia ser provado na podem versar sobre todos os aspectos: as forma e pelos meios de que se disponham em partes, as tarefas, os horários, as retribui- cada caso. Porém demonstrados os fatos, eles ções, etc. Nesta categoria se pode fazer não podem ser contrapesados ou neutraliza- outra grande distinção entre as simulações dos por documentos ou formalidade.” (PLÁ acordadas bilateralmente e as impostas ou RODRIGUES, AMÉRICO. Princípios do Direito dispostas unilateralmente por uma parte, do Trabalho. São Paulo, 1978, LTr. Editora). com toda a variadíssima gama de matizes intermediários; 2) provir de um erro. Esse A sentença hostilizada mostra com cla- erro geralmente recai na quali昀椀cação do reza os elementos inerentes ao vínculo em- trabalhador e pode estar mais ou menos pregatício presentes no caso em exame, contaminado de elementos intencionais desmascarando a alegada terceirização de derivados da falta de consulta adequada mão de obra. ou oportuna. Também essa situação equíva se pode atribuir a erro imputável a ambas Ademais, insta salientar que atividade- as partes ou a uma só delas; 3) derivar de meio é aquela que não é inerente ao objeti- uma falta de atualização dos dados. O con- vo principal da empresa, trata-se de serviço trato de trabalho é um contrato dinâmico necessário, mas que não tem relação direta no qual vão constantemente mudando as com a atividade principal da empresa, ou condições da prestação dos serviços. Para seja, é um serviço não essencial. Atividade- que os documentos re昀椀tam 昀椀elmente todas 昀椀m, por sua vez, é aquela que caracteriza as modi昀椀cações produzidas, devem ser o objetivo principal da empresa, a sua des- permanentemente atualizadas. Qualquer tinação, o seu empreendimento, normal- omissão ou atraso determina um desajus- mente expresso no contrato social. te entre o que surge dos elementos formais A doutrina e a jurisprudência têm 昀椀rmado e que resulta da realidade; e 4) originar-se entendimento da possibilidade de terceiriza- da falta de cumprimento de requisitos for- ção apenas da atividade-meio. mais. Algumas vezes, para ingressar ou ter acesso a um estabelecimento , requer-se a Fiel à sua 昀椀nalidade institucional de prote- formalidade da nomeação por parte de de- ção aos direitos dos trabalhadores, o colendo terminado órgão da empresa ou o cumpri- TST vem adequando a redação da Súmula mento de qualquer outro requisito que se 331 com supedâneo nas constantes mudan- haja omitido. Em tais casos, também o que ças nas relações laborais, in verbis: ocorre na prática importa mais do que a formalidade. Em qualquer das quatro hipó- “331. Contrato de prestação de serviços. teses que mencionamos, os fatos primam Legalidade. sobre as formas. Não é necessário analisar I – A contratação de trabalhadores por e pesar o grau de intencionalidade ou de empresa interposta é ilegal, formando-se responsabilidade de cada uma das partes. o vínculo diretamente com o tomador dos O que interessa é determinar ou de respon- serviços, salvo no caso de trabalho tempo- sabilidade de cada uma das partes. O que rário (Lei nº 6.019, de 03/01/1974). interessa é determinar o que ocorra no ter- II – A contratação irregular de trabalhador, Rev. do Trib. Reg. Trab. 10ª Região, Brasília, v. 20, n. 2, 2016
120 mediante empresa interposta, não gera vín- a empresa investigada mantém contrato de culo de emprego com os órgãos da adminis- prestação de serviço com a Radioservice, tração pública direta, indireta ou fundacional que encaminha ao hospital técnicos de ra- (art. 37, II, da CF/1988). diologia su昀椀cientes para cobrir a necessida- III – Não forma vínculo de emprego com de deste; que geralmente são mandados os o tomador a contratação de serviços de vigi- mesmos técnicos, pela Radioservice, para o lância (Lei nº 7.102, de 20/06/1983) e de con- hospital; que há muito tempo, antes mesmo servação e limpeza, bem como a de serviços se a razão social ser Santa Lúcia, o hospital especializados ligados à atividade-meio do to- mantinha contrato de trabalho com técnico mador, desde que inexistente a pessoalidade em radiologia; que a Radioservice estabele- e a subordinação direta. ce a escala de trabalho dos técnicos de ra- IV - O inadimplemento das obrigações tra- diologia, seus sócios, segundo a demanda balhistas, por parte do empregador, implica a de horas do hospital; que a recepcionista do responsabilidade subsidiária do tomador dos serviço de radiologia repassa ao técnico de serviços quanto àquelas obrigações, desde radiologia os prontuários correspondentes que haja participado da relação processual e aos exames que serão realizados; que caso o conste também do título executivo judicial. técnico de radiologia precise de ausentar du- V - Os entes integrantes da Administração rante o serviço, ele deve fazer contato com a Pública direta e indireta respondem subsidia- Radioservice, que enviara alguém para subs- riamente, nas mesmas condições do item IV, tituí-lo; que a Radioservice também encami- caso evidenciada a sua conduta culposa no nha para prestar serviço no hospital os pro- cumprimento das obrigações da Lei nº 8.666, 昀椀ssionais técnicos de radioterapia, que estão de 21.06.1993, especialmente na 昀椀scalização submetidos ao mesmo sistema de trabalho do cumprimento das obrigações contratuais dos técnicos de radiologia. (昀氀s. 68/69)” e legais da prestadora de serviço como em- pregadora. A aludida responsabilidade não Esclareça-se que este Relator não desco- decorre de mero inadimplemento das obriga- nhece a realidade salarial dos pro昀椀ssionais ções trabalhistas assumidas pela empresa re- que preferem atuar como autônomos. Contu- gularmente contratada. do, tal condição gera outro problema: a ino- VI – A responsabilidade subsidiária do to- bservância dos momentos necessários para mador de serviços abrange todas as verbas a recomposição das energias, porquanto o decorrentes da condenação referentes ao pe- trabalho sem observância de tais condições ríodo da prestação laboral.” são fontes geradoras de estresse e doenças do trabalho. No caso vertente, a representante da de- mandante, Sra. Elayne Cristina da Silva con- Ademais, a legislação trabalhista confere fessou na audiência ocorrida no Inquérito Ci- toda uma proteção ao trabalhador que ma- vil nº 553/2008 que: neja com radiação, dada a patente potencia- lidade de prejuízo à saúde. “que há cerca de 41 técnicos de radiolo- gia e cerca de 15 técnicos de radioterapia em Logo, a busca indiscriminada por melho- atividade na empresa investigada; (...) que res salários não serve de sustentáculo para ig- Rev. do Trib. Reg. Trab. 10ª Região, Brasília, v. 20, n. 2, 2016
121 norar os malefícios decorrentes da exposição A ação do Estado impôs patamares míni- sem controle à radiação. mos de dignidade e limites à exploração do homem pelo homem, rompendo com o an- A alegação de que os prestadores optam tigo mecanismo, em que as regras eram fei- por prestar seus serviços nestas condições, tas no intramuros das fábricas, para alcançar diante das melhores remunerações ofereci- todo o sistema laboral, sendo efetivada, em das, não pode ser analisada de forma isolada. regra, pela via legislativa. Ora, é de conhecimento público e notó- Não por outra razão o princípio fundante rio que a colocação no mercado de trabalho do Direito do Trabalho é o princípio da prote- não é uma das tarefas mais fáceis, inclusive ção do trabalhador, cujo intuito foi a criação e, para pro昀椀ssionais detentores de excelente assim permanece, de um sistema de proteção quali昀椀cação pro昀椀ssional, de modo que as mínima à dignidade da pessoa humana. O re- condições impostas por muitos empregado- ferido princípio tem por escopo básico com- res são facilmente aceitas diante da possibili- pensar a diferença socioeconômica própria dade de não ser admitido. das relações de trabalho capitalistas, ao tem- po em que, paradoxalmente, busca se preser- Alguns precedentes jurisprudenciais rela- var as diferenças econômicas num patamar cionados a pedidos de reconhecimento de mínimo, porquanto a hipotética igualização vínculos de emprego, notadamente por pro- econômica enfraqueceria o próprio sistema. 昀椀ssionais liberais, consideram que a condição intelectual do empregado (advogado, enge- O sistema jurídico trabalhista está enrai- nheiro, médico, etc.) afasta as teses de coa- zado no conceito de Justiça distributiva e ção na prestação de serviços sob a modali- equidade, e, para tanto, busca corrigir de- dade de pessoa jurídica ou por intermédio de sigualdades, criando outras desigualdades cooperativas. em prol dos trabalhadores, sendo esta a função primordial do princípio protetivo, Com efeito, é consabido que o Direito do nos conhecidos ensinamentos de Américo Trabalho tem como um dos primeiros funda- Plá Rodrigues, que bem de昀椀ne o tripé que mentos a proteção do trabalhador, tendo ori- o sustenta: os princípios in dubio pro operá- gem num contexto de exploração e escravi- rio; da norma mais favorável e da condição zação da massa trabalhadora, cuja posterior mais bené昀椀ca. organização e confronto com os donos do capital provocou profundas transformações No Brasil, as primeiras leis trabalhistas sociais, exigindo a intervenção estatal para remontam às primeiras décadas do sécu- amenizar as condições de vida, de trabalho lo XX, vindo a ser sistematizadas apenas e remuneração, pois quando um trabalhador em meados do século quando, em 1943, se insere no processo produtivo traz consigo, o Estado editou a vetusta CLT. Eram outros não só a sua força de trabalho, mas, também, tempos em termos educacionais e cultu- a pessoa humana e sua dignidade, dada a in- rais. População em sua maioria analfabeta; dissociabilidade destes três fatores. predominância do trabalho manual; indus- trialização incipiente; classe trabalhadora desorganizada, entre outros fatores. Rev. do Trib. Reg. Trab. 10ª Região, Brasília, v. 20, n. 2, 2016
122 fenômeno das fraudulentas “cooperativas” Teriam as transformações posteriores de trabalho; agora, o das “pessoas jurídicas – econômicas, educacionais, culturais, so- individuais e/ou coletivas”, cujo único patri- ciais, notadamente nas últimas décadas mônio é a força de trabalho de seus sócios. do século XX e, especialmente, na primei- ra do século XXI, enfraquecido ou diluído Colocando-se o trabalho na condição a necessidade de observação do princípio primordial à sobrevivência do trabalhador protetivo? Ora, com todo este avanço, em e, mais ainda, quando deste dependem ou- especial com a elevação do nível de instru- tras pessoas, o grau de instrução deste tra- ção da classe trabalhadora, ainda hoje, a balhador pode ser visto como um “dever” todo momento, nos deparamos com julga- de resistência às cláusulas e contratos que mentos envolvendo trabalho em condição desrespeitem as leis trabalhistas? análoga à de escravo ou em condições de- gradantes. Data venia, a resposta não pode ser outra que não a negativa, sob pena de abalo do Possui o nível de instrução do emprega- princípio da proteção, fundamental ao Direi- do – advogado, engenheiro, médico, pro- to do Trabalho. fessor, e tantas outras pro昀椀ssões -, o condão de neutralizar o poder econômico e igua- De lado oposto, não se pode ignorar que lizar as partes da relação de trabalho? A determinadas pessoas, embora com graus de consciência acerca de determinadas cláu- escolaridade bem inferiores ao nível superior, sulas contratuais ou de efeitos deste ou da- possuem conhecimentos, informações e/ou quele tipo de contrato eliminaria a subordi- experiências que os tornam diferenciados na nação econômica do trabalhador? compreensão da real forma de contratação dos serviços. Mostra-se equivocado o enten- Na história da humanidade, até mesmo dimento de que o princípio de proteção é sob o sistema de produção escravocrata, o aplicado de forma diretamente proporcional trabalho sempre foi o instrumento a ser ex- ao grau de instrução, isto é, quanto menos plorado e o único capaz de assegurar a so- “letrado” mais hipossu昀椀ciente seria o traba- brevivência do próprio escravo, perpassan- lhador. do esta condição pelo feudalismo da Idade Média e mantendo-se no sistema capitalista Este entendimento não signi昀椀ca, porém, como o fator principal de exploração na ge- que se deva fechar os olhos às novas modali- ração de riquezas. dades de contratação de serviços, sob pena de se confundir proteção com paternalismo A todo instante o poder econômico bom- e, por via transversa, negar validade às ma- bardeia a frágil legislação trabalhista por in- nifestações de vontade legítimas, condições termédio dos meios de comunicação, alar- estas que devem ser analisadas, necessaria- deando a necessidade de sua 昀氀exibilização. mente, caso a caso. É comum nos deparamos com novos instru- mentos com o intuito de desvirtuar, sonegar Diante da escolha entre a não contratação ou reduzir direitos. Há uma década surgiu o e a prestação de serviços por intermédio de Rev. do Trib. Reg. Trab. 10ª Região, Brasília, v. 20, n. 2, 2016
123 pessoa jurídica, quantos trabalhadores op- de forma parcial e desprovidos” (RO 00659- tariam por não serem contratados sabendo 2013-011-10-00-8, Relator: Juiz Convocado que 昀椀cariam, de imediato, sem nenhuma Denilson Bandeira Coelho, DEJT 23/1/2015). remuneração? Ainda que se cogitasse a ocu- pação de vaga em outro empreendimento, Diante do examinado, escorreita a senten- quais seriam estas condições? ça, inclusive quanto à obrigação de anotar as CTPS dos terceirizados irregularmente contra- A aceitação de uma contratação como tados. pessoa jurídica é premida pela possibilidade de permanecer fora do mercado de trabalho. Nego provimento. Conforme ressaltado, a Justiça do Traba- lho não pode chancelar este comportamento DANO MORAL COLETIVO adotado diuturnamente por inúmeras empre- sas. O juízo originário reconheceu o alegado dano moral coletivo advindo da utilização da Ressalte-se que negar esta realidade impli- terceirização em atividade- -昀椀m, condenan- caria em verdadeira precarização do traba- do o réu ao pagamento de indenização no lho e no enriquecimento ilícito do réu. importe de R$ 2.000.000,00 (dois milhões de No tocante ao tema em análise, recente reais). precedente deste Egrégio Décimo Regional: Insurge-se o recorrente alegando a ine- “AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LEGITIMIDADE DO xistência de tentativa de fraude à legislação MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO. Os ser- trabalhista. viços de saúde são de responsabilidade do Estado, cabendo então, ao Ministério Públi- Transgredida a esfera jurídica dos traba- co veri昀椀car a regularidade desses serviços lhadores individualmente considerados em oferecidos à sociedade pelas entidades hos- decorrência da utilização de mão de obra pitalares, visando a proteção da população em atividade-昀椀m, está caracterizado o dano de forma geral, o que atrai a legitimidade do moral coletivo. Órgão Ministerial para propor ação civil pú- blica. TERCEIRIZAÇÃO ILÍCITA DE ATIVIDADE- CARLOS ALBERTO BITTAR FILHO, citado FIM DE ENTIDADES HOSPITALARES. Acaso os por MAURO SCHIAVI, ensina que: serviços terceirizados por hospital estejam inseridos em suas atividades-昀椀m, não há “se o indivíduo pode ser vítima de dano como deixar de concluir pela existência de moral não há porque não o possa ser a cole- fraude na forma de contratação perpetrada tividade. Assim, pode-se a昀椀rmar que o dano pelo réu com vistas a mascarar o vínculo de moral coletivo é a injusta lesão da esfera emprego com os pro昀椀ssionais de saúde e de moral de uma dada comunidade, ou seja, é fraudar o cumprimento de obrigações traba- a violação antijurídica de um determinado lhistas. DANO MORAL COLETIVO. Mantida a círculo de valores coletivos. Quando se fala sentença na correta 昀椀xação da multa ao réu. em dano moral coletivo, está-se fazendo Recursos conhecidos, sendo o do reclamado menção ao fato de que o patrimônio valo- Rev. do Trib. Reg. Trab. 10ª Região, Brasília, v. 20, n. 2, 2016
124 rativo de uma certa comunidade (maior ou caput do art. 1º da Lei 7.347/85 (nova reda- menor), idealmente considerado, foi agredi- ção decorrente da Lei 8.884/94) e no art. 6º, do de maneira absolutamente injusti昀椀cável VI e VII, da Lei 8.078/90. do ponto de vista; que isso dizer, em última instância, que se feriu a própria cultura, em Registre que, bem antes do advento do seu aspecto material”. (SCHIAVI, Mauro, in Código de Defesa do Consumidor, a seara “Dano Moral Coletivo Decorrente da Rela- trabalhista já lidava com con昀氀itos envolvendo ção de Trabalho” (BITTAR FILHO, Carlos Al- coletividades de empregados e empregado- berto. Pode a Coletividade Sofrer Dano Mo- res, resolvidos, em regra pelo poder normati- ral? In Rep. IOB, Jurisprudência 3/12/90). vo atribuído a esta Justiça Especializada. Prossegue SCHIAVI, anotando que o fun- Assim não poderia deixar de ser, pois o damento da reparação do dano moral coleti- dano moral tanto pode atingir a pessoa, na vo está no artigo 5º, X, da CF assim redigido: sua esfera individual, como também um gru- “são invioláveis a intimidade, a vida priva- po determinável ou uma comunidade inde- da, a honra e a imagem das pessoas, assegu- terminada de pessoas que sofrem os efeitos rando o direito à indenização pelo dano ma- do dano derivado de uma mesma origem. terial ou moral decorrente de sua violação” (o Ainda nas palavras de MAURO SCHIAVI, “o destaque é nosso). Ora, a Constituição men- dano moral, por ter previsão constitucional ciona pessoas no plural, denotando que o (artigo 5º, V e X) e por ser uma das facetas dano moral pode transcender o interesse indi- da proteção à dignidade da pessoa humana vidual e atingir a esfera coletiva. Como é regra (artigo 1º, III, da CF) adquire caráter publicista de hermenêutica: a lei não contém palavras e interessa à sociedade como um todo, por- inúteis e, em se tratando de direitos funda- tanto, se o dano moral atinge a própria coleti- mentais, a Constituição deve ser interpretada à luz do princípio da máxima e昀椀ciência (Ca- vidade, é justo e razoável que o Direito admi- notilho). Além disso, a reparação coletiva do ta a reparação decorrente desses interesses dano moral prestigia os princípios alinhavados coletivos”. no próprio artigo 1º da Constituição Federal: cidadania (inciso II), dignidade da pessoa hu- Defende o autor que “a reparação do mana (inciso III); do artigo 3º, da Constituição dano moral coletivo visa, a nosso ver, prin- Federal: construção de uma sociedade livre, cipalmente a prevenir a eclosão dos danos justa e solidária (inciso I), garantia do desen- morais individuais, facilitar o acesso à justiça, volvimento nacional (II) e promover o bem à ordem jurídica justa, garantir a proteção de todos, sem preconceitos de origem, raça, da moral coletiva e a própria sociedade. O sexo, cor idade e quaisquer outras formas de interesse coletivo, embora autônomo, cujo discriminação (IV) e artigo 4º: prevalência dos titular é uma coletividade ou grupo ou cate- direitos humanos ( II)”. goria, em última análise, nada é mais do que o somatório dos interesses individuais, quer Em nível infraconstitucional, o dano moral sejam determinados ou não, quer decorram coletivo encontra expressa previsão no nosso de uma relação jurídica base ou de simples ordenamento jurídico, inserido que está no pressuposto fático”. Rev. do Trib. Reg. Trab. 10ª Região, Brasília, v. 20, n. 2, 2016
125 a ré. Agravo de instrumento conhecido e A jurisprudência trabalhista tem decisões não provido. 5. INDENIZAÇÃO POR DANO neste sentido: MORAL COLETIVO E MULTA PECUNIÁRIA REVERTIDAS EM FAVOR DO FAT. O conjun- “AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO to fático probatório demonstrou a conduta DE REVISTA. 1. INCOMPETÊNCIA TERRITO- antissindical da ré que interferiu na mani- RIAL. CONTINÊNCIA ENTRE AÇÕES. De acor- festação volitiva da categoria para obter do com o Regional, na presente hipótese, a aprovação da sua proposta para o ACT não restou con昀椀gurada a continência entre 1998/1999, afrontando, assim, os princí- as ações, razão pela qual descabe cogitar pios da liberdade sindical e do valor social de competência por prevenção. Incólumes, do trabalho. Ora, aquele que por ato ilíci- pois, os artigos 102 e 104/106 do CPC. Agra- to causar dano, ainda que exclusivamente vo de instrumento conhecido e não provido. moral, 昀椀ca obrigado a repará-lo, de modo 2. ILEGITIMIDADE ATIVA. MINISTÉRIO PÚBLI- que, 昀椀cando mais do que caracterizado CO DO TRABALHO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. A que a ré cometeu um ato ilícito, causan- presente ação civil pública objetiva a anu- do prejuízos ao legítimo representante da lação da assembleia geral extraordinária e, categoria pro昀椀ssional, à coletividade de consequentemente, do acordo coletivo de trabalhadores e à própria ordem jurídica, trabalho celebrado, tendo em vista a alega- tem-se um típico caso de dano moral co- ção de coação para que os empregados da letivo. Nesse contexto, a condenação ao ré comparecessem à referida assembleia e pagamento de indenização por danos mo- aprovassem a contraproposta apresentada rais coletivos e de multa pecuniária não pela empresa. Logo, não há dúvidas quanto con昀椀gura afronta aos artigos 186 e 927 à legitimidade ativa do Ministério Público do do Código Civil, 5º, V e X, da CF. Agravo Trabalho, em face do disposto nos artigos 83, de instrumento conhecido e não provido. III e IV, da LC 75/93 e do artigo 127, caput, (AIRR - 195700-09.1999.5.03.0011 , Relato- e 129, III, da CF. Agravo de instrumento co- ra Ministra: Dora Maria da Costa, Data de nhecido e não provido. 3. JULGAMENTO EX- Julgamento: 18/04/2012, 8ª Turma, Data TRA PETITA. Não con昀椀gurado o alegado jul- de Publicação: 20/04/2012). gamento extra petita, descabe cogitar de ofensa aos artigos 128 e 460 do CPC. Agravo “I - AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECUR- de instrumento conhecido e não provido. 4. SO DE REVISTA. DANO MORAL COLETIVO. LEGITIMIDADE DA ASSEMBLEIA. VALIDADE VALOR DA INDENIZAÇÃO. Ante a possível DO ACORDO COLETIVO DE TRABALHO. A violação do art. 944 do Código Civil, dá-se revisão pretendida encontra óbice na diretriz provimento ao Agravo de Instrumento. II - 昀椀xada pela Súmula 126 do TST, pois somente RECURSO E REVISTA. LEGITIMIDADE ATIVA mediante o reexame do conjunto fático-pro- DO MINISTÉRIO PÚBLICO. Não se veri昀椀ca batório é que se poderia concluir pela legi- ofensa aos artigos 83, III, da LC nº 75/93 e timidade da assembleia ante a inexistência 129, III, da CF/88, inclusive porque, diante de coação e de interferência na atividade das circunstâncias apresentadas, são justa- sindical e, por conseguinte, pela validade do mente esses dispositivos que amparam a acordo coletivo de trabalho, consoante alega atuação do Ministério Público do Trabalho, Rev. do Trib. Reg. Trab. 10ª Região, Brasília, v. 20, n. 2, 2016
126 através da Ação Civil Pública, na defesa laborais, caracteriza-se quando a conduta dos direitos difusos e coletivos. Recurso antijurídica perpetrada contra trabalhado- de Revista não conhecido. DANO MORAL res transcende o interesse jurídico indivi- COLETIVO. Ao entender pela condenação dualmente considerado e atinge interesses das empresas, o Tribunal Regional baseou- meta individuais socialmente relevantes se nas provas e circunstâncias constantes para a coletividade. 2. Assinale-se que a ju- dos autos, decidindo, pois, em conso- risprudência em formação nesta Corte Su- nância com o princípio do livre conven- perior vem consolidando o entendimento cimento motivado do juiz (artigo 131 do de que os direitos individuais homogêneos CPC). Entendimento diverso somente seria não constituem obstáculo à con昀椀guração possível se veri昀椀cada a não con昀椀guração do dano moral coletivo, quando demons- das condições de trabalho que geraram a trada a prática de ato ilícito, cuja repercus- indenização, o que demandaria o reexa- são transcende os interesses meramente me de todo o contexto fático probatório, individuais, de modo a atingir toda a co- expediente vedado nesta Corte por deter- letividade. 3. Na hipótese, o expediente minação da Súmula nº 126/TST. Recurso escuso e reiterado, consistente na simula- de Revista não conhecido. DANO MORAL ção de lides perante a Justiça do Trabalho, COLETIVO. VALOR DA INDENIZAÇÃO. Ain- com objetivo exclusivo de quitar verbas da que se considere a gravidade dos fatos rescisórias, em total afronta às disposições que ensejaram a intervenção do Ministério do art. 477 da CLT, causa prejuízo aos tra- Público do Trabalho, a capacidade eco- balhadores individualmente identi昀椀cáveis nômica do ofensor e o número de traba- e precariza os direitos assegurados pela lhadores atingidos pelas práticas ilícitas do ordem jurídica, con昀椀gurando ofensa ao empregador, e em atenção ao princípio da patrimônio moral coletivo, passível de re- razoabilidade, reduz-se o valor arbitrado à paração. Isso porque a conduta ilícita de indenização por danos morais coletivos, utilização do Poder Judiciário como me- para adequação ao patamar de preceden- canismo para fraudar direitos trabalhistas, tes anteriores desta Turma Julgadora. Apli- além de lesar a dignidade do trabalhador cação do art. 944 do Código Civil. Recurso individualmente considerado, direito fun- de Revista conhecido e provido.“( RR - damental garantido pela Constituição da 112300-53.2007.5.15.0118 , Relatora Juíza República (CF, art. 1º, III), atenta, em últi- Convocada: Maria Laura Franco Lima de ma análise, contra a dignidade da própria Faria, Data de Julgamento: 28/03/2012, 8ª Justiça, manchando a credibilidade do Turma, Data de Publicação: 20/04/2012). Poder Judiciário, o que, por certo, atin- ge toda a sociedade. 4. Nesse contexto, “RECURSO DE REVISTA. AÇÃO CIVIL PÚ- con昀椀gurado o ato ilícito, cuja repercussão BLICA. LIDES SIMULADAS. utilização do Po- transcende os interesses individuais, além der Judiciário como mecanismo para frau- da já concedida tutela inibitória destinada dar direitos trabalhistas. ATO ATENTATÓRIO a vedar a utilização da Justiça do Traba- À DIGNIDADE DA JUSTIÇA. DANO MORAL lho como órgão homologador de acordo COLETIVO. CONFIGURAÇÃO. 1. O dano em lide simulada, em atenção ao que dis- moral coletivo, no âmbito das relações põem os arts. 5°, V e X, da Constituição da Rev. do Trib. Reg. Trab. 10ª Região, Brasília, v. 20, n. 2, 2016
127 República e 186 do Código Civil, impõe-se Luís Rocha Sampaio). à empresa ré, considerando-se a natureza e gravidade do dano, as circunstâncias do Em relação à utilização de mão de obra em caso concreto, o caráter pedagógico pre- atividade-昀椀m, não existem dúvidas quanto à ventivo e punitivo e, ainda, observada a conduta ilícita praticada pelo réu com danos sua condição econômica, a condenação aos empregados individualmente considera- ao pagamento de indenização por dano dos. moral coletivo no importe de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), reversíveis ao Fundo Assim considerado, tenho que a conduta de Amparo ao Trabalhador - FAT. Recurso da ré perpassa o viés individual e atinge a so- de revista conhecido e provido.” (Proces- ciedade em geral, causando danos coletivos so: RR - 12400-59.2006.5.24.0061 Data de passíveis de reparação na forma prevista nos Julgamento: 17/08/2011, Relator Ministro: artigos 186 e 927 do Código Civil. Walmir Oliveira da Costa, 1ª Turma, Data Nego provimento. de Publicação: DEJT 26/08/2011.) DANO MORAL COLETIVO. INDENIZAÇÃO. Esta Egrégia Turma também já adotou idêntico posicionamento: Quanto à questão aqui manifestada, este foi o meu posicionamento defendido: “DANO MORAL. CONFIGURAÇÃO. DE- VER DE REPARAÇÃO. INDENIZAÇÃO. O Con昀椀gurado o dano, impõe-se a reparação, poder potestativo do empregador en- a qual se faz, em regra, pela via indenizatória. contra limites claros na Constituição da República e na legislação infraconstitu- A reparação por dano moral, seja indivi- cional. Portanto, o poder diretivo não dual ou coletivo, tem por escopo: a) a com- pode ser exercido com abuso de direito, pensação do dano sofrido pela vítima ou con昀椀gurando esta conduta o ato do em- pelo grupo ou comunidade, b) a atribuição pregador que inibe a 昀椀liação ou provo- de uma sanção ao agente e c) a prevenção ca a des昀椀liação de seus empregados aos à reiteração de atos que atinjam bens essen- sindicatos pro昀椀ssionais, direito constitu- ciais e inerentes ao indivíduo, ao grupo social cionalmente garantido. Caracterizado o ou a sujeitos indeterminados. dano moral denunciado, impõe-se o de- Concretizada pela imputação de indeniza- ver de indenizar. O relatório, a admissibi- ção monetária, a grande di昀椀culdade para o lidade e as partes aspeadas, na forma re- julgador está em de昀椀nir parâmetros que le- gimental, são da lavra de Sua Excelência vem a uma indenização justa, sem perder de a Desembargadora Relatora.” (Processo: vista que a moralidade não tem preço, ine- 00820-2008-006-10-00-0 RO - Acordão xistindo valor em espécie capaz de reparar 1ª Turma - Relatora: Desembargado- ofensas à dignidade da pessoa humana ou ra Flávia Simões Falcão; Revisor: Juiz aos indivíduos coletivamente considerados. João Luís Rocha Sampaio; Julgado em Não é outra a razão pela qual a indenização 04/03/2009 - Publicado em 13/03/2009 por danos morais tem suporte na concepção no DEJT - Acordão do Exmo. Juiz João de que o pagamento não é reparatório, mas Rev. do Trib. Reg. Trab. 10ª Região, Brasília, v. 20, n. 2, 2016
128 busca minorar os efeitos destrutivos da con- cançada, quando a reparação desse consolo duta imprópria do agente lesante. espiritual à vítima fosse à custa da desgraça imposta ao agente. Não se pode, como pre- A legislação infraconstitucional é omissa, coniza a sabedoria popular “vestir um santo pois não de昀椀ne critérios objetivos para a 昀椀- desvestindo outro”. Da mesma maneira, não xação de um patamar mínimo e máximo na se pode arbitrar a indenização sem um juízo mensuração do dano moral. ético de valoração da gravidade do dano, a ser feito dentro do quadro circunstancial do Na esfera coletiva, dois fatores são primor- fato e, principalmente, das condições da ví- diais à 昀椀xação da indenização: a) o porte eco- tima. O valor da reparação terá de ser “equi- nômico do agente e b) a extensão do dano, librado”, por meio da prudência do juiz. Não assim considerada a abrangência sobre de- se deve arbitrar uma indenização pí昀椀a nem terminado grupo de trabalhadores, no caso exorbitante diante da expressão ética do in- da Justiça de Trabalho, e a territorialidade al- teresse em jogo, tampouco se pode ignorar cançada pela prática do ofensor. a situação econômico social de quem vai receber a reparação, pois jamais se deverá Discorre HUMBERTO THEODORO JÚNIOR transformar a sanção civil em fonte pura e sobre a problemática do arbitramento: simples de enriquecimento sem causa”. (in “Dano Moral”, 2ª Edição, Editora Juarez de “O juiz, em cujas mãos o sistema jurídico Oliveira, São Paulo, 1999, páginas 47/48). brasileiro deposita a responsabilidade pela 昀椀xação do valor da reparação do dano mo- Em síntese, o julgador, utilizando-se da ral, deverá fazê-lo de modo impositivo, le- razoabilidade, deve considerar parâmetros vando em conta o binômio “possibilidades como a gravidade do dano causado pelo do lesante” - “condições do lesado”; coteja- empregador, pelos seus prepostos ou pe- do sempre com as particularidades circuns- las suas normas e diretrizes e a dimensão tanciais do fato danoso, tudo com o objetivo do dano à sociedade, bem como a capaci- de alcançar: a) um “valor adequado ao lesa- dade econômica do empreendimento. do, pelo vexame, ou pelo constrangimento experimentado”; b) uma “compensação” Nesse cenário, entendo desarrazoado o razoável e equitativa não para “apagar os montante fixado pelo Julgador originário, efeitos da lesão, mas para reparar os danos” no importe de R$ 2.000.000,00 (dois mi- (...), “sendo certo que não se deve cogitar lhões de reais). de mensuração do sofrimento, ou da prova da dor, exatamente porque esses sentimen- Considerada, portanto, a extensão do tos estão ínsitos no espírito humano’. Dentro dano causado pela conduta e o risco de desta ótica, não se deve impor uma indeni- comprometer a própria funcionalidade da zação que ultrapasse, evidentemente, a ca- empresa, fixo o valor indenizatório em R$ pacidade econômica do agente, levando-o 1.000.000,00 (um milhão de reais). à ruína. Se a função da reparação do dano moral é o restabelecimento do “equilíbrio Recurso parcialmente provido. nas relações privadas”, a meta não seria al- Rev. do Trib. Reg. Trab. 10ª Região, Brasília, v. 20, n. 2, 2016
129 Entretanto, quanto ao valor da inde- para excluir a multa de protelação e 昀椀xar o nização, resolveu a Turma fixar em R$ valor indenizatório em R$ 1.375.000,00 (um 1.375.000,00 (um milhão, trezentos milhão, trezentos e setenta e cinco mil re- e setenta e cinco mil reais), valor esse ais), a ser revertida à instituição de interesse obtido através de voto médio apura- social indicada pelo Ministério Público do do, vez que os Desembargadores Re- Trabalho, na forma da postulação. lator e André Damasceno fixavam em Reduzida a condenação, 昀椀xo as custas R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais), o processuais em R$27.500,00 a cargo da ré, Desembargador Grijalbo Coutinho fixa- arbitradas sobre R$1.375.000,00, nos termos va em R$ 2.000.000,00 (dois milhões de da fundamentação. reais), e o Juiz Paulo Blair fixava em R$ 1.500.000,00 (um milhão e quinhentos Por tais fundamentos, mil reais). ACORDAM os Desembargadores da Pri- MULTA. EMBARGOS PROTELATÓRIOS. meira Turma do Tribunal Regional do Trabalho da Décima Região, em sessão realizada na A recorrente se insurge contra a multa data e nos termos da respectiva certidão de imposta em razão dos embargos de decla- julgamento, por unanimidade, aprovar o rela- ração considerados protelatórios. tório, conhecer do recurso ordinário, rejeitar as preliminares arguidas e, no mérito, dar par- Entretanto, considerado o teor dos aludi- cial provimento ao apelo para excluir a mul- dos embargos, denota-se o regular exercí- ta de protelação e 昀椀xar o valor indenizatório cio do direito de ação para 昀椀ns de esclareci- em R$ 1.375.000,00 (um milhão, trezentos e mento das questões abordadas na decisão setenta e cinco mil reais), a ser revertido à ins- embargada. tituição de interesse social indicada pelo Mi- nistério Público do Trabalho, na forma da pos- Provejo o apelo para afastar a multa tulação. Custas processuais de R$27.500,00, aplicada. calculadas sobre R$1.375.000,00, a cargo da ré. Tudo nos termos voto do Desembargador SUCUMBÊNCIA. CUSTAS PROCESSUAIS. Relator, que acolheu proposta do Des. André Damasceno relativamente à destinação do Em razão do decidido 昀椀xo as custas pro- valor apurado. Valor obtido através de voto cessuais em R$27.500,00, a cargo do réu, médio apurado vez que os Desembargado- arbitradas sobre R$1.375.000,00, valor atri- res Relator e André Damasceno 昀椀xavam em buído à condenação. R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais), o De- sembargador Grijalbo Coutinho 昀椀xava em R$ 2.000.000,00 (dois milhões de reais), e o Juiz CONCLUSÃO Paulo Blair 昀椀xava em R$ 1.500.000,00 (um milhão e quinhentos mil reais). Juntará de- Em face do exposto, conheço do recurso claração de voto o Desembargador Revisor. ordinário, rejeito as preliminares arguidas e, Ementa aprovada. no mérito, dou parcial provimento ao apelo Rev. do Trib. Reg. Trab. 10ª Região, Brasília, v. 20, n. 2, 2016
130 Brasília/DF, 17 de outubro de 2016 (data do julgamento). assinado digitalmente DORIVAL BORGES Desembargador Relator Rev. do Trib. Reg. Trab. 10ª Região, Brasília, v. 20, n. 2, 2016
131 TRT 0000674-23.2014.5.10.0021 RO - ACÓRDÃO RELATOR : DESEMBARGADOR DORIVAL EMENTA: DOENÇA MENTAL. DE- BORGES DE SOUZA NETO PRESSÃO. DANOS EXISTENCIAIS E REVISOR : DESEMBARGADOR GRIJALBO MORAIS. PROVA. Conforme artigo FERNANDES COUTINHO 186 do Código Civil, “Aquele que, por RECORRENTE : PETROBRÁS DISTRIBUIDORA ação ou omissão voluntária, negligên- S/A cia ou imprudência, violar direito e ADVOGADO : JOÃO JOAQUIM MARTINELLI causar dano a outrem, ainda que ex- RECORRIDO : MÁRCIA HELENA DE MELLO clusivamente moral, comete ato ilíci- COSTA to”. A necessidade de estabelecer o ADVOGADO : FERNANDO DE ASSIS BON- liame causal como requisito da inde- TEMPO nização funda-se na conclusão lógica ORIGEM : 21ª VARA DO TRABALHO DE BRA- SÍLIA/DF de que ninguém deve responder por CLASSE ORIGINÁRIA: Ação Trabalhista - Rito dano a que não tenha dado causa. No Ordinário que tange ao acidente de trabalho, (JUÍZA MARTHA FRANCO DE AZEVEDO) insta salientar a responsabilidade obje- tiva do empregador que, na qualidade Rev. do Trib. Reg. Trab. 10ª Região, Brasília, v. 20, n. 2, 2016
132 de gerenciador das atividades laborais, Ministério Público do Trabalho, na forma assume os riscos do empreendimento e regimental. tem o dever de zelar pelo ambiente de trabalho, de modo a torná-lo seguro a V O T O seus empregados, inclusive com o forne- cimento de equipamentos de proteção ADMISSIBILIDADE individual (artigo 166/CLT). No que alude às doenças mentais, a idiossincrasia dita- Presentes os pressupostos processuais rá as respostas psicofisiológicas do indi- de admissibilidade, conheço do recurso víduo diante da realidade que o cerca e ordinário. nas diversas relações intersubjetivas, ine- xistindo parâmetros exatos para valorar MÉRITO os sentimentos ou reações de cada pes- soa. Portanto, a análise técnica realiza- PRESCRIÇÃO da por médico, psicólogo ou profissional habilitado se mostra mais expressiva do A recorrente repisa os termos da con- que as concepções obtidas por insipien- testação e postula a pronúncia da prescri- tes na área. No caso em tela, a perícia ção total, indicando como marco inicial aponta de modo enfático as angústias o ano de 2005, ocasião em que a recorri- psicológicas debilitantes da saúde men- da teve ciência de sua doença, conforme tal da autora decorrentes das relações in- confessa à fl. 24. tersubjetivas no âmbito laboral. Sobre a questão, a Exma. Juíza sen- tenciante firmou as seguintes razões de RELATÓRIO convencimento: A Exma. Juíza MARTHA FRANCO DE “No presente caso, não decorreu o AZEVEDO, em exercício na 21ª Vara do prazo prescricional, porque a demanda Trabalho de Brasília/DF, julgou parcial- versa sobre doença psiquiátrica que re- mente procedentes os pedidos formula- sultou em afastamento previdenciário da dos na reclamação trabalhista movida Reclamante no período de 2005 a 2009 e por MÁRCIA HELENA DE MELLO COSTA há nos autos, laudo de perícia médica re- em desfavor da PETROBRAS DISTRIBUI- alizado nos autos de ação acidentária na DORA S/A (fls. 550/566 e 577/578). Justiça Comum datado de 12/11/2010 Recurso ordinário da reclamada (fls. (fls. 379/382), sendo portanto, que a ci- 580/593). ência inequívoca ocorreu no quinquênio que antecede a propositura da presente. Juízo prévio de admissibilidade (fl. Assim, não há falar em prescrição. 598). Rejeito.” Dispensada a remessa dos autos ao Rev. do Trib. Reg. Trab. 10ª Região, Brasília, v. 20, n. 2, 2016
133 Como bem ressaltado pelo Juízo mo- bora já se sentisse incapacitado, a recla- nocrático, para a teoria da actio nata, o mante somente obteve dos órgãos téc- marco inicial do fenômeno prescricional nicos a confirmação inequívoca da sua coincide com o momento em que a par- incapacidade laboral no dia 12/11/2010. te que teve seu patrimônio lesado pode Nesse contexto, o termo inicial da pedir a reparação com o amparo do Es- prescrição é a data da assinatura do lau- tado. do pericial, nos exatos contornos das Sú- Com o advento da EC nº 45/2004, por mula 230 do STF e 278 do STJ. meio da qual se definiu a competência Na linha deste entendimento: da Justiça do Trabalho para processar e julgar as demandas envolvendo aciden- “1. (...) 2. “PRESCRIÇÃO. ACIDENTE DE te do trabalho, tem-se que a prescrição TRABALHO. INDENIZAÇÃO. MARCO INI- incidente é a prevista no artigo 7º, XXIX, CIAL. CIÊNCIA INEQUÍVOCA DA LESÃO da CF, não prosperando a pretensão de POSTERIOR À EMENDA 45/2004. Essa aplicação da prescrição decenal. Corte, em linha com precedentes do STJ Quanto ao termo inicial do curso da e do STF, fixou entendimento no senti- prescrição nas ações acidentárias, as Sú- do de que a prescrição incidente sobre mulas nº 230 do Supremo Tribunal Fede- a pretensão de indenização decorrente ral e nº 278 do colendo Superior Tribunal de doença ou acidente do trabalho tem de Justiça estabelecem que: seu marco inicial na ciência inequívoca “Súmula 230 do STF. da extensão das lesões suportadas pelo A prescrição da ação de acidente do trabalhador. Na hipótese, o empregado trabalho conta-se do exame pericial que teve ciência inequívoca de sua lesão em comprovar a enfermidade ou verificar a 19/07/2006, após, portanto, a publica- natureza da incapacidade.” ção da referida emenda constitucional. Logo é aplicável ao caso a prescrição “Súmula 278 do STJ. trabalhista prevista no artigo 7º, XXIX, O termo inicial do prazo prescricional, da Constituição Federal. Considerando na ação de indenização, é a data em que que a ciência inequívoca da lesão ocor- o segurado teve ciência inequívoca da in- reu em 19/07/2006, e a demanda traba- capacidade laboral.” lhista foi ajuizada em 14/07/2011, bem como o contrato de trabalho foi rescindi- No caso vertente, incontestável que a do em 02.06.2011, não foi ultrapassado enfermidade da reclamada ficou defini- o prazo quinquenal aplicável, nem mes- tivamente confirmada em 12/11/2010, mo o prazo de dois anos da extinção do conforme laudo de perícia médica rea- contrato de trabalho, não havendo que lizado nos autos de ação acidentária na se falar em prescrição. Precedentes da Justiça Comum (fls. 379/382). SBDI-1. Conhecido e provido” (TST, 5ª T., Da inteligência das súmulas retro, em- RR 737-91.2011.5.04.0030, EMMANOEL, Rev. do Trib. Reg. Trab. 10ª Região, Brasília, v. 20, n. 2, 2016
134 j. 30/4/2014, DEJT 9/5/2014). 3. DANO Cherman, concluiu que a Reclamante MORAL. CARACTERIZAÇÃO. INDENIZA- era portadora de distúrbios psiquiátri- ÇÃO. O dano moral emerge da conduta cos e em que pese não pudessem con- omissiva ou comissiva que resultar em firmar que tais distúrbios tenham sido gravame à honra subjetiva do trabalha- originados pelas atividades laborativas dor. No terreno das relações de trabalho, pregressas, “pelo discurso coerente evidenciado fato danoso, com potencial apresentado pela pericianda” na- lesão à honra subjetiva da parte hipossu- quela perícia, concluíram que a doen- ficiente, impõe-se a reparação do dano ça psiquiátrica pode ter sido agravada por simples medida de efetividade jurí- pelas condições relatadas como ocor- dica (CF, art. 5º, incisos V e X). Recurso ridas no ambiente de trabalho. desprovido.” (Processo 01356-2012-011- O laudo foi acatado pelo magistra- 10-00-1 RO, Acórdão 1ª Turma, Relator do sentenciante naqueles autos (fls. Juiz Antônio Umberto de Souza Júnior; 134/137) que julgou parcialmente pro- Publicado em 3/7/2014 no DEJT) cedente o pedido e condenou o INSS na obrigação de converter o auxílio- Assim entendido, o prazo prescricio- doença previdenciário, espécie B-31 nal iniciou-se em 12/11/2010, sendo em seu equivalente acidentário, es- certo que a presente ação foi ajuizada pécie B-91, diante do reconhecimen- em 26/5/2014, ou seja, dentro do prazo to da natureza ocupacional das enfer- previsto no inciso XXIX do artigo 7º da midades incapacitantes, valendo-se Constituição Federal. da constatação dos peritos de que as Nego provimento. queixas da autora seriam decorrên- cia das “dificuldades enfrentadas ao DOENÇA. NEXO CAUSAL. longo da sua vida produtiva, desen- cadeadas pelas exigências pessoais A recorrente postula a reforma da de- de competência, pelo excesso de cisão de piso, asseverando a inexistência responsabilidades e pelo acúmulo de nexo causal entre as atividades labo- de tarefas laborais”, frisando que a rais e a enfermidade que acometeu a re- conclusão tem por premissa o princí- corrida. pio in dubio pro misero, em atenção O juízo monocrático, em suas razões à jurisprudência firmada pelo Tribunal de convencimento, asseverou que: de Justiça do Distrito Federal. Nestes autos, para a prova técnica, “Laudo de perícia médica nos autos foi nomeada a médica psiquiatra Ma- do processo 2009.01.1.041086-5, que tra- ria Otília Costard Villanova, que com mita na Vara de Ações Previdenciárias do base na análise da documentação re- Distrito Federal, elaborado pelos peritos ferente à Reclamante, sua anamnese, Cláudia Nara C. B. Mainieri e Alexandre as provas dos autos e o exame peri- Rev. do Trib. Reg. Trab. 10ª Região, Brasília, v. 20, n. 2, 2016
135 cial, conclui que existe o nexo causal en- há provas nos autos acerca da rotina de tre a moléstia e o modo de desempenho trabalho da Reclamante e que o laudo se do trabalho na Reclamada (laudo – fls. respaldou na narrativa da própria peri- 511/526). cianda. Sustenta que a perita fugiu à mis- Quanto à capacidade laborativa, dis- são que lhe foi incumbida, que era so- corre em resposta aos quesitos que em- mente realizar a análise técnica dos fatos bora a Reclamante tenha experimentado e não, fazer julgamento da demanda. redução total da capacidade laborativa Considero que a impugnação não tem no ápice das patologias apresentadas, procedência. quando se afastou em gozo de benefício Trata-se de perícia em psiquiatria e previdenciário, no momento presente como a própria perita pontuou, depende está restabelecida e trabalhando na em- de análise de sentimentos, sendo as do- presa, ainda que em menor escala tenha enças psíquicas invisíveis, fazendo parte seus sentidos psíquicos comprometidos. do mundo “anímico”, por tal razão, a va- A perita conclui pelos diagnósticos loração profissional do comportamento de depressão e traços de TOC (Transtor- do superior hierárquico da Reclamante no Obsessivo Compulsivo) e estabelece merece consideração, não fugindo do o nexo causal por considerar sobretudo caráter técnico da perícia. o relacionamento com o gerente Mila- Por outro lado, ainda que não conside- ne, citando trecho da prova testemunhal re comprovados todos os fatos descritos produzida pela própria Reclamada nos na inicial, referentes à suposta persegui- autos, valorando o conflito entre a Re- ção pelo chefe, verifico que há elemen- clamante e o superior hierárquico como tos que demonstram que a Reclamante fator decisivo para a eclosão da doença, foi submetida não só ao tratamento au- identificando traços de autoritarismo do toritário vislumbrado pela perita, como Sr. Milane na fala da testemunha Valdir também a situações de estresse, pelo ex- de Sousa Soares, quando disse que “o cesso de trabalho, prática de horas ex- que incomodava o gerente eram as tras, imposição e cobrança de metas, do ideias que a reclamante tinha em relação que resultou afastamento pelo INSS de a determinado assunto, quando ele não 2005 a 2009. aceitava, ela insistia e era muito incisiva E não houve defesa específica sobre e não abria mão da própria ideia, como todos os aspectos trazidos na inicial, ele era o Gerente impunha sua vontade”. como fundamentos fáticos do pedido. A conclusão também levou em conta A Reclamante relata na inicial que os laudos médicos em anexo, transcre- além da desorganização empresarial, vendo trechos em que a Reclamante re- dada a ausência de rotinas bem defini- latou em 2003 problemas de relaciona- das, ao ser transferida para Brasília, pas- mento com o chefe. sou a acumular funções, que exigiam O laudo pericial foi impugnado pela inúmeras rotinas operacionais, em meio Reclamada, ao fundamento de que não Rev. do Trib. Reg. Trab. 10ª Região, Brasília, v. 20, n. 2, 2016
136 a tomada de decisões de ordem estraté- determinante da manifestação da pato- gica, com jornadas elevadas de trabalho, logia. Em outros casos, a anomalia pode cobranças por tarefas que muitas vezes ser preexistente ou oculta, sendo as con- dependiam de outras áreas que não se dições de trabalho as responsáveis pelo comunicavam adequadamente e por afloramento precoce. isso, os erros acabavam afetando o tra- Há hipóteses em que não se configu- balho de sua gerência, o que foi causa do ra o acidente do trabalho típico, descrito aparecimento dos sintomas de estresse, no artigo 19 da Lei nº 8.213/91, mas sim como hipertensão e depressão e a partir por equiparação da doença profissional daí, dada a necessidade de tratamento e da doença do trabalho previstas no ar- de saúde, passou a ser submetida a per- tigo 20, incisos I e II, assim entendidas as seguições pelo gerente Milane. adquiridas ou desencadeadas pelo exer- (...) cício peculiar a determinada atividade Adoto a conclusão da perícia realizada ou em função de condições especiais em nestes autos e em complemento, a perí- que o trabalho é realizado e com ele se cia na ação acidentária, os laudos médi- relacione diretamente. cos acostados aos autos, a classificação No que interessa diretamente, o inciso da doença pelo código 91, por força de I do art. 21 da Lei 8.213/91, ao tratar da decisão judicial na ação acidentária e por equiparação ao acidente do trabalho, as- fim, a prova testemunhal produzida pela sim dispõe: própria Reclamada, junto aos aspectos de defesa e depoimento pessoal da pre- “ I – o acidente ligado ao trabalho que, posta da Reclamada, que permitem que embora não tenha sido a causa única, se conclua pela incúria da Reclamada. haja contribuído diretamente para a mor- Houve culpa, demonstrada por docu- te do segurado, para redução ou perda mentos, testemunhas e perícias, aliada da sua capacidade para o trabalho, ou ao nexo causal estabelecido perito médi- produzido lesão que exija atenção médi- co oficial, em decorrência das falhas no ca para a sua recuperação”. período de adoecimento da Reclamante. O dano consistiu no adoecimento e Trata o texto legal da chamada con- afastamento prolongado da Reclamante causa, assim definida como outra causa ao longo de quatro anos, ainda que re- que associada à principal, concorre para o resultado. Pode ser concomitante, pre- cuperada a capacidade laborativa.” (fls. existente ou superveniente. 551/562) A previsão legal tem suporte no fato de que as doenças ocupacionais podem Vejamos. decorrer de múltiplos fatores, sem dis- Ressaem dos estudos e casos de do- pensar, contudo, a presença da causa enças ocupacionais examinados que, em principal de origem ocupacional. algumas delas, o trabalho é o único fator A doença ocupacional equiparável a Rev. do Trib. Reg. Trab. 10ª Região, Brasília, v. 20, n. 2, 2016
137 acidente de trabalho, desencadeada no ga análise psicológica da empregada, curso do contrato de trabalho, dá ao tra- conforme laudo de fls. 511/526, aliada balhador o direito à garantia de empre- à conclusão alcançada em outro laudo go, bastando para isso a verificação do pericial acima citado. nexo causal. Para rechaçar possíveis questiona- O laudo médico pericial confirma a mentos, insta salientar que o juiz não ocorrência de moléstia profissional e é está adstrito à conclusão do laudo téc- conclusivo ao demonstrar o nexo de cau- nico, porquanto a referida prova tam- salidade com as atividades laborais de- bém se submete ao sistema da per- sempenhadas, conforme declina às fls. suasão racional (art. 479/CPC-2015). 519/520, nos seguintes termos: Todavia, não havendo outro elemento de prova apto a invalidar ou descons- “Faz-se interessante transcrever par- tituir a conclusão do laudo técnico te das anotações de seu psiquiatra, DR. apresentado, este deve prevalecer. Márcio Drago, CRM, DF-10037 quando Ademais, interpretações pessoais de sua primeira consulta, aos 5/11/2003 versadas no recurso não alteram o onde feita a anamnese, fls. 94, frente e contexto probatório acima retratado, verso:...”Diz ter problemas de relaciona- tampouco há como reverter a valora- mento com o chefe. ...Morte súbita da ção dos depoimentos. mãe há 3 meses. ...Acha-se inflexível; Vale ressaltar que a produção da sem meio termo. Faz com que bata de prova visa influenciar a formação do frete com pessoas. Em casa cede para convencimento do juiz acerca de de- não brigar com o marido. Não concorda terminado aspecto da causa. Logo, fi- com injustiça e com preconceitos. Sofre gurando o julgador como o destinatá- pelos outros. ...não gosta de coisas ines- rio desta, possui o poder de aceitá-la peradas.” ou recusá-la quando já convicto, por Diagnósticos: Depressão e traços de outros elementos probatórios, sobre a TOC. existência de fatos relevantes para di- Prescrito: Procimax 20mg (antidepres- rimir a lide, já que reinante o princípio sivo), 1 comprido à noite.” da livre persuasão racional ou do livre convencimento motivado do juiz. E conclui: Por todo exposto, mantenho a sen- tença prolatada. “Diante do exposto concluo que existe Nego provimento. nexo causal entre a Depressão da Pericia- da e seu Labor.” DANO EXISTENCIAL. DANO MORAL. Como se depreende as conclusões da A recorrente se insurge contra o perita estão em consonância com a lon- deferimento do dano existencial e do Rev. do Trib. Reg. Trab. 10ª Região, Brasília, v. 20, n. 2, 2016
138 dano moral, sustentando basicamente a sua saúde mental.” inexistência de prova quanto ao rigor ex- cessivo no âmbito profissional a impingir- No que se refere ao dano moral lato lhe os aludidos danos. sensu, convém esclarecer que sua con- Ao analisar a questão, a Exma. Juíza ceituação tem evoluído no decurso dos sentenciante concluiu pelo deferimento séculos, merecendo várias conotações, das indenizações decorrentes dos da- admitindo-se há pouco tempo a reper- nos existenciais (R$10.000,00) e morais cussão moral de um prejuízo advindo de (R$30.000,00), asseverando em suas ra- ação ou omissão causado por outrem. zões de convencimento: O Código Civil, em seu artigo 186, dis- põe que: “Tratarei dos danos morais no mesmo tópico dos danos existenciais, porque a “Aquele que, por ação ou omissão descrição fática da inicial que embasa os voluntária, negligência ou imprudên- dois pedidos tem um único fato gerador cia, violar direito e causar dano a ou- como causa, em que pese os danos mo- trem, ainda que exclusivamente moral, rais sejam de cunho subjetivo e os danos comete ato ilícito” (Texto em destaque). existenciais tenham um aspecto objetivo. Ainda que não tenha identificado uma O prejuízo moral ocorre na esfera da situação de assédio moral, concluo que subjetividade e se traduz em sentimento o modo de trabalho e omissões do em- de pesar íntimo do ofendido, capaz de pregador ensejaram o adoecimento da gerar prejuízo ao aspecto afetivo ou so- Reclamante. cial do seu patrimônio moral. Da temporária e total redução da ca- Por dano existencial (também chama- do de dano ao projeto de vida ou preju- pacidade laborativa da Reclamante, ainda que recuperada, no tocante aos dice d’agrément — perda da graça, do transtornos de ordem psicológica/psiqui- sentido) compreende-se toda lesão que átrica, resulta dano moral, posto que o compromete a liberdade de escolha e sofrimento foi identificado como decor- frustra o projeto de vida que a pessoa rente de circunstâncias em que o traba- elaborou para sua realização como ser lho foi desempenhado. humano. Diz-se existencial exatamen- E o dano moral, no presente caso, tem te porque o impacto gerado pelo dano também cunho existencial, porque a do- provoca um vazio existencial na pessoa, ença relatada compreendeu um transtor- que perde a fonte de gratificação vital no na vida da empregada, privando-a do (BEBBER, Júlio César. Danos extrapatri- convívio social, familiar ou profissional, moniais - estético, biológico e existencial pelos quatro anos de afastamento do tra- — breves considerações. Revista LTr: Le- balho em gozo de benefício previdenci- gislação do Trabalho, São Paulo, volume ário para tratamento e recuperação de 73, nº 1, 2009, página 28). Rev. do Trib. Reg. Trab. 10ª Região, Brasília, v. 20, n. 2, 2016
139 A proteção à honra encontra amparo espiritual da pessoa. Identifica-se, assim, na Constituição Federal, sendo assegu- o dano moral com a dor, em seu sentido rado o direito de resposta, proporcio- mais amplo, englobando não apenas a nal ao agravo, além de indenização por dor física, mas também os sentimentos dano material, moral ou à imagem, nos negativos, como a tristeza, a angústia, termos do artigo 5º, inciso V. a amargura, a vergonha, a humilhação. Preceitua, ainda, o inciso X do mes- A destinação da indenização do dano mo dispositivo constitucional que: “são moral como do dano existencial é exa- invioláveis a intimidade, a vida privada, tamente ressarcir o prejuízo íntimo de- a honra e a imagem das pessoas, as- corrente de ato injusto. Porém, este pre- segurado o direito à indenização pelo juízo íntimo deve ser evidente a ponto dano material ou moral decorrente de de destacar-se das frustrações e decep- sua violação”. ções do cotidiano. De forma genérica, podemos abstrair Não é outra a razão pela qual a in- que a violação de direito e o dano, in- denização por danos morais tem supor- clusive o dano moral, decorrem de ato te na concepção de que o pagamento ilícito. não é reparatório, mas busca minorar os Segundo Jorge Bustamante Alsina: efeitos destrutivos da conduta imprópria do agente lesante. “Pode-se definir o dano moral como No caso, a perícia aponta de modo a lesão aos sentimentos que determina enfático as angústias psicológicas debi- dor ou sofrimentos físicos, inquietação litantes da saúde mental da autora de- espiritual, ou agravo às afeições legíti- correntes das relações intersubjetivas mas e, em geral, a toda classe de pade- no âmbito laboral. cimentos insuscetíveis de apreciação Mesmo que os depoimentos testemu- pecuniária.” (ALSINA, Jorge Bustaman- nhais não sejam meticulosos quanto à te. Teoria General de La Responsabili- rigidez no trato pessoal do chefe com dad Civil. 1993, p. 97). a empregada, convém ressaltar a afir- mação da testemunha da reclamada, VALDIR DA SILVA SOARES, de que “nos Para Sílvio Rodrigues, dano moral 2 últimos anos eles [Gerente MILANE e é “a dor, a mágoa, a tristeza infligida a reclamante] já não vinham se dando injustamente a outrem” (RODRIGUES, muito bem, com o relacionamento um Sílvio. Direito Civil. Responsabilidade pouco deteriorado” e que “Acredita Civil. 1989. Volume 4, página 206). que a reclamante tenha ficado sobre- Enfim, ao analisar o conteúdo do carregada de atribuições, em períodos dano moral, a doutrina apresenta defi- específicos com demandas específicas nições que têm, em comum, a referên- da própria empresa,por exemplo, exis- cia ao estado anímico, psicológico ou tiu o programa de implantação de um Rev. do Trib. Reg. Trab. 10ª Região, Brasília, v. 20, n. 2, 2016
140 novo sistema. Neste período, as deman- da justiça gratuita é a simples afirmação das eram muito grandes, e o depoente da parte de que não está em condições acha que isso acarretou uma sobrecarga de pagar as custas do processo. de trabalho não só para a reclamante, Na peça vestibular, a reclamante de- mas para todos os empregados” (fl. 558). clarou sua condição de hipossuficiência, Logicamente, a idiossincrasia ditará as que ensejou o deferimento da justiça respostas psicofisiológicas do indivíduo gratuita. diante da realidade que o cerca e nas Nego provimento. diversas relações intersubjetivas. Desse modo inexiste parâmetros exatos para CONCLUSÃO valorar os sentimentos ou reações de cada pessoa. Em face do exposto, conheço do re- Portanto, a análise técnica realizada curso ordinário e, no mérito, nego-lhe por médico, psicólogo ou profissional provimento, nos termos da fundamenta- habilitado se mostra mais expressiva do ção. que as concepções obtidas por insipien- tes na área ou mesmo outros indivíduos Por tais fundamentos, que, mesmo trabalhando no mesmo lo- ACORDAM os Desembargadores da cal e nas mesmas condições, tiveram re- Primeira Turma do Tribunal Regional do ações diversas. Trabalho da Décima Região, em sessão Neste patamar de ideias, mantenho a realizada na data e nos termos da res- condenação. pectiva certidão de julgamento, aprovar Nego provimento. o relatório, conhecer do recurso ordiná- rio e, no mérito, negar-lhe provimento, JUSTIÇA GRATUITA nos termos do voto do Desembargador Relator. Ementa aprovada. A recorrente se insurge contra o defe- rimento da gratuidade da justiça à recor- rida. Brasília/DF, 10 de outubro de 2016 (data Assevera que a autora não preencheu do julgamento). os requisitos legais para a sua concessão. Vejamos. assinado digitalmente A Constituição Federal, em seu artigo DORIVAL BORGES 5º, inciso LXXIV, estabelece como obriga- Desembargador Relator ção do Estado a prestação jurídica inte- gral e gratuita aos que comprovarem in- suficiência de recursos. Pelo artigo 4º da Lei nº 1.060/1950, o único requisito legal exigido para a concessão das benesses Rev. do Trib. Reg. Trab. 10ª Região, Brasília, v. 20, n. 2, 2016
141 TRT 0000910-54.2013.5.10.0006 RO - ACÓRDÃO RELATOR : DESEMBARGADOR DORIVAL EMENTA: RECURSO ORDINÁRIO. BORGES DE SOUZA NETO AÇÃO CIVIL PÚBLICA. COMPETÊN- REVISORA : DESEMBARGADORA ELAINE MA- CIA TERRITORIAL ABSOLUTA. LOCAL CHADO VASCONCELOS DO DANO. ABRANGÊNCIA SUPRAR- RECORRENTE : TRANSPORTES GERAIS BOTA- REGIONAL. OJ Nº. 130 DA SDI-2 FOGO LTDA DO C. TST. NOVA REDAÇÃO. LEI nº ADVOGADO : RENATO MANUEL DUARTE 7.347/1985, ART. 2º. CÓDIGO DE DE- COSTA FESA DO CONSUMIDOR, ART. 93. “I A RECORRENTE : MINISTERIO PUBLICO DA competência para a Ação Civil Pública UNIAO fixa-se pela extensão do dano. II – Em **PROCURADOR: DANIELA LANDIM PAES caso de dano de abrangência regional, LEME RECORRIDO : OS MESMOS que atinja cidades sujeitas à jurisdição ORIGEM : 6ª VARA DO TRABALHO DE BRA- de mais de uma Vara do Trabalho, a SÍLIA/DF competência será de qualquer das va- CLASSE ORIGINÁRIA: Ação Civil Pública ras das localidades atingidas, ainda (JUIZA ROBERTA DE MELO CARVALHO) que vinculadas a Tribunais Regionais Rev. do Trib. Reg. Trab. 10ª Região, Brasília, v. 20, n. 2, 2016
142 do Trabalho distintos. III – Em caso de abrangência sobre determinado grupo dano de abrangência suprarregional ou de trabalhadores, no caso da Justiça do nacional, há competência concorrente Trabalho, e a territorialidade alcançada para a Ação Civil Pública das Varas do pela prática do ofensor. Constatada a fi- Trabalho das sedes dos Tribunais Regio- xação da indenização em patamar razoá- nais do Trabalho. vel, considerando a atuação da empresa IV – Estará prevento o juízo a que a a nível nacional e o seu porte financeiro, primeira ação houver sido distribuída.” mantém-se a condenação. (redação alterada na sessão do Tribunal Pleno realizada em 14.09.2012) – Res. RELATÓRIO 186/2012, DEJT divulgado em 25, 26 e 27.09.2012. 2. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. A Exma. Juíza Roberta de Melo Carva- MOTORISTAS PROFISSIONAIS. DESRES- lho, da MM. 6ª Vara do Trabalho de Brasí- PEITO À LEGISLAÇÃO GERAL E À LEGIS- lia-DF, por intermédio da sentença de fls. LAÇÃO ESPECIAL (LEI Nº 12.619/2012 E 7.138/7.147, complementada pela deci- LEI Nº 13.103/2015). DANO MORAL CO- são de fls. 7.165/7.168, proferida em em- LETIVO. REPARAÇÃO. A reparação por bargos declaratórios, julgou parcialmen- dano moral, seja individual ou coletivo, te procedentes os pedidos apresentados tem por escopo: a) a compensação do na ação civil pública movida pelo MINIS- dano sofrido pela vítima ou pelo grupo TÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO contra ou comunidade, b) a atribuição de uma TRANSPORTES GERAIS BOTAFOGO LTDA. sanção ao agente e c) a prevenção à rei- A ré interpõe recurso ordinário às fls. teração de atos que atinjam bens essen- 7.174/7.191. ciais e inerentes ao indivíduo, ao grupo Comprovado o recolhimento das cus- social ou a sujeitos indeterminados. O tas processuais e do depósito recursal à desrespeito à legislação geral inserida fl. 7.175. na Constituição Federal e na CLT, assim O autor apresentou contrarrazões às como à legislação especial expressa nas fls. 7.206/7.233 e recurso ordinário às fls. Leis nº 12.619/2012 e 13.103/2015, refe- 7.234/7.243. rentes à jornada de trabalho dos motoris- Contrarrazões pela ré às fls. tas profissionais, por empresa de grande 7.247/7.250. porte e de atuação em todo o território Figurando o Ministério Público no pólo nacional, caracteriza o dano moral co- ativo da demanda, não há que se falar letivo e, por consequência, o dever de em emissão de parecer. reparação, o que se faz mediante inde- nização. Na esfera coletiva, dois fatores V O T O são primordiais à fixação da indenização: a) o porte econômico do agente e b) a ADMISSIBILIDADE extensão do dano, assim considerada a Rev. do Trib. Reg. Trab. 10ª Região, Brasília, v. 20, n. 2, 2016
143 RECURSO. INTEMPESTIVIDADE. caberia ao autor arguir a nulidade dos autos em sua peça recursal, em especial O autor suscita o não conhecimento diante da afirmação que aquelas preju- do recurso ordinário do réu, por intem- dicariam seu próprio recurso. Entretanto, pestivo. embora tenha repisado o tema quanto à Proferidos os embargos declaratórios tempestividade, não alegou qualquer nu- de fls. 7.165/7168, o juízo determinou a lidade. intimação das partes, o que foi feito à fl. De outro modo, ainda que se reco- 7.169, em relação ao réu. nheça que os atos processuais não foram À fl. 7.170 consta o mandado de in- praticados corretamente, não poderiam timação para o Ministério Público, cons- prejudicar a ré que a eles não deu causa. tando expressamente a remessa em ane- Por fim, não se vislumbrando prejuízo xo dos autos. Referido ato foi praticado a qualquer das partes, ao amparo do ar- em 10/03/2015. tigo 794 da CLT e do princípio da instru- Em 16/03/2015, a ré requereu a reno- mentalidade das formas, não é o caso de vação da intimação com devolução do refazer tais atos. prazo porque os autos estavam com o Assim posto, rejeito a preliminar. autor, o que foi certificado à fl. 7.171 e deferido à fl. 7.172. Publicado o despa- Atendidos os demais pressupostos ob- cho em 16/04/2015, o autor protocolou jetivos e subjetivos de admissibilidade, seu recurso em 22/04/2015, dentro do conheço dos recursos ordinários. octídio legal. Nesse contexto não prospera, por des- MÉRITO cabida, toda a argumentação do Ministé- rio Público acerca da intimação via pos- RECURSO DO RECLAMADO tal ao autor e seus efeitos, assim como a ausência de assinatura e carimbo do COMPETÊNCIA TERRITORIAL. Procurador do Trabalho, o que não ca- racterizaria a intimação pessoal prevista Embasado na OJ 130, II, do C.TST, o ju- em lei, bem como a ausência de indica- ízo originário firmou a competência des- ção na certidão de fl. 7.172 da data da te Regional para apreciar a lide, contra retirada dos autos. o que se insurge a ré, alegando que esta Indene de dúvidas que os autos não competência limita-se às linhas contrata- estavam na Secretaria do Juízo quando a das pela ECT que iniciem ou terminem ré os requisitou. A ausência de data na no Distrito Federal. Alega incompetência certidão supre-se pelo mandado de in- territorial para análise daquelas que di- timação de fl. 7.172 em que consta ex- zem respeito aos trechos RIO/RECIFE/ pressamente a remessa dos autos. Se tais RIO; SÃO PAULO/RECIFE/SÃO PAULO e falhas fossem efetivamente prejudiciais, RIO/GOIÂNIA/RIO. Rev. do Trib. Reg. Trab. 10ª Região, Brasília, v. 20, n. 2, 2016
144 Invoca em seu proveito a novel reda- Justiça Federal, é competente para a ção da OJ º. 130 da SDI-2 do c. TST, in causa a justiça local: verbis: I - no foro do lugar onde ocorreu ou deva ocorrer o dano, quando de âm- “OJ-SDI2-130 AÇÃO CIVIL PÚBLICA. bito local; COMPETÊNCIA. LOCAL DO DANO. LEI nº II - no foro da Capital do Estado ou 7.347/1985, ART. 2º. CÓDIGO DE DEFESA no do Distrito Federal, para os danos DO CONSUMIDOR, ART. 93 (redação alte- de âmbito nacional ou regional, apli- rada na sessão do Tribunal Pleno realiza- cando-se as regras do Código de Pro- da em 14.09.2012) – Res. 186/2012, DEJT cesso Civil aos casos de competência divulgado em 25, 26 e 27.09.2012 concorrente.” (Lei nº. 8.078/1990 - I – A competência para a Ação Civil CDC) Pública fixa-se pela extensão do dano. II – Em caso de dano de abrangência De fato, esta é a razão da compe- regional, que atinja cidades sujeitas à ju- tência territorial, pois por ela prepon- risdição de mais de uma Vara do Traba- dera-se o interesse das partes no aces- lho, a competência será de qualquer das so aos meios do contraditório e da varas das localidades atingidas, ainda produção de provas, circunstância fa- que vinculadas a Tribunais Regionais do cilitada pelo processamento dos feitos Trabalho distintos. no local do fatos. III – Em caso de dano de abrangên- Este Colegiado já decidiu a questão: cia suprarregional ou nacional, há com- petência concorrente para a Ação Civil “EMENTA: AÇÃO CIVIL COLETIVA. Pública das Varas do Trabalho das sedes COMPETÊNCIA TERRITORIAL. DANO dos Tribunais Regionais do Trabalho. SUPRARREGIONAL. Para a fixação da IV – Estará prevento o juízo a que a pri- competência territorial da ação civil meira ação houver sido distribuída.” coletiva deve ser observada a exten- são do dano causado ou a ser repara- Eis a disciplina legal, no que concerne do (art. 2º da Lei nº 7.347/85). Assim, à relação entre a competência e a locali- tratando-se de dano de abrangência dade do dano: suprarregional, o foro competente para o processamento do feito é de “Art. 2º As ações previstas nesta Lei qualquer uma das Varas do Trabalho serão propostas no foro do local onde das sedes do Tribunais Regionais en- ocorrer o dano, cujo juízo terá compe- volvidos (inteligência da OJSBDI2 nº tência funcional para processar e julgar a 230 do TST) [...] A magistrada de ori- causa.” (Lei nº. 7.347/1985 - LACP) gem declinou, de ofício, de sua com- petência para julgar a presente ação “Art. 93. Ressalvada a competência da civil coletiva, com a seguinte motiva- Rev. do Trib. Reg. Trab. 10ª Região, Brasília, v. 20, n. 2, 2016
145 ção (fls. 863/865): ‘Por certo, este não é qualquer Tribunal Regional do Trabalho o foro competente para o ajuizamento do País para julgar a presente ação, haja da presente demanda. É que, como bem vista a extensão do dano ser nacional, ressaltam os autores na peça de ingres- bem como pretendem que esta ação seja so, a Orientação Jurisprudencial nº 130, redistribuída, por prevenção, perante a da SBDI-2, TST teve sua redação modifi- 4ª Vara do Trabalho de Brasília, em face cada (...). A Orientação Jurisprudencial de ajuizamento anteriormente de ação é cristalina ao dispor que a competência pelo Sindicato dos Bancários de Brasília. para a Ação Civil Pública é o local onde Vejamos. O objeto da ação civil coletiva ocorreu o dano, fixado pela sua exten- é de ampla extensão e consiste na prote- são (inciso I). Exsurge do teor da referida ção de interesses ou direitos metaindivi- Orientação Jurisprudencial que, no caso duais lato sensu (difusos, coletivos e indi- de dano de abrangência suprarregional viduais homogêneos), concernentes, em ou nacional, a competência é das Varas geral, a sujeitos indeterminados. Assim, do Trabalho das sedes dos Tribunais Re- para a fixação da competência territorial gionais do Trabalho. No entanto, a Orien- da aludida ação deve ser observada a tação Jurisprudencial deve ser interpre- extensão do dano causado ou a ser re- tada em seu conjunto e, nesse caso, a parado, conforme preceitua o art. 2º da conclusão a que se chega é que são con- Lei nº 7.347/85, (...) Aliás, a propositura correntemente competentes as Varas dos da ação coletiva no local do dano se jus- Tribunais Regionais do Trabalho localiza- tifica, pois visa privilegiar o acesso juris- dos onde ocorreu o dano. (...) com nova dicional perante o Juiz que se encontra redação da OJ, foi excluída a menção mais próximo do conflito, que, por co- outrora feita à competência do Distrito nhecer os fatos, melhores condições pos- Federal, em caso de dano suprarregional sui para conhecer e julgar a ação. Nessa ou nacional. Portanto, a interpretação mesma sintonia, o art. 93 do CDC (...) Por ao teor da Orientação Jurisprudencial outro lado, o TST, em recente sessão do retrotranscrita deve considerar, em caso Tribunal Pleno, realizada em 14/9/2012, de dano suprarregional ou nacional, a alterou a redação da OJSBDI2 nº 130 (...) competência concorrente das Varas dos Nesse sentir, examino o caso em espécie. TRTs dos locais onde o dano efetivamen- (...) a tutela perseguida na presente ação te ocorreu. Se não houve dano no âm- alcança, conforme pedido deduzido na bito do Distrito Federal, não há que se inicial, apenas os funcionários do Banco reconhecer sua competência sob pena do Brasil pertencentes à base territorial de se tornar inócua a nova redação da de cada sindicato participante do polo OJ. (...) Em suas razões recursais, os au- ativo. Nesse cenário, ao contrário do tores sustentam, com fulcro na OJSBDI2 alegado, entendo que o suposto dano a nº 130 do TST, a competência territorial ser reparado se revela de abrangência de qualquer Vara do Trabalho da sede de suprarregional. Desse modo, consideran- do o entendimento consubstanciado no Rev. do Trib. Reg. Trab. 10ª Região, Brasília, v. 20, n. 2, 2016
146 item III da citada orientação jurispruden- suposto dano é de abrangência suprar- cial, o foro competente para o processa- regional, razão pela qual deve ser apli- mento do feito é de qualquer uma das cado o entendimento perfilhado no item Varas do Trabalho das sedes do Tribunais III da Orientação Jurisprudencial n° 130 Regionais envolvidos, e não do Distrito da SBDI-2, segundo o qual a competên- Federal. Por oportuno, transcrevo deci- cia é de qualquer uma das varas do Tra- são similar da SBDI2 do TST, prolatada balho das sedes dos Tribunais Regionais pelo Ministro Caputo Bastos, na qual se envolvidos. (...) Ora, tal como salientou a examina, à luz da nova redação da OJSB- suscitante, o processamento da ação em DI2 nº 130, conflito de competência nos uma das varas do Trabalho do Distrito Fe- autos de ação civil coletiva (CC - 7393- deral inviabilizaria a produção de provas 68.2011.5.00.0000, DEJT 23/11/2012), e a realização de diligências necessárias na hipótese de dano suprarregional: ‘(...) para a instrução do processo, bem como É cediço que, em se tratando de ação ci- para o deslinde da lide. Ora, o artigo 93, vil coletiva, a competência deve ser fixa- II, do 8.078/1990 não deve ser interpre- da com base na extensão do dano a ser tado no sentido de que a competência causado ou a ser reparado e, no caso em seria exclusiva das Varas do Distrito Fede- exame, é inconteste que este tem âmbito ral, na hipótese do dano ser suprarregio- suprarregional (...) Conforme informa o d. nal ou nacional. Isso porque, na hipótese Julgador suscitante, esta colenda Corte do dano ocorrer em dois Estados, enten- Superior, por meio da Orientação Juris- de-se que a competência é de qualquer prudencial 130 da SBDI-2, entendia que uma das Varas da sede dos Tribunais en- para ‘a fixação da competência territorial volvidos e não do Distrito Federal.(...)” em sede de ação civil pública, cumpre (Processo: 00137-2013-007-10-00-7 RO; tomar em conta a extensão do dano cau- Acordão 1ª Turma; Relator: Desembarga- sado ou a ser reparado, pautando-se pela dor Ricardo Alencar Machado ; Revisora: incidência analógica do art. 93 do Códi- Desembargadora Maria Regina Machado go de Defesa do Consumidor. Assim, se a Guimarães; Julgado em: 15/05/2013; extensão do dano a ser reparado limitar- Publicado em: 24/05/2013 no DEJT). se ao âmbito regional, a competência é de uma das Varas do Trabalho da Capital Assim examinado, diante da existência do Estado; se for de âmbito suprarregio- de dano de âmbito suprarregional, pelo nal ou nacional, o foro é o do Distrito Fe- que apurada sua incidência nesta jurisdi- deral’. Cumpre salientar, contudo, que, ção trabalhista, impõe-se reconhecer a na sessão do Tribunal Pleno, realizada competência da Vara do Trabalho origi- em 14.9.2012, esta Corte resolveu alterar nária. Não há que se falar em limitação a redação da supracitada Orientação Ju- da competência exclusivamente às linhas risprudencial (...) Desse modo, conforme da reclamada que comecem ou termi- acima salientado, no caso em análise o nem no Distrito Federal. Rev. do Trib. Reg. Trab. 10ª Região, Brasília, v. 20, n. 2, 2016
147 Nego provimento. dução do veículo não ultrapasse 10 ou 12 horas. Assegura, por fim, que seus CARGA HORÁRIA. CAUSA DE PE- motoristas cumprem a jornada legal DIR. LEI APLICÁVEL.LEIS 12.619/2012 E preconizada em lei. 13.103/2015. Peço vênia para transcrever a sínte- se da demanda, conforme delineado Em “preliminar”, a recorrente suscita na sentença: questão envolvendo a lei aplicável ao caso. Enquanto a sentença firmou-se em “Trata-se de Ação Civil Pública ajui- torno da Lei nº 12.619/2012 e aplicou- zada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO lhe multas - diária de R$5.000,00 e de TRABALHO em desfavor de TRANS- R$1.000.000,00 por dano moral coletivo PORTES GERAIS BOTAFOGO LTDA com -, a ré sustenta a aplicabilidade da Lei nº o objetivo de defender interesses indi- 13.103/2015 ao caso concreto, posto ter viduais homogêneos e coletivos, uma alterado o artigo 22, I, da lei anterior. Em vez que denuncia o desrespeito por consequência, entende que, proferida a parte da ré das disposições legais que sentença em 02/09/2014, as penaliza- disciplinam a jornada de trabalho dos ções contidas na Lei nº 12.619/2012 de- seus empregados – motoristas profis- vem ser convertidas em advertência. sionais - e da própria sociedade, ale- No mérito propriamente dito, alega gando, em síntese, que recebeu cópia que a sentença está fundamentada em de boletim de ocorrência da Polícia lei que não mais vigora, o que macula Rodoviária Federal que relatava que às a causa de pedir da ação proposta pelo 00:05 do dia 3.8.2010 durante aborda- Ministério Público, pois as regras em tor- gem a veículo da ré, conduzido pelo no da jornada de trabalho dos motoristas Sr. Moisés Noronha Calixto, foi consta- foram alteradas pela Lei nº 13.103/2015 tado que este estava conduzindo ve- que, em seu artigo 6º, deu nova redação ículo a serviço dos Correios com jor- ao artigo 135-C da CLT. nada de trabalho superior a 24 horas Segundo referido dispositivo, agora a e com apenas pouco mais de 2 horas jornada de motorista é de 08 (oito) ho- de descanso, o que originou a instau- ras, admitindo-se prorrogação de até 02 ração do Procedimento Preparatório (duas) horas com possibilidade de exten- contra a ré, que teve oportunidade de são até 04(quatro) horas; havendo ex- se manifestar. clusão do período de trabalho dos inter- Noticiou que foi instaurado Inquéri- valos para refeição, repouso, descanso to Civil n. 000332.2011.10.000/9 e que e tempo de espera, conforme se vê no em audiência (ata da fl.49/50) a recla- parágrafo primeiro. Afirma que a disposi- mada afirmou que presta serviços para ção do empregador por até 24 horas não os Correios e que possui veículos que acarreta horas extras, desde que a con- transitam por todo o território nacio- Rev. do Trib. Reg. Trab. 10ª Região, Brasília, v. 20, n. 2, 2016
148 nal; que os veículos são monitorados por certo mal entendido, diz respeito a equi- GPS durante todo o percurso; que todos vocada interpretação de que antes da lei os veículos possuem tacógrafo; que, ge- especial, os motoristas não eram agra- ralmente, a empresa designa um motoris- ciados pela limitação de jornada, direito ta para cada linha, independentemente consagrado, pelo menos em nível consti- do número de horas de duração do tra- tucional, desde 1988, art. 7º, XIII. jeto; que os Correios indicam o local de Eram sim! saída e chegada do veículo, estimando Não havia, diversamente do entendido um horário para percurso do trajeto. por alguns, exclusão na lei para os em- Foram juntados aos autos do ICP em pregados motoristas, das regras gerais vi- que o autor aponta que os contratos cele- gorantes para os trabalhadores urbanos brados com os Correios (às fls. 260/610) reguladas no texto constitucional (art. indicam que planilhas de preço compu- 7º e seguintes), CLT e leis esparsas (Lei tam, 2 motoristas e a empresa designava 605/49, 4090/63, dentre outras). apenas 1 e que a empresa é multada se Essa errônea conclusão só pode ser ocorrer atraso superior a 30 minutos. justificada pelo enquadramento genera- A ré se negou a celebrar o TAC e, em lizado da categoria no art. 62, I, da CLT. seguida foi publicada a Lei 12.619/2012. Ocorre que, para que houvesse excep- Salientou o MPT que mesmo após a cional exclusão dos direitos relativos à edição da Lei a ré continua a exigir jorna- jornada, o motorista empregado deveria da extenuante de seus motoristas. exercer estrita atividade externa incom- Na sede do MPT foram ouvidos alguns patível com a fixação de horário de tra- motoristas da ré (às fls. 2035 a 2041) que balho, e desde que tal elemento estivesse relataram às condições de trabalho. expressamente ressalvado na sua CTPS e Por conseguinte, requereu o Ministério constasse no registro de empregados da Público do Trabalho a condenação da ré empresa, o que não é o caso dos empre- nas obrigações de fazer e não-fazer elen- gados da ré pela farto acervo probatório cadas às fls. 46/48, inclusive com anteci- dos autos. pação de tutela, além do pagamento de O que era para ser exceção - porque indenização por dano moral coletivo.” consabida a possibilidade na maioria de casos de controle de jornada - tornou-se Antes de adentrar ao exame do caso regra, servindo o dispositivo, como um específico, reporto-me, ainda, à interpre- salvaguarda aos empregadores, que sen- tação da eminente magistrada senten- tiam-se livres para exigir qualquer jorna- ciante acerca dos aspectos genéricos da da de um motorista, ao pífio argumento jornada de trabalho dos motoristas, as- de que não tinha como controlar a jor- sim consignado: nada. E essa situação injustificável perdu- rou durante anos. “Questão que tem causado celeuma, e As consequências nefastas dessa con- Rev. do Trib. Reg. Trab. 10ª Região, Brasília, v. 20, n. 2, 2016
149 duta egoística das empresas, guiada não morrer, para não sofrer um aciden- por intenção meramente econômica, te por conta de dormir no volante; que na busca do lucro desenfreado a todo a empresa era multada caso chegasse o custo são de conhecimento público atrasado, mas que não havia desconto e notório, pois ultrapassaram a relação em seu salário (....)” (à fl. 2035) entre empregado e empregador, para atingir a sociedade como um todo. As- Não foi por outra razão, e sensível sim, verificamos nas estatísticas os in- com esta realidade, que o legislador findáveis acidentes provocados nas es- estabeleceu regras próprias à categoria tradas brasileiras, impulsionados pelo dos motoristas, relativas à jornada, ten- cansaço, pelo tempo de direção exa- do em conta as especiais situações de cerbado e muitas vezes sob os efeitos trabalho. Muitas delas repetem a CLT. de drogas para manter o corpo acor- A inteligência da lei está em prever ex- dado. pressamente, no art. 2º, V, como direito Eis parte de depoimento assustador do empregado, o controle da jornada. de ex-empregado da empresa ré, Sr. Daí não há mais se falar em aplicação Daniel Andrade da Mota, prestado na do art. 62, I, da CLT para os motoristas sede do MPT: profissionais Doravante, o controle da jornada é direito do empregado e con- “(...) que, geralmente, pegava o ca- sequentemente, dever do empregador. minhão na empresa às 19h30 para che- O contrato de trabalho, a partir de gar aos Correios do SIA às 20h45; que então, para os motoristas, deve se ade- saía dos Correios às 21h15 para chegar quar à função social intrínseca do con- em Belo Horizonte às 07h15 do dia se- trato (entre empregado e empregador) e guinte; que trabalhava direto, sem parar também extrínseca – para a sociedade. para dormir e sem tirar nenhum inter- Daí que a obrigação do respeito às jor- valo (jantava em sua casa); que apenas nadas e intervalos não se dirigir apenas parava para ir ao banheiro; que, quan- para a empresa, mas para o empregado do parava para ir ao banheiro, manda- também, constituindo inclusive infração va mensagem, via GPS, para a empresa de trânsito, pelo CTB o seu desrespeito de rastreamento; que dirigia sozinho, pelo motorista, art. 67-C c/c 230, XXIII. sem divido o trabalho com outro moto- Nessa mesma linha argumentativa é que rista, mas que os outros motoristas da restou proibida qualquer remuneração empresa diziam que devia haver outro em razão do percurso ou tempo roda- motorista segundo previsto no contrato do, conforme preceitua o art. 235-G, da firmado entre a Botafogo e os Correios; CLT. (....)que tinha horário a cumprir; que Entretanto, é importante ressaltar que usava remédios (desobese) para não essa atuação do empregado não trans- dormir; que tomava os remédios para fere a ele a responsabilidade pelos regis- Rev. do Trib. Reg. Trab. 10ª Região, Brasília, v. 20, n. 2, 2016
150 tros, fiscalização e controle das jornadas atividade ou a ultratividade em relação efetivamente cumpridas, que continuam à sua vigência. A terceira exceção é res- a cargo do empregador, tendo em vista o trita ao ramo do Direito Penal, em que caráter forfetário da relação.” vige o princípio da retroatividade da lei Prosseguindo, cabe aferir, por preju- penal mais benéfica, ainda que a lei não dicial, a tese da recorrente quanto à lei indique isso expressamente. aplicável à hipótese. Nesta linha seguiu o juízo primário, ao A recorrente aventa a tese de que a concluir que “em atenção à segurança sentença está assentada em lei que não jurídica, pedra fundamental em um Es- vige mais em relação à carga horária e o tado democrático de Direito, é vedada, comando da sentença contraria a dicção como regra, a retroatividade da lei, para da Lei nº 13.103/2015, pois, o seu artigo resguardo do ato jurídico perfeito, da coi- 6º, alterou o artigo 135-C da CLT. sa julgada e do direito adquirido, como A profissão de motorista foi regula- direitos fundamentais do indivíduo, art. mentada de forma especial com o ad- 5º, XXXVI, da CFRB c/c art. 6º da LINDB. vento da Lei 12.619/12, com vigência a A lei dos motoristas, não representando partir de 16 de junho de 2012.A situação hipótese excepcional de retroatividade descrita nos autos envolve fatos ocorri- da lei, somente regula situações jurídicas dos antes e após a vigência desta lei. Pos- posteriores ao início de sua vigência.” teriormente, a Lei nº 13.103/2015 trouxe Portanto, não prospera a preten- alterações às disposições originárias. são de aplicação retroativa da Lei nº Como se sabe, vigora no mundo jurí- 13.103/2015, não havendo que se falar dico a aplicação do vetusto brocardo la- em derrogação da causa de pedir da tino de que “o tempo rege o ato”, razão ação civil pública. pela qual os atos jurídicos se regem pela De plano afasta-se a pretensão de apli- lei da época em que ocorreram. cação do artigo 22, inciso I, da Lei nº Portanto, a norma a ser aplicada é 13.103 de 2015, que autoriza a conver- aquela que estava em vigor à data da são das penalidades decorrentes de in- prática do ato. Em se tratando de fatos frações previstas na Lei nº 12.619/2012 complexos de produção sucessiva, re- em sanção de advertência. Isto porque se gem-se pelo regime de tempo em que trata de penalidades (multas) aplicáveis foram constituídos. pela autoridade administrativa, em espe- Assim uma lei posterior não influencia- cial, agentes de trânsito, não alcançando rá a relação firmada na vigência da lei eventuais sanções determinadas pela au- anterior. Referido princípio tem por obje- toridade judiciária. De outro modo, não tivo resguarda o negócio jurídico perfei- se confundem tais penalidades com a to, objeto de garantia constitucional. “astreinte”, que se trata de meio de coer- Há, porém, três exceções. Duas devem ção autorizado pelo legislador para que vir expressamente consignadas: a retro- o Poder Judiciário imponha, de imedia- Rev. do Trib. Reg. Trab. 10ª Região, Brasília, v. 20, n. 2, 2016
151 to, o cumprimento de decisões que en- legais, isto é, a regulação de jornada de volvem, principalmente, obrigações de 8 horas com prorrogação de até 2 horas fazer e não fazer. De toda sorte, a Lei nº perpassa todo o período da condenação 12.619/2012, não contém penalizações imposta pela juízo originário. expressas. No entanto, proferida a sentença re- O artigo 235-C da CLT,com a reda- corrida em 2 de setembro de 2014, a ção dada pela Lei 12.619 de 30/4/2012, condenação em obrigação de fazer deve prescrevia que jornada diária de traba- ser adequada aos ditames da Lei nº lho do motorista profissional seria aque- 13.103 de 2 de março de 2015, a partir la estabelecida na Constituição Federal, da vigência desta, ou seja, ficam manti- ou seja, 8 (oito) horas diárias, ou aquela das as cominações com base na Lei nº ajustada mediante acordos ou conven- 12.619/2012, produzindo seus efeitos re- ções coletivas de trabalho. Em qualquer gulares durante a sua vigência; aplican- hipótese, admitida uma prorrogação de do-se às situações posteriores a novel até 2 (duas) horas. legislação. A Lei nº 13.103 de 2/3/2015 trouxe Portanto, onde se leem referências à nova redação ao artigo 235-C da CLT, “Lei 12.619/12”, leiam-se quanto à “Lei mantendo a jornada diária de trabalho nº 13.103/2015.” do motorista profissional em 8 (oito) ho- Em razão disso, adéquo o item 1) do ras, autorizando sua prorrogação por até dispositivo da sentença para que, onde 2 (duas) horas extraordinárias ou, me- se lê “exigir e garantir que motoristas diante previsão em convenção ou acor- observem jornada máxima de 8h, com do coletivo, por até 4 (quatro) horas ex- máximo de 2h diárias”, leia- se “exigir e traordinárias. garantir que motoristas observem jorna- Como se observa, ao passo que a jor- da máxima de 8h, com máximo de 2h di- nada normal e sua prorrogação encon- árias ou 4h diárias, mediante convenção tram respaldo legal, porquanto previstas ou acordo coletivo”. nos artigos 58 e 59 da CLT, respectiva- Recurso parcialmente provido. mente, a lei nova prevê a possibilidade de prorrogação da jornada por até 4 (qua- CONTROLE DE JORNADA. DURAÇÃO. tro) horas, mediante acordo ou negocia- REGISTRO DE VIAGENS. TACÓGRAFO. ção coletiva e exclui do tempo efetivo de trabalho os intervalos para refeição, A reclamada recorre da condena- repouso descanso e o tempo de espera. ção relativa ao controle da jornada de Ou seja, a inovação só possui validade trabalho do motorista profissional ar- ao amparo de normas coletivas. Inexistin- gumentando que se trata de obrigação do tal suporte à recorrente, não há qual- imposta ao empregado pelo artigo 67-C quer alteração a ser observada, caben- da CLT, com a redação dada pela Lei nº do a aplicação contínua dos diplomas 12.619/2012. Diz não ter sentido a impu- Rev. do Trib. Reg. Trab. 10ª Região, Brasília, v. 20, n. 2, 2016
152 tação de sanção pecuniária ao emprega- parágrafo único da CLT. dor, sendo o pedido da ação e a decisão É certo que o meio atualmente empre- do juízo contrários à lei. Afirma que a Lei gado pela reclamada não atende a estes nº 13.103/2015 indica os meios que po- reclamos, pois que a própria testemunha dem ser utilizados pelo empregador para narra que os diários de bordo podiam ser o controle da jornada laboral, razão pela manipulados e desfeitos, por ordem de qual a imposição de instalação de meio preposto da reclamada. exclusivamente eletrônico não pode sub- Como bem observa e reconhece a sistir, inclusive porque nem todo o terri- própria reclamada, o tacógrafo também tório nacional é coberto pelos sinais ele- se mostra impróprio e inseguro para re- trônicos. gistro da jornada, uma vez que registra A respeito do dever de observar os apenas a velocidade percorrida. E não limites das jornadas de trabalho, os in- serve para identificar os motoristas. tervalos intrajornadas, interjornadas e Assim, considerando o porte da em- os repousos remunerados, o juízo assim presa, que explora atividade econômica fundamentou sua decisão: de transporte de cargas para os Correios, empresa pública federal, para todo o “O controle da jornada, sendo reco- país, é de se exigir que instale programa nhecido expressamente como direito dos eletrônico de controle da jornada, no motoristas, art. 2º, V, da Lei, deve ser prazo de um mês do trânsito em julgado, resguardado, e por óbvio, pela via mais sob pena de multa diária de R$ 5.000,00, fidedigna, sob pena de não se atingir a fi- limitada a 30 dias, e a ser revertida ao nalidade da norma, que repisa-se, tutela FAT.” interesses públicos e privados, relativos à vida, à saúde e à segurança. E prossegue: Por este viés, improcede o requeri- mento da reclamada de ver declarada a “Consta no inquérito civil público em obrigação apenas aos empregados. anexo, que a reclamada submetia os mo- A elaboração de cartilha para os em- toristas profissionais, seus empregados, a pregados é salutar, mas muito pouco re- viagens que superavam 48h, no percurso presenta para os fins de efetividade no Brasília/Goiânia/Brasília/Belo Horizon- cumprimento da norma. O que a reclama- te/Rio de Janeiro/Belo Horizonte/Brasí- da deve fazer é observar os limites legais, lia/Goiânia/Brasília, conforme se extrai controlar a jornada de seus empregados do depoimento das fls. 2037/2038. e orientá-los a cumprir a lei, coagindo-os Somado a isso tem-se, em anexo, os inclusive à pena máxima de dispensa por contratos celebrados com os Correios justa causa, art. 482, h, da CLT, caso de- que apontam que pelas planilhas de pre- sobedecida a ordem geral (indisciplina), ço computam, 2 motoristas e a empresa ou individual (insubordinação), art. 158, designava apenas 1 e que a empresa é Rev. do Trib. Reg. Trab. 10ª Região, Brasília, v. 20, n. 2, 2016
153 multada se ocorrer atraso superior a 30 Além disso, os documentos juntados, minutos. inclusive os tacógrafos fornecidos pela Com isso, conclui-se que no mínimo própria reclamada e acostados ao pre- alguns empregados superavam a jornada sente autos, comprovam que os motoris- de 24h de trabalho consecutivo, sem in- tas laboravam em jornadas superiores a 8 tervalo. horas diárias, sem o intervalo de 11 horas As testemunhas ouvidas no ICP, ou- no período de 24 horas e que diversos trossim, corroboraram essa assertiva. empregados fizeram viagens seguidas Assim, para as viagens de longa dis- sem cumprir o descanso semanal de 35 tância, maior que 24h (que ocorrem com horas, além da não-observância do inter- mudança de base da empresa e afastada valo intrajornada. da residência do empregado) – hipótese Como dito outrora, esses intervalos que se enquadra para os motoristas da intrajornada e interjornada já eram esta- reclamada - art. 235-D, da CLT), devem belecidos em lei para os empregados na ser observados os seguintes intervalos: CLT, e atingiam a categoria dos motoris- a) mínimo de 30 min para descanso a tas. cada 4h de tempo ininterrupto de dire- Eventual negociação coletiva flexibili- ção, podendo ser fracionados o tempo zando a jornada àquele tempo, o que era de direção e o de intervalo de descanso, admitido em parte, para a categoria, na desde que não completadas as 4 (quatro) jurisprudência, com vigor de 2009 a 2012 horas ininterruptas de direção; (OJ 342 da SDI-1 do TST), sequer foi acos- b) intervalo mínimo de 1h para refei- tada aos autos para exame, ônus, claro, ção, podendo coincidir ou não com o in- da reclamada, arts. 818 da CLT c/c 333, tervalo de descanso supra; II, do CPC. c) repouso diário do motorista obriga- Fora do período em que vigorou o en- toriamente com o veículo estacionado, tendimento jurisprudencial supra, vale a podendo ser feito em cabine leito do ve- máxima interpretação de que os inter- ículo ou em alojamento do empregador, valos para repouso, alimentação e des- do contratante do transporte, do embar- canso são tutelados por norma de ordem cador ou do destinatário ou em hotel, pública, relativas ao resguardo da saúde, ressalvada a hipótese da direção em du- higiene e segurança do trabalho, e por pla de motoristas prevista no § 6o do art. isso, infensos à negociação coletiva, con- 235-E, da CLT (para os casos em que o forme referido, agora expressamente na empregador adotar revezamento de mo- súmula 437 do TST. toristas trabalhando em dupla no mesmo Pela nova lei, restou expresso que o veículo. Nesse regime de revezamento é intervalo intrajornada mínimo é de 1h, garantido ao motorista repouso diário mí- o interjornada é de 11h e o de repouso nimo de 6h consecutivas fora do veículo, semanal de 35h (24h, observado o des- ou se dentro dele, com ele estacionado. canso de 11h do interval