Revista TRT 10 v. 19 n. 20
Segunda edição da Revista TRT-10. A presente edição contempla 11 artigos selecionados a partir de Edital, e 24 acórdãos das três Turmas do TRT da 10ª Região. Entre os autores estão magistrados, advogados, professores, um auditor fiscal do trabalho e estudantes de Direito, o que demonstra a pluralidade de abordagens dentre os temas retratados.
Vol. 19, Nº 20 - Novembro de 2015 . Artigos . Acórdãos
EXPEDIENTE ............................................................................................................................ ISSN-0104- 7027 TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 10ª REGIÃO Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região v.1, n.1, 1982/1983- . – Brasília : TRT 10ª Região, 1982/83 – . PRESIDENTE v. Desembargador ANDRÉ R. P. V. DAMASCENO Bienal: 1982/1987. VICE-PRESIDENTE Anual: 1994 A 2001. Desembargador PEDRO LUÍS VICENTIN FOLTRAN Publicação interrompida durante o período de 2012 a 2014. Semestral: a partir de 2015 DIRETOR DA ESCOLA JUDICIAL ISSN 0104-7027 Desembargador BRASILINO SANTOS RAMOS 1. Direito do trabalho – periódicos. 2. Jurisprudência trabalhista. VICE-DIRETOR DA ESCOLA JUDICIAL Desembargador DORIVAL BORGES DE SOUZA NETO CDD 342.6 CONSELHO CONSULTIVO DA EJUD Desembargador BRASILINO SANTOS RAMOS Desembargador DORIVAL BORGES DE SOUZA NETO Disponível em formato eletrônico no site: www.escolajudicial.trt10.jus.br Desembargador GRIJALBO FERNANDES COUTINHO Juiz GILBERTO ALGUSTO LEITÃO MARTINS Juíza SUIZIDARLY RIBEIRO TEIXEIRA FERNANDES Servidora ROSEMARY DOMINGUES WARGAS COMISSÃO DA REVISTA E OUTRAS PUBLICAÇÕES DA EJUD Desembargador BRASILINO SANTOS RAMOS Desembargador DORIVAL BORGES DE SOUZA NETO Juiz FRANCISCO LUCIANO DE AZEVEDO FROTA Juíza SOLYAMAR DAYSE NEIVA SOARES Servidora ANA CRISTINA SAMPAIO ALVES SECRETARIA EXECUTIVA Servidora ROSANA DE OLIVEIRA SANJAD COORDENAÇÃO Servidora ANA CRISTINA SAMPAIO ALVES LAYOUT E DIAGRAMAÇÃO Servidor RICARDO CONCEIÇÃO BERMÚDEZ Estagiária NAYANE CORDEIRO
APRESENTAÇÃO SUMÁRIO ............................................................................................................................ ............................................................................................................................ ARTIGOS O direito à segurança A aplicabilidade do parcelamento no emprego: levando o direito Art. 745-A do CPC no direito ao trabalho a sério........................... 8 do trabalho à luz do novo Caro leitor, selecionados a partir de Edital, e 24 acórdãos Código de Processo Civil................. 96 das três Turmas do TRT da 10ª Região. Entre Execução efetiva: fraude Firmes no propósito de contribuir para a os autores estão magistrados, advogados, à execução trabalhista Direito ao esquecimento: produção científica no âmbito da Justiça do professores, um auditor fiscal do trabalho e fraude à execução fiscal memória, vida privada Trabalho da 10ª Região, apresentamos a se- e estudantes de Direito, o que demonstra a - a interpretação sistemática e espaço público.............................. 104 gunda edição de 2015 da Revista do TRT-10, pluralidade de abordagens dentre os temas como ponte hermenêutica produzida pela Escola Judicial. retratados. à assimilação produtiva O Processo Judicial Eletrônico na à execução trabalhista do Justiça do Trabalho: as conquistas O formato eletrônico mostrou-se adequa- A atualidade temática é, aliás, uma tônica regime jurídico especial e os desafios dessa nova do ao objetivo de amplo compartilhamento desta segunda edição. Dumping social (com da fraude à execução ferramenta tecnológica................... 123 e acesso ao conteúdo de doutrina e jurispru- dois artigos), terceirização, processo judicial prevista no Art. 185 dência. Neste sentido, temos a satisfação eletrônico, trabalho escravo, fraudes à exe- do CTN............................................. 21 As repercussões do Código de informar que em breve a Revista também cução trabalhista e fiscal, a crise no sindica- Civil de 2002 sobre estará disponível em outras plataformas de to e o direito à segurança no emprego são Dumping social na relação de o contrato de trabalho e pesquisa, como a Biblioteca Digital do Tribu- alguns dos assuntos em debate na publica- trabalho: uma afronta ao princípio o neoconstitucionalismo................. 137 nal Superior do Trabalho e o SEER – Siste- ção. da dignidade da pessoa humana... 53 ma Eletrônico de Editoração de Revistas, do A crise do sindicato no Brasil em IBICT – Instituto Brasileiro de Informação em Em nome da Comissão da Revista, agra- O dumping social nas uma perspectiva kantiana.............. 149 Ciência e Tecnologia. decemos a confiança dos articulistas e con- relações de trabalho vidamos a comunidade à leitura e à discus- – formas de combate...................... 64 Por que a PEC do combate ao A presente edição contempla 11 artigos, são em torno das teses aqui esposadas. trabalho escravo não confere Juridicamente, a terceirização poderes excessivos ao já era: acabou!................................. 80 auditor-fiscal do trabalho?............... 163 Des. Brasilino Santos Ramos Diretor da Escola Judicial ACÓRDÃOS .......................................................... 174
ARTIGOS
89 vimento das economias capitalistas, seja ab- estar escorada em nenhuma razão ou, para solutamente natural que a maior ou menor ser mais exato, o empregador sempre esteve vulnerabilidade dos empregados à normal- exonerado do dever de informação ao em- mente indesejada dispensa não fique presa pregado sobre o motivo do desligamento, somente ao teor das normas e teorias jurídi- tendo ou não uma justificativa ou um móvel cas. Também oscila ao sabor dos momentos para inspirar a sua iniciativa rescisória.5 de pujança e de crise do país, de estabilidade e de revolução na metodologia e nas técnicas Somente quando presente alguma situa- de produção e de maior ou menor interven- ção geradora de garantia de emprego – per- cionismo estatal na economia e no mercado manente (estabilidade) ou temporária – é que de trabalho. tal direito potestativo era inibido, exigindo a existência de um motivo disciplinar (a justa Contudo, neste despretensioso estudo, o causa) ou técnico, econômico ou financeiro O DIREITO À SEGURANÇA NO EMPREGO: propósito é procurar enxergar o atual regime (no caso de despedida dos empregados elei- brasileiro de desligamentos de empregados, tos para as comissões internas de prevenção 1 com ênfase nas limitações jurídicas a sua efe- de acidentes) ou, ainda, de uma decisão judi- LEVANDO O DIREITO AO TRABALHO A SÉRIO tivação. Procura-se aqui, pelo método indu- cial declaratória prévia da existência de con- 4 tentar extrair do contexto normativo e duta irregular do empregado (nos inquéritos 1 tivo, do cenário jurisprudencial uma possível teo- judiciais para apuração de falta grave contra 2 ria regente das modalidades de rescisão do empregados estáveis, dirigentes sindicais e Juiz ANTONIO UMBERTO DE SOUZA JÚNIOR TRT 10ª Região contrato de trabalho por iniciativa do empre- outros empregados destinatários de algumas gador. outras modalidades de garantia de emprego definidas em lei). 2. A dispensa de empregados como di- 1. Pretexto do estudo Direito do Trabalho conspira a favor da pre- reito potestativo do empregador Ou seja, inicialmente, o despedimento de servação dos empregos – fator de equilíbrio empregados, em regra, não dependia de nada O regime jurídico da cessação dos con- social, de paz familiar e de dinamismo da Classicamente, sempre se considerou o além do aceno negativo de seu empregador. tratos de trabalho é certamente um dos economia nacional. despedimento de empregados como um À moda do Imperador romano no centro da temas mais relevantes no Direito do Traba- direito potestativo de todo empregador, ou tribuna do Coliseu ou tal qual a implacável Rai- lho. Guiado, dentre outros, pelo princípio Não se ignora que, sendo o trabalho hu- seja, a deflagração do processo de extinção nha de Copas de Alice, bastava que o empre- da continuidade da relação de emprego,3 o mano um ingrediente relevante no desenvol- do contrato de trabalho pelo empregador gador sinalizasse e aquelas “cabeças” eram normalmente dependia apenas de uma de- cortadas dos quadros da empresa. liberação patronal (como também, na situa- 1, O presente texto compreende a contribuição escrita da intervenção do autor no II Seminário Internacional de Direito do Trabalho, ção inversa, de uma decisão do trabalhador) Aos empregados não-estáveis restava o promovido pelo IDP – Instituto Brasiliense de Direito Público, no dia 28 de setembro de 2015, em Brasília-DF, em painel dividido com o Ministro MÁRCIO EURICO VITRAL AMARO, do Tribunal Superior do Trabalho, com a temática “Extinção do contrato de trabalho: motivação da dispensa em e tal deliberação não precisava, via de regra, 6 for- consolo das salvaguardas financeiras, massa e dispensa discriminatória”. Agradeço a oportunidade dada pela organização do evento, em especial ao Ministro do Tribunal Superior do Trabalho IVES GANDRA MARTINS FILHO. O subtítulo é uma óbvia “paródia” da obra de RONALD DWORKIN (Levando os direitos a sério. Trad. Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes, 2002). 4. Ou seja, “um processo mental por intermédio do qual, partindo de dados particulares, suficientemente constatados, infere-se uma 2. Professor e Coordenador do Curso de Especialização em Direito e Processo do Trabalho do IDP – Instituto Brasiliense de Direito verdade geral ou universal, não contida nas partes examinadas”, sendo tal processo composto por três etapas fundamentais: observação dos fenô- Público. Professor e Coordenador do Curso de Especialização em Direito e Processo do Trabalho da Atame Cursos e Pós-Graduação em Brasília, menos, percepção da possível conexão entre eles e a generalização da relação encontrada (LAKATOS, Eva Maria; MARCONI, Marina de Andrade. Goiânia e Palmas. Professor do UniCEUB – Centro Universitário de Brasília, da ENAMAT – Escola Nacional de Formação dos Magistrados do Trabalho Metodologia científica, 2ª ed. São Paulo: Atlas, 1991, p. 47-49). e da Escola Judicial do Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região. Mestre em Direito e Estado pela Faculdade de Direito da UnB. Ex-Conselheiro 5. Por todos, classificando a prerrogativa do empregador de dispensar seus empregados sem justa causa como um direito potestativo de do Conselho Nacional de Justiça (2007-2009). Juiz Titular da 6ª Vara do Trabalho de Brasília. caráter receptício: MARANHÃO, Délio (com atualização de João de Lima Teixeira Filho). Extinção do contrato de trabalho. In SÜSSEKIND, Arnaldo 3. Conferir, por todos: RODRIGUEZ, Américo Plá. Princípios de Direito do Trabalho, 3ª ed. Trad. Wagner Giglio. São Paulo: LTr, 2000, p. et alli. Instituições de Direito do Trabalho, I, 21ª ed. São Paulo: LTr, 2003, p. 561-562. 239-248. 6. As chamadas limitações trabalhistas impróprias (RODRIGUEZ, ob. cit., p. 265).
10 11 jadas ao longo de décadas de evolução da III e IV) 7 – de uma república que tem dir da função social pela inerência legislação trabalhista estadonovista: indeni- como objetivos essenciais a constru- das relações negociais à propriedade zação de antiguidade (CLT, art. 478), aviso ção de uma “sociedade livre, justa e do titular do capital.10 prévio (CLT, art. 487) atualmente proporcio- solidária” em que se “promova o bem nal ao tempo de serviço (Lei nº 12.506/2011), de todos, sem preconceitos de origem, Uma ordem constitucional tão valorizado- indenização de férias (CLT, art. 146) e do 13º- raça, cor, idade e quaisquer outras for- ra da pessoa humana, do trabalho e da fun- salário (Lei nº 4.090/62, art. 3º), FGTS (su- mas de discriminação” (art. 3º, III e IV) ção social da propriedade não poderia con- cessivamente, Leis nºs 5.107/66, 7.839/89 e e, como princípio, a “prevalência dos servar o ambiente de liberdade rescisória dos 8.036/90), indenização compensatória apu- direitos humanos" (art. 4º, II); contratos laborais de forma (quase) irrestrita, rada sobre o FGTS (atualmente regulada no (ii) elege, dentre os direitos funda- tão cara ao Estado liberal. art. 18, § 1º, da Lei nº 8.036/90), indenização mentais sociais merecedores de maior Daí a promessa constitucional do advento adicional nas dispensas realizadas no mês an- destaque e densidade, o direito ao tra- de uma lei complementar que contemplasse terior à data-base da categoria do emprega- balho (art. 6º); 8 um regime de “relação de emprego protegi- do despedido (art. 9º das Leis nºs 6.708/79 (iii) como desdobramento eficacial da contra despedida arbitrária ou sem justa e 7.238/84) e seguro-desemprego (CF/1.946, do direito ao trabalho, a par de reiterar causa” mediante a previsão de “indenização art. 157, XV; Decreto-lei nº 2.283/86, arts. 26 algumas salvaguardas financeiras com- compensatória, dentre outros direitos” (CF, a 33; Decreto-lei nº 2.284/86, arts. 25 a 32, e pensatórias antes alojadas na legisla- art. 7º, I). Receoso da letargia do Parlamento Lei nº 7.998/90). Ou seja, a inibição ao exer- ção ordinária, proíbe práticas discrimi- na regulamentação desse expressivo direito cício do direito potestativo do empregador a natórias “por motivo de sexo, idade, social, o poder constituinte originário estabe- dispensar seus empregados sem justa causa cor ou estado civil”, em rol meramen- leceu disciplina interina para a matéria: era viabilizada por mecanismos indiretos – a te exemplificativo, ou, ainda, por ser oneração dos encargos rescisórios. o empregado pessoa com deficiência (art. 7º, XXX e XXXI); (i) quadruplicando a indeniza- 3. O direito de romper contratos de (iv) restringe a livre iniciativa, agre- ção paga sobre o FGTS nas dispensas trabalho no novo ambiente constitucional gando à manutenção do tradicional imotivadas; direito de propriedade individual a sua (ii) constitucionalizando a veda- 9 Tal quadro de quase irrestrita liberdade função social (CF, art. 5º, XXII e XXIII), ção da dispensa imotivada dos em- rescisória experimenta importante mudança o que respinga no Direito do Trabalho pregados eleitos para representar os com a nova ordem constitucional. Afinal, a vez que as empresas, à luz do figurino trabalhadores nas comissões internas Constituição de 1988: constitucional do direito de proprieda- de prevenção de acidentes (CIPAs) e de, devem ser geridas com vistas ao (iii) instituindo a garantia tempo- (i) erige a dignidade da pessoa atingimento de objetivos que transcen- rária de emprego das mulheres des- humana como valor fundante – jun- dem a mera busca máxima de lucros. de a confirmação da gravidez até tamente com “os valores sociais do O contrato de trabalho – a exemplo dos cinco meses após o parto (ADCT, art. trabalho e da livre iniciativa” (art. 1º, contratos em geral – não pode prescin- 10). 10. Sobre o tema, com vários exemplos ilustrativos, vide: PAES, Arnaldo Boson. Função social do contrato nas relações de trabalho. 7. Acerca do tema, conferir: BOCORNY, Leonardo Raupp. A valorização do trabalho humano no Estado democrático de direito. Porto Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 2934, 14 jul. 2011. Disponível em http://jus.com.br/artigos/19545. Acesso em 28 set. 2015. Ver ainda: Alegre: SAFe, 2003. RODRIGUES, Natália Queiroz Cabral. Relação de trabalho sadia: função social da propriedade versus livre-iniciativa. São Paulo: LTr, 2015, p. 98-105; 8. Discorrendo sobre as diversas possibilidades abertas pela introdução do direito ao trabalho, na experiência constitucional portugue- SANTOS, Enoque Ribeiro dos. A função social do contrato, a solidariedade e o pilar da modernidade nas relações de trabalho. São Paulo: LTr, 2003. sa, a ser abordada mais adiante neste estudo: CAUPERS, João. Os direitos fundamentais dos trabalhadores e a Constituição. Coimbra: Almedina, Digno de destaque o detalhe da topografia constitucional da função social da propriedade: não foi ela alojada no mesmo inciso em que 1985, p. 110-113 figura o direito à propriedade. Tal segregação textual permite a ilação de que a função social da propriedade não é apenas uma limitação do direito 9. Sobre o direito de propriedade e as limitações possíveis decorrentes de sua função social e do princípio da proporcionalidade: MEN- à propriedade, ou seja, não foi instituída na Carta Magna como elemento secundário de compressão do núcleo essencial do direito fundamental DES, Gilmar Ferreira. O direito de propriedade na Constituição de 1988. In IDEM et alli. Curso de Direito Constitucional, 4ª ed. São Paulo: Saraiva, a ela conexo. Em outras palavras, a função social da propriedade é um direito fundamental (de dimensão tanto individual quanto metaindividual) 2009, p. 481-483. colidível com o direito de propriedade (e não apenas limitativo deste).
121212121212 131313131313 4. A emergência de um novo direito te repugnantes (preconceito, retaliação, per- (i) o art. 93 da Lei nº 8.213/91, extrapatrimoniais oriundos de condu- fundamental social seguição, capricho). Ou, mais sinteticamente, que instituiu a obrigatoriedade de ta patronal odiosa; a dispensa sem justa causa como despedida manutenção de percentual mínimo (iii) a ratificação da Convenção Analisando o panorama jurídico emergen- por motivos lícitos e por isso aceitáveis e a de empregados com deficiência, no 158/OIT, que veda o despedimento te da nova ordem constitucional, é possível dispensa arbitrária como dispensa por moti- âmbito das empresas em geral, con- de empregados sem alguma cau- perceber um movimento migratório cada vos ilícitos e por isso inaceitáveis. dicionando, assim, a dispensa de sa juridicamente válida (Decreto nº vez menos tímido e mais nítido – mesmo an- 14 empregados em tal situação à con- 1.855/96, art. 4º), posteriormente tes do pagamento parlamentar da promessa Assim, no plano legislativo, são dignas de tratação paralela de pessoas com denunciada pelo Poder Executivo constitucional de uma lei disciplinadora da lembrança as seguintes disposições: limitações físicas (por intermédio do De- proteção contra a despedida, ainda distante em quantidade creto nº 2.100/96, im- de aprovação – 11 que, paulatinamente, tem igual ou superior “Ou seja, pugnado na ADI 1625, contraído a ampla liberdade rescisória pura- às dispensas; inicialmente, o com julgamento em mente discricionária, tradicionalmente reco- (ii) a Lei nº andamento cujo placar nhecida aos empregadores em geral. 9.029/95, que despedimento de provisório de 3 votos proíbe práticas empregados, em regra, a 1 aponta para uma Tal movimento migratório passa pela discriminatórias não dependia de nada interpretação do aludi- construção legislativa e jurisprudencial que contra a mulher do decreto conforme a captou a distinção entre dispensa sem justa e que foi juris- além do aceno negativo Constituição para exigir causa e dispensa arbitrária – inicialmente me- prudencialmen- de seu empregador.” o pronunciamento pré- nosprezada pela doutrina ao se considera- te alargada para vio do Congresso Nacio- rem locuções equivalentes de retórica vazia inibir as práticas nal como condição sine de significado para seu uso conjunto, no in- discriminatórias qua non de eficácia da 12 13 ciso I do art. 7º da Constituição Federal – a em geral, in- denúncia do menciona- dispensa sem justa causa como sinônima de clusive nas dispensas, com a possi- do tratado internacional) e reenviada desligamento de empregado em decorrência bilidade de “readmissão” (é o termo ao Parlamento pelo Presidente da Re- de necessidades presumidas e legítimas do utilizado pela lei) e indenização com- pública de então (MSC nº 59/2008), empreendimento (adequação à demanda de pensatória adicional, em favor do atualmente ao aguardo de delibera- produtos ou serviços comercializados, adap- empregado maltratado, para repara- ção final no âmbito da Câmara dos tação a inovações tecnológicas, mudança de ção financeira dos danos materiais e 15 Deputados. ramo da atividade e frustração do desem- penho e da produtividade do empregado, 13. Apenas para ilustrar: “RECURSO ORDINÁRIO EM AÇÃO RESCISÓRIA. DISPENSA DISCRIMINATÓRIA. DOENÇA INCAPACITANTE PARA A dentre outros) e a dispensa arbitrária como ATIVIDADE CONTRATUAL. VIOLAÇÃO DOS ARTS. 3º, IV, E 5º, XLI, DA CARTA MAGNA E 1º DA LEI Nº 9.029/95. CONFIGURAÇÃO. 1. Em reverência ao princípio da continuidade da relação de emprego, o legislador constituinte erigiu a proteção contra despedida arbitrária à garantia fundamental sinônima de dispensa por motivos eticamen- dos trabalhadores. Nesse aspecto, ressoa o inciso I do art. 7º da Constituição Federal. Há situações em que nem mesmo as compensações adicio- nais (arts. 7º, XXI, e 10, -caput- e inciso I, do ADCT) se propõem a equacionar a desigualdade social inaugurada pelo desemprego. É o caso. Com o fito de combater a dispensa discriminatória e em consagração ao princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, esta Corte Trabalhista 11. Apenas considerando as propostas em tramitação, aguardam deliberação, na Câmara dos Deputados, os PLPs nºs 33/88, 112/89, formulou a diretriz que emana do verbete Sumular nº 443, a saber: -Presume-se discriminatória a despedida de empregado portador do vírus HIV 22/91, 4/95, 66/95, 212/01, 179/04, 385/06, 289/08, 414/08, 59/11 e 127/15; já no Senado Federal estão em tramitação os PLS (Complementar) ou de outra doença grave que suscite estigma ou preconceito. Inválido o ato, o empregado tem direito à reintegração no emprego-. 2. Assente que nºs 94/88, 152/92, 292/04, 145/06, 521/09 e 274/12 (informações coletadas nos sítios das duas Casas na rede mundial de computadores: http:// a resilição contratual, por iniciativa do empregador, sem justo motivo, efetivou-se logo após ciência da doença (deficiência visual), que incapacitou www.camara.leg.br/buscaProposicoesWeb/resultadoPesquisa?numero=&ano= &autor =&inteiroTeor=despedida+arbitr%C3%A1ria&emtramita- o empregado para o exercício da atividade contratada (motorista), sem utilizar-se do instituto da readaptação funcional. Nítida, pois, a feição dis- cao=Sim&tipoproposicao=%5BPLP+-+Projeto+de+Lei+Complementar%5D&data=08/10/2015&page=false e http://www25.senado.leg.br/ web/ criminatória da despedida, transcendendo o -jus potestati- do empregador de por fim ao contrato de trabalho a seu livre alvedrio. A Egrégia Corte atividade/materias?p_p_id=materia_WAR_atividadeportlet&p_p_lifecycle=0&p_p_state=normal&p_p_mode=view&p_p_col_id=column-1&p_p_ Regional, ao decidir de modo diverso, violou os arts. 3º, IV, 5º, XLI, da Constituição Federal e 1º da Lei nº 9.029/95. Recurso ordinário em ação col_count=1&_materia_WAR_atividadeportlet_ordem= 7 &_materia_WAR_atividadeportlet_p=1&_materia_WAR_atividadeportlet_palavraCha- rescisória conhecido e parcialmente provido” (TST, SDI 2, ROAR 256-49.2012.5.09.0000, BRESCIANI, j. 30/9/2014, DEJT 3/10/2014). ve=despedida+arbitr %C3%A1ria. Matérias acessadas em 28 set. 2015). 14. “Art. 4º. Não se dará término à relação de trabalho de um trabalhador a menos que exista para isso uma causa justificada relacio- 12. No sentido da simetria semântica das duas locuções constitucionais, ainda que, contraditoriamente, captando, em seguida, um sen- nada com sua capacidade ou seu comportamento ou baseada nas necessidades de funcionamento da empresa, estabelecimento ou serviço.” tido peculiar às dispensas arbitrárias como aquelas resultantes de do “bel-prazer, capricho ou iniquidade do empregador”: BULOS, Uadi Lammêgo. 15. Consoante informações disponíveis no sítio da Câmara dos Deputados na rede mundial de computadores (http://www2.camara. Constituição Federal anotada, 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 375. leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=383867. Acesso em 28 set. 2015)
141414141414 151515151515 Também no plano jurisprudencial, perce- (ii) mediante o tardio acolhimento (iii) mediante a vedação da dispen- be-se a edificação de condicionamentos judi- do insistente apelo doutrinário para que, sa imotivada de empregados por práti- ciais para validação dos atos de dispensa de em nome dos princípios constitucionais ca discriminatória em virtude de: empregados, em certas circunstâncias: da isonomia, impessoalidade e morali- iii.1) exercício do direito de ação ou dade e da exigência de motivação dos prestação de testemunho contra o em- (i) mediante o reconhecimento atos administrativos em geral, as dispen- pregador em juízo (dispensa retaliató- sas de empregados públicos permanen- 19 da estabilidade prevista no art. 41 da ria); Constituição Federal, na redação ante- tes, mesmo quando empregadora uma iii.2) filiação ou militância sindical 20 rior à Emenda Constitucional nº 19/98 empresa pública ou uma sociedade de (prática antissindical); aos empregados públicos em geral, economia mista, sejam respaldadas por iii.3) ter o empregado o vírus HIV, a desde que admitidos sob o reinado justificativa, prévia e devidamente expli- SIDA (AIDS) ou “outra doença grave que 16 17 18 normativo do texto magno original; citada, sob pena de reintegração; suscite estigma ou preconceito” (Súmu- 21 la 443/TST); 16. “AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO CONVERTIDO EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. EMPREGADO PÚBLICO. APROVA- ÇÃO EM CONCURSO PÚBLICO ANTERIOR À EC 19/98. ESTABILIDADE. A garantia da estabilidade, prevista no artigo 41 da Constituição, estende-se aos 19. “DISPENSA RETALIATÓRIA - DISCRIMINAÇÃO EM RAZÃO DO AJUIZAMENTO DE RECLAMATÓRIA TRABALHISTA - ABUSO DE DIREITO - empregados públicos celetistas, admitidos em período anterior ao advento da EC n. 19/98. Agravo regimental a que se dá provimento” (STF, 2ª T., AI-AgR REINTEGRAÇÃO Demonstrado o caráter retaliatório da dispensa promovida pela Empresa, em face do ajuizamento de ação trabalhista por parte 472685, EROS, j. 16/9/2008, DJe 6/11/2008). do Empregado, ao ameaçar demitir os empregados que não desistissem das reclamatórias ajuizadas, há agravamento da situação de fato no Incompreensível a sinalização ao avesso na Súmula 390/II/TST: “Ao empregado de empresa pública ou de sociedade de economia mista, processo em curso, justificando o pleito de preservação do emprego. A dispensa, nessa hipótese, apresenta-se discriminatória e, se não reconhe- ainda que admitido mediante aprovação em concurso público, não é garantida a estabilidade prevista no art. 41 da CF/1988”. O verbete estaria consti- cido esse caráter à despedida, a Justiça do Trabalho passa a ser apenas a justiça dos desempregados, ante o temor de ingresso em juízo durante tucionalmente conformado se se realçasse que tal diretriz não se aplica aos servidores admitidos anteriormente à vigência da Emenda Constitucional nº a relação empregatícia. Garantir ao trabalhador o acesso direto à Justiça, independentemente da atuação do Sindicato ou do Ministério Público, 19/98, pois só a partir desta o texto do art. 41 contemplou, exclusivamente, os servidores estatutários. decorre do texto constitucional (CF, art. 5º, XXXV), e da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 (arts. VIII e X), sendo vedada a discri- 17. À guisa de exemplo: “Assim como a contratação de pessoal nas empresas públicas e nas sociedades de economia mista sofre o condi- minação no emprego (convenções 111 e 117 da OIT) e assegurada ao trabalhador a indenidade frente a eventuais retaliações do empregador (cfr. cionamento aludido, também não é livre o desligamento de seus empregados. Cumpre que haja razões presentes e demonstráveis para efetuá-lo, já que Augusto César Leite de Carvalho, -Direito Fundamental de Ação Trabalhista-, in Revista Trabalhista: Direito e Processo, Anamatra - Forense, ano 1, seus administradores não gerem negócio particular, onde prepondera o princípio da autonomia da vontade, mas conduzem assunto de interesse de toda v.1, n. 1 - jan/mar 2002 - Rio). Diante de tal quadro, o pleito reintegratório merece agasalho. Recurso de embargos conhecido e provido” (TST, SDI a coletividade, cuja gestão sempre reclama adscrição à finalidade legal preestabelecida, exigindo, pois, transparência, respeito à isonomia e fundamen- 1, E-RR 7633000-19.2003.5.14.0900, IVES, j. 29/3/2012, DEJT 13/4/2012). tação satisfatória para os atos praticados. Daí que a despedida de empregado demanda apuração regular de suas insuficiências ou faltas, com direito à 20. “RECURSO DE REVISTA. 1. DESPEDIDA DE INTEGRANTE DE UM GRUPO MINORITÁRIO ENVOLVIDO NO MOVIMENTO PAREDISTA E EM defesa e, no caso de providencias amplas de enxugamento de pessoal, prévia divulgação dos critérios que presidirão as dispensas, a fim de que se possa FACE DE ASSOCIAÇÃO PARA FUNDAR SINDICATO PROFISSIONAL. CARACTERIZAÇÃO DE TRATAMENTO DISCRIMINATÓRIO. CONDUTA ANTISSINDI- conferir a impessoalidade das medidas concretamente tomadas. Perante dispensas ilegais, o empregado terá direito à reintegração no emprego, e não CAL (CONVENÇÕES 98 E 135 DA OIT). DESRESPEITO AOS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E DO VALOR SOCIAL DO meramente indenização compensatória, pois não estão em pauta interesses puramente privados, mas sobretudo o princípio da legalidade da Adminis- TRABALHO. (ART. 1º, III E IV, DA CF). REINTEGRAÇÃO. 2. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. HIPÓTESE DE CABIMENTO. SÚMULAS 219 E 329/TST. Discri- tração, o qual é garantia de todos os cidadãos e ao qual, portanto, todos fazem jus” (MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo, minação é a conduta pela qual se nega à pessoa, em face de critério injustamente desqualificante, tratamento compatível com o padrão jurídico 18ª ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 262-263). assentado para a situação concreta por ela vivenciada. O princípio da não discriminação é princípio de proteção, de resistência, denegatório de 18. “EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS – ECT. DEMISSÃO IMOTIVADA DE SEUS EMPREGADOS. IMPOSSIBILIDADE. NECES- conduta que se considera gravemente censurável. Portanto, labora sobre um piso de civilidade que se considera mínimo para a convivência entre SIDADE DE MOTIVAÇÃO DA DISPENSA. RE PARCIALMENTE PROVIDO. I - Os empregados públicos não fazem jus à estabilidade prevista no art. 41 da CF, as pessoas. A conquista e afirmação da dignidade da pessoa humana não mais podem se restringir à sua liberdade e intangibilidade física e psíqui- salvo aqueles admitidos em período anterior ao advento da EC nº 19/1998. Precedentes. II - Em atenção, no entanto, aos princípios da impessoalidade e ca, envolvendo, naturalmente, também a conquista e afirmação de sua individualidade no meio econômico e social, com repercussões positivas isonomia, que regem a admissão por concurso público, a dispensa do empregado de empresas públicas e sociedades de economia mista que prestam conexas no plano cultural - o que se faz, de maneira geral, considerado o conjunto mais amplo e diversificado das pessoas, mediante o trabalho e, serviços públicos deve ser motivada, assegurando-se, assim, que tais princípios, observados no momento daquela admissão, sejam também respeitados particularmente, o emprego. As proteções jurídicas contra discriminações na relação de emprego são distintas. A par das proteções que envolvem por ocasião da dispensa. III – A motivação do ato de dispensa, assim, visa a resguardar o empregado de uma possível quebra do postulado da impesso- discriminações com direta e principal repercussão na temática salarial, há as proteções jurídicas contra discriminações em geral, que envolvem alidade por parte do agente estatal investido do poder de demitir. IV - Recurso extraordinário parcialmente provido para afastar a aplicação, ao caso, do tipos diversos e variados de empregados ou tipos de situações contratuais. Embora grande parte desses casos acabem por ter, também, repercus- art. 41 da CF, exigindo-se, entretanto, a motivação para legitimar a rescisão unilateral do contrato de trabalho” (STF, Pleno, RE 589998, LEWANDOWSKI, j. sões salariais, o que os distingue é a circunstância de serem discriminações de dimensão e face diversificadas, não se concentrando apenas (ou 20/3/2013, DJe 11/9/2013). fundamentalmente) no aspecto salarial. No caso concreto, vale enfatizar algumas premissas consignadas pelo Tribunal Regional no julgamento do Ao que se extrai da fundamentação, não tomou em conta a Suprema Corte a extensão legal dos privilégios próprios da Fazenda Pública à recurso ordinário, quais sejam: a) os dez grevistas, inclusive o Reclamante, foram despedidos em razão da adesão à greve e a respectiva associação Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (Decreto-lei nº 509/69, art. 12), mas tão somente a incidência de princípios constitucionais influentes do com- para fundar o Sindvalores, no qual o obreiro tomou posse como membro do Conselho Fiscal; b) o resultado positivo da avaliação à qual o obreiro portamento administrativo de todas as pessoas jurídicas de direito privado integrantes da Administração Pública. Nesse cenário, é insustentável a diretriz foi submetido 30 dias antes da dispensa demonstra sua aptidão para o exercício das suas funções; c) a contratação de três novos trabalhadores jurisprudencial restritiva da OJ 247/SDI-1/TST, ao exigir a motivação nas dispensas de empregados apenas da ECT. A despeito de preservar intacto o após a saída do obreiro revela que a dispensa não decorreu de excesso de trabalhadores. Nesse contexto, a prática da Reclamada contrapõe-se verbete jurisprudencial, o TST tem aderido – como não poderia deixar de ser pela força vinculante irresistível dos julgados do STF com repercussão geral aos princípios basilares da nova ordem constitucional, mormente àqueles que dizem respeito à proteção da dignidade humana e da valorização reconhecida – ao posicionamento da Suprema Corte. Neste sentido: “AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. EMPREGADO PÚBLICO. SO- do trabalho humano (art. 1º, III e IV, da CR/88) e à isonomia de tratamento (art. 5º, caput, da CR/88), sem contar a vedação à prática de atos an- CIEDADE DE ECONOMIA MISTA. NECESSIDADE DE MOTIVAÇÃO DO ATO DEMISSIONAL. DECISÃO PROFERIDA PELO STF EM PROCESSO DE REPERCUSSÃO tissindicais (arts. 2-1 e 2, Convenção nº 98 da OIT; art. 1º, Convenção 135 da OIT). Assim, o recurso de revista não preenche os requisitos previstos GERAL. AFASTAMENTO DO ITEM I DA OJ N.º 247 DA SBDI-1 DO TST. O v. Acórdão Regional considerou ser necessária a motivação para a dispensa de no art. 896 da CLT, pelo que inviável o seu conhecimento. Recurso de revista não conhecido” (TST, 3ª T., RR 900-83.2009.5.23.0007, GODINHO, j. empregado público estadual, admitido mediante concurso público. Ao assim pronunciar, a Decisão regional adotou entendimento que se coaduna com 26/2/2014, DEJT 7/3/2014). a iterativa, notória e atual jurisprudência deste c. Tribunal, a partir do julgamento do Recurso Extraordinário n.º 589.998-PI, pelo ex. STF. A negativa de 21. “DISPENSA DISCRIMINATÓRIA. PRESUNÇÃO. EMPREGADO PORTADOR DE DOENÇA GRAVE. ESTIGMA OU PRECONCEITO. DIREITO À seguimento ao Recurso de Revista, por assim dizer, está escorada na regra do artigo 896, § 7º, da CLT e na Súmula nº 333 do TST. Agravo de Instrumento REINTEGRAÇÃO. Presume-se discriminatória a despedida de empregado portador do vírus HIV ou de outra doença grave que suscite estigma ou conhecido e desprovido” (TST, 4ª T., AIRR 441-12.2010.5.15.0026, RIBAMAR, j. 9/9/2015, DEJT 11/9/2015). preconceito. Inválido o ato, o empregado tem direito à reintegração no emprego.”
161616161616 171717171717 iii.4) dispensa coletiva, somente válida me- Em outros termos, a conjugação do direito Adaptando à realidade brasileira contem- 26 pode-se es- diante prévia negociação coletiva das condi- fundamental ao trabalho, da valorização do porânea a taxonomia lusitana, ções de elegibilidade e de compensação finan- trabalho humano, da função social da proprie- tabelecer, a partir da evolução normativa e 22 jurisprudencial destacada neste estudo, uma ceira ou social dos empregados afetados. dade (e, por extensão, dos pactos laborais) e da proteção contra a despedida arbitrária, to- nova tipologia das hipóteses autorizadoras Claramente, a partir dos exemplos ilustrati- dos extraídos do texto constitucional, como já da dispensa de empregados, independente- vos significativos destacados aqui, a omissão demonstrado, acabou por fecundar ou revelar mente da obra legiferante aguardada para re- inconstitucional do Congresso Nacional – ao um direito fundamental gulamentação do art. 7º, demorar injustificadamente para aprovar a lei 23 e já inciso I, da Constituição social implícito “Tal direito à complementar programada no inciso I do art. concretizado na realida- segurança no emprego é Federal: 7º da Constituição Federal – tem delineado de brasileira – o direito à um fenômeno de mutação constitucional a segurança no emprego, encontrado, explicitamente, (i) dispensa por jus- 24 ta causa subjetiva, cor- transformar a norma magna de proteção con- inconfundível com o na ordem constitucional tra despedida sem justa causa ou arbitrária em explícito direito à segu- portuguesa que a respondente a compor- direito tutelado por norma de efeito imediato rança e à saúde no tra- tamentos imputáveis à e direto, ao menos como defesa contra atos balho, corolário do di- contempla em extensão pessoa do trabalhador, arbitrários. Neste sentido: reito ao meio ambiente bem mais arrojada a propiciar a justa causa (inclusive laboral) saudá- por razão disciplinar (CLT, RECURSO EXTRAORDINÁRIO. MATÉRIA vel (CF, arts. 7º, XXII, e que a gramática art. 482) ou a servir como TRABALHISTA. ART. 453 DA CLT. EXTINÇÃO 225, caput e § 1º, V). constitucional brasileira...” motivo embasador da DO VÍNCULO EMPREGATÍCIO PELA APOSEN- dispensa dos emprega- TADORIA VOLUNTÁRIA. IMPOSSIBILIDADE. 1. Tal direito à seguran- dos públicos; A interpretação conferida pelo Tribunal Supe- ça no emprego é encontrado, explicitamen- rior do Trabalho ao art. 453 da CLT, segundo te, na ordem constitucional portuguesa que (ii) dispensa por justa causa obje- a qual a aposentadoria espontânea do em- a contempla em extensão bem mais arrojada tiva, correspondente a comportamen- pregado importa na ruptura do contrato de que a gramática constitucional brasileira ao tos imputáveis ao empregador, volun- trabalho (Orientação Jurisprudencial nº 177 vedar, constitucionalmente, a dispensa de em- tários ou forçados por circunstâncias da SDI-1), viola o postulado constitucional pregados sem a existência de algum motivo, estranhas à sua vontade, a propiciar o que veda a despedida arbitrária, consagrado 25 despedimento coletivo ou a dispensa disciplinar ou de outra natureza. no art. 7º, I, da Constituição Federal. Prece- dentes. 2. Agravo regimental improvido (STF, 2ª T., AI-AgR 465469, ELLEN, j. 23/6/2009, DJe 23. Não mais surpreende, no constitucionalismo contemporâneo, a “descoberta” de direitos e princípios constitucionais implícitos, 6/8/2009) resultantes da conjugação de mais de um dispositivo do texto constitucional – de que são bons exemplos os princípios da segurança jurídica e da proporcionalidade e o direito de resistência. Reconhecendo os princípios constitucionais implícitos: MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitu- cional, II, 3ª ed. Coimbra: Coimbra, 1996, p. 231. 22. “DISPENSA COLETIVA. NEGOCIAÇÃO COLETIVA. A despedida individual é regida pelo Direito Individual do Trabalho, que possibilita 24. Reconhecendo o direito à segurança no emprego no plano constitucional, mas ainda condicionado ao advento da lei complemen- à empresa não motivar nem justificar o ato, bastando homologar a rescisão e pagar as verbas rescisórias. Todavia, quando se trata de despedida tar prometida no inciso I do art. 7º da Constituição Federal: MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional, 22ª ed. São Paulo: Atlas, 2007, p. 188. coletiva, que atinge um grande número de trabalhadores, devem ser observados os princípios e regras do Direito Coletivo do Trabalho, que se- Reconhecendo a possibilidade da existência de tal direito, ainda que sem o mesmo rótulo (preferiu o autor chamá-lo de critério motivado para guem determinados procedimentos, tais como a negociação coletiva. Não ´é proibida a despedida coletiva, principalmente em casos em que não validade das rupturas contratuais trabalhistas), mas sem percebê-lo como hipótese genérica invocável, genérica e imediatamente, na realidade há mais condições de trabalho na empresa. No entanto, devem ser observados os princípios previstos na Constituição Federal, da dignidade da jurídica brasileira contemporânea: DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho, 14ª ed. São Paulo: LTr, 2015, p. 1202-1203. pessoa humana, do valor social do trabalho e da função social da empresa, previstos nos artigos 1º, III e IV, e 170, caput e III, da CF; da democracia 25. Constituição da República Portuguesa, art. 53: “É garantida aos trabalhadores a segurança no emprego, sendo proibidos os despe- na relação trabalho capital e da negociação coletiva para solução dos conflitos coletivos, (arts. 7º, XXVI, 8º, III e VI, e 10 e 11 da CF), bem como as dimentos sem justa causa ou por motivos políticos ou ideológicos”. No plano infraconstitucional português, somente o empregado pode dar por Convenções Internacionais da OIT, ratificadas pelo Brasil, nas Recomendações nos 98, 135 e 154, e, finalmente, o princípio do direito à informação, encerrado o contrato de trabalho sem a necessidade de apontar o motivo (Lei nº 55/2014 - Código do Trabalho, art. 400º). O empregador somente previsto na Recomendação nº 163, da OIT e no artigo 5º, XIV, da CF/88. A negociação coletiva entre as partes é essencial nestes casos, a fim de pode dispensar os empregados nas hipóteses de justa causa previamente apurada mediante a garantia do contraditório, despedimento coletivo que a dispensa coletiva traga menos impacto social e atenda às necessidades dos trabalhadores, considerados hipossuficientes. Precedente. Acres- mediante negociação coletiva prévia, extinção de posto de trabalho e inadaptação do empregado, inclusive nos contratos a termo (CT, arts. 351º, cente-se que configura conduta antissindical a dispensa em massa de trabalhadores justificada por participação em movimento reivindicatório” 359º, 368º, 375º e 393º). (TST, SDC, RO 51548-68.2012.5.02.0000, KÁTIA, j. 12/5/2014, DEJT 16/5/2014). 26. Por todos: MARTINEZ, Pedro Romano. Direito do Trabalho. Coimbra: Almedina, 2002, p. 848.
18 19 de empregados públicos (assimiláveis, presas como mera derivação da função so- analogicamente, aos motivos extra- cial da propriedade, não será possível ir um disciplinares que ensejam a dispensa pouco além na efetivação do direito à segu- dos empregados cipeiros com garan- rança no emprego, lançando ao total ostra- tia temporária de emprego – motivos cismo, por meio da interpretação vigorosa técnicos, econômicos ou financeiros dos princípios constitucionais, a possibilidade (CLT, art. 165, caput), embora deva o de ruptura dos contratos de trabalho sem a empregador, qualquer que seja o mo- prévia e explícita indicação do motivo que tivo existente, adotar procedimentos a justifique. Afinal, não sendo o empregado objetivos e impessoais na eleição dos mercadoria, mas instrumento humano essen- 27 empregados a serem dispensados; cial para sua produção, não soa utópico nem radical que a jurisprudência mais adiante ve- (iii) dispensa sem causa discrimi- nha a banir universalmente a prática de des- natória, a contemplar os demais casos carte da mão-de-obra fora de circunstâncias de dispensa de empregados por ini- social e juridicamente legitimadoras, numa ciativa patronal, somente possível, do concretização máxima do direito ao trabalho. ponto de vista jurídico, se o emprega- dor deflagrar o procedimento de des- Das três classes de possibilidades de des- pedimento do empregado sem razões ligamento de empregados por iniciativa do indicativas de postura preconceituosa empregador, sugeridas na tipologia acima contra o trabalhador. proposta, sem dúvida a terceira é a mais inci- piente em termos de construção jurispruden- do a “indenização compensatória, dentre ou- da disciplina (justa causa), do relacionamen- 5. Com jeito de conclusão cial. Afinal, como visto, a repressão jurispru- tros direitos” aos casos em que haja motivo to interpessoal (dificuldades de adaptação dencial, por ora, alcança apenas as dispensas juridicamente sustentável para o desligamen- ao ambiente psicossocial do trabalho) ou da Em síntese, infere-se do “romance em ca- discriminatórias. to de empregados por iniciativa do emprega- qualidade técnica (baixa produtividade, difi- 28 dor. E motivo juridicamente sustentável será culdade de progressão na aprendizagem dos deia” escrito nos últimos anos pelo Parla- mento e, em especial, pelos tribunais que a Todavia, insiste-se, a interpretação do texto aquele decorrente das justa causas objetivas, métodos de trabalho necessários para a ati- liberdade rescisória gradativamente tem sido do inciso I do art. 7º da Constituição Federal, à isto é, das necessidades do empreendimento vidade laboral ou deficiência incontornável limitada severamente. luz central do direito constitucional ao traba- (motivos técnicos, econômicos ou financei- de conhecimento de aspectos relevantes da 30 lho, autoriza a interpretação de que o núcleo ros para redução do quadro de pessoal da função exercida) do trabalhador. 29 empresa ou eliminação de determinado se- Resta saber se esse é o “fim da história” essencial do direito ali inscrito é a vedação da ou se, considerada a função social das em- dispensa sem justa causa ou arbitrária, servin- tor ou estabelecimento), hipóteses em que a Em suma, soa bem evidente estar em eleição dos empregados a serem desligados curso vigorosa empreitada constitucional na deve obedecer critérios objetivos, impessoais concretização – necessária e urgente – do di- 27. No Direito Comparado, fonte formal subsidiária de Direito do Trabalho (CLT, art. 8º), é possível encontrar interessantes soluções a e razoáveis (como a menor antiguidade no reito constitucional ao trabalho a metamorfo- respeito. A legislação argentina, por exemplo, estabelece a obrigatoriedade de se preservarem os empregados com mais tempo de serviço na emprego, os menores encargos familiares e sear profundamente o regime jurídico-traba- empresa e, dentre os admitidos no mesmo semestre, os empregados com maiores responsabilidades familiares (Lei nº 20.744/76, art. 247). Sobre a idade), ou das justas causas subjetivas, ou lhista em matéria de cessação dos contratos tal dispositivo legal portenho: MAZA, Miguel Angel. Ley de Contrato de Trabajo 20.744 comentada, 3ª ed. Buenos Aires: La Ley, 2009, p. 403-405; SUÁREZ, Carina V. Ley de Contrato de Trabalho: Ley 20.744 y modificatorias comentada, concordada y anotada. Buenos Aires: Garcia Alonso, seja, de problemas insuperáveis nos planos de trabalho. 2014, p. 444-447. 28. DWORKIN, Ronald. O império do Direito. Trad. Jefferson Luiz Camargo. São Paulo: Martins Fontes, 1999, p. 275-279. Parodiando a famosa obra de FUKUYAMA, Francis. O fim da História e o último homem. Trad. Aulyde S. Rodrigues. Rio de Janeiro: 30. Defendendo a mesma premissa essencial de eficácia plena da norma permanente de proteção constitucional implementada no Rocco, 1992. art. 7º, I, da CF, embora por um caminho metodologicamente diverso, mas com rica argumentação, e conferindo às locuções constitucionais 29. Parodiando a famosa obra de FUKUYAMA, Francis. O fim da História e o último homem. Trad. Aulyde S. Rodrigues. Rio de Janeiro: dispensa arbitrária e dispensa sem justa causa conteúdo semântico invertido ao indicado neste artigo: MAIOR, Jorge Luiz Souto. Curso de Direito Rocco, 1992. do Trabalho, II. São Paulo: LTr, 2008, p. 435-471.
20 21 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS MENDES, Gilmar Ferreira et alli. Curso de Direito Constitucional, 4ª ed. São Paulo: Sa- BOCORNY, Leonardo Raupp. A valoriza- raiva, 2009. ção do trabalho humano no Estado demo- crático de direito. Porto Alegre: SAFe, 2003. MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Cons- titucional, II, 3ª ed. Coimbra: Coimbra, 1996. BULOS, Uadi Lammêgo. Constituição Fe- deral anotada, 4ª ed. São Paulo: Saraiva, MORAES, Alexandre de. Direito Constitu- 2002. cional, 22ª ed. São Paulo: Atlas, 2007. CAUPERS, João. Os direitos fundamentais PAES, Arnaldo Boson. Função social do dos trabalhadores e a Constituição. Coim- contrato nas relações de trabalho. Revista bra: Almedina, 1985. Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 2934, 14 jul. 2011. Disponível em http://jus.com.br/ DELGADO, Maurício Godinho. Curso de artigos/19545. Acesso em 28 set. 2015. EXECUÇÃO EFETIVA: Direito do Trabalho, 14ª ed. São Paulo: LTr, FRAUDE À EXECUÇÃO TRABALHISTA E FRAUDE À EXECUÇÃO FISCAL - A INTERPRETAÇÃO 2015. RODRIGUES, Natália Queiroz Cabral. Re- SISTEMÁTICA COMO PONTE HERMENÊUTICA À ASSIMILAÇÃO PRODUTIVA À EXECUÇÃO TRABALHISTA lação de trabalho sadia: função social da * DWORKIN, Ronald. O império do Direito. propriedade versus livre-iniciativa. São Pau- DO REGIME JURÍDICO ESPECIAL DA FRAUDE À EXECUÇÃO PREVISTA NO ART. 185 DO CTN Trad. Jefferson Luiz Camargo. São Paulo: Mar- lo: LTr, 2015. tins Fontes, 1999. ** RODRIGUEZ, Américo Plá. Princípios de Ben-Hur Silveira Claus *** _____. Levando os direitos a sério. Trad. Nel- Direito do Trabalho, 3ª ed. Trad. Wagner Gi- Júlio César Bebber son Boeira. São Paulo: Martins Fontes, 2002. glio. São Paulo: LTr, 2000. LAKATOS, Eva Maria; MARCONI, Marina de SANTOS, Enoque Ribeiro dos. A função so- Andrade. Metodologia científica, 2ª ed. São cial do contrato, a solidariedade e o pilar RESUMO Paulo: Atlas, 1991. da modernidade nas relações de trabalho. As conclusões por analogia não têm apenas São Paulo: LTr, 2003. cabimento dentro do mesmo ramo do Direito, O presente artigo estuda a juridicidade da MAIOR, Jorge Luiz Souto. Curso de Direito nem tão-pouco dentro de cada Código, mas ve- aplicação do regime jurídico especial da frau- do Trabalho, II. São Paulo: LTr, 2008. SUÁREZ, Carina V. Ley de Contrato de rificam-se também de um para outro Código e de de à execução fiscal à execução trabalhista, Trabalho: Ley 20.744 y modificatorias co- um ramo do Direito para outro. com vistas a promover a efetividade da juris- MARTINEZ, Pedro Romano. Direito do Tra- mentada, concordada y anotada. Buenos Karl Engisch dição na Justiça do Trabalho. Para tanto, arti- balho. Coimbra: Almedina, 2002. Aires: Garcia Alonso, 2014. cula-se a proposta de interpretação extensiva [...] o raciocínio jurídico será sempre analógico, do art. 889 da CLT à interpretação sistemáti- MAZA, Miguel Angel. Ley de Contrato de SÜSSEKIND, Arnaldo et alli. Instituições de por isso que as hipóteses singulares nunca serão ca do art. 186 do Código Tributário Nacional, Trabajo 20.744 comentada, 3ª ed. Buenos Direito do Trabalho, I, 21ª ed. São Paulo: LTr, entre si idênticas, mas apenas ‘afins na essência’. com vistas à assimilação produtiva da mo- Aires: La Ley, 2009. 2003. Ovídio Baptista da Silva dalidade de fraude à execução prevista no MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso * O presente artigo foi publicado na revista Justiça do Trabalho, nº 377, de maio de 2015, da Editora HS, Porto Alegre, p. 7-37. de Direito Administrativo, 18ª ed. São Paulo: ** Juiz do Trabalho e Mestre em Direito. Endereço postal: Rua João Wender, 785, Vila Suzana, Canela-RS, CEP 95.680-000. Endereço Malheiros, 2005. eletrônico: [email protected] *** Juiz do Trabalho e Doutor em Direito do Trabalho.
22 23 art. 185 do CTN à execução trabalhista, que vil trata da execução forçada das obrigações vistas à assimilação produtiva da modalidade dor aliena determinado bem sobre o qual há se revela mais favorável ao credor do que o não cumpridas espontaneamente. Na Lei nº de fraude à execução prevista no art. 185 do ação judicial fundada em direito real. Essa regime jurídico geral de fraude à execução 6.830/80, o princípio da responsabilidade pa- CTN à execução trabalhista, uma das diversas modalidade de fraude à execução decorre previsto no art. 593, II, do CPC. trimonial tem expressão nos arts. 10 e 30. modalidades de fraude do direito de sequela pró- à execução previstas “O fato de não haver prio ao direito real. Nesse PALAVRAS-CHAVE: Fraude à execução. Para coarctar condutas de má-fé do deve- no direito positivo. processo contra caso, a configuração da Execução fiscal. Execução trabalhista. Efetivi- dor, a teoria jurídica extraiu do princípio de fraude à execução inde- dade da jurisdição. Crédito trabalhista. Súmu- responsabilidade patrimonial dois institutos 1 AS MODALIDADES o obrigado quando da pende do estado de insol- la 375 do STJ. jurídicos destinados a combater fraude pa- DE FRAUDE À EXECU- alienação do bem revela vência do devedor. trimonial praticada pelo sujeito passivo da ÇÃO NO DIREITO PO- INTRODUÇÃO obrigação – a fraude contra credores (CC, SITIVO que a fraude contra Entretanto, as modali- arts. 158 e 159) e a fraude à execução (CPC, credores é ato ilícito dades de fraude à execu- O Direito pressupõe a boa-fé das pessoas art. 593). O fato de não haver processo con- Ao lado da modali- menos grave do que o ato ção são mais numerosas na vida de relação. É a boa-fé que funda- tra o obrigado quando da alienação do bem dade geral de fraude à do que normalmente se menta o princípio da responsabilidade pa- revela que a fraude contra credores é ato execução prevista no ilícito de fraude percebe, sobretudo quan- trimonial. De acordo com esse princípio, o ilícito menos grave do que o ato ilícito de inciso II do art. 593 do à execução...” do se atenta para as diver- patrimônio do contratante responde por suas 1, modalidade de fraude CPC, o sistema legal sas modalidades de frau- fraude à execução obrigações: o patrimônio do sujeito obrigado patrimonial na qual já há processo contra o prevê uma modalidade de à execução previstas 2 quando da alienação do bem que é expropriado pelo Estado, para satisfazer obrigado específica de fraude à execução no inciso I em distintos diplomas legais. Nada obstan- coercitivamente a obrigação não adimplida torna o obrigado insolvente para responder do art. 593 do CPC e abrange as demais mo- te passem despercebidas algumas vezes, as espontaneamente, restabelecendo-se o equi- pela obrigação. dalidades de fraude à execução previstas em demais modalidades de fraude à execução líbrio da relação contratual e a integridade da diversas leis na genérica hipótese do inciso III previstas em distintos diplomas legais foram ordem jurídica. No presente artigo, estuda-se a juridicida- do art. 593 do CPC 3 (inciso V do art. 792 do consideradas pelo legislador na abrangente de da aplicação do regime jurídico especial NCPC). previsão do inciso III do art. 593 do CPC, pre- Esse princípio encontra expressão literal no da fraude à execução fiscal à execução tra- ceito que faz remissão a outras modalidades art. 591 do CPC, preceito que estabelece que balhista, com vistas a promover a efetividade A fraude à execução prevista no inciso II de fraude à execução, assim consideradas “o devedor responde, para o cumprimento da jurisdição na Justiça do Trabalho (CF, art. do art. 593 do CPC tem sido considerada a aquelas previstas “nos demais casos expres- de suas obrigações, com todos os seus bens 5º, XXXV; CLT, art. 765). Para tanto, articula- modalidade geral de fraude à execução por sos em lei”. presentes e futuros, salvo as restrições estabe- se a proposta de interpretação extensiva do se tratar do tipo de fraude à execução que lecidas em lei.” Trata-se de preceito localiza- art. 889 da CLT à interpretação sistemática do ocorre com maior frequência. Caracteriza-se Ao legislador é dado estabelecer, para a do no título em que o Código de Processo Ci- art. 186 do Código Tributário Nacional, com quando, ao tempo da alienação do bem, já tutela do princípio da responsabilidade patri- corria demanda capaz de reduzir o deman- monial, hipóteses outras em que a conduta dado à insolvência. do devedor caracterize fraude patrimonial 1. A fraude à execução tipifica, além de ilícito processual civil, o ilícito penal de fraude à execução capitulado no art. 179 do Código a ser rejeitada pelo sistema normativo, ti- Penal. Outrossim, configura ato atentatório à dignidade da justiça (CPC, art. 600, I) sancionado com a multa do art. 601 do CPC. A ordem jurídica Menos frequente é a modalidade de frau- pificando novas modalidades de fraude à atua contra a fraude à execução mediante a declaração de ineficácia do ato fraudulento (CPC, art. 592, V), autorizando a penhora do bem aliena- de à execução prevista no inciso I do art. 593 execução com o objetivo último de assegu- do em fraude como se permanecesse no patrimônio do executado. Para facilitar o combate à essa espécie de fraude patrimonial, a declaração do CPC, que se caracteriza quando o deve- rar a integridade da ordem jurídica. Entre as de ineficácia da alienação é pronunciada nos próprios autos em que flagrada a fraude, de ofício. Conclusão ainda mais evidente na execução trabalhista, por força da previsão dos arts. 765 e 878, caput, da CLT. 2. A hipótese de fraude à execução fiscal prevista no art. 185, caput, do Código Tributário Nacional constitui exceção à regra. Introdu- zida pela Lei Complementar nº 118, de 09-06-2005, a atual redação do art. 185, caput, do CTN radicalizou a figura da fraude à execução fiscal, estabelecendo que a fraude à execução fiscal caracteriza-se quando a obrigação tributária já estiver inscrita em dívida ativa à época da alienação 3. CPC: “Art. 593. Considera-se em fraude à execução a alienação ou oneração de bens: do bem. Na redação anterior do art. 185, caput, do CTN, a disciplina da fraude à execução era mais favorável ao devedor tributário: somente se I – quando sobre eles pender ação fundada em direito real; caracterizava a fraude se já estivesse em curso a execução fiscal à época da alienação do bem. Exigia-se a litispendência da execução fiscal. Essa II – quando, ao tempo de alienação ou oneração, corria contra o devedor demanda.capaz de reduzi-lo à insolvência; exigência foi suprimida pela Lei Complementar nº 118, de 09-06-2005. III - nos demais casos expressos em lei.”
24 25 demais modalidades de fraude à execução trava regularmente inscrito como dívi- Esse resumido inventário das modalidades caracterização do ilícito civil de fraude contra tipificadas em distintos diplomas legais, a te- da ativa à época da alienação do bem de fraude à execução autoriza a conclusão credores (CC, arts. 158 e 159). No âmbito da 8 de que o sistema legal inclui a fraude à exe- oria jurídica tem identificado – sem prejuízo pelo executado (CTN, art. 185, caput). teoria justrabalhista, essa corrente de opinião de outras modalidades dessa espécie de ato cução fiscal entre os casos de fraude à exe- tem em Manoel Antonio Teixeira Filho (2013, ilícito 4 – as seguintes hipóteses: cução capitulados no inciso III do art. 593 do p. 200) um histórico representante. CPC, identificando na previsão do art. 185, a) há fraude à execução quando, caput, do CTN, particular modalidade de na penhora de crédito, o terceiro dei- fraude à execução inserida pelo direito positi- xa de depositar em juízo a importân- vo entre os “demais casos expressos em lei”; cia por ele devida ao executado, nada modalidade de fraude à execução em que a obstante intimado pelo juízo para assim presunção de fraude é considerada absoluta. proceder (CPC, art. 672, §§ 2º e 3º 5 ); b) há fraude à execução quando 2 FRAUDE À EXECUÇÃO FISCAL: A PRE- há registro de averbação premonitória SUNÇÃO DE FRAUDE É ABSOLUTA; NÃO SE de existência de ação à época da alie- ADMITE PROVA EM CONTRÁRIO 6); nação do bem (CPC, art. 615-A, § 3º c) há fraude à execução quando No debate que conduziu à edição da con- o executado insolvente adquire bem 9, a doutrina e trovertida Súmula 375 do STJ residencial mais valioso, hipótese em a jurisprudência desenvolveram rica contro- que não poderá mais fazer prevalecer vérsia acerca da natureza jurídica da fraude a alegação de impenhorabilidade de à execução. De outro lado, articulou-se o entendimen- bem de família (Lei nº 8.009/90, art. 4º, to de que a fraude à execução somente con- caput e § 1º 7); De um lado, alinhou-se a corrente tradi- d) há fraude à execução fiscal cional de opinião, sustentando que a fraude figurar-se-ia na hipótese de estar caracteriza- quando o crédito tributário já se encon- à execução continuava a caracterizar-se de da – ao lado dos demais elementos objetivos forma objetiva (in re ipsa), exigindo apenas: mencionados - a má-fé do terceiro adquiren- te, compreendida na ciência do terceiro ad- quirente quanto à existência da ação movida 4. Araken de Assis relaciona outras hipóteses de fraude à execução, que costumam passar despercebidas: “Além disso, atos de índole a) litispendência por ocasião da em face do executado-alienante; ou seja, o diversa, como a dação em pagamento, a renúncia à herança, a interrupção da prescrição e, conforme caso julgado pela 3ª Câmara Cível do ex- alienação do bem: demanda ajuizada elemento subjetivo (má-fé do terceiro adqui- tinto TARS, a partilha de bens em separação consensual, igualmente representam fraude contra a execução” (ASSIS, 2012. p. 303). em face do demandado à época do rente) teria passado a ser exigível para a ca- 5. CPC: “Art. 672. A penhora de crédito, representada por letra de câmbio, nota promissória, duplicata, cheque ou outros títulos, far-se-á negócio fraudulento; pela apreensão do documento, esteja ou não em poder do devedor. racterização de fraude à execução. Em outras [...] b) alienação essa capaz de reduzir palavras: o elemento subjetivo do “consilium § 2º. O terceiro só se exonerará da obrigação, depositando em juízo a importância da dívida. o demandado à insolvência. fraudis” teria passado a integrar o suporte fá- § 3º. Se o terceiro negar o débito em conluio com o devedor, a quitação, que este lhe der, considerar-se-á em fraude de execução.” 6. CPC: “Art. 615-A. O exequente poderá, no ato da distribuição, obter certidão comprobatória do ajuizamento da execução, com tico da fraude à execução, conforme indica identificação das partes e valor da causa, para fins de averbação no registro de imóveis, registro de veículos ou registro de outros bens sujeitos à Para essa corrente de opinião, não se co- o enunciado da Súmula 375 do STJ, “in litte- penhora ou arresto. [...] nhece do elemento subjetivo da boa-fé do ris”: “O reconhecimento da fraude à execu- § 3º. Presume-se em fraude à execução a alienação ou oneração de bens efetuada após a averbação (593)”. terceiro adquirente na fraude à execução, ou ção depende do registro da penhora do bem 7. Lei nº 8.009/90: “Art. 4º. Não se beneficiará do disposto nesta Lei aquele que, sabendo-se insolvente, adquire de má-fé imóvel mais seja, dispensa-se a prova acerca de “consi- alienado ou da prova da má-fé do terceiro valioso para transferir a residência familiar, desfazendo-se ou não da moradia antiga. § 1º. Neste caso poderá o juiz, na respectiva ação do credor, transferir a impenhorabilidade para a moradia familiar anterior, ou anular-lhe a venda, lium fraudis”, requisito exigível apenas para a adquirente”. liberando a mais valiosa para execução ou concurso, conforme a hipótese.” 8. CTN: “Art. 185. Presume-se fraudulenta a alienação ou oneração de bens ou rendas, ou seu começo, por sujeito passivo em débito para com a fazenda Pública, por crédito tributário regularmente inscrito como dívida ativa. Parágrafo único. O disposto neste artigo não se aplica 9. Súmula 375 do STJ: “O reconhecimento da fraude à execução depende do registro da penhora do bem alienado ou da prova da má-fé do na hipótese de terem sido reservados, pelo devedor, bens ou rendas suficientes ao total pagamento da dívida inscrita.” terceiro adquirente.” A Súmula 375 do STJ foi editada em 30.3.2009.
26 27 A concepção de fraude à execução fiscal, fase de execução. Mas entender-se-á do a insolvência for notória, ou houver todavia, passou praticamente incólume por que esta presunção absoluta está limita- motivo para ser conhecida do outro 10 tal controvérsia . Isso porque a teoria jurídi- da ao caso de o sujeito passivo alienar contratante. O fato de ser devedor de ca do Direito Tributário sempre identificou na seus bens ou rendas em tal proporção, um tributo com crédito tributário inscrito supremacia do interesse público tutelado pelo que não lhe reste o suficiente par o total em dívida ativa, todavia, não pode ser direito fiscal o histórico fundamento segundo 12. pagamento da dívida em execução considerado indicador de notória insol- o qual a fraude à execução fiscal configura-se vência, e mesmo assim o Código Tribu- de forma objetiva (in re ipsa) e caracteriza hi- No mesmo sentido, alinha-se praticamen- tário Nacional considera sem validade, pótese de presunção absoluta de fraude, não te toda a doutrina do Direito Tributário. Depois em face da presunção de fraude, a alie- abrindo ensejo à discussão acerca da conduta de assinalar que o art. 185 do Código Tributá- nação ou oneração do bem, sem qual- subjetiva do terceiro adquirente, de modo a rio Nacional estabelece presunção de fraude à quer consideração para com o terceiro impedir a hipótese jurídica de convalidação execução quando ocorre alienação de bem por de boa-fé (MACHADO, 2009, p. 677). do negócio fraudulento pela boa-fé do tercei- sujeito passivo em débito ro adquirente. Sequer a possibilidade da res- para com a Fazenda Públi- Em sintonia com Alio- pectiva hipótese jurídica é admitida na fraude ca, por crédito tributário re- mar Baleeiro e Hugo de à execução fiscal; num autêntico resgate da gularmente inscrito como “O fato de ser devedor Brito Machado, Zelmo categoria dos deveres patrocinado pela ver- dívida ativa, o tributarista de um tributo com Denari também identifica ticalização do princípio de responsabilidade Hugo de Brito Machado a presunção absoluta de patrimonial, que se alicerça na boa-fé indis- (2009. p. 649) afirma que crédito tributário inscrito fraude na fraude à execu- pensável à construção de uma vida de relação “tal presunção é absoluta. em dívida ativa, ção fiscal 13 e a irrelevân- 11 Uma presunção de direito fundada na honestidade dos contratantes . todavia, não pode ser cia da conduta subjetiva contra a qual não cabe ne- do terceiro-adquirente É da lição clássica de Aliomar Baleeiro nhuma espécie de prova”. considerado indicador para o reconhecimento (1999, p. 970) que a fraude à execução fiscal O autor volta a explicitar de notória insolvência...” de ineficácia do negócio A jurisprudência trabalhista predominante não admite prova em contrário precisamente referido entendimento fraudulento. A presunção assumiu essa posição sob inspiração da Sú- por se caracterizar como ato ilícito cujo vício quando contextualiza o absoluta de fraude, se- mula 375 do STJ, que passou a ser adotada faz constituir presunção absoluta de fraude tema do interesse do ter- gundo ele, opera de tal por ocasião do julgamento de embargos de contra o interesse tributário. Segundo o autor: ceiro adquirente de boa-fé modo que não é facultado ao terceiro adqui- terceiro adquirente do bem. no âmbito da fraude à execução fiscal à luz da rente produzir prova de sua eventual boa-fé 14. atual redação do art. 185 do CTN: “In litteris”: Enquanto o primeiro entendimento faz O CTN, no art. 185, estabelece uma resgate efetivo do compromisso da ordem presunção geral, iuris et de iure, isto é, No âmbito do Direito Privado, a lei A presunção acautelatória aqui jurídica com o princípio da responsabilidade sem possibilidade de prova em contrá- protege o terceiro de boa-fé, estabele- estabelecida é juris et de jure, isto é, patrimonial (CPC, art. 591) em detrimento da rio, de que é fraudulenta contra o Fisco, cendo que são anuláveis os contratos não admite prova em contrário. Irre- boa-fé do terceiro adquirente, o segundo en- a alienação de bens ou rendas, ou seu onerosos de devedor insolvente, quan- levante, portanto, se de boa ou má-fé tendimento tutela a boa-fé deste, privilegian- começo, por sujeito passivo, desde que o do o interesse privado em detrimento do prin- crédito tributário contra ele esteja regular- cípio da responsabilidade patrimonial. mente inscrito (CTN, arts. 201 a 204) e em 12. O autor está a comentar o art. 185 do CTN, na redação anterior à Lei Complementar nº 118, de 09.02.2005, quando se exigia esti- vesse já ajuizado o executivo fiscal para configurar-se a fraude à execução. 13. Enquanto Aliomar Baleeiro escreveu à época da redação anterior do art. 185 do CTN, Zelmo Denari escreve sob a nova redação do art. 185 do CTN, introduzida pela Lei Complementar 118, de 09.02.2005. Contudo, ambos chegam à conclusão idêntica: a fraude à execução 10. Em 19-11-2010, o STJ uniformiza sua jurisprudência para afirmar ser inaplicável à execução fiscal a S-375-STJ, editada em 30-03-2009. fiscal caracteriza hipótese de presunção absoluta de fraude e não admite prova em contrário. A matéria é desenvolvida no item 6 do presente estudo. 14. Nesse mesmo sentido orienta-se o entendimento de Mauro Luís Rocha Lopes. Comentando o art. 185 do CTN, o autor observa que a 11. A responsabilidade socioeconômica dos sujeitos funda-se na boa-fé exigida pelo art. 422 do CC de 2002, preceito que irradia sane- doutrina do Direito Tributário considera absoluta a presunção de fraude, sendo dispensável a prova do “concílio fraudulento” à sua caracterização ador efeito ético aos contratos em geral e a toda a vida de relação. (LOPES, 2012, p. 106).
28 29 o adquirente do bem ou o titular do 3 A HISTÓRICA OPÇÃO DA TEORIA JURÍ- ção da consciência jurídica nacional de pri- 11.101/2005 limitou o privilégio do crédito direito real de garantia. A fraude se DICA BRASILEIRA DE CONFERIR AO CRÉDI- vilegiar o crédito trabalhista na concorrência trabalhista ao valor de 150 (cento e cinquen- presume e a presunção é absoluta TO TRABALHISTA PRIVILÉGIO LEGAL SUPE- com os demais créditos previstos no sistema ta) salários mínimos na falência, classificando (DENARI, 2002, p. 496). RIOR ÀQUELE RECONHECIDO AO CRÉDITO legal brasileiro, ratificando nessa histórica op- como quirografário o crédito trabalhista ex- FISCAL ção da teoria jurídica brasileira a primazia da cedente desse montante. A possibilidade de Na medida em que a fraude à execução fis- dignidade da pessoa humana enquanto valor limitação do privilégio do crédito trabalhista cal é interpretada como hipótese de presun- O privilégio do crédito trabalhista tem por superior que viria a ser eleito pela Constitui- a determinado montante foi reservada ao le- ção absoluta de fraude no Direito Tributário, a 17 fundamento próximo a natureza alimentar ção como fundamento da República . gislador ordinário pela Lei Complementar nº vantagem jurídica com que essa concepção 16, en- dos créditos decorrentes do trabalho 118, também de 09-02-2005, que introduziu de fraude à execução tutela o crédito fiscal quanto que o fundamento remoto radica na Nada obstante o reconhecimento doutri- parágrafo único no art. 186 do CTN para con- conduz o operador do processo do trabalho dignidade humana da pessoa do trabalhador nário de que a relevância do crédito tributá- ferir a prerrogativa que o legislador comum a interrogar-se acerca da juridicidade da ex- cuja prestação laboral transforma-se em ri- rio funda-se na supremacia do interesse pú- exerceria nessa mesma data mediante a edi- tensão dessa concepção de fraude à fraude queza apropriada pelo tomador de serviços blico que lhe é imanente (MACHADO, 2009, ção da Lei nº 11.101/2005. à execução ao processo do trabalho – quem inadimplente. p. 660), ainda assim a consciência jurídica na- sabe se conduzido pelas mãos de Karl Engis- cional tem posicionado – trata-se de tradição 15 ch – mediante recurso à analogia e com os Mesmo na jurisdição fiscal, encarregada histórica - o crédito trabalhista num patamar olhos postos na promessa constitucional de de fazer valer o privilégio legal assegurado ao superior àquele conferido ao crédito fiscal, jurisdição efetiva (CF, art. 5º, XXXV). Para crédito fiscal pelo art. 186 do CTN, o crédito sugerindo concretamente possa a suprema- tanto, é intuitivo ao operador do processo do trabalhista tem sido historicamente reconhe- cia do interesse público vir a ser superada em trabalho dirigir especial atenção à histórica cido como privilegiado em face deste, em ra- determinada situação especial, na qual a or- opção da teoria jurídica brasileira de conferir zão da sua qualidade de crédito necessarium dem jurídica identifique interesse ainda mais ao crédito trabalhista privilégio legal superior vitae (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, relevante a tutelar – no caso do privilégio do àquele reconhecido ao crédito fiscal. 2002a, p. 207). crédito trabalhista, o interesse fundamental social a tutelar é satisfação prioritária dos cré- A ponderação de se tratar de um crédito ditos decorrentes da prestação do trabalho necessário à subsistência do ser humano que humano. Desse interesse fundamental social vive do próprio trabalho integra o arcabouço deriva a formulação conceitual que condu- axiológico sob o qual a consciência jurídica ziria a teoria jurídica a formular a expressão tem conformado a estrutura hierárquica nor- superprivilégio para bem significar a primazia mativa em que são classificadas as diversas conferida pelo sistema jurídico nacional ao espécies de créditos ao longo da tradição ju- crédito trabalhista. rídica brasileira. Com efeito, o predicado de crédito necessarium vitae tem sido, na verda- Essa tradição histórica de a ordem jurídica de, o principal fundamento material da op- nacional conferir primazia ao crédito traba- lhista sofreu revés significativo com o advento da nova Lei de Falências e Recuperação Ju- 15. “Toda a regra jurídica é susceptível de aplicação analógica – não só a lei em sentido estrito, mas também qualquer espécie de dicial. Entre outros preceitos representativos estatuto e ainda a norma de Direito Consuetudinário. As conclusões por analogia não têm apenas cabimento dentro do mesmo ramo do Direito, dessa nova orientação, o art. 83, I, da Lei nº nem tão-pouco dentro de cada Código, mas verificam-se também de um para outro Código e de um ramo do Direito para outro” (ENGISCH, 2008. p. 293). 16. CF: “Art. 100. ... 17. CF: “Art. 1º. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e Distrito Federal, constitui-se § 1º. Os débitos de natureza alimentícia compreendem aqueles decorrentes de salários, vencimentos, proventos, pensões e suas complemen- em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: tações, benefícios previdenciários, e indenizações por morte e invalidez, fundadas em responsabilidade civil, em virtude de sentença judicial [...] transitada em julgado, e serão pagos com preferência sobre todos os demais débitos, exceto sobre aqueles referidos no § 2º deste artigo.” III – a dignidade da pessoa humana”.
303030303030 313131313131 Na legislação anterior, não havia limitação Em sentido contrário, An- dado o limite do crédito O argumento do jurista faz evocar o do privilégio do crédito trabalhista a deter- dré de Melo Ribeiro (2015, privilegiado dos credores acórdão do STJ anteriormente referido, minado valor (Decreto-Lei nº 7.661/45). A p. 166) posiciona-se a favor trabalhistas), da Fazenda porquanto à natureza alimentar do crédito alteração em questão foi recebida com reser- da orientação adotada pela ou do empresário. trabalhista destacada por João Damasce- vas por expressiva parte da doutrina, tendo Lei nº 11.101/2005, desta- no Borges de Miranda corresponde a iden- Francisco Antonio de Oliveira (2008, p. 257) cando que a Convenção nº Na fundada crítica do tificação pretoriana – estamos a examinar registrado ser essa restrição imposta ao privi- 95 da Organização Interna- tributarista João Damas- jurisprudência cível – do crédito trabalhista légio do crédito trabalhista pela nova Lei de cional do Trabalho autoriza ceno Borges de Miranda na qualidade de crédito necessarium vitae Falências desejo de setores empresariais e do a lei nacional a limitar o à nova diretriz adotada (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, 2002, próprio governo sob a alegação infundada de privilégio do crédito traba- pela Lei de Falências e p. 207). Além disso, o argumento do tribu- excesso de vantagens trabalhistas. Depois de lhista a determinado valor. Recuperação Judicial tarista tem o mérito de colocar em desta- identificar afronta da nova Lei de Falências A nova Lei de Falências e (Lei nº 11.101/2005), de que relevante componente hermenêutico e Recuperação Judicial aos princípios cons- Recuperação Judicial “[...] privilegiar, na falência, os de feição socioeconômica, ao sublinhar a titucionais da dignidade da pessoa humana, consolida no ordenamento créditos dotados de ga- circunstância de que o crédito trabalhista da valorização do trabalho e da submissão jurídico brasileiro – no en- rantia real em detrimento é consequência da exploração econômica da propriedade à sua função social, Mauricio tender do autor18 – a orien- do crédito fiscal, o autor do trabalho humano e do inadimplemento Godinho Delgado assevera com sua reconhe- tação axiológica pela ma- conclui que “jamais se da devida contraprestação ao trabalhador cida autoridade teórica: nutenção e recuperação poderia deferir privilégio – a contraprestação pelo esforço físico pos- das unidades produtivas aos credores financeiros to em função da riqueza de outrem, na feliz viáveis, enquanto núcleo com garantia real, pois os síntese do tributarista. A Lei n. 11.101, de 2005, igno- de um feixe de interesses mesmos estão alocados rando a filosofia e a determinação sociais.” Essa orientação no ramo do Direito Priva- Com efeito, o crédito trabalhista tem natu- o autor reputa amparada do e devem ser tratados constitucionais, confere enfática reza jusfundamental (CF, art. 7º) e constitui-se prevalência aos interesses essen- nos valores eleitos pelo le- com as regras próprias”. como expressão objetiva de inadimplemen- cialmente econômicos, em detri- gislador constitucional rela- A consistência da funda- to à contraprestação devida ao trabalhador mento dos interesses sociais. Arro- cionados à valorização do trabalho e da livre mentação adotada pelo autor para chegar à pelo tomador dos serviços, trabalho esse gantemente, tenta inverter a ordem iniciativa, bem como na função social da pro- referida conclusão justifica – note-se que se cuja prestação incorpora-se ao patrimônio jurídica do País. [...] A nova Lei de priedade e na busca do pleno emprego. Para trata de jurista do campo do direito tributário do tomador de serviços na condição de ri- Falências, entretanto, com vigên- o jurista, o legislador definiu a recuperação – a reprodução do argumento cuja extração queza apropriada sob a forma de mais-valia. cia a partir de 9.6.05, abrangendo, da atividade econômica como o objetivo sistemática implícita é revelada pela ponde- É o fato objetivo de que essa apropriação essencialmente, processos novos precípuo: ração do privilégio do crédito trabalhista: faz-se inexorável na relação de produção (art. 201, combinado com art. 192, Pacífico o entendimento quanto à preva- capitalista que conduz a consciência jurídi- Lei n. 11.101/05), manifesta direção lência do crédito trabalhista por se tratar de ca a sobrevalorizar o crédito trabalhista na normativa claramente antitética à Tal objetivo busca preservar a empre- crédito social com natureza alimentar e ser, disputa com outras espécies de créditos, re- tradicional do Direito brasileiro, no sa – enquanto atividade econômica – por reconhecidamente, a contraprestação pelo conhecendo-lhe posição de superprivilégio que tange à hierarquia de direitos e reconhecê-la como núcleo de um feixe esforço físico posto em função da riqueza de indispensável à concretização do valor da créditos cotejados no concurso fali- de interesses sociais, mais amplo do que outrem. D’outra banda, o crédito tributário dignidade da pessoa humana que vive do mentar (DELGADO, 2011, p. 793-795, aquele composto pelos interesses patri- diz respeito ao interesse público e coletivo, trabalho. É nesse ambiente axiológico que grifo nosso). moniais individuais dos credores (resguar- de interesse geral da sociedade, e, sendo se contextualiza o desafio hermenêutico de assim, conforme a previsão principiológica compatibilizar os arts. 29 da Lei nº 6.830/80 constitucional, este tem prevalência sobre os e 186 do CTN sob a condução do postulado 18. “O novo eixo axiológico de interpretação do fenômeno da empresa e a modulação necessária entre o direito do trabalho e o direito interesses privados (MIRANDA, 2005. p. 1319). da unidade do sistema jurídico. concursal após a Lei n. 11.101/2005” (RIBEIRO, 2015, p. 166).
32 33 4 HERMENÊUTICA E MÉTODO SISTEMÁTICO não está sujeito a concurso de credores e A interpretação postulada por Ricardo porta a coerência interna do ordenamento DE INTERPRETAÇÃO: DO POSTULADO DA UNI- não se submete à habilitação em falência, Mariz de Oliveira somente pode ser compre- jurídico, conforme revela a didática lição de 21 DADE DO SISTEMA JURÍDICO À COMPATIBI- concordata, liquidação, inventário ou arro- endida como fruto de uma concepção não Luís Roberto Barroso sobre a interpretação 19 LIZAÇÃO DOS ARTS. 29 DA LEI Nº 6.830/80 lamento acabou dando ensejo a interpre- sistemática do ordenamento jurídico, inter- da Constituição: “Mesmo as regras que re- E 186 DO CTN tações no sentido de que, nada obstante o pretação que incorre no equívoco de tomar gem situações específicas, particulares, de- privilégio assegurado ao crédito trabalhista isoladamente o preceito do art. 29 da LEF vem ser interpretadas de forma que não se A hermenêutica jurídica é a ciência da inter- sobre o crédito fiscal no art. 186 do CTN, o quando deveria considerá-lo – o método sis- choquem com o plano geral da Carta” (BAR- pretação das leis. Para cumprir o objetivo de crédito tributário poderia ser satisfeito no ju- temático de interpretação visa a preservar ROSO, 2010, p. 141-142). definir o alcance dos preceitos legais, estuda os ízo fiscal de forma definitiva, inclusive sem a unidade do ordenamento normativo – no diversos métodos de interpretação da lei e as observância ao pagamento prioritário devi- contexto dos demais di- A precisão da inter- respectivas interações. O método sistemático do ao crédito trabalhista em decorrência do plomas legais correlatos, “A interpretação de pretação sistemática disputa – a observação é de Luís Roberto Bar- privilégio legal previsto na precitada regra do especialmente o Código uma norma isolada sustentada por Hum- roso - com o teleológico a primazia no proces- Código Tributário Nacional. Tributário Nacional, sob do contexto no qual berto Theodoro Júnior so interpretativo (BARROSO, 2010, p. 140). Se o pena de perder de vista acerca do art. 29 da Lei método teleológico de interpretação orienta-se Humberto Theodoro Júnior relata, no par- o fato de que esse “[...] está compreendida pode de Executivos Fiscais à finalidade da norma jurídica interpretada, o ticular, que, diante dos termos exagerada- diploma legal predica a conduzir o intérprete a pode ser aferida tanto método sistemático de interpretação funda-se mente amplos do art. 29 da Lei nº 6.830/80, prevalência dos créditos equívoco, como na doutrina quanto na 20 na ideia de que o ordenamento jurídico cons- entendeu Ricardo Mariz de Oliveira que até trabalhistas sobre os cré- geralmente acontece jurisprudência. Na dou- titui um “sistema de preceitos coordenados ou as garantias legais de preferência dos crédi- ditos fiscais”, conforme quando se despreza o trina, essa aferição é subordinados, que convivem harmonicamen- tos trabalhistas teriam sido preteridas pelo preleciona João Damas- obtida nos comentários te” (BARROSO, loc. cit.). preceito da Lei de Executivos Fiscais, com o ceno Borges de Miranda elemento contextual na de Anderson Soares Ma- abandono da sistemática do próprio Código (2005, p. 1315) diante da interpretação da lei.” deira acerca da relação Conformando uma estrutura orgânica que Tributário Nacional (art. 186). Contudo, o pro- correlata antinomia tam- de coordenação com pressupõe ordem e unidade, esse organismo cessualista mineiro desnuda o equívoco da bém sugerida pela pri- que o art. 186 do CTN jurídico unitário relaciona suas partes ao todo, interpretação postulada por Ricardo Mariz de meira leitura do art. 187 do CTN. conforma a interpretação do art. 29 da Lei nº de tal modo que o dispositivo legal interpretado Oliveira, ao esclarecer que o art. 29 da Lei de 6.830/80. Ao comentar a interpretação dada o seja em harmonia com o contexto normativo Execução Fiscal quis apenas excluir a Fazen- A interpretação de uma norma isolada do ao art. 29 da Lei nº 6.830/80 pelos tribunais, no qual está compreendido. O postulado da da Pública da participação nos juízos univer- contexto no qual está compreendida pode o autor observa que a “jurisprudência se que- unidade do ordenamento normativo enquan- sais como o da falência e o do concurso civil conduzir o intérprete a equívoco, como ge- dou a entender que não poderia o fisco se so- to sistema é conformado pela lógica da não de credores. Entretanto, não entrou em linha ralmente acontece quando se despreza o brepor à preferência dos credores protegidos contradição: as partes são interpretadas em de cogitação alterar privilégios instituídos elemento contextual na interpretação da lei. pela legislação trabalhista”. harmonia com o seu conjunto, superando-se pelas leis de direito material em vigor. Isso Isso ocorre porque “[...] a interpretação de eventuais contradições por uma interpretação porque – pondera Humberto Theodoro Jú- uma norma – a observação é do tributarista A acertada observação de Anderson Soa- preordenada a reconduzir o dispositivo inter- nior – não seria razoável que, em questão de Hugo de Brito Machado (2009, p. 676) – não res Madeira decorre da supremacia da legisla- pretado à unidade do sistema e de sua auto- direito material como essa, pudesse ocorrer deve ser feita fora do contexto em que se en- ção complementar sobre a legislação ordiná- poiética coerência interna. revogação de uma lei complementar, como carta, mas tendo-se em consideração outras ria. O autor contextualiza o dispositivo do art. é o Código Tributário Nacional, por uma sim- normas com as quais se deve harmonizar”. 29 da LEF no âmbito do sistema dos execu- O fato de o art. 29 da Lei de Executi- ples lei ordinária (THEODORO JÚNIOR, 2009, Por vezes identificadas como a mais racional tivos fiscais, identificando na supremacia do vos Fiscais estabelecer que o crédito fiscal p. 179), como é a Lei nº 6.830/80. e científica, à interpretação sistemática im- Código Tributário Nacional o consagrado cri- 21. O autor informa que devemos a Pietro Merola Chiercia o mais amplo estudo sobre interpretação sistemática do direito constitucio- 19. A previsão do art. 187 do CTN é semelhante à previsão do art. 29 da Lei nº 6.830/80. nal, destacando que o jurista italiano atribui à interpretação sistemática uma posição de “prioridade lógica com respeito a outros critérios interpre- 20. “Dívida Ativa da Fazenda Pública”. RT Informa, 261:5. tativos” (1978, p. 243 et seq.).
34 35 tério hermenêutico que orienta a subordinar fiscais não estão sujeitos a habilitação art. 186 do CTN. Vale dizer, observam-se as Nesse particular, cumpre observar que, ao a lei ordinária (Lei nº 6.830/80 - LEF, art. 29) à no juízo falimentar, mas não se livram normas procedimentais da Lei de Executivos protagonismo do comando do art. 186 do lei complementar (Lei nº 5.174/66 - CTN, art. de classificação, para disputa de pre- Fiscais, o que significa excluir o crédito fiscal CTN na regência jurídica da classificação dos 186). Na harmonização dos preceitos legais ferência com créditos trabalhistas (DL de habilitação; mas à distribuição do valor créditos, a interpretação sistemática do orde- em cotejo, a interpretação sistemática con- 7.661/45, art. 126). III – Na execução apurado aplicam-se as normas de direito ma- namento normativo revela confluírem tanto o duz o autor à consideração de que, “[...] sen- fiscal contra falido, o dinheiro resultan- terial (CC, arts. 957, 958 e 961) que classifi- art. 30 da Lei de Executivos Fiscais quanto o do a Lei de Execução Fiscal lei ordinária, esta te da alienação de bens penhorados cam os créditos em disputa e observam-se os art. 711 do Código de Processo Civil, precei- não poderia se sobrepor à lei complementar, deve ser entregue ao juízo da falência, respectivos privilégios legais (CTN, art. 186) tos que reconduzem o intérprete à diretriz su- como assim foi recepcionado pela Constitui- para que se incorpore ao monte e seja ao estabelecer a ordem de prioridade a ser perior de se fazer respeitar, na disputa entre ção Federal, o CTN, que distribuído, observadas observada no pagamento dos credores con- credores, a primazia assegurada aos créditos em seu art. 186 prevê a “A síntese do julgamento as preferências e as for- correntes. Preleciona a jurista: dotados de privilégio legal pelo direito mate- ressalva de preferência da Corte Especial do STJ ças da massa. (BRASIL. rial (CC, arts. 957, 958 e 961). da legislação do traba- Superior Tribunal de Jus- Em outras palavras, trata-se do re- lho” (MADEIRA, 2001, p. é a de que os créditos tiça, 2002b. p. 121, grifo conhecimento do princípio de que a 214). fiscais não estão sujeitos nosso). lei especial (Lei de Execuções Fiscais) sobrepõe-se à geral (Lei de Falências) Na jurisprudência, o à habilitação, mas As considerações na aplicação do procedimento por acerto da interpretação se submetem à da tributarista Valéria aquela instituído, passando-se, após, sistemática com a qual classificação, para Gutjahr sobre precitado à observância das normas gerais apli- Humberto Theodoro Jú- acórdão da Corte Espe- cáveis ao processo falimentar e obe- nior harmoniza os arts. disputa de preferência cial do STJ revelam-se decendo-se, inclusive, o disposto no 29 da LEF e 186 do CTN com os créditos didáticas à compre- próprio Código Tributário Nacional pode ser apurado no ensão da matéria. Tais (art. 186 e seu Parágrafo único) (GUT- julgamento do Recurso trabalhistas.” considerações estão si- JAHR, 2005. p. 1337). Especial nº 188.148-RS tuadas nos comentários realizado pela Corte Especial do STJ. A sínte- da autora aos arts. 186 e 187 do CTN. Ob- É de ver que a solução preconizada para se do julgamento da Corte Especial do STJ é serva a jurista que, na falência, o produto ar- a hipótese de falência do devedor também a de que os créditos fiscais não estão sujeitos recadado com a alienação de bens deve ser se aplica quando a disputa entre crédito fiscal à habilitação, mas se submetem à classifica- entregue ao juízo falimentar, para que este e crédito trabalhista ocorre perante devedor Enquanto o art. 30 da LEF afirma que o de- ção, para disputa de preferência com os cré- faça a posterior distribuição dos respectivos solvente. “Haverá, então, um concurso de vedor responde pelo pagamento da Dívida ditos trabalhistas. Eis a ementa do acórdão: valores conforme a classificação dos crédi- penhoras de natureza particular (e não um Ativa com a totalidade de seus bens, ressal- tos em disputa. concurso universal) entre a Fazenda e o cre- vando contudo que a responsabilidade do PROCESSUAL – EXECUÇÃO FISCAL dor trabalhista, devendo aquela – na lição de devedor é apurada “sem prejuízo dos privilé- – MASSA FALIDA – BENS PENHORADOS Nesse julgamento da Corte Especial do STJ 22 (2009, p. 180) gios especiais sobre determinados bens, que Humberto Theodoro Júnior – DINHEIRO OBTIDO COM A ARREMA- – prossegue Valéria Gutjahr – consolidou-se o – respeitar a preferência legal deste no pa- sejam previstos em lei” (Lei nº 6.830/80, art. TAÇÃO – ENTREGA AO JUÍZO UNIVER- entendimento que reconhece a independên- gamento que se realizar com o produto do 30, parte final), colmatando a lacuna do art. SAL – CREDORES PRIVILEGIADOS. I - A cia da processualística do executivo fiscal. bem penhorado por ambos”. Também aqui 29 da LEF que teria induzido Ricardo Mariz decretação da falência não paralisa o Contudo, essa independência procedimental o comando do art. 186 do CTN protagoniza de Oliveira ao equívoco apontado por Hum- processo de execução fiscal, nem des- da Lei de Executivos Fiscais não assegura a a interpretação sistemática do ordenamento berto Theodoro Júnior , o art. 711 do CPC constitui a penhora. A execução conti- imediata satisfação do crédito tributário quan- jurídico em aplicação. colmata a lacuna dos arts. 612 e 613 do CPC nuará a se desenvolver, até à alienação do houver credores preferenciais – e esse é o dos bens penhorados. II – Os créditos caso dos credores trabalhistas, por força do 22. Ver notas de rodapé nº 20 e 21.
36 37 para esclarecer que o critério cronológico da terpretação faz prevalecer o postulado da Se pode ser controvertida a proposta de O fato de a Exposição de Motivos nº 223 anterioridade da penhora somente define a unidade do sistema jurídico mediante o res- conferir interpretação extensiva ao art. 889 da da Lei nº 6.830/80 fazer remissão ao Código ordem de pagamento aos credores se não gate de sua coerência interna sob a condu- CLT, parece razoável considerar que da teoria Tributário Nacional diversas vezes também houver, entre eles, credores detentores de ção dirigente do comando superior do art. jurídica recolhe-se o reconhecimento implíci- sugere a relação de coordenação e de com- crédito dotado de privilégio legal: “Concor- 186 do CTN, o desafio subsequente que a to de que os executivos fiscais constituem um plementaridade com qual o CTN conforma a rendo vários credores, o dinheiro ser-lhes-á presente pesquisa propõe é responder se à sistema. Se a própria natureza sistêmica ínsita Lei de Executivos Fiscais, a indicar a conforma- distribuído e entregue consoante a ordem execução trabalhista aplicam-se apenas os ao ordenamento jurídico em geral é indicativo ção de um verdadeiro sistema de executivos das respectivas prelações; não havendo títu- preceitos da Lei nº 6.830/80 ou se há um teórico de que também os executivos fiscais fiscais, complementado pela aplicação subsi- lo legal à preferência, receberá em primeiro sistema legal de executivos fiscais a aplicar em particular podem ser compreendidos en- diária do CPC (Lei nº 6.830/80, art. 1º), siste- lugar o credor que promoveu a execução, ca- à execução trabalhista por força da previ- quanto sistema, uma percepção ainda mais ma esse que encontra na sua compatibilidade bendo aos demais concorrentes direito sobre são do art. 889 da CLT. clara de que se estaria a tratar de um sistema com a Constituição Federal o fundamento de a importância restante, observada a anteriori- de execução fiscal pode ser haurida da rela- sua validade na ordem jurídica nacional. dade de cada penhora” (CPC, art. 711 – sem 5 A APLICAÇÃO DO SISTEMA LEGAL ção de coordenação e complementaridade destaque no original). DOS EXECUTIVOS FISCAIS À EXECUÇÃO existente entre os diplomas legais incidentes No âmbito da teoria jurídica do processo TRABALHISTA: À EFETIVIDADE DO DIREI- na matéria, como ressalta Humberto Theodo- do trabalho, a doutrina Luciano Athayde Cha- TO MATERIAL DO CREDOR TRABALHISTA ro Júnior nas sucessivas edições da obra Lei ves (2009, p. 968) também parece sugerir a CORRESPONDE INTERPRETAÇÃO EXTENSI- de execução fiscal. existência desse sistema de execução fiscal, VA DO ART. 889 DA CLT na medida em que o processualista sustenta, Já na introdução a essa obra, o jurista minei- com fundamento na interpretação sistemática À primeira vista, pode parecer que a in- ro adota a precaução científica de sublinhar o do art. 186 do Código Tributário Nacional ao cidência subsidiária prevista no art. 889 da fato de que seus comentários à Lei nº 6.830/80 processo do trabalho, a aplicação da medida CLT estaria limitada a aplicarem-se à exe- não poderiam ser desenvolvidos sem o neces- legal de indisponibilidade de bens prevista no cução trabalhista apenas os dispositivos da sário recurso aos preceitos do Código Tributário art. 185-A do CTN à execução trabalhista. Em Lei de Executivos Fiscais. A interpretação Nacional correlatos à execução fiscal, deixando outras palavras, ao sustentar a aplicação subsi- literal do art. 889 da CLT poderia conduzir implícita a consideração de que os executivos diária de providência legal não prevista na Lei a essa estrita compreensão do preceito. fiscais, por conformarem-se à interpretação im- nº 6.830/90 – a respectiva previsão legal cons- Entretanto, mais do que aplicar à execu- posta pelo CTN, constituiriam um verdadeiro ta do Código Tributário Nacional 24 – à execu- ção trabalhista apenas os dispositivos da sistema. Essa implícita consideração parece de- ção trabalhista com suporte jurídico no art. Lei de Executivos Fiscais, a necessidade de correr da mencionada advertência com a qual 186 do CTN, o jurista parece estar a reconhe- potencializar o direito fundamental à tutela o autor inaugura seus comentários: “Também, cer implicitamente a existência desse sistema jurisdicional efetiva (CF, art. 5º, XXXV) tem os dispositivos do Código Tributário Nacional de executivos fiscais, cuja incidência subsidiá- fomentado interpretação extensiva do co- serão colocados em confronto com o texto da ria ao processo do trabalho alicerça-se no solo mando do art. 889 da CLT, na perspectiva nova Lei, sempre que se fizer aconselhável para hermenêutico em que se conformará então a de se compreender que todo o sistema dos a melhor interpretação das regras que coman- necessidade de conferir interpretação extensi- Se à compatibilização dos arts. 29 da LEF executivos fiscais seria aplicável à execução dam o processo da execução judicial da Dívida va à norma do art. 889 da CLT, na perspectiva 23 e 186 do CTN o método sistemático de in- trabalhista . Ativa” (THEODORO JUNIOR, 2009, p. 3, grifo da promoção da efetividade da jurisdição tra- nosso) balhista (CF, art. 5º, XXXV; CLT, art. 765). 23. Sem prejuízo da aplicação subsidiária do CPC quando mais apta a fazer realizar a efetividade da execução prometida tanto na legislação ordinária (CLT, art. 765) quanto na legislação constitucional (CF, art. 5º, XXXV). Essa assertiva não é inovadora. A jurisprudência já atua 24. Atualmente, a medida legal de indisponibilidade de bens pode ser ordenada pelo magistrado mediante comando eletrônico por no sentido de sobrepor algumas regras processuais comuns às trabalhistas sempre que aquelas se mostrarem mais efetivas, no escopo de fazer meio da Central Nacional de Indisponibilidade de Bens – CNIB, providência que representa considerável aporte à efetividade da execução, na justiça, à moda do Tribunal Constitucional da Espanha, que enunciou o dever dos juízes de promover e colaborar ativamente para a realização da medida em que atinge bens imóveis registrados em nome do executado em todo o território nacional. O comando de indisponibilidade é realizado efetividade da tutela jurisdicional. Esse dever, segundo a corte espanhola, é um dever jurídico-constitucional, uma vez que os juízes e tribunais têm mediante informação do CNPJ/CPF do executado. Para mais informações, consultar o Provimento CNJ nº 39/2014 da Corregedoria Nacional de a “obrigação de proteção eficaz do direito fundamental” (BERNAL, 1994. p. 329). Justiça (CNJ) e o site http://www.indisponibilidade.org.br.
383838383838 393939393939 A jurisprudência trabalhista tem reconhe- respalda este entendimento, na medida Essa conclusão acaba por colocar a relevante cido a juridicidade da aplicação da indisponi- em que fixa que ‘a execução por quantia questão de saber se, na omissão da Consoli- bilidade de bens capitulada no art. 185-A do certa tem por objeto expropriar bens do dação das Leis do Trabalho sobre a matéria CTN ao processo do trabalho, autorizando o devedor, a fim de satisfazer o direito do de fraude à execução (CLT, arts. 769 e 889), entendimento de que, mais do que apenas os credor (art. 591).’ Veja-se, com isto, que, aplicar-se-ia ao processo do trabalho o regi- preceitos da Lei nº 6.830/80, também precei- mais que se discutir sobre a perspectiva me jurídico especial da fraude à execução 27 tos do CTN correlatos à execução fiscal apli- da moralidade – dar efetividade à jurisdi- fiscal previsto no art. 185 do CTN . cam-se à execução trabalhista, o que parece ção conferida à parte – tem-se uma ques- corroborar a ideia de que há mesmo um sis- tão de interpretação literal do texto de lei, 6 A JURISPRUDÊNCIA DO STJ ACERCA tema de executivos fiscais e que é todo esse não sendo demais praticar atos expro- DA APLICAÇÃO DA SÚMULA 375: FRAUDE sistema que ingressa no âmbito da execução priatórios contra quem se nega, mesmo À EXECUÇÃO FISCAL X FRAUDE À EXECU- trabalhista pelas portas abertas pelo permissi- que seja forçado, a cumprir o que lhe foi ÇÃO CIVIL. A QUESTÃO DA APLICAÇÃO DO vo do art. 889 da CLT. A seguinte ementa é determinado por sentença. A expropria- REGIME JURÍDICO ESPECIAL DA FRAUDE À ilustrativa dessa perspectiva de interpretação ção não se traduz em ato brutal contra o EXECUÇÃO FISCAL PREVISTO NO ART. 185 extensiva: devedor e, muito menos, a decretação de DO CTN À EXECUÇÃO TRABALHISTA indisponibilidade dos seus bens futuros, já CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. que, quanto a estes, não há, nem mesmo, Em 30-03-2009, o Superior Tribunal de Jus- IMPOSSIBILIDADE DE PROSSEGUIMEN- a suposição de que são essenciais à so- tiça editou a Súmula 375, fixando importante TO REGULAR DA EXECUÇÃO. APLI- brevivência, não fazendo parte do que diretriz acerca do instituto da fraude à execu- CAÇÃO DO ART. 185-A DO CTN. A é esperado pelo devedor, diariamente. ção, com o seguinte enunciado: “O reconhe- ausência de bens em nome do execu- Cumpre ressaltar que o Direito Processu- cimento da fraude à execução depende do tado constitui justamente o pressupos- al Moderno – especialmente, o do Traba- registro da penhora do bem alienado ou da to para a determinação de indisponibi- lho – admite este tipo de procedimento. prova da má-fé do terceiro adquirente.” lidade de bens, nos termos do disposto O juiz tem de buscar os bens do devedor no caput do novel art. 185-A do Códi- e a efetividade da justiça, que deve ser A diretriz da Súmula 375 do STJ é contro- go Tributário Nacional. Trata-se, enfim, buscada. (AP-00264-1995-038-03-00-0, vertida, na medida em que tutela a posição de medida a ser tomada na hipótese Rel. Milton Vasques Thibau de Almeida, jurídica do terceiro de boa-fé à custa da po- de impossibilidade de prosseguimento 26.7.2006). sição jurídica do credor-exequente, estimu- regular da execução, servindo como lando – involuntariamente, é certo – indireta garantia de que bens futuros possam Parece razoável concluir, portanto, que os desconstituição do princípio da responsabi- ser objeto de apreensão judicial. Isto é executivos fiscais constituem propriamente Assimilada a ideia de que os executivos lidade patrimonial do executado (CPC, art. 25 fiscais constituem verdadeiramente um siste- 591). Com isso, estimula o executado à prá- o que, aliás, está preceituado, há muito um sistema , conformado pela Lei de Exe- ma, é razoável concluir então que esse sis- tica da fraude patrimonial, em conduta de tempo, no art. 591 do CPC, que regis- cutivos Fiscais (Lei nº 6.830/80), pelo Códi- tema – e não apenas os preceitos da Lei nº autotutela. Conforme foi observado por tra que ‘o devedor responde, para o go Tributário Nacional (Lei nº 5.172/66), pelo 6.830/80 – se aplica subsidiariamente à exe- Manoel Antonio Teixeira Filho (2013, p. 19) cumprimento de suas obrigações, com CPC de aplicação subsidiária à LEF (Lei nº cução trabalhista, por força da previsão do em análise crítica à Súmula 375 do STJ, “a todos os seus bens presentes e futuros, 6.830/80, art. 1º) e pela Constituição Fede- 26 orientação jurisprudencial cristalizada nessa salvo as restrições estabelecidas em lei.’ ral, essa última a conferir validade a todo o art. 889 da CLT em interpretação extensiva . O art. 646 do mesmo Diploma de Lei sistema de executivos fiscais. 26. De acordo com o ensinamento de Luís Roberto Barroso, a interpretação extensiva tem cabimento diante de situação em que o legislador disse menos, quando queria dizer mais. Nesse caso, a correção da imprecisão linguística do dispositivo legal ocorre então mediante a 25. Francisco Antonio de Oliveira sugere essa ideia de sistema quando, ao afirmar que a indisponibilidade de bens prevista no § 1º do adoção de “[...] uma interpretação extensiva, com o alargamento do sentido da lei, pois este ultrapassa a expressão literal da norma (Lex minus art. 53 da Lei nº 8.212/91 não exclui os respectivos bens da execução trabalhista, sustenta que esse preceito da Lei de Custeio da Previdência Social scripsit quam voluit).” (BARROSO, 2010. p. 125) deve ser interpretado “[...] em consonância com o art. 100 da CF, o art. 29 da Lei 6.830/80 (LEF) e os arts. 186 e 187 do CTN, os quais informam 27. Observadas as adaptações necessárias. Entre elas, a distinta definição do marco temporal a partir do qual se configura a fraude à sobre a execução trabalhista (art. 889, da CLT)”. (OLIVEIRA, 2008. p. 19, grifo nosso). execução trabalhista. O que é objeto do item 8 do presente estudo.
40 41 Súmula estimula as velhacadas do devedor 2010, a jurisprudência do Superior Tribunal 5. A diferença de tratamento entre a credor prejudicado logre comprovar que o ao tornar mais difícil a configuração do ilícito de Justiça oscilava na aplicação da Súmula fraude civil e a fraude fiscal justifica-se terceiro adquirente tinha conhecimento da 28 processual da fraude à execução” . 375 do STJ à execução fiscal. pelo fato de que, na primeira hipótese, existência da demanda quando da aquisição afronta-se interesse privado, ao passo 30. De fato, a parte do bem do executado Deveras, consoante já foi ponderado alhu- No julgamento do referido recurso, realiza- que na segunda, interesse público, por- final da súmula – “[...] ou da prova da má-fé res, ao executado, em face dos termos da do sob o rito do regime dos recursos repetiti- quanto o recolhimento de tributos serve do terceiro adquirente” – opera como uma S-375-STJ, certamente ocorrerá alienar seus vos representativos de controvérsia (CPC, art. à satisfação das necessidades coletivas. espécie de válvula de escape à restrição que bens antes do registro da penhora. Fará isso 543-C) (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, a S-375-STJ impõe à esfera jurídica do credor intuitivamente para não perder seus bens; 2010), o Superior Tribunal de Justiça definiu a A distinção estabelecida pelo STJ partiu da -exequente civil. Entretanto, o ônus da prova alienará seus bens e sua jurisprudência acer- premissa de que na fraude à execução fiscal ali atribuído ao credor-exequente é de tão di- desviará o dinheiro apu- ca da aplicabilidade da há afronta a interesse público, que justifica fícil atendimento que, se não evoca a figura rado. Como o terceiro “Não há exagero Súmula 375 do STJ na hi- sujeitá-la ao regime jurídico especial do art. da chamada prova diabólica, remete o intér- adquirente terá êxito nos pótese de fraude à exe- 29 prete a perguntar-se sobre a razoabilidade da quando Manoel 185 do CTN , sendo irrelevante, então, a bo- embargos de terceiro em cução, estabelecendo a-fé do terceiro adquirente. Daí a conclusão atribuição desse ônus de prova ao credor em face da aplicação da di- Antonio Teixeira Filho posicionamento distinto de ser inaplicável a S-375-STJ à execução fis- sistema processual que reputa nula a conven- retriz da Súmula 375 do perscruta na conforme a modalidade cal. Nesse caso, subsistirá a penhora do bem ção que distribui de maneira diversa o ônus STJ, o executado safar-se de fraude à execução alienado e eventuais embargos do terceiro da prova quando tornar excessivamente di- -á ileso, sem ter que as- S-375-STJ estímulo caracterizada no caso adquirente serão rejeitados, prosseguindo-se fícil a uma parte o exercício do direito (CPC, sumir perante o terceiro à desonestidade concreto, a partir de a execução fiscal com o leilão do bem e o art. 333, parágrafo único, II). adquirente a responsabi- do devedor.” distinção estabelecida pagamento do credor tributário. lidade regressiva que de- entre fraude à execução Daí a importância – no combate à fraude correria da declaração fiscal e fraude à execu- Já no caso de fraude à execução civil, em de execução – do resgate do instituto da hi- de ineficácia jurídica da ção civil, nos seguintes que a execução se sujeita ao regime jurídico poteca judiciária, mediante subsidiária aplica- alienação realizada em termos: geral do art. 593, II, do CPC, o STJ considerou ção de ofício dessa medida legal pelo juiz do prejuízo ao credor. A experiência ordinária existente afronta a interesse privado, funda- trabalho na sentença (CLAUS, 2013), orienta- fartamente revela essa conduta de autotutela a) inaplicabilidade da Súmula 375 mento pelo qual concluiu não haver presun- ção assumida por Manoel Antonio Teixeira dos executados em geral e não apenas dos do STJ à execução fiscal; ção absoluta de fraude, situação em que a Filho na 11ª edição de sua obra clássica Exe- devedores contumazes, uma vez que desviar b) b) aplicabilidade da Súmula 375 boa-fé do terceiro adquirente descaracteriza cução no processo do trabalho, a primeira imóveis e veículos é muito mais difícil do que do STJ à execução civil. o ilícito. Daí a conclusão de ser aplicável a edição posterior ao advento da Súmula 375 desviar o dinheiro apurado com a alienação S-375-STJ à execução civil. Nesse caso, não do STJ (TEIXEIRA FILHO, 2013, p. 201-202). particular dos bens (FIOREZE; CLAUS, 2014, subsistirá a penhora do bem alienado e even- Conforme interpretação extensiva do insti- p. 8). Não há exagero quando Manoel Anto- No item 5 da ementa do acórdão proferido tuais embargos do terceiro adquirente serão tuto, a hipoteca judiciária poderá recair in- nio Teixeira Filho perscruta na S-375-STJ estí- no julgamento do referido REsp nº 1.141.990- acolhidos, com livramento do bem constrito. clusive sobre bens móveis (BORGES; CLAUS, mulo à desonestidade do devedor. PR, revelou-se a distinção de tratamento confe- 2014). Também de ofício, o magistrado po- rido à fraude à execução fiscal, na comparação Pode-se argumentar que a parte final S- derá se utilizar de outras duas medidas legais Até o advento do Recurso Especial nº com a fraude à execução civil, na diferença 375-STJ abre à possibilidade de que a penho- correlatas que ingressam subsidiariamente no 1.141.990-PR, julgado pela 1ª Seção, tendo de qualidade do interesse jurídico tutelado em ra venha a subsistir e de que os embargos processo do trabalho pelas portas que lhes como Relator o Min. Luiz Fux, DJe 19-11- cada uma das modalidades de fraude: de terceiros venham a ser rejeitados caso o abrem os arts. 769 e 889 da CLT: 28. O autor sustenta a incompatibilidade da S-375-STJ com o processo do trabalho, ponderando ser da tradição jurídica considerar-se que a fraude à execução caracteriza-se pelos fatos objetivos da alienação do bem e da consequente insolvência do devedor, com presunção de 29. No item 1 da ementa, o STJ começa por afirmar que a lei especial prevalece sobre a lei geral, numa referência à prevalência do regi- má-fé do devedor. Na sequência, argumenta que o art. 593 do CPC não exige o registro da penhora ou má-fé do terceiro adquirente para a confi- me jurídico especial do art. 185 do CTN sobre regime jurídico geral do art. 593, II, do CPC, no que respeita à regência jurídica da fraude à execução guração de fraude à execução; e recusa se transferir ao credor o ônus da prova quanto à existência de má-fé do terceiro adquirente, por ser ônus 30. Na inteligência S-375-STJ, reputa-se verificada a má-fé do terceiro adquirente quando comprovado que esse tinha ciência da existên- probatório de difícil atendimento. cia da demanda contra o executado à época da aquisição do bem.
424242424242 434343434343 a) fazer registrar averbação pre- extraordinário (STF - AI – se impõe à racio- ma jurídico é saber se lícito ao credor hipo- monitória da existência de ação tra- nº 712245-RS, Relatora nalidade jurídica. tecário obter a adjudicação de bem quando balhista contra o demandado nos Min. Ellen Gracie, pu- concorre com credor trabalhista. Na solução órgãos de registro de propriedade blicado em 27-03-2010; A recusa a essa desse problema jurídico, é o art. 186 do CTN de bens (CPC, art. 615-A) (FIOREZE; STF – ARE nº 793809-PE, conclusão significa- que o jurista invoca para fundamentar o en- CLAUS, 2014); Relator Min. Roberto ria dar ao crédito tendimento de que não é dado ao credor b) fazer registrar ordem de indis- Barroso, publicado em tributário tutela jurí- hipotecário obter a adjudicação quando há ponibilidade de bens do executado 05-09-2014). dica superior àquela disputa com credor trabalhista 32. Ao recusar nos órgãos de registro de proprieda- assegurada ao crédi- juridicidade à pretensão do credor hipotecá- de de bens (CTN, art. 185-A) (CLAUS, Analisada a jurispru- to trabalhista. Com rio, Francisco Antonio de Oliveira obtempe- 2014). dência do Superior Tri- efeito, recusar essa ra “[...] que a tanto se opõe a preferência do bunal de Justiça acerca conclusão importa- crédito trabalhista (art. 186, CTN)”, explicitan- A orientação adotada no julgamento rea- da aplicabilidade da ria indireta – mas ine- do sua conclusão nestes termos: lizado sob o rito do regime dos recursos re- S-375 e a distinção es- quívoca – preterição petitivos representativos de controvérsia no tabelecida entre frau- do crédito trabalhista A permissão legal (art. 1.483, pará- REsp nº 1.141.990-PR uniformizou a jurispru- de à execução fiscal e pelo crédito tributá- grafo único) somente terá lugar em se dência do STJ na matéria, conforme exempli- fraude à execução civil, rio, em contradição cuidando de execução que não en- ficam os julgamentos posteriores realizados cumpre saber se é apli- lógico-sistemática à volva créditos preferenciais (acidentá- nos seguintes processos: AgRg no REsp nº cável ao processo do previsão do art. 186 rio – art. 83, I, Lei 11.101/2005 (LF) -, 241.691-PE, Relator Min. Humberto Martins, trabalho o regime jurídi- do Código Tributário trabalhista e executivos fiscais), pena 2ª Turma, publicado em 04-12-2012; REsp co especial da fraude à Nacional, preceito de frustrar-se a execução (OLIVEIRA, nº 1.347.022-PE, Relator Min. Castro Meira, 2ª execução fiscal previsto de direito material 2008, p. 163). Turma, publicado em 10-04-2013; AgRg no no art. 185 do CTN. cujo comando aca- REsp nº 289.499-DF, Relator Min. Napoleão baria por ser obliquamente violado. A prete- Nunes Maia Filho, 1ª Turma, publicado em É positiva nossa resposta, tendo por fun- rição do crédito trabalhista pelo crédito tribu- O segundo problema consiste em de- 31 24-04-2013; AgRg no REsp nº 212.974-AL, Rel. damento a aplicação analógica da orien- tário expressar-se-ia no grau inferior de tutela finir o alcance da medida legal de indisponi- Min. Eliana Calmon, 2ª Turma, publicado em tação jurisprudencial adotada no precitado jurídica que então seria atribuído ao crédito bilidade de bens prevista na Lei de Custeio da 29-11-2013. Essa orientação consolidou-se acórdão STJ–REsp nº 1.141.990-PR. Con- trabalhista por força de seu enquadramento Previdência Social perante o credor trabalhis- em definitivo, na medida em que o Supremo corre, ainda, para tal aplicação analógica no regime jurídico geral de fraude à execu- ta. Quando afirma que os bens declarados Tribunal Federal nega seguimento ao respec- a inflexão da interpretação sistemática do ção previsto no art. 593, II, do CPC, regime indisponíveis pelo § 1º do art. 53 da Lei nº tivo recurso extraordinário: o exame da ma- art. 186 do CTN que se impõe ao intérprete jurídico no qual a jurisprudência do STJ exclui 8.212/91 não estão excluídos da execução téria de fraude à execução implicaria análise nesse tema, submetido que está ao cânone a presunção absoluta de fraude, submetendo trabalhista, a doutrina de Francisco Antonio de legislação infraconstitucional (CPC e CTN) hermenêutico da lógica da não contradição o credor civil à restritiva diretriz da Súmula de Oliveira está fundada no método sistemá- (BEBBER, 2009, p. 344), não se configurando com o qual o método sistemático de inter- 375 do STJ. tico de interpretação do ordenamento jurídi- nessa matéria a contrariedade à Constituição pretação – à delicadeza de sua “prioridade co, porquanto o jurista subordina o preceito que o art. 102, III, a, da CF estabelece como lógica com respeito a outros critérios inter- A questão faz lembrar a doutrina de Fran- da Lei de Custeio da Previdência Social ao pressuposto ao conhecimento de recurso pretativos” (CHIERCIA, 1978, p. 243 et seq.) cisco Antonio de Oliveira acerca de dois pro- comando superior do art. 186 do CTN. Ou- blemas jurídicos correlatos cuja solução o ju- trossim, alarga a interpretação sistemática à 31. Ovídio Baptista da Silva, assíduo leitor de Karl Engisch e Arthur Kaufmann, rompe os grilhões que negam aos juristas o recurso à rista constrói pela sistemática administração consideração do art. 100, § 1º, da Constitui- analogia: “Ao socorrer-nos, na exposição precedente, das lições dos grandes filósofos do Direito contemporâneo, tivemos a intenção de mostrar do mesmo preceito legal. O primeiro proble- ção Federal, trazendo à ponderação a natu- que, como diz Kaufmann, a analogia não deve ser utilizada apenas como um instrumento auxiliar, de que o intérprete possa lançar mão, para a eliminação das lacunas. Ao contrário, o raciocínio jurídico será sempre analógico, por isso que as hipóteses singulares nunca serão entre si idênti- cas, mas apenas ‘afins na essência’.” (2004, p. 285). 32. Na verdade, quando há disputa com credor dotado de privilégio superior ao credor hipotecário.
444444444444 454545454545 reza alimentícia que a própria Constituição 186 e 187 do CTN, os quais informam assegura a tutela jurídica da penhora eletrô- os artigos 11, da Lei 6.830/80, e 655 e 655- reconhece ao crédito trabalhista. sobre a execução trabalhista (art. 889, nica de depósitos ou aplicações financeiras A do CPC, autoriza a penhora eletrônica de da CLT). Vale dizer, a ‘indisponibilidade’ independentemente do exaurimento das dili- depósitos ou aplicações financeiras indepen- Com efeito, caso a aplicação da norma do de que fala o § 1º retrocitado diz res- gências extrajudiciais por parte do exequente dentemente do exaurimento das diligências § 1º do art. 53 da Lei nº 8.212/91 pudesse ex- peito àqueles créditos cuja preferência (CPC, arts. 655 e 655-A), ao credor tributário extrajudiciais por parte do credor fiscal, por- cluir – por força de sua interpretação literal e não esteja acima do crédito tributário. não se assegurava essa tutela jurídica desde quanto se faltaria à coerência sistemática ao isolada – da execução trabalhista os bens tor- [...] Mirando-se por outra ótica, tem-se logo, exigindo-se-lhe o exaurimento de tais dar a credor comum tutela jurídica superior nados indisponíveis em execução previdenci- que a ‘indisponibilidade’ de que fala diligências para só depois poder chegar à àquela dada a credor privilegiado por norma ária, estaríamos então diante de contradição a lei diz 0respeito ao proprietário. Os penhora eletrônica de numerário. Isso nada de direito material (CTN, art. 186). lógico-sistemática caracterizada pela indireta bens declarados indisponíveis pela Lei obstante o privilégio legal que ordenamento preterição do privilégio do crédito trabalhista 8.212/91 não estão e não poderiam jurídico confere ao crédito tributário no art. A reprodução da ementa do acórdão jus- em favor do crédito previdenciário, com sub- estar alijados da execução trabalhista. 186 do CTN. tifica-se em razão da consistência de sua fun- versão à ordem preferencial dos créditos es- Essa não foi a mens legislatoris e não damentação e visa a permitir ao leitor avaliar tabelecida no Direito Brasileiro (CC, arts. 957, poderia sê-lo em face do superprivilé- se de fato há semelhança entre a construção 958 e 961; CTN, art. 186). gio e da natureza jurídica do crédito tra- sistemática proposta no presente estudo e a balhista (OLIVEIRA, 2008, p. 196). construção sistemática adotada no referido Essa contradição lógico-sistemática insta- julgamento do Superior Tribunal de Justiça. laria uma crise no ordenamento jurídico cuja Com efeito, somente uma resposta posi- Eis a ementa do acórdão: superação somente poderia ser alcançada tiva à pergunta acerca da aplicabilidade do mediante o restabelecimento da coerência regime jurídico especial da fraude à execu- “A antinomia aparente entre o art. interna do conjunto normativo ministrada ção fiscal previsto no art. 185 do CTN à exe- 185-A do CTN (que cuida da decre- pelo método sistemático de interpretação do cução trabalhista pode conferir sentido à se- tação da indisponibilidade de bens e ordenamento jurídico, de modo a, harmoni- guinte passagem do item 4 da Exposição de direitos do devedor executado) e os zando as partes ao todo, restaurar a unidade Motivos nº 223 da Lei nº 6.830/80, na qual artigos 655 e 655-A do CPC (penhora do sistema jurídico mediante o resgate de sua o legislador dos executivos fiscais, logo após de dinheiro em depósito ou aplicação unitária estrutura hierárquica. A didática lição sublinhar o predomínio de interesse público financeira) é superada com a aplica- do processualista paulista justifica a reprodu- na realização do crédito tributário, afirma ção da Teoria pós-moderna do Diálo- ção do argumento: que “[...] nenhum outro crédito deve ter, em go das Fontes, idealizada pelo alemão sua execução judicial, preferência, garantia Erik Jayme e aplicada, no Brasil, pela Dispõe a Lei 8.212, de 24.07.1991, ou rito processual que supere os do crédito primeira vez, por Cláudia Lima Mar- art. 53, que: ‘na execução judicial da público, à exceção de alguns créditos traba- ques, a fim de preservar a coexistência dívida ativa da União, suas autarquias e lhistas” (grifamos). entre o Código de Defesa do Consu- fundações públicas, será facultado ao midor e o novo Código Civil. Com exeqüente indicar bens à penhora, a À construção sistemática semelhante se- efeito, consoante a Teoria do Diálogo qual será efetivada concomitantemen- ria conduzido o Superior Tribunal de Justiça das Fontes, as normas mais benéficas te com a citação inicial do devedor. § quando defrontado com o desafio herme- supervenientes preferem à norma es- 1º. Os bens penhorados nos termos nêutico de superar a aparente antinomia Diante da necessidade de preservar a co- pecial (concebida para conferir tra- deste artigo ficam desde logo indispo- existente entre o art. 185-A do CTN (indispo- erência do sistema normativo, o STJ recorreu tamento privilegiado a determinada níveis. ’ Evidentemente, referidos pre- nibilidade de bens e direitos do devedor exe- à aplicação da Teoria do Diálogo das Fontes, categoria), a fim de preservar a coe- ceitos deverão ser interpretados em cutado) e os arts. 655 e 655-A do CPC (pe- que visa a harmonizar preceitos de diplomas rência do sistema normativo. Deveras, consonância com o art. 100 da CF, o nhora de dinheiro em depósito ou aplicação legais distintos, para concluir que a interpreta- a ratio essendi do art. 185-A, do CTN, é art. 29 da Lei 6.830/80 (LEF) e os arts. financeira). Enquanto ao credor comum se ção sistemática do artigo 185-A do CTN, com erigir hipótese de privilégio do crédito
46 47 tributário, não se revelando coerente e 186 do CTN – a interpretação sistemática A fraude à execução pela alienação de bem ‘colocar o credor privado em situa- como ponte hermenêutica à assimilação pro- no curso de demanda capaz de reduzir o alie- ção melhor que o credor público, dutiva do regime jurídico especial da fraude nante à insolvência tem como elementos ca- principalmente no que diz respeito à execução prevista no art. 185 do CTN à exe- racterizadores: a) a litispendência (demanda à cobrança do crédito tributário, que cução trabalhista. pendente); b) a alienação no curso da deman- deriva do dever fundamental de pa- da; e c) a redução do alienante à insolvência. gar tributos (artigos 145 e seguintes 7 A FRAUDE À EXECUÇÃO NO NOVO Não cogita, portanto, do consilium fraudis, uma da Constituição Federal de 1988).” CPC (E A NECESSIDADE DE REVISÃO DA S- vez que sanciona o intento de subtração ao (RESP 1.074.228/MG, Rel. Min. Mau- 375-STJ) Poder Jurisdicional 34. Como dizia Amílcar de ro Campbell Marques, 2ª Turma, j. Castro (1984, v. VIII, p. 84) a responsabilidade 07.10.2008, DJE 05.11.2008). Assim, O novo Código de Processo Civil tratou da processual é sujeição inelutável ao poder do Es- a interpretação sistemática do arti- fraude à execução no art. 792 e exigirá a re- tado (...). E por isso mesmo devem ser tratadas go 185-A do CTN, com os artigos 11, visão da Súmula n. 375 do STJ, uma vez que com maior severidade as manobras praticadas da Lei 6.830/80, e 655 e 655-A do disse textualmente o que parte da doutrina pelo devedor, para fugir daquela responsabili- CPC, autoriza a penhora eletrônica adverte há tempo: a fraude à execução pela dade, isto é, para suprimir efetivamente, ou sa- de depósitos ou aplicações financei- alienação de bem no curso de demanda ca- bendo que praticamente suprime, os efeitos de ras independentemente do exauri- paz de reduzir o alienante à insolvência (CPC, sua sujeição ao poder do Estado. mento das diligências extrajudiciais art. 792, IV) não se confunde com a fraude por parte do exequente” (STJ - RESP à execução pela alienação de bem quando A fraude à execução pela alienação de 1184765/PA, 1ª Seção, Relator Min. tiver sido averbado, em seu registro, ato de bem quando tiver sido averbado, em seu re- Luiz Fux, j. 03.12.2010). 33. gistro, ato de constrição judicial (CPC, art. 792, constrição judicial (CPC, art. 792, III) III) tem como elementos caracterizadores: As razões expostas conduzem à conclu- pressupõe o consilium fraudis, diante são de que relegar a fraude à execução tra- a) a litispendência (demanda da averbação do ato de constrição no balhista ao regime jurídico geral do art. 593, pendente); registro. II, do CPC, enquadrando-a na modalidade de b) a constrição judicial de bem; fraude à execução civil, significaria negar a c) a averbação da constrição ju- Se o bem se encontra sob o império da primazia do crédito trabalhista sobre o cré- dicial junto ao registro do bem; e apreensão judicial, “não pode sofrer qual- dito fiscal prevista no art. 186 do CTN. Para d) a alienação no curso da de- quer limitação decorrente de ato voluntário restabelecer a primazia do crédito trabalhis- manda. Independe, portanto, da redu- do devedor e de outrem” (GRECO, 2001, v.2, ta sobre o crédito fiscal também no relevan- ção do alienante à insolvência, uma p. 46). Por isso, o ato de constrição que gra- te tema da fraude à execução é necessário vez que sanciona a afronta à individu- va o bem o acompanha, “perseguindo-o no estender à execução trabalhista o regime alização do bem e sua separação do poder de quem quer que o detenha, mesmo jurídico especial da fraude à execução fis- 35 cal previsto no art. 185 do CTN mediante in- patrimônio pelo ato de constrição, e que o alienante seja um devedor solvente” . terpretação sistemática dos arts. 889 da CLT 34. A fraude de execução caracteriza “ato de rebeldia à autoridade estatal exercida pelo juiz no processo”, uma vez que, “alienar bens na pendência deste e reduzir-se à insolvência significaria tornar inútil o exercício da jurisdição e impossível a imposição do poder sobre o patrimô- 33. Da distinção entre fraude à execução prevista no inciso II do art. 593, do CPC e alienação de bem penhorado “resultam importantes nio do devedor” (DINAMARCO, Cândido Rangel. Execução Civil. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 1993, p. 275). A alienação e a oneração (CPC, art. consequências: se o devedor for solvente, a alienação de seus bens é válida e eficaz a não ser que (a) se trate de bem já penhorado ou, por qual- 593) “dos bens do devedor vem constituir verdadeiro atentado contra o eficaz desenvolvimento da função jurisdicional já em curso, porque subtrai quer outra forma, submetido a constrição judicial, e (b) que o terceiro adquirente tenha ciência – pelo registro ou por outro meio – da existência o objeto sobre o qual a execução deverá recair” (LIEBMAN, Enrico Tullio. Processo de Execução. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 1980, p. 108). daquela constrição; mas, se o devedor for insolvente, a alienação será ineficaz em face da execução, independentemente de constrição judicial 35. THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. 14. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1995, v. II, p. 111. Os atos executó- do bem ou da cientificação formal da litispendência e da insolvência ao terceiro adquirente” (ZAVASKI, Teori Albino. Comentários ao Código de rios continuam a incidir sobre o bem em razão de um vínculo que o prende “ao processo, e que pré-existe à aquisição do terceiro. A propriedade Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, v. 8, p. 286). deste já nasceu limitada” (GRECO, Leonardo. O Processo de Execução. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, v. 2, p. 46).
484848484848 494949494949 8 O MARCO TEMPORAL A PARTIR DO tar-se como marco temporal a partir do qual No âmbito do processo do trabalho, a ela- A opinião de Manoel Antonio Teixeira Fi- QUAL A ALIENAÇÃO FAZ PRESUMIR FRAU- há presunção de fraude na alienação do bem boração teórica tem se inclinado a identificar lho em favor da adoção da data do ajuiza- DE À EXECUÇÃO TRABALHISTA: AJUIZA- pelo reclamado: 1) o ajuizamento da deman- tal marco temporal na data do ajuizamento mento da demanda como marco temporal MENTO X CITAÇÃO da; 2) a citação do devedor. da demanda. Isso porque o art. 593, inciso a partir do qual se presume a fraude à exe- II, do CPC, exige apenas a existência de uma cução do reclamado tem por fundamento Diversamente do que ocorre no Direito No âmbito do processo civil, a doutrina in- ação pendente (corria contra o devedor de- o fato de que a doutrina justrabalhista não 36 Tributário atual , em que a presunção abso- clina-se a identificar na citação do réu o mar- manda), não fazendo exige ato citatório para luta de fraude à execução fiscal configura-se co temporal definidor da fraude à execução. referência ao fato de considerar interrompida quando o crédito tributário já se encontrava Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Are- que nela o réu já deva “No âmbito do a prescrição e estabeleci- inscrito em dívida ativa à época da alienação nhart ponderam que, embora toda ação se ter sido citado. Tem-se da a prevenção, reputan- do bem, no Direito do Trabalho não há uma considere proposta no momento em que é ação pendente desde o processo do trabalho, do suficiente, para tanto, fase administrativa de pré-constituição do distribuída (art. 263 do CPC), a caracterização momento em que ela é a elaboração teórica o ajuizamento da deman- crédito trabalhista; há, apenas, a fase judicial, 37. da fraude à execução depende da ciência do ajuizada pelo autor da (TEXEIRA FILHO, 2013, que tem início com a propositura da ação 38 tem se inclinado réu da existência da demanda. “Assim – ar- (ou exequente) , nada P. 204). O autor argumen- reclamatória trabalhista e prossegue com a gumentam Marinoni e Arenhart – a alienação obstante a tríplice angu- a identificar tal marco ta que a exigência de ci- citação do reclamado e demais atos proces- ou oneração de bens é considerada em frau- larização venha a ocor- temporal na data tação poderia permitir suais. de à execução apenas após a citação válida rer somente em mo- que o devedor se bene- (art. 219 do CPC)” (MARINONI, 2014, p. 267). mento posterior, com do ajuizamento ficiasse da própria torpe- No Direito Tributário, há um livro de lança- a citação do réu (ou da demanda.” za, exemplificando com mento da dívida ativa, registro público que 39 Portanto, executado). situação em que o de- permite aos interessados livre consulta para se a alienação ocor- vedor, antes da citação, saber se o alienante é sujeito passivo de obri- reu posteriormente ao viesse a alienar todos os gação tributária pendente. A referência dou- ajuizamento da ação, caracterizada estará a bens após dispensar os empregados, frus- trinária é do tributarista Paulo de Barros Car- fraude de execução 40. A distribuição da ação trando a execução dos respectivos créditos valho (2007, p.558): “é o quanto basta para o reconhecimento da trabalhistas. configuração da fraude de execução, pouco importando que a própria citação do devedor Diante da omissão da CLT e da LEF sobre ... inscrito o débito tributário pela Fa- e a própria penhora do bem houvessem ocor- a matéria e diante da previsão do art. 263 do zenda Pública, no livro de registro da rido após a alienação, que, na linguagem de- CPC, parece razoável adotar a data do ajui- dívida ativa, fica estabelecido o marco senganada da lei, foi efetuada quando já em zamento da demanda como o marco tem- temporal, após o que qualquer aliena- curso demanda capaz de reduzir o executado poral a partir do qual se tem por caracteriza- ção de bens ou rendas, ou seu começo, à insolvência”(CAHALI, 1989, p. 464). do o ilícito de fraude à execução trabalhista. pelo sujeito devedor, será presumida como fraudulenta. 37. CPC, art. 263. Considera-se proposta a ação, tanto que a petição inicial seja despachada pelo juiz, ou simplesmente distribuída, onde houver mais de uma vara. A propositura da ação, todavia, só produz, quanto ao réu, os efeitos mencionados no art. 219 depois que for No Direito do Trabalho, a ausência de uma validamente citado. fase administrativa de pré-constituição do 38. CPC, art. 617. A propositura da execução, deferida pelo juiz, interrompe a prescrição, mas a citação do devedor deve ser feita com crédito trabalhista mediante registro público observância do disposto no art. 219. 39. FRAUDE À EXECUÇÃO - Débito fiscal - Caracterização - Transferência de uso de linha telefônica objeto de penhora - Antecedência acaba por conduzir o operador jurídico a co- de três meses depois da propositura da execução fiscal - Fraude que se caracteriza com a propositura da ação - Irrelevância do devedor ter ou não gitar de dois momentos possíveis para ado- tomado ciência da citação - Aplicação dos artigos 185 do CTN e 593 do CPC - Recurso não provido (TJSP, Apelação Cível n. 228.959-2, Rel. Des. Ricardo Brancato). 40. Nesse sentido: Alcides de Mendonça Lima (Comentários ao Código de Processo Civil. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, vol VI, pág. 452); Belmiro Pedro Welter (Fraude de Execução. Porto Alegre: Síntese, 1997, pág. 37); Ronaldo Brêtas de Carvalho Dias (Fraude à Execução. Diges- 36. Desde o advento da Lei Complementar nº 118, de 09-06-2005. to de Processo. Rio de Janeiro: Forense, 1985, vol. 3, pág. 6); Maria Berenice Dias (Fraude à Execução. Revista Ajuris 50/75).
505050505050 515151515151 CONCLUSÃO tema, é razoável concluir então que é esse REFERÊNCIAS CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito sistema – e não apenas os preceitos da Lei Tributário. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. O sistema legal inclui a fraude à execução nº 6.830/80 – que se aplica subsidiariamente ASSIS, Araken de. Manual da Execução. 14. ed. fiscal entre os casos de fraude à execução à execução trabalhista, por força da previsão São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. CASTRO, Amílcar de. Comentários ao Código capitulados no inciso III do art. 593 do CPC, do art. 889 da CLT em interpretação extensi- de Processo Civil. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tri- identificando na previsão do art. 185, caput, va. BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro. bunais, 1983. v. 8. do CTN, particular modalidade de fraude à 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999. execução inserida pelo direito positivo entre Relegar a fraude à execução trabalhista ao CAHALI, Yussef Said. Fraudes Contra Credores. os “demais casos expressos em lei”; modali- regime jurídico geral do art. 593, II, do CPC, BAPTISTA DA SILVA, Ovídio. Processo e ideolo- São Paulo: Revista dos Tribunais, 1989. dade de fraude à execução em que a presun- enquadrando-a na modalidade de fraude à gia: o paradigma racionalista. Rio de Janeiro: Fo- ção de fraude é considerada absoluta. execução civil, significaria negar a primazia rense, 2004. CHAVES, Luciano Athayde. Ferramentas eletrô- do crédito trabalhista sobre o crédito fiscal nicas na execução trabalhista. In: CHAVES, Luciano Na medida em que a fraude à execução prevista no art. 186 do CTN. Para restabele- BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplica- Athayde (Org.) Curso de processo do trabalho. São fiscal é considerada hipótese de presunção cer a primazia do crédito trabalhista sobre o ção da Constituição. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. Paulo: LTr, 2009. absoluta de fraude no Direito Tributário, a crédito fiscal também no relevante tema da vantagem jurídica com que essa concepção fraude à execução é necessário estender à BEBBER, Júlio César. Recursos no processo do CHIERCHIA, Pietro Merola. L’interpretazione de fraude à execução tutela o crédito fiscal execução trabalhista o regime jurídico espe- trabalho. 2. ed. São Paulo: LTr, 2009. sistemática della Constituzione. Padova: CEDAM, conduz o operador do processo do trabalho a cial da fraude à execução fiscal previsto no 1978. interrogar-se acerca da juridicidade da exten- art. 185 do CTN mediante interpretação sis- BERNAL, Francisco Chamorro Bernal. La tutela são dessa concepção de fraude à execução temática dos arts. 889 da CLT e 186 do CTN. judicial efectiva: derechos y garantias procesales CLAUS, Ben-Hur Silveira. Hipoteca judiciária: ao processo do trabalho mediante recurso à derivados del artículo 24.1 de La Constitución. a (re)descoberta do instituto diante da Súmula analogia, em face da promessa constitucio- Barcelona: Bosch, 1994. 375 do STJ: Execução efetiva e atualidade da nal de jurisdição efetiva (CF, art. 5º, XXXV). hipoteca judiciária. Revista do Tribunal Regional BORGES, Aline Veiga; CLAUS, Ben-Hur Silveira. do Trabalho da 4ª. Região, Porto Alegre, n. 41, O crédito trabalhista é expressão objetiva Hipoteca judiciária sobre bens não elencados 2013. de inadimplemento à contraprestação devi- no art. 1.473 do Código Civil: a efetividade da da ao trabalhador pelo tomador dos serviços, jurisdição como horizonte hermenêutico”. LTr: ______. A aplicação da medida legal de indis- trabalho esse cuja prestação incorpora-se ao Suplemento Trabalhista, São Paulo, v. 50, n. 59, p. ponibilidade de bens prevista no art. 185-A do patrimônio do tomador de serviços na con- 267-272, 2014. CTN à execução trabalhista: uma boa prática a dição de riqueza apropriada sob a forma de serviço do resgate da responsabilidade patrimo- mais-valia. É o fato objetivo de que essa apro- BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp nº nial futura. Revista do TRT da 8ª Região, Belém, n. priação faz-se inexorável na relação de pro- 442.325-RS. Primeira Turma. Relator: Min. Luiz Fux. 92, 2014. dução capitalista que conduz a consciência Brasília,7 de novembro de 2002. Publicado no DJ: jurídica a sobrevalorizar o crédito trabalhista 25.11.2002, p. 207. DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito na disputa com outras espécies de créditos, do trabalho. 10 ed. São Paulo: LTr, 2011. reconhecendo-lhe posição de superprivilé- _________. REsp nº 188.148-RS. Corte Especial. gio indispensável à concretização do valor Relator Min. Humberto Gomes de Barros. Publica- DENARI, Zelmo. In: MARTINS, Ives Gandra da da dignidade da pessoa humana que vive do do no DJU: 27.05.2002, p. 121. Silva (Coord.). Comentários ao Código Tributário trabalho. Nacional. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. v. 2. _________ REsp nº 11441990-PR. Primeira Se- Assimilada a ideia de que os executivos ção. Relator: Min. Luiz Fux. Brasília, 10 de novembro DIAS, Maria Berenice. Fraude à execução. Revis- fiscais constituem verdadeiramente um sis- de 2010. Publicado no DJe:19.11.2010. ta Ajuris, Porto Alegre, 50/75.
52 53 DIAS, Ronaldo Brêtas de Carvalho. Fraude à exe- MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio cução: digesto de processo. Rio de Janeiro: Foren- Cruz. Curso de processo civil: execução. 6 ed. se, 1985. v. 3. São Paulo: Forense, 2014. v. 3. DINAMARCO, Cândido Rangel. Execução Civil. MIRANDA, João Damasceno Borges de. In: PEI- 3. ed. São Paulo: Malheiros, 1993. XOTO, Marcelo Magalhães; LACOMBE, Rodrigo Santos Masset (Coords.). Comentários ao Código ENGISCH, Karl. Introdução ao pensamento Tributário Nacional. São Paulo: Magalhães Peixoto jurídico. 10. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gul- Editora, 2005. benkian, 2008. OLIVEIRA, Francisco Antonio de. Execução na FIOREZE, Ricardo; CLAUS, Ben-Hur Silveira. Exe- Justiça do Trabalho. 6. ed. São Paulo: Revista dos cução efetiva: A aplicação da averbação premo- Tribunais, 2008. nitória do art. 615-A do CPC ao processo do tra- balho, de ofício. Justiça do Trabalho, Porto Alegre, OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. Dívida ativa da Fa- n. 366, jun. 2014. zenda Pública. RT Informa, 261:5. DUMPING SOCIAL NA RELAÇÃO DE GRECO, Leonardo. O processo de execução. RIBEIRO, André de Melo. O novo eixo axio- Rio de Janeiro: Renovar, 2001. v. 2. lógico de interpretação do fenômeno da em- TRABALHO: UMA AFRONTA AO PRINCÍPIO presa e a modulação necessária entre o direito GUTJAHR, Valéria. In: PEIXOTO, Marcelo Maga- do trabalho e o direito concursal após a Lei n. DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA lhães; LACOMBE, Rodrigo Santos Masset (Coords.). 11.101/2005. In: GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa; Comentários ao Código Tributário Nacional. São ALVARENGA, Rúbia Zanotelli de (Orgs.). Direito do Paulo: Magalhães Peixoto Editora, 2005. trabalho e direito empresarial sob o enfoque dos Carla Rafaela Caravieri dos Santos Pardin* direitos fundamentais. São Paulo: LTr, 2015. LIMA. Alcides de Mendonça. Comentários ao Código de Processo Civil. 6. ed. Rio de Janeiro: TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio. Execução no Forense. v. 6. processo do trabalho. 11. ed. São Paulo: LTr, 2013. RESUMO vidade. O dano ocasionado por esta conduta LIEBMAN, Enrico Tullio. Processo de execução. THEODORO JÚNIOR. Humberto. Lei de Execu- desleal das empresas perpassa do plano in- 4. ed. São Paulo: Saraiva, 1980. ção Fiscal. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. O presente artigo de base científico-aca- dividual refletindo na coletividade, vez que dêmica tem por escopo demonstrar o reco- é do trabalho que o ser humano consegue LOPES, Mauro Luís Rocha. Processo judicial tri- _______. Curso de direito processual civil. 14. nhecimento do Dumping Social nas relações ter qualidade de vida bem como, meios de butário: execução fiscal e ações tributárias. 7 ed. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1995. v. 2. trabalhistas. Prática abstraída das relações subsistência. Com base nestas pequenas Niterói, RJ: Impetus, 2012. do Direito Comercial o Dumping afronta o considerações o presente estudo versará so- WELTER, Belmiro Pedro. Fraude de execução. Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, bre como esta prática vem sendo combatida MACHADO, Hugo de Brito. Comentários ao Có- Porto Alegre: Síntese, 1997. pois o trabalhador deixa de ter devidamente no plano internacional bem como, pela vara digo Tributário Nacional. 2 ed. São Paulo: Atlas, o reconhecimento de seus direitos, inclusive especializada do trabalho e as implicações 2009. v. 3. ZAVASCHI, Teori Albino. Comentários ao Códi- não recebendo corretamente suas verbas em desse dano social ante a violação habitual da go de Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribu- razão da opção do empregador pela lucrati- dignidade do trabalhador. MADEIRA, Anderson Soares. Lei de Execuções nais, 2000, v. 8. Fiscais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001. * Estudante do 10º semestre do curso de Direito da Faculdade Católica Rainha da Paz - FCARP, Araputanga/MT. [email protected]
54 55 PALAVRAS-CHAVE: Dumping Social. Dano quanto ao adimplemento correto das verbas A prática desenfreada do Dumping oca- Visando inibir tais práticas desonestas, que Social. Princípio da Dignidade da Pessoa Hu- trabalhistas de seus empregados. Com esta siona repercussões distintas, a primeira sob a impactam nos efeitos do desemprego no mana. prática, reduz os custos e elevam os ganhos. forma de dano transindividual difuso, no qual plano internacional, os países desenvolvidos Ocorre que tal prática é repudiada pelo orde- seus efeitos impõem-se ao organismo social defendem, e têm trazido para discussões em ABSTRACT namento jurídico pátrio, como também pe- (Dumping social), e a segunda sob a forma de órgãos internacionais como a Organização los países no âmbito das relações comerciais dano individual, que se impõe aos sujeitos do Mundial do Comércio (OMC), a implementa- This scientific and academic base article internacionais e constantemente vêm sendo contrato que prejudicar (Dumping jurídico)1. ção de uma “cláusula social” nos tratados de is to demonstrate the scope of recognition debatido, interna e externamente, meios que Objeto de nosso estudo limitar-se-á à exten- natureza comercial de âmbito internacional, of the Social Dumping in labor relations. Abs- viabilizem a inibição desta prática desleal. são do dumping social no âmbito trabalhista. para forçar os países pactuantes a garantir tracted practice of relations of Commercial À conduta destas empresas dá-se o nome um mínimo de direitos trabalhistas, sob pena Law Dumping affront the Principle of Human de Dumping Social, objeto a ser abordado Na seara internacional, Dumping Social de imposição de sanção de índole comercial. Dignity, for the worker fails to properly get the neste estudo. Em breves palavras, consiste está intrinsecamente relacionado com os recognition of their rights, including not pro- em uma atuação desleal por alguns empre- padrões trabalhistas mí- Tal cláusula social, perly getting their money because of the em- gadores pela qual deixam de remunerar com- nimos a serem observa- em suma, “visa refle- ployer's choice for profitability. The damage pletamente seus trabalhadores ou deixam de dos pelos países. Alvo “Frequentemente tir padrões trabalhistas caused by this unfair conduct of business per- reconhecer a eles algum direito que lhes é de reiteradas discussões chegam aos tribunais mínimos nos tratados vades the single plan reflecting the communi- inerente, em busca de maior lucratividade. no âmbito do comércio relativos ao comércio ty, since it is the work that the human being Acontece que esta realidade viola um dos internacional, em sin- especializados em internacional, a fim de can have quality of life as well, livelihoods. Ba- fundamentos da República Federativa do Bra- gela conceituação, o matéria trabalhista os diminuir a superexplo- sed on these small considerations this study sil, o Princípio da Dignidade da Pessoa Huma- Dumping Social consiste ração do trabalhador will focus on how this practice is being fought na, que reflete também no organismo social no alcance de custos re- pedidos condenatórios e o desemprego.” (MA- at the international level as well, by the spe- em que está inserido o trabalhador, ocasio- duzidos e lucros amplia- pela prática de ZZUOLI, 2015, p. 1113). cialized stick work and the implications of this nando um dano o qual é chamado de dano dos. Dumping Social.” Para tanto, os países social damage before the habitual violation social. A seguir, tecerei alguns apontamentos desenvolvidos propõem of workers' dignity. relevantes sobre a prática do Dumping Social Segundo as lições de atuação conjunta da Trabalhista, iniciando com o seu conceito e Valério Mazzuoli, Dum- OMC e Organização In- KEYWORDS: Social dumping. Social Da- extensões interna e externamente, chegando ping Social seria ternacional do Trabalho mage. Principle of the Dignity of the Human à análise de como os tribunais do trabalho (OIT) para resguardar os direitos fundamentais Person. vem aplicando sanção a esta conduta em- [...] a prática de certos Estados em explorar dos obreiros, haja vista ter esta última meca- presarial adotada. o trabalhador, desrespeitando padrões traba- nismos eficientes para exigir seus comandos. 1 INTRODUÇÃO lhistas mínimos internacionalmente consagra- 2 CONCEITUANDO DUMPING SOCIAL dos, a fim de conseguir competitividade no Frequentemente chegam aos tribunais es- Do avanço das relações comerciais e da TRABALHISTA mercado internacionalmente consagrados na pecializados em matéria trabalhista os pedi- competição acirrada existente no comércio produção de bens a um custo final muito mais dos condenatórios pela prática de Dumping surgem as necessidades de estabelecer um Dumping, expressão primeiramente utili- baixo do que o normal. Tem como caracterís- Social. Ausência de pagamento de horas equilíbrio entre custo de mão-de-obra, des- zada pelo Direito Comercial consiste em uma tica a diminuição dos custos de produção no extraordinárias, horas in itinere, atraso sala- pesas com encargos trabalhistas, fiscais e a prática privada desleal, reprovada pela Organi- país de exportação, incentivada pelos baixos rial, ausência de anotações na Carteira de obtenção de lucro. Devido à cultura capita- zação Mundial do Comércio (OMC), existente salários [...] e pela falta de assistência social Trabalho, dentre outras práticas comumente lista que se sedimentou em grande parte da entre empresa de produção e empresa de ex- ao trabalhador. (2015, p. 1113). adotadas pelas empresas em busca de alta sociedade a maioria das empresas opta pe- portação, pela qual uma mesma mercadoria é los altos lucros, ainda que para isso tenha que comercializada a um preço inferior no merca- 1. PINTO, José Augusto Rodrigues. Dumping Social ou delinquência patronal na relação de emprego?. Disponível em: http://www.tst. burlar o sistema normativo, principalmente do estrangeiro e superior ao mercado interno. jus.br/documents/1295387/2684887/Dumping+Social+ou+delinqu%C3%AAncia+patronal+na+rela%C3%A7%C3%A3o+de+emprego. Acesso em: 29 Ago. 2015.
56 57 lucratividade à custa do empregado, vêm mônio moral - principalmente a respeito da viários de São Paulo a destinar indenização condicionando-o a buscar judicialmente o segurança - quanto por diminuição na quali- para instituição filantrópica (cestas básicas) reconhecimento e recebimento das verbas dade de vida.” (2015, p. 410). devido a uma greve totalmente abusiva que impagas pelo empregador. parou a grande metrópole. 2 Tais danos geram implicações tanto no José Augusto R. Pinto, ao tratar do as- âmbito moral quanto material e diferencia- Impende mencionar que a indenização sunto no artigo “Dumping Social ou Delin- se do dano moral coletivo por este estar atribuída, nestes casos, passa a ser fixada le- quência Patronal na Relação de Emprego?” restrito ao dano extrapatrimonial. Os danos vando em consideração a extensão do dano conceitua dumping social trabalhista como sociais são difusos, ou seja, as vítimas são para a coletividade, bem como o caráter dis- a extensão que “corresponde à deterioração indeterminadas ou indetermináveis, e decor- ciplinar ou pedagógico da responsabilidade do contrato individual de emprego em be- rem de “condutas socialmente reprováveis civil, como desestímulo para a prática reite- nefício do lucro do empregador com sacrifí- ou comportamentos exemplares negativos”, rada da conduta. cio das obrigações e encargos sociais tutela- nas palavras de Azevedo (apud TARTUCE, res do empregado.” (2011, p. 7). 2015, p. 411). Na seara trabalhista o dano social é plena- mente aplicável, visto que o trabalhador en- Seja no âmbito interno ou externo a práti- Importante mencionar que os direitos di- contra-se amparado pelas normas constitu- ca do dumping atenta contra a boa fé e a le- fusos têm fundamento inicial no Código de cionais e infraconstitucionais as quais tentam aldade existente em uma relação contratual Defesa do Consumidor, precisamente no juridicamente estabelecer equilíbrio na rela- em prol de uma visão capitalista. Na esfera Art. 81, I (Lei 8.078/90) o qual traz a defini- ção contratual entre empregado -que é hi- trabalhista, priva os trabalhadores dos direi- ção de direitos ou interesses difusos como possuficiente- e empregador. Tais normas são tos mínimos garantidores da sadia relação “transindividuais, de natureza indivisível, de resultados de inúmeras conquistas históricas empregatícia, subtraindo destes, inclusive, que sejam titulares pessoas indeterminadas e todas protegem o empregado e condicio- a completa contraprestação fruto de seu la- e ligadas por circunstâncias de fato”. nam a uma atuação na prestação de serviço bor. com o mínimo de dignidade a ser respeitado O grande impasse do dano social repousa pelos empregadores. Demonstrado o significado e os reflexos na identificação do(s) legitimado(s) a quem do dumping interna e externamente, faz-se deverá ser destinado o valor da indeniza- Importante destacar o entendimento do necessário uma análise do impacto de sua ção atribuída. Neste ínterim, aponta Antônio juiz Jorge Souto Maior, da 15ª Região, que ÇÃO “EX OFFICIO” EM RECLAMAÇÕES INDIVI- prática nas relações de trabalho. Junqueira que o quantum indenizatório de- com acuidade analisou as razões recursais de DUAIS. Importa compreender que os direitos verá ser destinado a um fundo de proteção Recurso Ordinário, no processo nº 0049300- sociais são o fruto do compromisso firmado 3 DANO SOCIAL E A VIOLAÇÃO AO a depender dos direitos atingidos. Menciona 51-2009-5-15-0137, interposto pela reclaman- pela humanidade para que se pudesse pro- PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HU- ainda, como fundamentação de sua conclu- te e delimitou as peculiaridades do dano so- duzir, concretamente, justiça social dentro de MANA são, a dicção do Art. 883, Parágrafo Único do cial na seara laboral. Vejamos: uma sociedade capitalista. Esse compromis- Código Civil que trata da destinação do pa- so, fixado em torno da eficácia dos Direitos O dano social consiste em uma nova mo- gamento para obtenção de algo ilícito, imo- DANO SOCIAL (“DUMPING SOCIAL”). Sociais, se institucionalizou em diversos docu- dalidade de dano proposto pelo professor ral ou proibido por lei, o qual será revertido IDENTIFICAÇÃO: DESRESPEITO DELIBE- mentos internacionais nos períodos pós-guer- Antônio Junqueira de Azevedo, titular da a estabelecimento local de beneficência. RADO E REITERADO DA LEGISLAÇÃO ra, representando, também, um pacto para a Universidade de São Paulo. Segundo Azeve- TRABALHISTA. REPARAÇÃO: INDENIZA- preservação da paz mundial. Esse capitalis- do, citado pelo doutrinador Flávio Tartuce Como exemplificação de danos sociais em sua obra, “[...] os danos sociais, por sua ou difusos Flávio Tartuce (2015, p. 412) traz 2. TRT da 2.ª Região, Dissídio coletivo de greve, Acórdão 2007001568, Rel. Sonia Maria Prince Franzini, Revisor(a): Marcelo Freire Gon- vez, são lesões à sociedade, no seu nível de em sua obra um julgado do TRT da 2ª Re- çalves, Processo 20288-2007-000-02-00-2, j. 28.06.2007, Data de Publicação: 10.07.2007, Partes suscitante(s): Ministério Público do Trabalho da vida, tanto por rebaixamento de seu patri- gião que condenou o Sindicato dos Metro- Segunda Região, Suscitado(s): Sindicato dos Trabalhadores em Empresas de Transportes Metroviários de São Paulo e Companhia do Metropolitano de São Paulo - Metrô.
585858585858 595959595959 mo socialmente responsável perfaz-se ação deliberada, consciente e econo- Consoante contornos feitos pelo nobre ma- exemplo, fica incumbido de garantir àquele tanto na perspectiva da produção de micamente inescusável de não respeitar gistrado, as violações dos direitos do trabalha- condições de existência digna para uma sadia bens e oferecimento de serviços quan- a ordem jurídica trabalhista), tais como: dor ferem diretamente um dos princípios de qualidade de vida no ambiente laboral bem to na ótica do consumo, como faces da salários em atraso; salários “por fora”; maior consagração pela Constituição Federal como, garantir ao trabalhador a devida contra- mesma moeda. Deve pautar-se, tam- trabalho em horas extras de forma ha- vigente, qual seja, o da Dignidade da Pessoa prestação pelos serviços prestados. bém, por um sentido ético, na medida bitual, sem anotação de cartão de pon- Humana. Insculpido no Art. 1º, III, da CF/88 em que o desrespeito às normas de to de forma fidedigna e o pagamento como um dos fundamentos da República Fe- caráter social traz para o agressor uma correspondente; não recolhimento de derativa do Brasil, a Dignidade da Pessoa Hu- vantagem econômica frente aos seus FGTS; não pagamento das verbas resci- mana é atributo inerente a todo ser humano e concorrentes, mas que, ao final, con- sórias; ausência de anotação da CTPS deve ser respeitados todos os direitos garanti- duz todos ao grande risco da instabili- (muitas vezes com utilização fraudulen- dores desta característica em qualquer plano, dade social. As agressões ao Direito do ta de terceirização, cooperativas de tra- quer seja cível, criminal, trabalhista, etc. Trabalho acabam atingindo uma gran- balho, estagiários, temporários, pejotiza- de quantidade de pessoas, sendo que ção etc.); não concessão de férias; não Desmerece empreender demasiado esforço destas agressões o empregador muitas concessão de intervalo para refeição e para demonstrar que sua aplicação é plena no vezes se vale para obter vantagem na descanso; trabalho em condições in- Direito do Trabalho, vez que o trabalhador, an- concorrência econômica com relação salubres ou perigosas, sem eliminação tes de tudo, é uma pessoa humana. Seguindo a vários outros empregadores. Isto im- concreta dos riscos à saúde etc., deve-se o conceito proposto por Ingo W. Sarlet, men- plica dano a outros empregadores não proferir condenação que vise a repara- cionado pelo doutrinador Carlos Bezerra Leite, identificados que, inadvertidamente, ção específica pertinente ao dano social dignidade da pessoa humana nada mais é do cumprem a legislação trabalhista, ou perpetrado, fixada “ex officio” pelo juiz que uma que, de certo modo, se vêem força- da causa, pois a perspectiva não é a da O trabalho sempre foi o epicentro das ativi- dos a agir da mesma forma. Resultado: mera proteção do patrimônio individual, [...] qualidade intrínseca e distintiva de dades desempenhadas pelo ser humano para precarização completa das relações sendo inegável, na sistemática processu- cada ser humano que o faz merecedor organizar-se em sociedade e manter a estabi- sociais, que se baseiam na lógica do al ligada à eficácia dos Direitos Sociais, do mesmo respeito e consideração por lidade e o progresso das relações nos grupos capitalismo de produção. O desrespei- a extensão dos poderes do juiz, mesmo parte do Estado e da comunidade, im- sociais. “Tem por finalidade fazer com que o to deliberado, inescusável e reiterado nas lides individuais, para punir o dano plicando, neste sentido, um complexo homem, mercê dele, se esforce para obter os da ordem jurídica trabalhista, portanto, social identificado. de direitos e deveres fundamentais que bens necessários à subsistência, eis que dela representa inegável dano à sociedade. assegurem a pessoa tanto contra todo depende o bem maior do ser humano, que é o Óbvio que esta prática traduz-se como e qualquer ato de cunho degradante e bem da vida”. (FERRARI, Irany. p. 1015). “dumping social”, que prejudica a toda desumano, como venha a lhe garantir a sociedade e óbvio, igualmente, que o as condições existentes mínimas para Destarte, a prática dos empregadores de aparato Judiciário não será nunca sufi- uma vida saudável, além de propiciar e absterem-se de adimplir com as peculiaridades ciente para dar vazão às inúmeras de- promover sua participação ativa e cor- do contrato de trabalho com o único e exclusi- mandas em que se busca, meramente, responsável nos destinos da própria exis- vo objetivo de lucratividade enseja na violação a recomposição da ordem jurídica na tência e da vida em comunhão com os do Princípio da Dignidade Humana, inerente ao perspectiva individual, o que representa demais seres humanos. (2015, p.75). obreiro, o que acaba por refletir na organiza- um desestímulo para o acesso à justiça ção social o qual este trabalhador está inserido, e um incentivo ao descumprimento da Tal conceito se amolda perfeitamente no pois como dito alhures, o trabalho é o elo utili- ordem jurídica. Assim, nas reclamações âmbito de qualquer relação de trabalho, vez zado pelo ser humano para conseguir manter trabalhistas em que tais condutas forem que o obreiro sempre fica subordinado ao po- o bem da vida, que é subsistir com qualidade constatadas (agressões reincidentes ou der do tomador de seus serviços e este, por e dignidade.
60 61 a ratificação do pacto tenha se dado de for- O marco na jurisprudência quanto à aplica- TO "EXTRA PETITA" - ARTS. 128 E 460 DO ma tardia, a Constituição Federal de 1988 já ção da condenação por Dumping Social deu-se CPC.1. O juiz decidirá a lide nos limites em previa, em seu bojo, parte dos direitos sociais em processo originário da Vara do Trabalho de que foi proposta, sendo-lhe defeso profe- previstos no tratado. Sendo assim, o Brasil Ituiutaba/MG, Processo nº. 00866-2009-063-03- rir sentença, a favor do autor, de nature- também condena a prática de quaisquer ato 00-3, onde figurava no polo passivo a empre- za diversa da pedida, condenar o réu em que tente retirar dos trabalhadores direitos sa JBS Friboi. A sentença, que foi comfirmada quantidade superior ou em objeto diverso inerentes à sua dignificação, quando da pres- pela 4ª Turma do Tribunal do que lhe foi deman- tação de seus serviços. Regional do Trabalho de dado, ou conhecer de Minas Gerais, condenou a “O marco na questões, não susci- Calha mencionar que o Dumping Social mencionada empresa ao tadas, a cujo respeito foi matéria de debate na I Jornada de Direi- pagamento de R$ 500,00 jurisprudência quanto à a lei exige a iniciati- to Material e Processual na Justiça do Traba- (quinhentos reais) por dano aplicação da condenação va da parte. Interpre- lho, realizada em 2007, o qual deu origem ao social, o qual foi concedido por Dumping Social tação dos arts. 128 enunciado nº 4, vejamos: ex officio pelo juiz a quo, e 460 do CPC. 2. Na e foi revertido ao próprio deu-se em processo hipótese, o Regional 4.“DUMPING SOCIAL”. DANO À reclamante, vez que a con- originário da Vara do condenou a Atento 4 DUMPING SOCIAL NO BRASIL SOCIEDADE. INDENIZAÇÃO SUPLE- denação deu-se em ação Brasil Reclamada, en- MENTAR. As agressões reincidentes e individual, devido aos ex- Trabalho de tre outras verbas, ao O Brasil é um dos países membros da Or- inescusáveis aos direitos trabalhistas cessos de horas extraordi- Ituiutaba/MG...” pagamento de indeni- ganização Internacional do Trabalho - OIT, geram um dano à sociedade, pois com nárias praticadas pelos em- zação decorrente de cuja missão é “promover oportunidades para tal prática desconsidera-se, proposital- pregados da empresa, que "dumping social", sem que homens e mulheres possam ter acesso mente, a estrutura do Estado social e influencia de modo preju- que tal pleito constas- a um trabalho decente e produtivo, em con- do próprio modelo capitalista com a dicial à saúde destes, além de infringir direito se na inicial. 3. Dessa forma, verifica-se dições de liberdade, equidade, segurança e obtenção de vantagem indevida peran- social constitucional. 6 que o acórdão guerreado extrapolou os li- 3 mites em que a lide foi proposta, tendo co- dignidade”. te a concorrência. A prática, portanto, reflete o conhecido “dumping social”, Desde logo, é possível visualizar que inci- nhecido de questão não suscitada, a cujo Condição fundamental para redução das motivando a necessária reação do Ju- dência desta indenização dava-se no âmbito respeito a lei exige a iniciativa da parte, o desigualdades sociais, redução da pobreza, diciário trabalhista para corrigi-la. O das ações individuais, porém hoje tal pedido que afrontou os arts. 128 e 460 do CPC. desenvolvimento sustentável e garantia da dano à sociedade configura ato ilícito, é compatível tão somente em ações coletivas. (TST-TT-78200-58.2009.5.04.0005. Publica- Democracia, o Trabalho Decente consiste por exercício abusivo do direito, já que Ocorre que há um impasse quanto às ações do DEJT 30.11.2012. Relator Ives Gandra em um trabalho que é capaz de garantir vida extrapola limites econômicos e sociais, que contenham a indenização pelo dano so- Martins Filho. 7ª. turma) digna aos trabalhadores, em condições de nos exatos termos dos arts. 186, 187 e cial, pois o Tribunal Superior do Trabalho enten- segurança, liberdade, equidade, ou seja, um 927 do Código Civil. Encontra-se no art. de que a indenização deverá ser pleiteada ex- Muito embora tenha se desenvolvido o mínimo para subsistência. 404, parágrafo único do Código Civil, pressamente pelos reclamantes na inicial, não entendimento pelo Tribunal Superior do o fundamento de ordem positiva para havendo que se falar em condenação ex officio Trabalho de que a condenação dos empre- O país é signatário do Pacto Internacional impingir ao agressor contumaz uma in- em razão das disposições contidas no Art. 128 gadores pela prática de Dumping Social sobre Direitos Econômicos, Sociais e Cultu- denização suplementar, como, aliás, já c/c 460 do CPC. Vejamos. deva constar expressamente na inicial dos rais, de 1966, porém ratificado apenas em previam os artigos 652, “d”, e 832, § 1º, autores, os Tribunais Regionais do Trabalho 4 Muito embora 5 INDENIZAÇÃO POR "DUMPING SO- ainda mantém resistência e reconhecem 1992, pelo Decreto nº. 591. da CLT. CIAL" DEFERIDA DE OFÍCIO – JULGAMEN- de ofício desta condenação. 3. Disponível em: http://www.ilo.org/brasilia/conheca-a-oit/lang--pt/index.htm. Acesso em: 29 Ago. 2015. 4. Disponível em: http://www.presidencia.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/D0591.htm. Acesso em: 29 Ago. 2015. 6. ABAL, Felipe Cittolin; ROSA, Paola Kepperda. Dumping Social nas Relações de Trabalho. 2014. epub Direito do Trabalho estudos de 5. Disponível em: http://www.granadeiro.adv.br/arquivos_pdf/enunciados_jornadaTST.pdf. Acesso em: 29 Ago. 2015. temas atuais.
62 63 Há reiteradas decisões as quais a indeniza- celo José Ferlin D Ambroso - Relator. CONCLUSÃO forma diversa, extirpando das condenações ção é reconhecida de ofício pelos tribunais Participaram do julgamento: Alexan- as realizadas de ofício, há que ser repensa- regionais. Recentemente a 2ª Turma do Tri- dre Corrêa Da Cruz, Tânia Regina Silva De acordo com a análise feita acima é for- da a validade e eficácia destas condenações, bunal Regional da 4ª Região, no Rio Grande Reckziegel). çoso concluir que hodiernamente as empre- pois estas alcançam o fim social, que é inibir do Sul, reconheceu de ofício, a condenação Segundo as razões do relator, a conde- sas vêm buscando obter acentuado lucro à as empresas a práticas reiteradas de descum- da empresa “JBS Aves LTDA” ao pagamento nação imposta pelo Tribunal Regional não custa do trabalhador, pois torna-se mais viá- primento da legislação. da referida indenização por reiteradamen- incorre em julgamento extra petita, vez que vel que este recorra ao Poder Judiciário para te chegar ao pálio da justiça laboral pedido é incumbência do julgador, ex officio, ado- ter o recebimento ou o reconhecimento de concernente à matéria de jornada suple- tar medidas pertinentes para a inibição de alguma verba impaga, vez que o custo-be- mentar, horas in itinere e ao pedido de uni- comportamento das empresas que reiterada- nefício ainda é favorável. O Dumping Social formização. Vejamos o posicionamento do mente violam os direitos dos trabalhadores e Trabalhista é uma prática que merece certa desembargador relator: porque visam proteger um bem maior ligado atenção dos julgadores, pois são eles quem LESÃO MASSIVA DE DIREITOS SO- à eficácia dos Direitos Social. Neste caso, em detém o controle e conseguem realizar a tria- CIAIS. DUMPING SOCIAL. CONDE- particular, o montante da indenização arbi- gem da incidência de ações trabalhistas ver- NAÇÃO DE OFÍCIO. A utilização do trada (R$ 20.000,00) foram revertidos em prol sando sobre um determinado pedido e em processo do trabalho, mediante a so- de instituição filantrópica ou pública, a crité- relação a determinada empresa, no âmbito negação contumaz de direitos para rio do Ministério Público do Trabalho, para de sua jurisdição e, ao ser constatada a ocor- posterior defesa em ação trabalhista, melhor atender à reparação dos danos ocor- rência de reiteradas violações de direitos so- com o afã de fragilizar as condições ridos no âmbito da comunidade local. ciais laborais, deverá aplicar a sanção (inde- de trabalho, auferindo enriquecimen- nização) no intuito de coibir estas empresas to ilícito empresarial, com violação de na inobservância da legislação vigente. dispositivos legais de ordem pública, Como mencionado no introito deste arti- sobretudo no que tange a direitos so- go, o Dumping é uma prática rechaçada tanto ciais consagrados na Constituição da na seara interna como externamente e, sen- República, gera, sem dúvida, dano so- do um problema que afeta de certa maneira cial, haja vista a flagrante violação dos o plano transindividual, deve ser combatido preceitos do Estado Democrático de por todos aqueles que detém o poder para REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Direito concernentes à função social tal, seja pelo próprio poder judiciário, com as da propriedade e aos valores sociais aplicações das condenações, seja pelo pró- FERRARI, Irany; MARTINS FILHO, Ives Gan- do trabalho e da livre iniciativa. Nes- prio comércio, com a recusa das empresas dra da Silva; NASCIMENTO. Amauri Mascaro. te contexto, considerando a conduta que atuam corretamente em contratar com História do Direito do Trabalho e da Justiça reiterada da empresa ré, caracteriza- empresas que deixar em cumprir com suas do Trabalho. 3. ed. São Paulo: LTr, 2011. da pela supressão massiva de direitos obrigações trabalhistas, prejudicando seria- trabalhistas, não pode o Julgador per- mente seus empregados. MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de manecer inerte diante deste quadro Direito Internacional Público. 9. ed. São abusivo e nefasto que induz ao uso Quanto à atuação dos magistrados ex of- Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. predatório do Poder Judiciário. Con- ficio, merece destaque pois demonstra que denação imposta de ofício no paga- estão atentos às novas práticas empresariais TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil: mento de indenização por dumping no intuito de burlar as normas trabalhistas le- Volume Único. 5. ed. Rio de Janeiro: Foren- social. (TRT da 04ª Região, 2A. TUR- sionando o trabalhador. Ainda que o Tribunal se; São Paulo: MÉTODO, 2015. MA,0000669-62.2013.5.04.0551 RO, Superior do Trabalho tenha entendimento de em 05/03/2015. Desembargador Mar-
64 65 INTRODUÇÃO e aumentar as quotas de mercado (FROTA, 2013, p. 206) O presente trabalho tem por escopo a análise do fenômeno do dumping social Aduz ainda este autor que nas relações de trabalho no Brasil, a natu- reza jurídica deste instituto, o órgão com- o dumping é frequentemente petente para julgar os pedidos relativos à constatado em operações de em- sua incidência e formas judiciais e extraju- presas que pretendem conquistar diciais de combate, no sentido de proteger novos mercados. Para isto, ven- trabalhadores hipossuficientes e muitas ve- dem os seus produtos a um preço zes mal informados quanto a seus direitos extremamente baixo, muitas vezes básicos. inferior ao custo de produção. É 1 CONCEITO DE DUMPING SOCIAL um expediente utilizado de forma temporária, apenas durante o perí- O dumping social é objeto frequen- odo em que se aniquila o concor- O DUMPING SOCIAL NAS RELAÇÕES DE te de discussão no Direito Internacional rente. Alcançado esse objetivo, a e no Direito Coletivo do trabalho, ten- empresa praticante do dumping do em vista que se trata de uma ques- passa a cobrar um preço mais alto, TRABALHO – FORMAS DE COMBATE tão recorrente em países periféricos ou de modo que possa compensar a emergentes, em que as empresas, espe- perda inicial. De resto, o dumping é cialmente voltadas ao mercado global, uma prática desleal e proibida em Enoque Ribeiro dos Santos* termos comerciais. (FROTA, 2013, visam reduzir os custos dos seus produtos p. 206) utilizando-se a mão de obra mais barata, afrontando direitos trabalhistas e previ- denciários básicos, e também praticando Jorge Luis Souto Maior, Ranúlio Men- Resumo: O presente artigo tem por obje- Abstract: This paper aims to analyze concorrência desleal, com a finalidade des e Valdete Severo assinalaram que tivo analisar o fenômeno do dumping social the social dumping phenomenon by dis- de conquistar novas fatias no mercado abordando seu conceito, natureza jurídica, cussing its concept, nature, judicial legiti- de bens e produtos. legitimidade para combate e competência macy and competence for judgment, as "dumping social" constitui a prá- para julgamento, além de tratar aspectos per- though as the possibility of its accumula- Paulo Mont`Alverne Frota informa que tica reincidente, reiterada, de des- tinentes à cumulação do dano moral indivi- tion with individual punitive damages ac- cumprimento da legislação traba- dual e coletivo por dumping social, passando tions, passing through an analytical study a palavra dumping provém da lhista, como forma de possibilitar a pelo cotejo analítico da jurisprudência das of Brazilian labor Courts decisions about língua inglesa dump, o qual, en- majoração do lucro e de levar van- Cortes trabalhistas acerca do tema. the issue. tre outros, tem o significado de tagem sobre a concorrência. Deve, despejar ou esvaziar. A palavra é pois, repercutir juridicamente, pois Palavras-chave: Dumping social. Legitimi- Keywords: Social dumping. Legitima- utilizada em termos comerciais causa um grave desajuste em todo dade. Cumulação do dano moral individual e cy. Cumulation with individual punitivie (especialmente no conceito do di- o modo de produção, com sérios coletivo por dumping social. damages actions. reito internacional) para designar prejuízos para os trabalhadores e a prática de colocar no mercado para a sociedade em geral (SOUTO * Professor Associado do Depto. de Direito do Trabalho e Seguridade Social da Faculdade de Direito da USP. Desembargador do Traba- produtos abaixo do custo com o MAIOR, MOREIRA, SEVERO, 2012, p. lho do TRT da 1ª. Região. Ex-Procurador do Trabalho do MPT (PRT 2ª. Região). Mestre (UNESP), Doutor e Livre Docente em Direito do Trabalho pela intuito de eliminar a concorrência 10) USP. Av. Presidente Antonio Carlos 351, 6º Andar, Gabinete 54, Rio de Janeiro, RJ, CEP 20020-010, e-mail: [email protected].
66 67 1 Com base nestas informações , podemos Acrescente-se a este fato que vivemos em Como a lógica do capital sempre foi a de sas estrangeirasm, utilização de mão de obra apresentar o conceito de Dumping Social como uma sociedade altamente desigual, perver- tirar vantagem a qualquer preço, em tempos infantil, ampliação excessiva da jornada de uma prática de gestão empresarial antijurídica, sa, uma sociedade de miseráveis, com cerca de crise econômica abre-se um enorme ja- trabalho, sem o correspondente pagamento moldada pela concorrência desleal e ausência 2 da força de trabalho no mercado nela de oportunidades aos agentes empresa- de 32,2% de horas extras, etc. de boa-fé objetiva, que busca primacialmente clandestino ou informal, no qual a média da riais inescrupulosos, e diretores que sempre a conquista de fatias de mercado para produ- escolaridade do trabalhador situa-se entre 6 procuram agradar os acionistas, investidores Portanto, apresentando-se como carac- tos e serviços, seja no mercado nacional ou in- a 7 anos, e o abismo entre os ricos e pobres e Conselhos de Administração, e também en- terística social e difusa, por força do fato de ternacional, provocando prejuízos não apenas aumenta ano a ano. Exemplos são publica- gordar seus próprios contracheques, no senti- transcender a pessoa unitária do trabalhador aos trabalhadores hipossuficientes contratados dos a cada dia nos jornais de grande circula- do de apresentar planos de ação empresarial para atingir a consciência coletiva de toda em condições irregulares, com sonegação a di- ção. É só prestar atenção nos detalhes. audaciosos para conquista de novos merca- a sociedade, entendemos que a natureza reitos trabalhistas e previdenciários, bem como dos e novos clientes. jurídica do dumping social social se enqua- às demais empresas do setor. dra entre os institutos do Direito Coletivo de Sabe-se que mercado se conquista sobre- Trabalho, produto dos tempos modernos de 2 NATUREZA JURÍDICA DO DUMPING tudo por meio de preços competitivos, ou fragmentação de micro ou macrolesões que SOCIAL seja, quanto mais baratos e da mais alta quali- se disseminam entre classes ou grupos de dade maior são as probabilidades de sucesso pessoas. Com fundamento neste conceito, podemos em qualquer tipo de mercado global. dizer que o Dumping Social apresenta-se como 3 LEGITIMIDADE PARA O COMBATE um dano social, difuso e coletivo, pois atinge E uma das maneiras que as empresas têm AO DUMPING SOCIAL ao mesmo tempo trabalhadores já contratados de reduzir os preços de seus produtos são jus- e inseridos na exploração por empresas que tamente os salários dos trabalhadores, espe- O dumping social se apresentando como o praticam, como futuros trabalhadores que cialmente no Brasil, onde os encargos sociais instituto do Direito Coletivo do Trabalho, por poderão vir a ser aliciados e ingressarem nes- são substancialmente elevados. Se os salários se inserir entre os interesses e direitos difusos te tipo de empreendimento, em situações de representam mais de cinquenta por cento da e coletivos, direitos humanos de terceira di- crise social ou de desemprego, como vivencia- planilha do custo do produto/serviço, nada mensão, pela natureza social que se afigura, mos neste momento. mais lógico, na leitura empresarial, reduzi-los somente pode ser postulado em juízo por ao extremo para repassá-los ao consumidor meio de um dos legitimados ope legis,3 ou Na ausência de crescimento econômico final. seja, por meio dos autores ideológicos, que e de oferta de novos e bons empregos, o tra- defendem em nome próprio, direitos alheios, balhador fica em condição vulnerável, e vir- Temos vários exemplos no Brasil de dum- com a devida autorização legal. tualmente insustentável, pois acaba aceitan- ping social nas indústrias de confecção, de do qualquer tipo de proposta, até mesmo as roupas de griffe, sobretudo as que possuem Desta forma, apenas as instituições elen- irregulares, no sentido de colocar alimento na redes ou canais internacionais de distribui- cadas nos dispositivos legais mencionados mesa de sua família. ção, criação de cooperativas de mão-de-o- detêm legitimidade para postular tais direitos bra no interior do Brasil, por meio de empre- e interesses, na medida em que a coisa julga- 1. A atual OMC (Organização Mundial do Comércio), ex-GATT, no artigo VI do General Agreement on Tarifes and Trade (GATT), con- ceitua Dumping como: “The contracting parties recognize that dumping, by which products of one country are introduced into the commerce of another country at less than the normal value of the products, is to be condemned if it causes or threatens material injury to an established industry 3. Art. 82. Para os fins do artigo 81, parágrafo único, são legitimados concorrentemente: I - o Ministério Público; II - a União, os Estados, in the territory of a contracting party or materially retards the establishment of a domestic industry. For the purposes of this Article, a product is to be os Municípios e o Distrito Federal; III - as entidades e órgãos da administração Pública, Direta ou Indireta, ainda que sem personalidade jurídica, considered as being introduced into the commerce of an importing country at less than its normal value, if the price of the product exported from especificamente destinados à defesa dos interesses e direitos protegidos por este Código; IV - as associações legalmente constituídas há pelo me- one country to another: (a) is less than the comparable price, in the ordinary course of trade, for the like product when destined for consumption in nos 1 (um) ano e que incluam entre seus fins institucionais a defesa dos interesses e direitos protegidos por este Código, dispensada a autorização the exporting country, or,(b) in the absence of such domestic price, is less than either (i) the highest comparable price for the like product for export assemblear. E art. 5º. Da LACP: Art. 5º. Têm legitimidade para propor a ação principal e a ação cautelar: I - o Ministério Público; to any third country in the ordinary course of trade, or (ii) the cost of production of the product in the country of origin plus a reasonable addition II - a Defensoria Pública; III - a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios; IV - a autarquia, empresa pública, fundação ou sociedade de for selling cost and profit”. economia mista; V - a associação que, concomitantemente: 2. Boletim do mercado de trabalho n. 56. IPEA. (pesquisa: ipea.gov.br). a) esteja constituída há pelo menos 1 (um) ano nos termos da lei civil.
68 69 da que se produzirá implicará em efeitos erga 4 ÓRGÃO COMPETENTE PARA JULGAR ra do Estado social e do próprio modelo (...) a reparação do dano, em alguns omnes e ultra partes. O DUMPING SOCIAL capitalista com a obtenção de vanta- casos, pode ter natureza social e não gem indevida perante a concorrência. meramente individual. Não é, portanto, Os sindicatos representativos das respecti- Da mesma forma que as ações coletivas A prática, portanto, reflete o conhecido unicamente, do interesse de ressarcir vas categorias profissionais vilipendiadas em ou moleculares, como a ação civil pública e a ‘dumping social’, motivando a necessá- o dano individual que se cuida. Em se tais empreendimentos poderão ajuizar ações ação coletiva, entre outras, com exceção da ria reação do Judiciário trabalhista para tratando de práticas ilícitas que tenham moleculares postulando a remoção do ilícito, ação de nulidade de cláusula ou de acordo ou corrigi-la. O dano à sociedade configura importante repercussão social, a inde- em conjunto com demais pleitos, inclusive convenção coletiva, cuja competência é do ato ilícito, por exercício abusivo do direi- nização, visualizando esta extensão, de danos morais coletivos por dumping so- Tribunal do Trabalho correspondente ou do to, já que extrapola limites econômicos fixa-se como forma de desestimular a cial, cuja indenização Tribunal Superior do e sociais, nos exatos termos dos arts. continuação da prática do ato ilícito, deverá ser revertida “Os sindicatos Trabalho, dependendo 186, 187 e 927 do Código Civil. Encon- especialmente quando o fundamento para um fundo correla- representativos das da área de abrangência tra-se no art. 404, parágrafo único do da indenização for a extrapolação dos to dos trabalhadores, ou da lesão social, a com- Código Civil, o fundamento de ordem limites econômicos e sociais do ato pra- para instituições que se respectivas categorias petência para julgamen- positiva para impingir ao agressor con- ticado, pois sob o ponto de vista social voltem ao combate de profissionais vilipendiadas to das ações postulando tumaz uma indenização suplementar, o que importa não é reparar o dano tais ilicitudes no campo dumping social será das como, aliás já previam os artigos 652, ‘d’ individualmente sofrido, mas impedir 6 7 empresarial, ou que se em tais Varas do Trabalho, do lo- , e 832, § 1º , da CLT”. que outras pessoas, vítimas em poten- dediquem a clientela de empreendimentos cal do dano, consoante cial do agente, possam vir a sofrer dano vulneráveis. art. 2º 4 da Lei n. 7347/85 Mesmo que a lei disponha sobre a possi- análogo. (SOUTO MAIOR, MOREIRA, SE- poderão ajuizar ações 5 da SDI bilidade de o magistrado impor multas ou e da OJ n. 130 VERO, 2012, p. 11) Da mesma forma, o moleculares postulando II do Colendo TST – Tribu- outras penalidades aos atos de sua compe- Ministério Público do a remoção do ilícito...” nal Superior do Trabalho. tência, “ex officio”, entendemos que no caso Carolina Masotti Monteiro informa que “o Trabalho poderá pacifi- do dumping social tal dispositivo não seja presente trabalho entende pela aplicação em car conflitos nesta seara, Assim dispõe o Enun- aplicável: primeiro: nas ações individuais, o qualquer âmbito, seja individual ou coletivo, considerando o interes- ciado no. 04 da ANAMA- trabalhador não teria competência para pos- havendo pedido expresso neste sentido ou se público primário envolvido, seja por meio TRA (Associação Nacional dos Magistrados tulá-lo, pois trata-se de um instituto do direi- não” (MONTEIRO, 214, p. 709) do Inquérito Civil, seja por meio de ações co- da Justiça do Trabalho): 2 to coletivo; ao qual carece-lhe competência; letivas, com o mesmo desiderato. segundo, há total ausência de previsão legal Não é essa a nossa posição. Em primeiro DUMPING SOCIAL. DANO À SOCIE- para a aplicação de institutos do direito cole- plano, entendemos que o dumping social Cremos, destarte, que o trabalhador in- DADE. INDENIZAÇÃO SUPLEMENTAR. As tivo 8 no direito processual individual do tra- constitui instituto do Direito Coletivo do Tra- dividualmente considerado não detém legi- agressões reincidentes e inescusáveis balho, ou seja, nas reclamatórias trabalhistas, balho, pois afeta não apenas um único traba- timidade para postular em juízo o dumping aos direitos trabalhistas geram um dano e, se assim o fizer, o magistrado estará labo- lhador, mas transcende esta individualidade social, pelas próprias características sociais à sociedade, pois com tal prática des- rando em julgamento ultra ou extra petita. para atingir todo o grupo, classe ou comuni- deste instituto, como retrorreferenciado. considera-se, propositalmente, a estrutu- dade de pessoas em idêntica situação fática. Importante ainda trazer, neste particular, 4. Art. 2º. As ações previstas nesta Lei serão propostas no foro do local onde ocorrer dano, cujo Juízo terá competência funcional para os ensinamentos de Jorge Luis Souto Maior Envolve, desta forma, direitos difusos (even- processar e julgar a causa. Parágrafo único. A propositura da ação prevenirá a jurisdição do juízo para todas as ações posteriormente intentadas quando assinala que tuais pessoas indeterminadas na sociedade que possuam a mesma causa de pedir ou o mesmo objeto. 5. OJ 130. Ação Civil Pública. Competência. Local do Dano. Lei nº 7.347/1985, Art. 2º. Código de Defesa do Consumidor, Art. 93 (Re- dação Alterada na Sessão do Tribunal Pleno realizada em 14.09.2012).I - A competência para a Ação Civil Pública fixa-se pela extensão do dano. II - Em caso de dano de abrangência regional, que atinja cidades sujeitas à jurisdição de mais de uma Vara do Trabalho, a competência será de 6. d) impor multas e demais penalidades relativas aos atos de sua competência; e qualquer das Varas das localidades atingidas, ainda que vinculadas a Tribunais Regionais do Trabalho distintos. III - Em caso de dano de abrangência 7. Art. 832. Da decisão deverão constar o nome das partes, o resumo do pedido e da defesa, a apreciação das provas, os fundamentos suprarregional ou nacional, há competência concorrente para a Ação Civil Pública das Varas do Trabalho das sedes dos Tribunais Regionais do da decisão e a respectiva conclusão. § 1º. Quando a decisão concluir pela procedência do pedido, determinará o prazo e as condições para o seu Trabalho. IV - Estará prevento o juízo a que a primeira ação houver sido distribuída. (Redação dada pela Resolução TST nº 186, de 14.09.2012, DJe cumprimento. TST de 26.09.2012, rep. DJe TST de 27.09.2012 e DJe TST de 28.09.2012) 8. Uma vez que cada um destes ramos é regido por normas, regras, princípios e até instituições próprias.
70 71 que poderão ocupar eventual e futuramente a exigir diversa leitura jurídica, mesmo por- Se o trabalhador prosperar neste intento, blico do Trabalho, por meio das quais pode postos de trabalho na empresa que pratica o que temos até mesmo a terceirização lícita, a decisão judicial proveniente do processo ocorrer um efetivo combate ao dumping dumping social, e vir a sofrer o dano), coleti- permanente, que se distingue da terceiriza- trabalhista atomizado terá sentença judicial social, com a imposição de indenizações ou vos e individuais homogêneos. ção ilícita e da intermediação fraudulenta de inter-partes e pro et contra, diversamente da reparações a título de dano moral coletivo, mão-de-obra. natureza genérica de uma ação molecular, bem como fixação de astreintes, em valores Dessa forma, o dumping social encartado postulada por um dos legitimados ou auto- expressivos por descumprimento da legisla- como instituto do direito coletivo do trabalho res ideológicos, que seria erga omnes e ultra ção trabalhista em relação a cada trabalha- somente poderá ser postulado por um legi- partes. dor ou a cada obrigação trabalhista, existem timado ope legis, inscrito no art. 82 da Lei alternativas administrativas que também po- 8078/90 ou art. 5º. da Lei n 7347/85, que Em outras palavras, o trabalhador ou em- dem exploradas. poderá, por meio de uma ação molecular, pregado individual, entretanto, não terá legi- perseguir o provimento jurisdicional genérico timidade para buscar uma sentença genérica para toda a classe de trabalhadores lesados que beneficie toda a classe de trabalhadores, no ambiente empresarial. O trabalhador, des- pois existe vedação em nosso ordenamento ta forma, estaria legitimado a postular seus jurídico neste sentido. direitos na ação de liquidação da sentença genérica, consoante os arts. 95 e seguintes da Desta forma, não vemos como dar guarida Lei 8078/90, provando a titularidade do direi- à hipótese de condenação empresarial por to material postulado, a lesão individualizada dumping social, em reclamatória trabalhista, e o nexo causal. ex officio, sem pedido expresso do reclaman- te, na medida em que não existe em nosso Como o dumping social tradicional trata- ordenamento jurídico previsão legal para tal se de um dano social, de natureza difusa e prática, que autorize a condenação a uma coletiva, que é praticado em determinados Sendo assim, pelas próprias peculiaridades indenização sem que haja pedido certo e de- 9 10 11 lapsos de tempo, para que a empresa possa do dumping social, serão raríssimas as situa- terminado, com fulcro nos arts. 128 e 460 12 da CLT. ganhar ou entrar em determinado mercado, ções em que o trabalhador, individualmente do CPC e art. 852-B tudo indica que não pode ser praticado de considerado, terá condições de postular em forma definitiva ou indefinida no tempo, pois juízo, com chances razoáveis de sucesso, por 5 FORMAS DE COMBATE E POSSIBILI- isto levaria a empresa à quebra pela falta de meio de uma reclamatória trabalhista na Jus- DADE DE CUMULAÇÃO DO DANO MORAL resultados positivos. E sabemos que sem re- tiça do Trabalho, a lesão individual específica INDIVIDUAL E COLETIVO POR DUMPING SO- sultados positivos ou lucrativos a empresa oriunda do dumping social, como titular do CIAL não terá como sobreviver em um mercado direito individual homogêneo, apresentando altamente competitivo. as provas correlatas, com fulcro no art. 5º., Além da judicialização trabalhista, que inciso XXV, da Constituição Federal e no art. pode ocorrer com o ajuizamento de ações Por isso que não há como comparar o 104 da Lei n. 8078/90, já que não existe litis- coletivas ou moleculares, de legitimidade ati- dumping social com a terceirização, pois pendência entre a ação individual e a ação va dos sindicatos representativos de catego- são institutos com diferentes características, coletiva. ria profissional, bem como do Ministério Pú- 9. INDENIZAÇÃO – DUMPING SOCIAL – AÇÃO INDIVIDUAL – DESCABIMENTO – "Reclamatória trabalhista individual. Dumping social. Não 10. Art. 128. O juiz decidirá a lide nos limites em que foi proposta, sendo-lhe defeso conhecer de questões, não suscitadas, a cujo res- havendo pedido de condenação da reclamada ao pagamento de dano social, a condenação de ofício configura decisão extra petita. Além disso, peito a lei exige a iniciativa da parte. o dumping social decorre de violação de direitos de caráter coletivo, o que impossibilita a condenação em ação individual. Cabível a remessa dos 11. Art. 460. É defeso ao juiz proferir sentença, a favor do autor, de natureza diversa da pedida, bem como condenar o réu em quanti- autos ao Ministério Público do Trabalho para que promova a devida ação, nos termos da Lei nº 7.347/1985. Recurso provido no item." (TRT 04ª dade superior ou em objeto diverso do que lhe foi demandado. R. – RO 0039500-13.2009.5.04.0005 – 1ª T. – Rel. José Felipe Ledur – DJe 24.01.2011) 12. I - o pedido deverá ser certo ou determinado e indicará o valor correspondente;
72 73 Como é cediço, entre os instrumentos Nada obsta, portanto, a condenação em- INDENIZAÇÃO – DUMPING SOCIAL INDENIZAÇÃO POR DUMPING SO- mais poderosos do Parquet Trabalhista, en- presarial a ambos os danos morais, pelo – AÇÃO INDIVIDUAL – DESCABIMEN- CIAL. JULGAMENTO EXTRA PETITA. O contramos o Inquérito Civil, devidamente mesmo fato, já que existe Súmula do STJ, TO – "Reclamatória trabalhista indivi- dumping social decorre do descum- regulado pela Resolução n. 69/2007, do neste sentido, neste caso aplicada analogi- dual. Dumping social. Não havendo primento reiterado de regras de cunho Conselho Superior do MPT, por meio do camente: pedido de condenação da reclamada social, gerando um dano à sociedade. qual os membros do MPT poderão celebrar ao pagamento de dano social, a con- Embora atualmente seja reconhecida TAC – Termos de Ajuste de Conduta com as STJ Súmula n. 37 - São cumuláveis as in- denação de ofício configura decisão pela doutrina e pela jurisprudência a empresas praticantes de tal ato fraudatório denizações por dano material e dano moral extra petita. Além disso, o dumping possibilidade de acolhimento do dano ou antijurídico, impondo-lhes, administra- oriundos do mesmo fato. social decorre de violação de direitos coletivo decorrente de dumping social, tivamente, mas com força de título execu- de caráter coletivo, o que impossibili- é inegável que a titularidade é da cole- tivo extrajudicial, indenizações a título de O combate ou a inibição do dumping so- ta a condenação em ação individual. tividade, ou seja, não pode ser postula- dano moral coletivo por dumping social, cial no cenário internacional, tem sido feito Cabível a remessa dos autos ao Mi- do ou deferido em ações de cunho in- cujos valores poderão ser revertidos à pró- por meio da OIT – Organização Internacio- nistério Público do Trabalho para que dividual. Além do que, é defeso ao juiz pria sociedade (fundos, entidades filantró- nal do Brasil, e os instrumentos utilizados promova a devida ação, nos termos proferir sentença, a favor do autor, de picas, FAT e assim por diante). com maior frequência são o Selo Social, o da Lei nº 7.347/1985. Recurso provi- natureza diversa da pedida, bem como Global Compact, das Nações Unidas, o ISO do no item." (TRT 04ª R. – RO 0039500- condenar o réu em quantidade supe- Por outro lado, vemos também possibi- Social, os códigos de conduta e as cláusulas 13.2009.5.04.0005 – 1ª T. – Rel. José rior ou em objeto diverso do que Ihe lidades de imposição de multa dissuasória sociais nos acordos firmados pela OMC – Or- Felipe Ledur – DJe 24.01.2011)RS- foi demandado, nos termos do art. 460 por dumping social na celebração de TAC ganização Mundial do Comércio. T+262+2011+ABR+147 do CPC. Recurso provido no particular. – Termo de Ajuste de Conduta, por meio (TRT-1 - RO: 00000317020135010241 RJ do Ministério Público do Trabalho, até mes- O Selo Social consiste na vinculação de , Relator: Antonio Cesar Coutinho Daiha, mo cumulada com dano moral individual, uma “etiqueta social” a produtos e marcas Data de Julgamento: 04/02/2015, sendo o primeiro revertido para o FAT ou de empresas que, havendo voluntariamen- Terceira Turma, Data de Publicação: instituições filantrópicas, sem fins lucrati- te aderido ao sistema, demonstrem a ob- 19/03/2015). vos, e o segundo destinado ao próprio tra- servância de normas trabalhistas conside- balhador que sofreu a lesão imaterial. radas fundamentais. A seu turno, o Global DUMPING SOCIAL. CABIMENTO. O Compact, desenvolvido pela Organização instituto pode ser entendido como uma O que vislumbramos, nesta situação, é das Nações Unidas, visa à incorporação de prática de auferir vantagens financeiras a hipótese de condenação da empresa, princípios de responsabilidade humanitária, que permitam a seu agente competir em casos flagrantes de dumping social, de social e ambiental ao planejamento estraté- em condições de desigualdade no mer- forma cumulada, considerando a nature- gico das companhias transnacionais. cado prejudicando toda a sociedade, za jurídica diversa dos institutos: por dano configurando ato ilícito por exercício moral individual e dano moral coletivo. 6 POSIÇÃO DOS TRIBUNAIS DO TRA- abusivo do direito, extrapolando os li- BALHO EM RELAÇÃO AO DUMPING SOCIAL mites econômicos e sociais. No entan- Neste caso, o trabalhador encontrado to, somente as agressões reincidentes em situação irregular, poderá ser contem- É gratificante observar que grande parte e contumazes aos direitos trabalhistas plado com um valor pela agressão à sua dos Tribunais do Trabalho passaram a con- ensejam a reparação em questão. Por dignidade, da mesma forma que a empre- denar a prática lesiva do dumping social nas conseguinte, não comprovado o des- sa será condenada à reparação por dano relações de trabalho. cumprimento voluntário e reiterado de moral coletivo, que será revertido a um normas trabalhistas, não há que se falar fundo, ou das formas já mencionadas nes- Vejamos algumas ementas recentes so- no pagamento da referida indenização. te texto. bre o dumping social: (TRT-1 - RO: 00001671020125010045
74 75 RJ , Relator: Patricia Pellegrini Bap- como um todo. Essa prática é imoral, ilí- A expressão dumping, termo da língua se estar em sede de uma constituição tista Da Silva, Data de Julgamento: cita e abusiva, que deve ser combatida. inglesa, que deriva do verbo to dump, semântica, cuja funcionalidade não se 13/08/2014, Terceira Turma, Data de Todavia, o procedimento cabível para corresponde ao ato de se desfazer de aproveita aos destinatários dela, mas se Publicação: 26/08/2014). tanto deve ser respeitado, observando- algo e, posteriormente, depositá-lo em a quem detiver poder. Em se tratando se os princípios do devido processo le- determinado local, como se fosse lixo. de dumping social, a mera aplicação gal, do contraditório e da ampla defesa, Há, ainda, quem defenda que o termo do direito do trabalho, recompondo a conforme art. 5º,LIV e LV, da CF/88, que possa ter se originado do islandês ar- ordem jurídica individual, não compen- neste caso foram violados, pois a inde- caico humpo, cujo significado é atingir sa o dano causado à sociedade, eis que nização por dumping social não foi se- alguém. Os primeiros registros do dum- reside o benefício no não cumprimen- quer pleiteada na inicial, infringindo os ping social, ainda que naquela época to espontâneo das normas trabalhistas. princípios do devido processo legal, do não fosse assim denominado, são de Dessa feita, as reclamações trabalhistas contraditório e da ampla defesa e tam- 1788, quando o banqueiro e Ministro que contenham práticas reiteradas de bém os artigos 128 e 460 do CPC (julga- francês Jacques Necker mencionava a agressões deliberadas e inescusáveis mento ultra e extra petita), devendo ser possibilidade de vantagens serem ob- aos direitos trabalhistas, dado ao gra- excluída da condenação a indenização tidas em relação a outros países, abo- ve dano de natureza social, merecem por dumping social de R$1.000.000,00. lindo-se o descanso semanal dos tra- correção específica e eficaz. Apresen- (TRT-2 - RO: 00012362120135020302 SP balhadores’. A primeira desmistificação tam-se no ordenamento jurídico dois 00012362120135020302 A28, Relator: importante é que o dumping social, na institutos jurídicos, a saber, indenização JOMAR LUZ DE VASSIMON FREITAS, Data verdade, liga-se ao aproveitamento de suplementar por dumping social e puni- de Julgamento: 09/12/2014, 5ª TURMA, vantagens dos custos comparativos e tive damages, que constituem modali- Data de Publicação: 12/12/2014). não de uma política de preços. Retrata, dades de reparação desse dano social. pois, uma vantagem comparativa de- No que respeita à indenização suple- INDENIZAÇÃO – DUMPING SOCIAL rivada da superexploração de mão de mentar por dumping social, a defesa de – CONFIGURAÇÃO – PAGAMENTO DE- obra. Dentro deste recorte epistemoló- sua aplicação reside em uma análise VIDO – “Dumping social trabalhista. Es- gico, interessa o prejuízo ao trabalha- sistemática do ordenamento jurídico. piral de desrespeito aos direitos básicos dor, o prejuízo à dignidade da pessoa Sobrelevando-se que as normas infra- dos trabalhadores. Caracterização para humana, o prejuízo ao valor social do constitucionais devem assumir uma fun- além de uma perspectiva meramente trabalho, o prejuízo à ordem econômi- ção instrumento, tendo, ainda, em vista DUMPING SOCIAL. CAIXA ECONÔ- econômica. Consequências. Segundo ca, o prejuízo à ordem social e o pre- a realização superior da constituição e MICA FEDERAL. Dumping social, em Patrícia Santos de Sousa Carmo, ‘a Or- juízo à matriz apologética trabalhista. a preponderância dos direitos funda- linhas gerais, é a conduta adotada por ganização Internacional do Trabalho e Com efeito, no século XX, com o adven- mentais em relação às leis, somando-se alguns empregadores de forma reite- o Alto Comissário da ONU para Direitos to do constitucionalismo social e da te- ao fato de que o direito deve ser visto rada e consciente de precarização das Humanos tem dEnunciado que os direi- oria da constituição dirigente, altera-se como um sistema aberto e plural, de- relações de trabalho, com sonegação tos sociais estão cada vez mais ame- o papel da Constituição, se antes ape- vem aquelas normas ser aplicadas de de direitos de seus empregados, visan- açados pelas políticas econômicas e nas retratava e garantia a ordem econô- modo a buscar a concretização. Assim, do diminuir custos de mão-de-obra estratagemas empresariais. Nesse sen- mica (constituição econômica), passa a em caso de dumping social, autoriza-se na produção de seus bens e serviços, tido, inconteste que o direito do traba- ser aquela que promove e garante as que o juiz profira condenação que vise aumentando a sua competitividade lho, por influência dos impulsos sociais transformações econômicas (constitui- à reparação específica, pertinente ao e o seu lucro, caracterizando concor- aos quais é exposto, tem sido crescen- ção normativa). Dessa maneira, impe- dano social perpetrado, ex officio, com rência desleal com relação aos em- temente precarizado, de modo que se rioso compatibilizar o plano normativo vistas a proteção do patrimônio coleti- pregadores que cumprem a legislação tem um dano social que aflige a pró- com o plano factual, a livre iniciativa ao vo que foi aviltado, que é denominada trabalhista, prejudicando a sociedade pria a matriz apologética trabalhista. valor social do trabalho, sob pena de indenização suplementar por dumping
76 77 social, a qual favorecerá o Fundo de vidade, não podendo ser deferida de tal elemento não autoriza, por si só, a PRINCÍPIO DA NORMA MAIS FAVO- Amparo aos Trabalhadores (FAT) ou ofício, por ausência de previsão legal". conclusão de que o réu tenha sonega- RÁVEL – DIÁLOGO DE FONTES – PRE- alguma instituição sem fins lucrativos.” (RO-0001756-47.2011.5.18.0191, Rel. do o direito ao pagamento de horas VALÊNCIA DA CONVENÇÃO COLETIVA (TRT 03ª R. – RO 00066/2013-063-03- Des. GENTIL PIO DE OLIVEIRA, julgado extras a seus trabalhadores em núme- DE TRABALHO E CONVIVÊNCIA COM 00.9 – Rel. Des. Luiz Otavio Linhares em 10-7-2012). (TRT18, RO - 0010515- ro suficientemente expressivo a ponto O ACORDO COLETIVO DE TRABALHO Renault – DJe 12.09.2014 – p. 31)RS- 28.2015.5.18.0104, Rel. KATHIA MA- de ensejar desequilíbrio concorrencial – Em um sistema de contratação dinâ- T+306+2014+DEZ+148. RIA BOMTEMPO DE ALBUQUERQUE, no mercado financeiro. Nesses termos, mica, as normas estabelecidas nos di- 1ª TURMA, 13/07/2015) (TRT-18 - RO: por não comprovado que o reclamado, versos níveis de negociação não se ex- 00105152820155180104 GO 0010515- embora deixando de aplicar correta- cluem a priori, incidindo as regras mais 28.2015.5.18.0104, Relator: KATHIA mente os preceitos celetistas ao con- favoráveis vigentes, a teor do artigo 620 MARIA BOMTEMPO DE ALBUQUERQUE, trato de trabalho da autora, o tenha da CLT, pois, os resultados de uma nego- Data de Julgamento: 13/07/2015, 1ª feito de forma reiterada e sistemática ciação articulada (no nível da categoria, TURMA). em relação a outros empregados como a CCT e da empresa, o ACT) não se ex- política de redução de custos, não há cluem reciprocamente, apenas operam DUMPING SOCIAL. INOBSERVÂNCIA que se falar em dumping social, tam- modalidades de derrogação imprópria REITERADA E SISTEMÁTICA À LEGILA- pouco em reparação correspondente. (Mário Devealli). O pagamento das van- ÇÃO DO TRABALHO COMO FORMA DE (TRT-2 - RO: 00002490520135020263 SP tagens previstas no Acordo Coletivo de PÓLITICA DE REDUÇÃO DE CUSTOS. 00002490520135020263 A28, Relator: Trabalho pela empregadora que o subs- A figura jurídica em questão, de fato, VALDIR FLORINDO, Data de Julgamen- creve não a isenta de cumprir as regras não comporta como única nuance o to: 28/04/2015, 6ª TURMA, Data de Pu- mais benéficas estabelecidas pela Con- aspecto comercial, traduzido na des- blicação: 07/05/2015). venção Coletiva de Trabalho aplicável lealdade concorrencial, relacionando- à sua categoria econômica, sob pena se também ao reflexo nas relações de de praticar dumping social e validar a trabalho, vez que sobre elas provoca prática de concorrência desleal com as efeito igualmente nefasto. Todavia, não demais empresas do setor. Recurso pa- basta à pretensão a prova do dano in- tronal a que se nega provimento. (TRT dividualmente sofrido, mas a patente 01ª R. – RO 0001106-62.2012.5.01.0021 sonegação de direitos a outra gama de – 7ª T. – Relª Sayonara Grillo Coutinho trabalhadores, de maneira a imputar-se Leonardo da Silva – DOERJ 04.05.2015) ao réu um dano de ordem social, que v113 se traduz em dumping social, e não "DUMPING SOCIAL. INDENIZAÇÃO. meramente individual, servindo a re- DUMPING SOCIAL – A doutrina e ju- NECESSIDADE DE REQUERIMENTO paração eventualmente devida como risprudência dominantes definem dum- ESPECÍFICO. LEGITIMIDADE. Com- verdadeiro desestímulo à adoção de ping social como um instituto do direi- pete aos legitimados que compõem práticas semelhantes por quaisquer da- to econômico, traduzido pela conduta o rol previsto no artigo 5º da Lei queles que avistem a possibilidade de comercial desleal, em que é utilizado 7.347/1985, por meio da Ação Civil auferir vantagens econômicas à custa como método, a venda de produtos a Pública, pleitear indenização decor- da precarização de direitos decorrentes preço inferior ao do mercado, com o rente de dumping social, dando-lhe da legislação do trabalho. Nesse senti- escopo de prejudicar e eliminar con- a destinação prevista na legislação do, em que pese ter sido reconhecido correntes de menor poderio econô- pertinente, pois o dano repercute so- nos presentes autos que a autora não mico. Tal conceito abarca a existência cialmente, gerando prejuízos à coleti- exercia, de fato, cargo de confiança, de preços baixos e a burla à legislação
78 79 trabalhista ou o descumprimento de individual legitimidade para postular trajudicial (TAC), de titularidade exclusi- Finalmente, mas não menos importante, direitos mínimos dos empregados. judicialmente a indenização respecti- va do Parquet Laboral, por via adminis- no cenário internacional, o combate ao dum- Em tais situações, o dano é causado à va, ainda que previamente destinado trativa do Inquérito Civil; ping social tem sido engendrado pela OIT coletividade (trabalhadores de modo o valor a fundo coletivo, que no caso – Organização Internacional do Brasil e pela geral e, enfim, à própria sociedade), sequer foi indicado. Recurso Ordinário • A legitimidade do Ministério Pú- OMC – Organização Mundial do Comércio, em razão da ofensa a direitos indivi- do Município de Quissamã conhecido blico do Trabalho decorre de sua pró- com a utilização de variados instrumentos, duais homogêneos, coletivos ou difu- e parcialmente provido. (TRT-1 - RO: pria atribuição constituição (art. 193, entre os quais, o Selo Social, o Global Com- sos. A reparação não se dá no plano 00015581620135010481 RJ , Relator: III, da CF/88), de legítimo defensor dos pact, das Nações Unidas, o ISO Social, os có- individual, como pretendido no caso Marcia Leite Nery, Data de Julgamento: direitos humanos fundamentais, e dos digos de conduta e as cláusulas sociais nos presente, mas por intermédio da Ação 11/11/2014, Quinta Turma, Data de Pu- direitos difusos e coletivos e do interes- acordos firmados pela OMC. Civil Pública (artigo 21 da LACP). (TRT blicação: 26/11/2014). se público primário da sociedade; 03ª R. – RO 01615/2014-176-03. REFERÊNCIAS: CONCLUSÕES • A valor da indenização ou re- DANO MORAL EM DECORRÊNCIA paração será revertida não diretamen- FROTA, Paulo Mont`Alverne. O dumping DE DUMPING SOCIAL – ILEGITIMIDA- De todo o exposto, podemos inferir que o te para os trabalhadores retirados da social e a atuação do juiz do trabalho DE DO EMPREGADO EM AÇÃO INDIVI- dumping social é um dano coletivo, de cunho situação de dumping social, mas serão no combate à concorrência empresarial DUAL – Não possui legitimidade, em social, relacionado a direitos da terceira di- beneficiados indiretamente, pois tais desleal. São Paulo: Revista Ltr, n. 78, v. 02, processo individual, o reclamante que mensão dos direitos humanos fundamentais, fundos serão direcionados para institui- fev/2013. pleiteia indenização por danos morais portanto, relacionado a direitos difusos e co- ções filantrópicas que prestam serviços em decorrência de dumping social, letivos. aos trabalhadores, familiares, vulnerá- MONTEIRO, Carolina Masotti. Dumping so- pois se trata de um dano que afeta veis, idosos, crianças em situação de cial no direito individual do trabalho. São toda a sociedade, coletivamente. As- Portanto, em síntese, podemos aduzir: risco social, deficientes, ou que se dedi- Paulo: Revista LTr, vol. 28, junho de 2014. sim, o autor, em nome próprio, não cam à inclusão ou requalificação profis- detém legitimidade ativa para pleitear • Somente os autores ideológicos sional. OMC – Organização Internacional do Co- indenização por dano social, pois o ou legitimados ope legis poderão pos- mércio, ex-GATT. Artigo VI do General Agre- fato afeta toda a coletividade, sendo tulá-lo no juízo trabalhista, já que não há • Em casos especí昀椀cos, de diligên- ement on Tarifes and Trade (GATT). legitimados o Ministério Público e os amparo legal em nosso ordenamento cias de força tarefa conjunta ou resga- entes que compõem o rol previsto no jurídico para postulação e êxito pelo tra- te de trabalhadores, poderá ocorrer a SANTOS, Enoque Ribeiro dos. O dano mo- artigo 5º da Lei nº 7.347/85. Recurso a balhador, considerado individualmente; cumulação do dano moral individual e ral coletivo trabalhista e formas de repara- que se dá provimento parcial. (TRT 13ª coletivo, pelo dumping social praticado ção. (no prelo). R. – RO 0027700-60.2014.5.13.0005 – • A imposição da reparação ou pelo empregador, com fulcro na Súmu- Rel. Des. Leonardo Jose Videres Traja- indenização por dano moral poderá la n. 37 do STJ, neste caso aplicada por SOUTO MAIOR, Jorge Luiz; MOREIRA, no – DJe 14.04.2015 – p. 3)v113-00.8 ser judicializada por meio de ações analogia. Ranúlio Mendes Moreira e SEVERO, Valdete – Relª Desª Taisa Maria M. de Lima – moleculares, pelo substituto processual Souto. Dumping social nas relações de tra- DJe 31.03.2015 – p. 386)v113 ou pelo Parquet Laboral, em juízo de • O papel do Judiciário Trabalhis- balho. São Paulo: LTr, 2012. primeiro grau, da mesma forma que as ta é fundamental na análise dos casos DUMPING SOCIAL. LEGITIMIDADE ações civis públicas ou ações civis cole- concretos que lhe são submetidos, e se ATIVA COLETIVA. O dumping social, tivas; devidamente provados, pela condena- tipificado como lesão massiva, tem ção exemplar, pedagógica e dissuassó- como vítima a sociedade. Ainda que • Esta indenização ou reparação ria dos empregadores que se utilizam indiscutível a existência do dano mo- também poderá ser imposta por meio de tal prática deletéria e atentatória à ral coletivo, não detém o trabalhador de Celebração do título executivo ex- dignidade humana dos trabalhadores.
80 81 sionar ações positivas, sem se deixar levar, é Esse é um dado concreto, que pode ser claro, pelas banalidades da auto-ajuda e sem verificado nos documentos produzidos pela reforçar as lógicas de alienação. grande mídia e em algumas das manifesta- ções “dominicais” que ocorreram recente- Não se trata apenas de ser otimista pelo mente no país. resultado prático da vontade, guardando o pressuposto necessário do pessimismo na Na linha do otimismo realista, há de se formulação teórica, mas de encontrar na rea- perceber que essa autêntica luta da grande lidade elementos de otimismo que reforçam mídia não se dá por acaso. Bem ao contrá- e dão base material para a mobilização, até rio, é reveladora de que o conservadorismo porque a vida social é repleta de contradi- está em desespero com relação às mudanças ções, decorrente que é de um percurso dialé- que vêm ocorrendo no Brasil nas últimas dé- tico. cadas, cabendo, neste passo, uma ressalva, porque no momento complexo de exposição O otimismo preconizado no presente tex- de ideias partidariamente comprometidas é to, portanto, não vem de uma ilusão, de um sempre muito perigoso ser otimista e dizer sonho fugaz ou de mera “força de vontade”, o que acabei de dizer, pois alguém já enten- mas de constatações, extraídas de dados da derá, conforme a sua conveniência, que eu Juridicamente, a terceirização realidade, que, diante de uma visualização esteja fazendo uma defesa do Partido dos que se pauta apenas pelo pessimismo e o Trabalhadores ou da Presidenta Dilma. Pois já era: acabou! desespero, poderiam passar despercebidos. bem, não estou nem de longe tratando des- se embate partidário e quando falo de mu- Nos jornais de cada manhã e em cada danças positivas havidas nas últimas décadas programa jornalístico no rádio e na TV é no- estou no plano da dinâmica social, que trans- Jorge Luiz Souto Maior1 tória a insistência em destacar a existência cende as formas Estado e Direito. Falo, aliás, de uma crise que é ao mesmo tempo eco- de mudanças que se deram a despeito da re- nômica, institucional, política e moral. Uma pressão e das estruturas retrógadas, levadas insistência que tenta nos conduzir a um va- a efeito por todos os governos de todos os zio existencial, ao mesmo tempo em que partidos no poder durante esse mesmo perí- 1. Alienação e otimismo apostam no caos, ou o assumem como ine- indica como possibilidade de redenção a odo. Verifique-se, por exemplo, o caso da ter- xorável, podendo-se identificar um processo percepção exclusiva de que o “inferno são ceirização, que começou no governo Collor, Permitam-me interromper essa onda de de desolidarização ou desumanização, falar os outros”. avançou no governo FHC, foi consolidada no pessimismo que tem sido espalhada diaria- em otimismo pode parecer meio idiota. Mas governo Lula e procura uma generalização mente pela grande mídia e que se encontra ser otimista quando está tudo bem é fácil, Essa forma de descrever a realidade busca no governo Dilma, o que demonstra, clara- estampada também nos discursos da intelec- embora o que se devesse exigir nas épocas espraiar o desânimo, reduzindo, ou mesmo mente, a importância de nos afastarmos de tualidade de esquerda. de bonança fosse uma boa dose de pessimis- eliminando, a crença na capacidade da ação qualquer tipo de retórica partidária-eleitoral mo para evitar os mascaramentos. Então, em coletiva para promover mudanças na realida- se quisermos compreender a realidade e in- Sei que em um momento complexo como momentos de depressão o papel da razão de social no sentido da justiça social. Impul- teragir com ela. este, em que tantos, por tantas razões diferen- não é aprofundar o desespero e sim tentar siona-se o individualismo e o “salve-se quem tes, nem sempre muito bem compreendidas, trazer à tona fatores favoráveis para impul- puder”, isso quando não se vai ao ponto de Sem procurar diminuir retoricamente a propugnar uma mobilização para impor re- gravidade do momento e sem tentar mini- 1. Jurista, professor e juiz do trabalho. trocessos. mizar os erros dos diversos partidos no que
82 83 tange ao acatamento da lógica neoliberal, versas formas de opressão, a capacidade de de seus interesses exclusivos. Foi desse modo Formaram-se, a partir daí, dois grandes que impõe redução de direitos trabalhistas e organização e de mobilização dos grupos di- que quebraram a regra de ouro da domina- grupos: o dos defensores da ampliação da sociais como forma de salvar o capitalismo retamente envolvidos é um aprendizado que ção, já expressa por Pascal, no sentido de terceirização e o dos opositores da ideia, e também no que se refere aos ajustes com não tem como ser extraído da inteligência que o "[O povo] não deve sentir a verdade dentre os quais me incluo. setores específicos do grande capital para social. da usurpação: ela foi um dia introduzida sem sustentação da “governabilidade”, da qual Assim, pode-se dizer que há uma espé- razão e tornou-se razoável; é preciso fazer O projeto de lei, agora no Senado, onde se alimentam a corrupção e o favoritismo, o cie de “utopia” da direita conservadora em que ela seja vista como autêntica, eterna, e ganhou o número PLC 30, ainda não foi de- fato incontestável é que querer manter inaltera- esconder o seu começo se não quisermos finitivamente votado, mas, independente do diversos segmentos da da a realidade de uma que logo tenha fim." resultado, já é possível extrair dois efeitos de sociedade, carregando “Por mais pessimista sociedade ainda eco- toda essa discussão. consigo a marca comum nomicamente desigual Fato é que não satisfeitos em explorar o da opressão, se organiza- ou reacionário e ao mesmo tempo oli- trabalho, auferindo lucros não só por meio Primeiro, que 12 milhões de trabalhadores ram e se não obtiveram convicto que se gárquica, elitista, racista, da mais-valia como também pelas formas já terceirizados, na sua maioria mulheres, saí- vitórias definitivas e ple- queira ser, é impossível machista, LGBTfóbica e extremamente precarizadas das relações de ram da invisibilidade a que foram submetidos nas atingiram um estágio opressora. trabalho, os representantes do capital, sentin- há décadas. de mobilização e consci- reverter o processo do um momento político favorável para levar ência que é impossível de avanço nas Dentro desse contexto adiante seus anseios, que, em certa medida, Segundo, que todas as pessoas da socie- que retrocedam. do percurso irreversível guardam relação com estruturas culturais dade, dentre elas os próprios terceirizados, temáticas referidas...” de avanços sociais e hu- escravistas e colonialistas, vieram a público tomaram consciência das perversidades da Os avanços verifica- manos, destacando-se a pleitear a ampliação da terceirização. terceirização. dos no que se refere às perda do medo de lutar questões de gênero, de por direitos, a insistência Paradoxalmente, foi aí que a coisa desan- raça, de etnia, de orien- da grande mídia em ver dou. tação sexual, da essência dos direitos sociais crise em tudo e em difundir o desânimo apre- e trabalhistas, da emergência da construção senta-se como uma tentativa quase desespe- Ocorre que, impulsionado pela força da da justiça social e até mesmo da consciência rada de impedir que “o medo acabe”. Como grande mídia, que, por razões particulares, da existência de uma sociedade de classes, diz o escritor moçambicano, Mia Couto, na se mostrou bastante interessada no tema, o são mudanças que, mesmo ainda longe de sociedade estruturada no medo, aqueles que debate a respeito da terceirização acabou um patamar ideal, se apresentam como irre- se situam em uma posição de privilégio têm atingindo a todas as pessoas da sociedade, versíveis. Por mais pessimista ou reacionário 1 ... independente do credo ou profissão. Hoje “medo de que o medo acabe” convicto que se queira ser, é impossível re- Mas está acabando... não há cidadão brasileiro que não tenha sido verter o processo de avanço nas temáticas ao menos informado sobre a terceirização, referidas, que incluem, ainda, o relevante 2. O paradoxal impulso do avanço sendo que a grande maioria procurou inclu- protagonismo assumido pela juventude nas sive firmar uma posição a respeito. Jorna- mobilizações que resultaram em junho de Segundo decreta a sabedoria popular: listas, políticos, professores, estudantes, ad- 2013. “não mexe, se não fede!” Mas a soberba dos vogados, juízes, procuradores, empresários, que se integram a classe economicamente atletas, operários, empregados domésticos, E, como dito, embora os avanços na con- dominante da sociedade pouco se importa médicos, ferroviários, enfermeiros, dentistas, dição dos oprimidos ainda estejam muito em saber o que o povo diz e assim acaba rodoviários, servidores públicos etc, etc. etc., aquém do necessário, que é o fim das di- por desconhecer qualquer limite na defesa todos, enfim, ficaram sabendo do PL 4.330 e da pretensão de se alargarem as possibilida- 1. Mia Couto, in: https://www.google.com.br/?gws_rd=ssl#q=mia+couto+medo, acesso em 12/06/15. des do trabalho terceirizado.
84 85 E estes são efeitos necessários, inevitáveis Esse poder de organização e de mobiliza- Aliás, no afã de venderem o seu peixe, de go dos últimos 22 (vinte e dois) anos, duran- e irreversíveis. ção para uma ação coletiva multidisciplinar, sentirem a glória de vencer o debate, acaba- te os quais esteve vigente a Súmula 331 do por si, já é um avanço que não pode ser des- ram reconhecendo a relevância do respeito TST, que a despeito de limitar a terceirização Dito de outro modo, independente de considerado. aos direitos trabalhistas constantes da CLT, à atividade-meio manteve o terceirizado sem qualquer resultado a que se chegue no pro- chegando a dizer que a “nova” regulamen- qualquer garantia jurídica, possibilitando as cesso legislativo, não será possível reconduzir Já é um dado da realidade, portanto, a tação garantiria aos terceirizados a aplicação formas mais perversas de exploração, caben- esses trabalhadores à condição de pessoas percepção pública da condição precária de da CLT, destruindo o discurso histórico de que do verificar, inclusive, que a jurisprudência invisíveis e não haverá retórica suficiente para vida e de trabalho dos terceirizados. a CLT é ultrapassada e que gera custos insu- não foi eficiente para coibir a utilização da suprimir a consciência adquirida de forma peráveis às empresas. terceirização ao ponto da mera maldade, publica e unânime, em torno dos males da O efeito inevitável de tudo isso, ou seja, consagrada nas alterações constantes de lo- terceirização. do que já foi feito, é que a terceirização, tal Por outro lado, os opositores da ampliação cal e de horário de trabalho e de variações qual fora juridicamente concebida desde da terceirização valeram-se de imagens e de dos tomadores de serviços, além de não ter Há de se ter, inclusive, a percepção de que 1993, quando editado o Enunciado 331, do dados estatísticos que impedido, também, as muito já se fez durante esse longo período de TST (hoje, Súmula 331), não se sustenta mais, explicitam como o traba- fragilizações dos traba- extenso debate, sendo de se destacar a for- isto porque se há um ponto em comum en- lhador terceirizado sofre “No âmbito lhadores nas subcontra- mação de um Fórum Nacional de Combate tre defensores e opositores do PL 4.330 é o cotidianamente com a da administração tações e na exploração à Terceirização, formado por professores, so- de que a terceirização, no modo como se precariedade das condi- em rede do trabalho. ciólogos, economistas, advogados, sindicalis- encontra regulada, é um grande mal para os ções de trabalho, a invisi- pública, são inúmeros tas, juízes do trabalho, procuradores do tra- trabalhadores terceirizados. bilidade, a discriminação, os casos de terceirizados Neste aspecto da balho, auditores fiscais do trabalho e demais as jornadas excessivas, os trabalhando há anos sem ineficiência do trata- entidades e profissionais ligados à defesa dos Diante das evidências denunciadas, os acidentes de trabalho, mento jurídico dado direitos dos trabalhadores, que conseguiram defensores da ampliação da terceirização os baixos salários etc. O usufruir férias ou receber à terceirização para a difundir, inclusive junto à grande mídia, a não tiveram como deixar de reconhecer que que tem ocorrido, basi- a integralidade de seus proteção de direitos perspectiva da classe trabalhadora sobre o a terceirização gera riscos aos terceirizados camente, é que a tercei- fundamentais e o res- tema, chegando à realização de audiências e à eficácia dos seus direitos, tanto que, para rização, que já atinge 12 direitos, inclusive peito às normas consti- públicas nas assembleias estaduais de todo o atingirem o objetivo de conseguirem am- milhões de trabalhado- rescisórios...” tucionais, destaque-se país. pliar essa forma de exploração do trabalho, res, provocou todos esses ainda a convivência ofereceram aos terceirizados, conforme pre- efeitos nefastos e que a conivente e supressiva visto no PLC 30, a responsabilidade solidária ampliação da terceiri- da Constituição com a entre as empresas tomadora e prestadora zação, mesmo com as garantias oferecidas, terceirização no serviço público, onde enor- dos serviços, superando a responsabilida- tenderá a multiplicar os mesmos problemas, mes perversidades contra os trabalhadores de subsidiária prevista na Súmula 331. Além causando, sobretudo, um esfacelamento da se efetivam. No âmbito da administração disso, vislumbraram a necessidade de que organização sindical, que tornaria impossível pública, são inúmeros os casos de terceiriza- as empresas prestadoras de serviços, preen- qualquer mobilização de resistência e de luta dos trabalhando há anos sem usufruir férias chendo os requisitos da especialidade e da dos trabalhadores. ou receber a integralidade de seus direitos, qualificação técnica, detenham capital inte- inclusive rescisórios, valendo lembrar que a gralizado compatível com a execução dos Cumpre perceber que, para rejeitar o pro- contratação das empresas terceirizadas se dá serviços, isto é, com o custo pertinente ao jeto de lei de ampliação da terceirização, por licitação, ganhando aquela que oferece número de trabalhadores contratados, ofe- juristas, políticos e instituições, pintando o o menor preço, o que carrega consigo a lógi- recendo, ainda, caução, seguro garantia ou quadro sombrio de uma situação futura, pau- ca da precarização, constituindo, ainda, uma fiança bancária, como garantia aos trabalha- taram-se não em projeções, mas em imagens porta aberta para a corrupção, o favoritismo dores. do presente e em dados construídos ao lon- e o desvio temerário do dinheiro público.
86 87 Ou seja, após difundidos todos esses dis- provocados pela Súmula 331 do TST, que 3. Superação da Súmula 331, do TST De fato, não se pode dizer, criteriosamen- cursos e revelada a realidade do trabalho autorizou, sem qualquer garantia jurídica, a te, o que é atividade-meio e o que é ativida- terceirizado, é inevitável reconhecer que os terceirização nos setores público e privado. De fato, juridicamente falando, a terceiri- de-fim e é exatamente por conta disso que a males da terceirização não são culpa do PL zação, tal como regulada na Súmula 331 do experiência da terceirização acabou se situ- 4.330 e sim da terceirização em si, sendo Se o PL 4.330 é nefasto para os traba- TST, acabou. ando nas atividades de limpeza e de vigilân- certo que o que preconiza o projeto de lei lhadores porque amplia a terceirização, à cia, não por atenderem ao postulado fixado é a formação de um futuro ainda pior. Súmula 331, do TST, também é porque é a Primeiro, porque se, contrariando a lógica na Súmula, mas por expressarem um fator culpada dos males sofridos atualmente pe- do PL 4.330, que generaliza a terceirização, cultural de discriminação e de preconceito Mas há de se reconhecer que, em certa los 12 milhões de terceirizados. estabelece-se o raciocínio de que a terceiriza- no que tange à posição social da mulher e do medida, as garantias jurídicas concedidas ção só pode ser vislumbrada como forma ex- trabalho doméstico, refletidos em tais moda- pelos defensores da ampliação da terceiri- Mas aí, cabe reparar, já não é mais mera cepcional de contratação, a Súmula 331, do lidades de serviço. zação, assumidas como necessárias diante questão de opinião ou de conveniência. TST, não é parâmetro adequado para tanto, do reconhecimento das perversidades da Trata-se mesmo da produção de um efei- pois, como bem destacam até mesmo os de- Além disso, se a rejeição à ampliação da terceirização, são superiores àquelas que, to social e político, que repercute juridica- fensores da ampliação da terceirização, nes- terceirização se dá por meio da defesa da presentemente, os que se dizem contrários mente, que extrapola a intenção dos con- te ponto, críticos da Súmula, a diferenciação eficácia de direitos fundamentais, esses mes- à ampliação da terceirização conseguiram tentores, que é a superação da Súmula 331, baseada em atividade-meio e atividade-fim é mos argumentos servem para afastar a pos- oferecer aos 12 milhões de terceirizados do TST. insustentável. sibilidade de terceirização em “atividades- durante 22 (vinte e dois) anos. meio”, onde a dignidade, como todos agora sabem, encontra-se perdida. Ocorre que uma vez que já foram ofere- cidas essas garantias não há mais como se Segundo, porque após todo esse debate possa simplesmente retirá-las... chegou-se a um consenso em torno das per- versidades da terceirização, tanto que até Essa melhoria das garantias aos tercei- mesmo o projeto de lei em discussão, que é rizados, por si, obviamente, não é motivo nefasto aos trabalhadores, procura eliminar al- para justificar a ampliação da terceirização, gumas das fragilidades jurídicas nas quais as mas, paradoxalmente, é razão mais que perversidades se sustentam. Então, diante do suficiente para evitar que os 12 milhões de padrão jurídico estabelecido no projeto de lei, terceirizados sejam mantidos na situação que é, inclusive, considerado prejudicial aos precária em que se encontram. trabalhadores, não se pode mais ficar dizendo que há uma diversidade de direitos trabalhis- Nesta medida, a obstrução do projeto tas entre terceirizados e efetivos e que há uma de lei que amplia a terceirização, manten- responsabilidade subsidiária, e não solidária, do-a nos padrões da Súmula 331 do TST, é da empresa tomadora de serviços pelas obri- um efeito impossível de ser produzido, vez gações assumidas pela prestadora, até por- que representaria a legitimação de todos os que, convenhamos de uma vez, essa criação efeitos perversos da terceirização denun- da jurisprudência trabalhista é uma autêntica ciados à exaustão. aberração jurídica, vez que estabelece uma ordem obrigacional em favor do devedor, ou, O resultado inevitável de tudo isso, repi- inversamente falando, em prejuízo do credor, ta-se, é que já não será mais possível fazer contrariando até mesmo o padrão jurídico do vistas grossas para todos os efeitos nefastos direito das obrigações do Direito Civil.
888888888888 898989898989 Terceiro, porque se a terceirização pudesse A objeção a esse efeito com o argumento 4. Fim da terceirização trabalhadores à condição social e de traba- ter alguma razão de ordem econômica que a de que contraria a Constituição é insustentá- lho dos ex-terceirizados e sim a elevação de sustentasse, não poderia, jamais, gerar o efei- vel, e digamos assim para evitar qualquer ad- E por mais paradoxal que pareça, a decre- todos aos patamares até alcançados pelos to perverso de conduzir à total ineficácia os jetivação que desvia o foco do debate, pois, tação do fim dos fundamentos jurídicos para empregados, tidos por efetivos, vez que o direitos fundamentais dos terceirizados. As- afinal, enquanto os terceirizados ficaram – e a terceirização pode ser vislumbrada mesmo princípio constitucional é o da melhoria da sim, estão fora de qualquer parâmetro jurídi- ainda estão – submetidos a diversas inconsti- que o PLC 30 seja aprovado. condição social dos trabalhadores (art. 7º, co, mesmo se pudessem ser preservados os tucionalidades nenhuma voz se ergueu para CF), cumprindo destacar que as garantias aos dispositivos da Súmula 331 do TST, as práticas garantir a esses trabalhadores a eficácia das Ora, a rejeição jurídica à terceirização, tal terceirizados, vislumbradas no projeto de lei, de utilização dos trabalhadores terceirizados normas constitucionais. qual conhecida atualmente, parte do pres- solidariedade etc., não são eficazes para eli- como verdadeiras coisas, onde se efetivam suposto de que a terceirização fere direitos minar as agressões a direitos fundamentais variações constantes de horários e de locais Em suma, o efeito necessário, já concreti- fundamentais dos traba- que a terceirização de trabalho dos terceirizados, assim como zado, é o da rejeição plena da Súmula 331 do lhadores, tais como a vida, representa, na medi- trocas promíscuas de tomadores, chegando TST, que, na forma acima referida, representa a saúde, o lazer e a própria “A proposição da em que esfacela a ao ápice das estratégias perversas de supres- o fim da terceirização. dignidade e é mais que lógica não é ‘se classe trabalhadora, são do pagamento de verbas rescisórias, com evidente que algo ruim favorecendo ao pro- transferências abusivas para imputação de Poderia se dizer que somente restaria, en- em pequena escala não se todos são terceirizados cesso de reificação, justas causas por abandono de emprego. tão, a possibilidade de uma empresa con- transforma em algo positi- ninguém é discriminado’, da comercialização tratar outra para a realização de serviços vo em grande escala. da mão-de-obra, ou E quarto, porque se o debate público reali- desvinculados da dinâmica permanente da mas sim, se todos são seja, da contratação zado conduziu a uma valorização dos precei- contratante, ou seja, em atividades ocasio- Não é lógico o argumen- terceirizados ninguém não de pessoas, com tos constitucionais, não é concebível que se nais, para satisfação de necessidades desvin- to de que a generalização é terceirizado.” nome, história e ambi- mantenha, sob o ensurdecedor silêncio jurídi- culadas do processo produtivo visto como da terceirização elimina a ções, mas de força de co, a prática inconstitucional da terceirização um todo, que exigissem expertise específica discriminação de que são trabalho líquida. no serviço público, vez que a Constituição de alta tecnologia e grau de investimento, vítimas os terceirizados garante à cidadania o acesso ao serviço pú- como, por exemplo, um condomínio que porque se todos são tercei- Mesmo com res- blico por meio de concurso público de pro- contrata uma empresa para manutenção do rizados ninguém mais seria ponsabilidade solidá- vas e títulos, sem qualquer modalidade ex- elevador. No entanto, nestes casos, já não se discriminado, pois se tal argumento fosse vá- ria, caução financeira, requisitos estatutários cepcional para o implemento das atividades trataria mais, propriamente, de terceirização. lido era só negar escola a todas as pessoas para a constituição de empresas prestadora integradas à dinâmica permanente dos entes para resolver o problema da evasão escolar. de serviços, a terceirização destrói os víncu- administrativos, em todas as suas esferas. los básicos de categoria e de socialização Por outro lado, se a ampliação da terceiri- pelo trabalho e seu efeito concreto, se isso Como efeito imediato da correção des- zação não transforma a índole da terceiriza- fosse juridicamente possível, é o rebaixamen- sa grave injustiça, praticada ao longo de 22 ção e nem elimina a discriminação de que to total dos direitos dos trabalhadores, que se anos, com ofensa direta à Constituição, há são vítimas os terceirizados, acaba, de fato, veem, inclusive, impossibilitados de formular de se reconhecer, judicialmente, ao tercei- extinguindo a terceirização, ela própria. A práticas coletivas de resistências, conduzi- rizado, que, nos termos do padrão fixado proposição lógica não é “se todos são tercei- dos a uma lógica individualista e atomizada, pela própria Constituição (art. 19, do ADCT), rizados ninguém é discriminado”, mas sim, se sendo bastante evidente, aliás, a consciência tenha prestado serviços à administração por todos são terceirizados ninguém é terceiriza- do próprio setor econômico em torno desses cinco anos ou mais, o direito à relação de do. efeitos, tanto que entrega garantias aos ter- emprego público com a administração, com ceirizados em troca da ampliação do mode- todos os efeitos constitucionalmente assegu- Mas o efeito dessa proposição generalizan- lo, sem perderem, por certo, a projeção do rados. te não pode ser o rebaixamento de todos os aumento de lucros.
909090909090 919191919191 Além disso, se uma empresa pode em- extrair do capital produzido, diretamente, as No projeto constitucional, a relação de Ou seja, a ampliação ilimitada da tercei- preender sem ter empregados, contratando necessárias repercussões sociais ao projeto emprego, portanto, não pode se configurar rização cria um problema metodológico in- serviços de outras empresas, a contratante do Estado Social, nem tão pouco assegurar como efeito último de uma exploração reti- superável, fazendo com que o efeito seja o não é uma empresa, não é empreendedora a eficácia dos direitos fundamentais dos tra- cular do trabalho, quando a empresa, con- aniquilamento da terceirização, ela própria, de nada, sendo mera contratante de empre- balhadores. A reparação de um acidente do siderada empregadora, não seja mais apta porque, ademais, não se pode, em nome da sas contratadas, que, por sua vez, adotando trabalho de um empregado de uma empresa a cumprir, de fato, uma função social traba- terceirização, destruir a Constituição Federal. o mesmo instrumento jurídico, poderão não terceirizada, subcapitali- lhista. De uma genera- ter empregados, valendo-se de outras contra- zada, será muito menor lização da relação de Lembre-se que é exatamente para impedir tadas. O resultado é que só se chegará uma que a reparação de um emprego, cuja função que o capital, pelo uso do poder econômi- relação de emprego ou por opção da empre- acidente de um empre- de ordem pública é co que detém, consiga se desvincular do tra- sa ou quando nas subcontratações formaliza- gado de uma empresa apreender parcelas do balho e, consequentemente, das obrigações das as empresas que se situarem no final da capitalizada. capital produzido pelo sociais, que a Constituição, além dos disposi- rede não tiverem mais condições econômi- trabalho, para garan- tivos já referidos, conferiu aos trabalhadores cas de contratarem outras empresas. Também não se pode tir a rede de proteção o direito à relação de emprego, que é, inclu- vislumbrar a formação social que organiza e sive, uma relação jurídica qualificada, porque O efeito dessa situação de generalização da relação de emprego viabiliza o modelo de é protegida contra a dispensa arbitrária (art. da terceirização não é apenas uma questão com as empresas cen- produção capitalista, 7º. I), não prevendo qualquer tipo de subter- de presunção de precarização das condições trais do capitalismo ape- a ampliação ilimitada fúgio para o capital. de trabalho dos trabalhadores, que já é, por nas como fruto de uma da terceirização con- si, muito grave, mas uma quebra da estrutura opção gerencial destas, duziria a relação de Nunca é demais lembrar que os artigos jurídica trabalhista como um todo, provocan- ou seja, quando estas emprego a uma con- 2º e 3º da CLT estipulam que a relação de do uma reação sistêmica que, naturalmente, empresas resolvam não dição periférica, des- emprego se forma entre o trabalhador e a provoca um expurgo da terceirização, sob terceirizar determinadas vinculada do capital empresa, fixando uma responsabilidade so- pena de uma corrosão irremediável. atividades por quais- e sem força, portanto, lidária, que equivale a uma multiplicidade quer motivos que sejam, para conduzir qual- de empregadores, na associação de empre- Ora, a relação de emprego é o vínculo ju- criando, inclusive, uma quer projeto social. De sas para a exploração do trabalho, entendia rídico básico da efetivação dos direitos traba- discriminação odiosa forma concreta, seria como grupo econômico, tudo para ampliar lhistas. Esses direitos não existem apenas para entre terceirizados e o fim do Direito do Tra- o potencial de aplicação do Direito do Tra- satisfazer necessidades básicas do trabalha- efetivos, que apenas fa- balho, da Justiça do balho, evitando, assim, que seja minado o dor. Existem para melhorar, de forma pro- vorece a sua demonstração de poder frente Trabalho e do Estado Social. projeto constitucional. É por isso que as leis gressivamente constante, a condição de vida aos trabalhadores, transformando a subordi- que afastam a relação de emprego só se ava- dos trabalhadores, fazendo com o modelo nação em mera submissão, isto porque os Ocorre que, como dito, a Constituição Fe- liam como constitucionais quando se apoiam de sociedade capitalista se apresente como interesses econômicos das empresas não se deral estabelece um valor social à livre inicia- em justificativas de excepcionalidade, não se viável para promover justiça social, conferin- sobrepõem à consagração constitucional dos tiva, exige uma função social da propriedade podendo conceber formas de exploração do do a todas as pessoas condições dignas de direitos trabalhistas como direitos fundamen- e determina que o desenvolvimento econô- trabalho alternativas à relação de emprego. vida. tais (art. 7º, CF) e ao projeto, também cons- mico obedeça aos ditames da justiça social, titucional, de desenvolvimento de um capi- sendo que o social em questão atende pelo A terceirização, é verdade, não exclui for- A relação de emprego, portanto, não talismo com respeito aos valores sociais do nome de direitos sociais, conforme fixados malmente a relação de emprego, mas traz pode existir apenas na periferia do capitalis- trabalho e da livre iniciativa (art. 1º, IV, CF), nos artigos 6º e 7º da mesma Carta, tidos elemento muito mais grave porque, como mo, formando-se entre trabalhadores sem re- tendo-se estabelecido, inclusive, o princípio como direitos fundamentais e integrados ao visto, destrói a funcionalidade da relação de presentação sindical e empresas subcapitali- de que a economia respeite aos ditames da conteúdo das cláusulas pétreas da Constitui- emprego e, por conseqüência, do próprio Di- zadas, porque nestas condições não se pode justiça social (art. 170, CF). ção. reito do Trabalho. Ao implodir a essência da
92 93 relação de emprego, a terceirização ilimita- jurisprudência terá todos os argumentos jurí- diante dos preceitos constitucionais aplicá- 5. Conclusão da, baseada, pois, em vício jurídico insupe- dicos possíveis para afastar a lei infraconsti- veis às relações de trabalho no Brasil, apoia- rável, traz consigo o germe de sua própria tucional da terceirização, atraindo o capital dos, ainda, nos tratados de convenções de Então, se aprovado for o PLC 30, que am- destruição. para a sua responsabilidade social por meio Direitos Humanos, sendo que até por isso plia a terceirização de forma ilimitada, o efei- da declaração direta do vínculo de emprego, nenhuma relevância possuem os argumentos to será o da extinção da terceirização e como superando as intermediações. em defesa da ampliação da terceirização que os parâmetros hoje aplicados para a terceiri- parte do exemplo ocorrido em outros países, zação não mais se sustentam, o efeito já pro- Generalizando-se a terceirização, o efeito porque, afinal, temos uma Constituição e ela duzido é o do fim jurídico da terceirização. corretivo inevitável, para a plena eficácia do deve ser respeitada para a garantia de todos projeto constitucional, é a rejeição da tercei- os cidadãos. Em suma, por todos os ângulos que o fato rização, para manter a regra da relação de social da terceirização se submeta a uma emprego, essencial ao projeto constitucional. Cabe acrescentar que não comovem os análise jurídica, pautada pela prevalência dos argumentos de aqui ou ali, em algum lugar Direitos Humanos e a eficácia dos direitos tra- E se a esse resultado não se chegar por do planeta, a generalização da terceiriza- balhistas, considerados, constitucionalmen- uma questão de consciência jurídica, pode- ção tenha sido adotada, porque temos uma te, como direitos fundamentais, sobretudo se vislumbrá-lo como efeito de um instinto de Constituição Federal e esta deve ser aplicada diante da visibilidade que o fato adquiriu e sobrevivência da Justiça do Trabalho, que es- antes de se pensar nas formas jurídicas exis- de todas as avaliações feitas a seu respeito, taria fortemente ameaçada com o estímulo tentes em quaisquer outros países. é impossível manter o padrão jurídico da Sú- ao acatamento da lógica da eficiência econô- mula 331, do TST, ou vislumbrar uma fórmula mica, integrada às já introduzidas estratégias Aliás, na linha dos avanços necessários ad- jurídica para regular a terceirização. de gestão, e com o excesso estrondoso de vindos da consciência já produzida, apresen- serviço que certamente adviria da generali- ta-se como também inevitável à reavaliação zação da terceirização. da compreensão em torno da constituciona- lidade da Lei n. 9.637/98, com as alterações De um ponto de vista metodológico, só se introduzidas pela Lei n. 9.648/98, conforme poderia entender juridicamente válida a ter- definido na ADI 1923, pois se juridicamente ceirização como uma forma excepcional de a terceirização de serviços não existe mais, contratação, para não quebrar a regra geral e muito menos ainda se poderão encontrar É impossível, ademais, não se vislumbrar o projeto constitucional baseado na relação argumentos para justificar a terceirização da a atuação futura corretiva da jurisprudência de emprego e na fixação de responsabilida- própria administração, que tanto precariza as diante de conflitos trabalhistas originados em des sociais diretamente ao capital. A generali- condições de trabalho quanto favorece ao fa- relações jurídicas onde um grande conglome- zação da terceirização, portanto, gera, como voritismo e a corrupção, além de privatizar rado econômico tenha terceirizado todos os efeito, reverso, o fim da terceirização, já que a atuação do Estado em áreas essenciais à seus empregados, sendo estes empregados não se pode chegar ao fim da relação de em- efetivação dos direitos sociais. não das empresas contratadas pelo grande prego ela própria e do projeto constitucional capital, mas de empresas contratadas pelas que carrega consigo, simplesmente, para Na linha do otimismo, no mínimo há de contratadas da primeira, e que dessa relação atender a um postulado setorial integrado a conferir aos trabalhadores que executem promíscua advenham baixos salários, aciden- uma lei. esses serviços, ainda que atuando para en- tes, jornadas excessivas... Para conferir eficá- tes privados, o status de servidores públicos, cia aos preceitos jurídicos básicos da condi- Ocorre que, como visto, não há parâme- com todas as garantias constitucionais, vez ção humana dos trabalhadores, trazidos na tros jurídicos válidos para se chegar a uma que pressupostamente necessárias ao proje- Constituição como direitos fundamentais, a terceirização nem mesmo perifericamente, to do Estado Social.
94 95 Esse resultado se impõe a juristas, mas, Pertinente, para uma melhor reflexão, a para continuar agindo da mesma forma ter-se argumento econômico que, juridicamente, sobretudo, aos sindicatos, pois todas as trama do filme, Força Maior (2015, do rotei- -ia que negar vigência à CLT e à Constituição, as justifiquem. Centrais Sindicais foram unânimes na rejei- rista Ruben Östlund), que trata da história de cujas existências e relevância também foram ção do projeto de lei, destacando as per- uma família, composta por um casal e dois exaltadas no correr do debate. Além disso, a Mas, partindo do necessário pressuposto versidades da terceirização, e será, no míni- filhos, que sai de férias durante cinco dias nos preservação dos mesmos padrões jurídicos da sinceridade de todos que se manifestaram mo, uma incoerência histórica, se, desde já, Alpes franceses. Na cena principal, os quatro significaria legitimar e dar continuidade a to- sobre a terceirização e no respeito a uma or- deixarem de integrar os terceirizados aos membros da família estão almoçando em um das as situações fáticas de supressão de direi- dem jurídica que explicita a prevalência dos efeitos plenos de suas ações coletivas. A restaurante a céu aberto próximo de um pe- tos fundamentais dos terceirizados que foram Direitos Humanos, o valor social do trabalho não imediata incorporação dos terceiriza- nhasco e uma avalanche vai se aproximando exaustivamente denunciadas publicamente. e da livre iniciativa, a proteção da dignidade dos revelaria que as preocupações expres- assustadoramente sobre o restaurante. Um humana como princípio fundamental da Re- sas pelas entidades referidas não tiveram dos filhos fica desesperado e começa a cha- Forçando um pouco o argumento, imagi- pública e o desenvolvimento da economia em vista as condições mar pelo pai, mas este nemos a situação de que tivesse havido uma sob os ditames da justiça social, tomando de vida e de trabalho “Há um processo diante do perigo pega o proposta para a ampliação da escravidão a por base a eficácia de direitos trabalhistas dos terceirizados, mas histórico em curso, seu celular e suas luvas e todos as pessoas que não tivessem meios que tem como objetivo central melhorar tão somente os seus in- sai correndo, deixando próprios de sobrevivência e no debate pú- a condição social dos trabalhadores, dian- teresses particulares. que já produziu efeitos para trás, a mulher e os blico da proposta se explicitassem todos os te do conhecimento público da condição a necessários, inevitáveis e filhos. Só que era ape- males humanos da escravidão, vindo a socie- que são submetidas 12 milhões de pessoas, A situação nos co- irreversíveis, que nos nas fumaça e não uma dade como um todo a tomar conhecimento só se pode acreditar que, independente de loca, a todos, diante avalanche propriamente do que se passava nos navios negreiros e nos qualquer alteração legislativa, já que normas de um sério dilema: ou obrigam a afirmar, dita. Abaixando a poei- cafezais, mas, ao final do debate se conten- e princípios jurídicos não faltam, a terceriza- agimos em conformi- inclusive, que, ra, ele retorna ao local e tasse em manter a escravidão nos limites es- ção não encontrará mais guarida nas práticas dade com as falas que senta-se à mesa e conti- tritos dos negros e negras. sindicais, nos discursos, nas peças jurídicas e estão sendo expressas juridicamente falando, nua almoçando como se nas decisões judiciais. contra a terceirização, a terceirização já era, nada houvesse ocorrido. Claro que a condição dos terceirizados não sendo que todos os fa- acabou!” se assemelha à dos escravos (embora mui- Enfim, após tudo o que já ocorreu até aqui, tos e dados se referem Claro que a situação tos trabalhem em condições análogas à dos é impossível que as coisas retornem ao ponto ao padrão de análise não foi tratada como escravos), mas se, na hipótese imaginada, a em que estavam, como se nada tivesse ocor- jurídica da terceirização, baseado na Sú- normal pela mulher e esta submete o com- sociedade, toda ela, não seria historicamen- rido. Há um processo histórico em curso, que mula 331 do TST, resultando no fim da ter- portamento do marido a um julgamento, ain- te perdoada por ter se tornado cúmplice e já produziu efeitos necessários, inevitáveis e ceirização; ou, na lógica do mal menor, da que este não admitisse que tivesse agido até co-responsável pelas atrocidades de que irreversíveis, que nos obrigam a afirmar, inclu- concebendo que a Súmula 331 TST é o ga- daquela forma. tiveram conhecimento, não é exagero algum sive, que, juridicamente falando, a terceiriza- rante necessário para que a terceirização dizer que o mesmo se poderá dizer de todos ção já era, acabou! não se amplie, nos contentamos em barrar Pois bem, a questão é que depois de tudo nós que, tendo conhecido as atrocidades da o PL 30 e assim deixamos tudo como está, que já se passou em torno da discussão da terceirização, nos contentemos em mantê-la mas com isso legitimamos os atentados, terceirização, é inconcebível que se retorne à do jeito que está, sendo que, no nosso caso, que foram tornados públicos, aos direitos sala de audiências, aos gabinetes, aos escritó- a situação é ainda mais grave porque não se fundamentais dos 12 milhões de terceiri- rios, aos sindicatos e às mesas de negociação trata de uma realidade que não possamos zados. Mas nesta última hipótese, perde- e se proceda da mesma forma anterior, jul- mudar, já que a ordem jurídica historicamen- remos, por consequência, todo moral para gando e avaliando a terceirização dentro dos te concebida não só possibilita, como de fato expressar argumentos futuros em defesa parâmetros da Súmula 331 do TST, como se exige, a rejeição inconciliável e radical a to- de uma ordem jurídica pautada pela pro- nada tivesse ocorrido, sendo a situação, nes- das as formas de rebaixamento da condição teção da dignidade humana. ta nossa história, ainda mais grave, porque, humana, não havendo, por certo, qualquer
96 97 vações e alterações inclusas pela nova Lei. de Processo Civil (CPC) de 1973 pela Lei nº Serão abordados ainda a aplicabilidade do 11.382/2006, permite ao executado o par- parcelamento frente ao Direito do Trabalho celamento da dívida em até 6 (seis) vezes e sua utilização como forma procrastinadora mediante comprovação de depósito judicial do feito e eventuais prejuízos ao exequente, de 30% do montante da execução, incluindo quando da sua aplicabilidade na seara traba- custas e honorários advocatícios. (TREVISANI, lhista. 2014). PALAVRAS CHAVE: Parcelamento. Art. De acordo com sua atual redação, não há 745-A. Execução. Direito do Trabalho. Código brecha para oitiva do exequente e, se preen- de Processo Civil. chidos os requisitos legais e recebendo auto- rização judicial, deverá o credor aceitar que ABSTRACT o recebimento de seus valores poderá ocor- The following study aims to elucidate the rer em um lapso temporal maior. relevant changes introduced by the New Ci- vil Lawsuit Procedure regarding the possibili- Há que se levantar o questionamento so- ty of installment of the debt by the executed. bre a possibilidade e razoabilidade do de- A APLICABILIDADE DO PARCELAMENTO Currently provided for in Section 745-A of the ferimento do parcelamento. Vejamos, não 1973 Civil Lawsuit Procedure, the ability to é plausível que empresas de grande porte, DO ART. 745-A DO CPC NO DIREITO repay the debt through judicial deposits gain como Bancos e Multinacionais, requeiram new forms with the coming of the new Civil aplicação do artigo supramencionado, se o DO TRABALHO À LUZ DO NOVO Lawsuit Procedure, which will come into force valor da execução não é exorbitante. from 2016, being this modality provided for CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL in Section 916 of the New Lawsuit Procedure. Through this work, innovations and changes included by the new law will be brought. Also will be examine the applicability of the front Markeline Fernandes Ribeiro* installment to the Labor Law and its use as a Bruna de Paula** way to procrastinate the lawsuit and any los- ses to the judgment creditor when their appli- cability in Labor Law. RESUMO art. 745-A do Código de 1973, a possibilidade KEY-WORDS: Installment. Section 745-A. de quitação da dívida através de depósito ju- Execution. Labor Law. Civil Lawsuit Procedu- O estudo que se segue tem por objetivo dicial ganhou novas formas com a vinda do re. elucidar as alterações relevantes trazidas Novo Código de Processo Civil, que entrará pelo Novo Código de Processo Civil em rela- em vigor a partir de 2016, estando tal modali- ção à possibilidade de parcelamento do dé- dade prevista no Art. 916 da nova Lei. Através 1. INTRODUÇÃO bito pelo executado. Atualmente previsto no do presente trabalho, serão trazidas as ino- Também conhecido como “moratória *Advogada, Pós Graduada em Advocacia Trabalhista e em Direito Tributário - Avenida Augusto Emílio Estelita Lins, nº 305, apto 204 – legal” e “parcelamento forçado do crédito Bloco L – Jardim Camburi – Vitória/ES – CEP: 29.060-590. E-mail: [email protected]. exequendo”, o art. 745-a incluso no Código **Acadêmica de Direito – Rua General Osório, nº 83, Sl. 1205, Centro – Vitória/ES. CEP 29.010-035. E-mail: [email protected].
98 99 Explicamos, se o credor é detentor de no art. 769 da CLT, que traz em sua redação: do débito em até seis parcelas acrescidas de A maioria dos aspectos da nova norma um crédito de R$ 10.000,00 (dez mil reais) e “Nos casos omissos, o direito processual co- correção monetária e juros de 1% (um por processual a viger em 2016 mantém os ele- o exequente é, por exemplo, uma empresa mum será fonte subsidiária do direito proces- cento) ao mês. mentos do artigo atualmente em vigor, con- visivelmente sólida e com possibilidade de sual do trabalho, exceto naquilo em que for tudo, com algumas inserções providenciais, quitar a dívida de forma única e integral, não incompatível com as normas deste Título”, a Em que pese a divergência jurisprudencial neste sentido, vejamos o art. 745-A do CPC nos parece justa aplicação do parcelamento, busca pela oportunidade da aplicação do art. em relação ao presente tema, o qual em algu- em sua integralidade primeiramente: que neste caso será tão somente uma medi- 745-A do CPC mas decisões argui-se que não se aplica o art. Art. 745-A. No prazo para embar- da protelatória do feito, visto que os atos exe- 745-A do CPC no processo trabalhista, sob o gos, reconhecendo o crédito do exe- cutivos ficarão suspensos até a quitação inte- Desta forma, o presente estudo busca elu- argumento de que este possui rito próprio de quente e comprovando o depósito gral do débito. Cabe ressaltar que aquele que cidar as alterações relevantes trazidas pelo execução, que exige a garantia integral do de 30% (trinta por cento) do valor em opta por requerer sua aplicação abre mão de Novo Código de Processo Civil em relação débito, nos termos dos artigos 880 a 884 da execução, inclusive custas e honorá- impugnar o valor da execução, consentindo à possibilidade de parcelamento do débito CLT, entende-se que não há dúvidas de que rios de advogado, poderá o executa- com os mesmos. pelo executado e sua aplicação junto aos pro- referido dispositivo atualmente aplica-se no do requerer seja admitido a pagar o cessos trabalhistas. âmbito da execução trabalhista por título ex- restante em até 6 (seis) parcelas men- Tão verdade é este pensamento que o trajudicial, pois além da CLT, ao contrário do sais, acrescidas de correção monetá- Novo Código de Processo Civil - NCPC - Lei que a corrente pela inaplicabilidade entende, ria e juros de 1% (um por cento) ao nº 13.105/2015 (BRASIL, 2015), que passará 2. DA POSSIBILIDADE DE PARCELAMEN- ser omissa quanto à matéria, o procedimen- mês. a vigorar no ano de 2016, traz mudanças sig- TO DA DÍVIDA EXEQUENDA NO PROCESSO to aplica o previsto no art. 769 da CLT e no nificativas na possibilidade de aplicação do TRABALHISTA inciso LXXVIII, do art. 5º da Constituição da § 1º Sendo a proposta deferida parcelamento da dívida. República, posto que tal parcelamento pode pelo juiz, o exequente levantará a promover efetividade e celeridade à mencio- quantia depositada e serão suspen- Com previsão no art. 916 do NCPC, o pedi- É importante destacar que buscando for- nada execução trabalhista. sos os atos executivos; caso indefe- do de parcelamento pelo executado passará mas de dar efetividade e celeridade às exe- rida, seguir-se-ão os atos executivos, pela aprovação do exequente, podendo este cuções, a Lei nº 11.382/06 introduziu no Có- E tal aplicação continuará a ser possível mantido o depósito. demonstrar se deseja ou não receber seu digo de Processo Civil o art. 745-A, segundo quando da vigência do Novo Código de Pro- crédito através desta modalidade, conforme o qual, tratando-se de execução de título cesso Civil, que no novo texto terá como res- elucidaremos mais à frente. Vencido o enten- extrajudicial, o devedor poderá discutir a dí- pectivo o art. 916 do Novo CPC, Não havendo dimento sobre a possibilidade do exequente vida, total ou parcialmente no prazo de três nenhum empecilho na aplicação da norma sucumbir ao parcelamento, há ainda uma dias, ou pagá-la de duas formas: a) à vista, em execuções trabalhistas, que se mostra questão a ser discutida, sua aplicação frente no mencionado prazo, ou b) em até sete compatível com os princípios informativos do as execuções trabalhistas. prestações. Processo Laboral, notadamente o princípio da celeridade, da conciliação e da proteção Os créditos pleiteados junto a Justiça do Entretanto, para que o devedor possa usu- ao trabalhador, tendo em vista que o credor Trabalho perfazem, grande maioria das ve- fruir o aludido benefício, deve em primeiro desde logo tem mais de 30% (trinta por cento) zes, de valores exclusivamente de natureza lugar reconhecer a existência da dívida, sen- do seu crédito e ver quitado o restante em alimentar. Desta forma, a celeridade proces- do-lhe proibido discutir qualquer aspecto razoável espaço de tempo 06 (seis) parcelas sual é algo crucial quando trata-se da execu- do crédito pretendido e, ao mesmo tempo, sem ter que esperar uma não raro morosa ção de tais valores. apresentar o comprovante do depósito do execução cheia de percalços que poderá in- valor correspondente a 30% (trinta por cen- clusive terminar sem nenhuma efetividade, Contudo, a Consolidação das Lei do Tra- to) do total da execução, acrescido de custas como a realidade e a experiência forense nos balho - CLT (BRASIL, 1943) não trata sobre e dos honorários de advogado, quando hou- tem mostrado em muitos casos, sejam as ver- a matéria em questão, restando, com base ver, requerendo o pagamento do restante bas trabalhistas ou não.
100100100100100100 101101101101101101 § 2º O não pagamento de qualquer § 1o O exequente será intimado para I - o vencimento das prestações sar a efetivar o depósito das demais parcelas das prestações implicará, de pleno di- manifestar-se sobre o preenchimento subsequentes e o prosseguimento do previstas no artigo, ganhando assim tempo reito, o vencimento das subsequentes dos pressupostos do caput, e o juiz de- processo, com o imediato reinício dos em detrimento do crédito do exequente. e o prosseguimento do processo, com cidirá o requerimento em 5 (cinco) dias. atos executivos; Com tal previsão expressa, o devedor fica im- o imediato início dos atos executivos, possibilitado de utilizar-se de artifícios proces- imposta ao executado multa de 10% § 2o Enquanto não apreciado o re- II - a imposição ao executado de suais como o mencionado a fim de delongar (dez por cento) sobre o valor das pres- querimento, o executado terá de depo- multa de dez por cento sobre o valor o pagamento de seu débito. tações não pagas e vedada a oposição sitar as parcelas vincendas, facultado ao das prestações não pagas. de embargos. exequente seu levantamento. § 6o A opção pelo parcelamento No artigo em vigor, apresentada a § 3o Deferida a proposta, o exequen- de que trata este artigo importa renún- proposta de parcelamento pelo deve- te levantará a quantia depositada, e se- cia ao direito de opor embargos. dor e exibido o recolhimento de 30% rão suspensos os atos executivos. (trinta por cento) do valor devido, o § 7o O disposto neste artigo não se Juiz poderá deferi-la, autorizando des- § 4o Indeferida a proposta, seguir-se aplica ao cumprimento da sentença. de logo ao credor o levantamento da -ão os atos executivos, mantido o depó- quantia depositada com a suspensão sito, que será convertido em penhora. A primeira diferença do atual texto em re- dos atos executivos e, quando indefe- lação ao novo é a possibilidade ao exequente rida, a execução terá prosseguimen- § 5o O não pagamento de qualquer de manifestar se aceita ou não o parcelamen- to normal, mantido o depósito que das prestações acarretará cumulativa- to requerido, cabendo ao Magistrado, somen- evidentemente será compensado do mente: te após a manifestação do exequente, decidir valor final devido (art. 745-A, § 1º, do em relação ao pedido da ré (art. 916, §1º). De CPC). Em caso de não pagamento de tal decisão, em sede de Execução Trabalhis- alguma parcela, iniciam-se os atos exe- ta, entendemos que, caso o exequente não cutivos, com a multa, sendo o devedor aceite o parcelamento, e, à revelia do autor, proibido de opor Embargos à Execu- o Julgador decidir por aceita-lo, caberá de ção. tal decisão Agravo de Petição, posto que a decisão do Magistrado, em que pese interlo- Outra previsão expressa muito bem vin- De outra senda, vejamos o novo cutória, possui efeito terminativo, contudo, da é a de que ao exequente é permitido o texto já sancionado, que irá vigorar em maiores conjecturas em relação a tal hipóte- levantamento dos valores depositados, pos- 2016: se merecem abordagem mais extensa, que to que, comumente, algumas Secretarias a pode ser enfoque de futuros trabalhos. fim de evitar ‘tumulto processual’, entendem Art. 916. No prazo para embargos, por bem liberar o montante somente quan- reconhecendo o crédito do exequen- Outro novel parágrafo importante para a do garantida a execução, causando extremo te e comprovando o depósito de trin- renovação do parcelamento em comento é o prejuízo ao exequente, que se vê privado de ta por cento do valor em execução, §2º, que expressamente argui que, enquanto valores que são seus por direito e poderiam acrescido de custas e de honorários de não apreciado o pedido, a ré deve manter-se ser imediatamente disponibilizados por mera advogado, o executado poderá reque- realizando o depósito mensalmente, confor- burocracia processual. Com a determinação rer que lhe seja permitido pagar o res- me proposto. Infelizmente muitos devedores legal de liberação dos valores desde já, tal tante em até 6 (seis) parcelas mensais, utilizavam-se da impossibilidade de aprecia- procedimento resta proibido, devendo os va- acrescidas de correção monetária e de ção imediata de seu pedido de parcelamen- lores serem liberados ao exequente logo que juros de um por cento ao mês. to, para somente após este ser deferido, pas- disponibilizados pelo executado.
102102102102102102 103103103103103103 Uma inovação não tão relevante, posto A segunda possibilidade se dá quando da 4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS que ainda que de forma tácita tal proce- quitação da sexta e última parcela relativa dimento era aplicado, se trata da conver- ao parcelamento deferido, quando entende- BRASIL. Consolidação das Leis do Traba- são dos depósitos realizados, em caso de se que então, finalmente, a execução se en- lho – CLT, 1943. Disponível em: http://www. pagamento parcial, em penhora. Restou contra devidamente garantida, preenchidos planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del5452. expresso no §4º que os valores deposita- os requisitos do art. 884 da CLT. Nesta senda, htm. Acesso em 30 de agosto de 2015. dos por conta do parcelamento, em caso cremos que a fim de evitar prejuízos ao exe- de inadimplemento, serão convertidos em quente, que deve este ser intimado da ga- _______. Código de Processo Civil – CPC, penhora, sendo incontroversamente da rantia integral da execução, para, se desejar, 1973. Disponível em: http://www.planalto. execução, sem possibilidade de retorno ao apresentar suas impugnações. gov.br/ccivil_03/leis/L5869compilada.htm. devedor. Acesso em 30 de agosto de 2015. Derradeiramente, o §7º do novel artigo Talvez a mais relevante e significativa também traz importante inovação prevendo _______. Novo Código de Processo Civil inovação do novel artigo 916 do Novo CPC que o parcelamento não se aplica ao cum- – NCPC, 2015. http://www.planalto.gov.br/ é a expressa previsão de que a opção pelo primento de sentença. A referida inovação ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13105. parcelamento impõe à renúncia pelo direi- foi, durante muito tempo, causa de longa 3. CONCLUSÃO htm. Acesso em 30 de agosto de 2015. to de opor Embargos à Execução. Tal pres- discussão doutrinária e jurisprudencial sobre ciência é necessária a fim de impedir a utili- a aplicabilidade ou não do parcelamento Considerando todo o exposto, nessa pers- zação do parcelamento como artifício a fim em comento na fase de cumprimento de pectiva, evidencia-se que tanto a norma do FARIAS, Cristiano Chaves de. ROSENVALD, de delongar a execução em si por parte do sentença. art. 745-A do CPC, advinda com a Lei nº Nelson. Direito Civil - Teoria Geral, 8ª ed., devedor. Uma peculiaridade jurídica não 11.382/06, quanto sua melhorada versão a vi- 2010, pg. 393. muito levantada jurisprudencialmente é o O entendimento firmado era o de que tal gorar em 2016 por meio do art. 916, é perfeita- momento do credor, em caso de execução possibilidade confere ao executado o direito mente aplicável à execução trabalhista, pois se trabalhista bem como de parcelamento no potestativo de parcelar a dívida, tratando-se, determinado procedimento não viola o direito IMHOF, Cristiano. REZENDE, Bertha Steckert atual art. 745-A do CPC, apresentar Impug- contudo, de técnica, à semelhança do artigo à ampla defesa e não avilta o devedor comum, . Novo Código de Processo Civil Comenta- nações aos Cálculos Homologados. 475-J do CPC (correspondente ao art. 523, além de também não violar o direito de defesa do – Anotado Artigo por Artigo. Rio de Janei- §1º do novel CPC), que objetiva incentivar do credor, ou o aviltar. ro: Lumen Juris 2015. Existem duas possibilidades: o Juiz pode a realização espontânea da obrigação. No entender que, deferido o parcelamento, entanto, como no cumprimento de senten- O parcelamento é ainda compatível com o LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de ante a ‘certeza’ do pagamento, naquele ça não há mais nenhuma probabilidade de princípio conciliatório que rege o processo do Direito Processual do Trabalho, 5º ed., São momento abre-se o prazo para a interposi- mudança ou influência do devedor acerca trabalho, posto que o artigo 764 da CLT esta- Paulo: Ltr, 2007. ção das impugnações. Entendemos que tal da dívida, esta deve ser paga prontamente, belece expressamente que: "os dissídios indi- momento não seria o correto, posto que o sob pena de aplicação da multa de 10% (dez viduais ou coletivos submetidos à apreciação PEREIRA, Alexandre Manoel Rodrigues. As art. 884 da CLT é expresso em elencar que por cento) prevista em ambos os códigos, vi- da justiça do trabalho serão sempre sujeitos à Responsabilidades na Execução Trabalhista somente quando ‘garantida a execução’ é gente e a viger. conciliação". E que não se argua que o institu- LTr 62-01/48, janeiro de 1998, p. 49 que será concedido prazo para apresentar to normativo que permite o parcelamento da Embargos ou Impugnação. O parcelamento Desta forma, à luz da solução trazida pelo dívida exequenda se equipare ao juízo concilia- TREVISANI, Daniel. O parcelamento da previsto não garante a execução, portanto, artigo à malfadada divergência jurispruden- tório, tão somente busca-se fazer uma analogia dívida trabalhista. Valor Econômico. 2014. o momento do deferimento certamente cial, resta incontroversa a inaplicabilidade entre ambos os institutos para concluir que, na Disponível em: http://www1.trt18.jus.br/as- não é o momento para que se conceda ao do referido parcelamento em sede de cum- fase de execução, plenamente possível o par- com_clip/pdf/40262.pdf. Acesso em: 30 de exequente prazo para eventuais impugna- primento de sentença, havendo sido solu- celamento da dívida sem ferir o procedimento Agosto de 2015. ções. cionada antiga celeuma jurídica. executório estabelecido pelo artigo 880 da CLT.
104 105 Palavras-chaves: direito ao esquecimento; que a internet trouxe a necessidade de cons- liberdade de informação; intimidade; privaci- trução de um novo equilíbrio entre a livre di- dade fusão de informação e a autodeterminação individual (2012, p. 53). Outro questionamen- Abstract to que vem à tona é se na chamada era da The current legal discussion on the right to internet o sigilo se perdeu. Ou seja, o fato de oblivion brings out the tension between the algum dado estar disponível na internet signi- collective right to information and the indivi- fica que deixou de ser privado? Ou há esferas dual's right to privacy. This article aims to pro- de intimidade e de privacidade que represen- mote the presentation and critical analysis of tam direitos de preservação pelas pessoas? paradigmatic cases behaved in the Supreme Court and the debate on the free dissemina- A reescrita do passado jurídico é um exer- tion of information and individual self-deter- cício delicado. O passado não é um even- mination. Cases "Chacina da Candelária" and to que permite acessar os fatos exatamente "Aida Curi" brought into the legal debate the como ocorreram. O acesso é uma presentifi- thesis that there would be a right to be forgot- cação do passado revisitado, remanejado, re- ten. The approach to this right includes legal apropriado e reinterpretado (OST, 2005, 137 DIREITO AO ESQUECIMENTO: MEMÓRIA, arbitration between memory and forgetting e 144). Quando se fala em esquecimento, 1 and between public order and individual in- surge o aspecto do exercício da memória. O VIDA PRIVADA E ESPAÇO PÚBLICO terests. conceito de memória, todavia, não é eviden- te. Segundo De Giorgi (2006, p. 75), embora Keywords: right to be forgotten; freedom a memória não seja uma invenção recente, of information; intimacy; privacy recente, todavia, é a sua redução à simples 2 Noemia Aparecida Garcia Porto possibilidade de conservação do passado e à 1. Introdução. O Contexto da Memória, capacidade de recordá-lo, comandá-lo e re- da Informação e da Privacidade. lembrá-lo exatamente como aconteceu. Há, porém, profundo equívoco, tanto na concep- A discussão judiciária sobre o direito ao es- ção sobre a consciência individual, quanto Resumo último com repercussão geral, o debate so- quecimento traz à tona a tensão entre o direi- no que toca à formação da memória coleti- bre a livre difusão de informação e a auto- to coletivo à informação e o direito individual va, em imaginar que a memória do indivíduo A discussão judiciária atual sobre o direito determinação individual. Os casos "Chacina à privacidade. resgata, reúne e conserva recordação e que ao esquecimento traz à tona a tensão entre da Candelária" e "Aida Curi" trouxeram para o mesmo aconteceria com os grupos e cultu- o direito coletivo à informação e o direito in- o debate jurídico a tese de que haveria um Terwangne (2012) considera o direito ao ras (DE GIORGI, 2006, p. 52). A memória é um dividual à privacidade. O presente artigo pre- direito ao esquecimento. A abordagem sobre esquecimento como aquele em razão do processo oposto ao que parece. A memória tende promover a apresentação e a análise esse direito implica arbitragens jurídicas entre qual as pessoas físicas podem apagar as infor- opera seletivamente, muito mais esquecen- crítica dos casos paradigmáticos que com- memória e esquecimento e entre ordem pú- mações sobre elas depois de um certo perío- do as muitas informações irrelevantes. Há portaram no STJ, e atualmente no STF, nesse blica e interesses individuais. do de tempo (p. 53). Seria esse "apagamento" através dela demarcação seletiva sobre os das informações viável numa época de in- eventos juridicamente importantes. 1. As principais ideias contempladas neste artigo foram primeiramente articuladas em trabalho de conclusão apresentado nas disci- tensa comunicação? Apagar as informações plinas Ideias, historiografia e teoria 2; Investigação científica: direito e interdisciplinaridade; Dimensão histórico-sociológica do constitucionalismo, têm o mesmo significado de esquecer? Aces- Os casos judiciais que serão abordados conduzidas pelos Professores Doutores José Otávio Guimarães e Cristiano Paixão, UnB, Programa de Pós-Gradução em Direito, Primeiro Semestre sar informações não alcança um patamar de nesse estudo se situam na temporalidade de 2013. direito coletivo? A mesma autora reconhece que Ost destaca entre o dever de memória e 2. Doutora e Mestre em Direito, Estado e Constituição pela UnB. Juíza do Trabalho, Titular da 19ª Vara de Brasília-DF.
106106106106106106 107107107107107107 o direito ao esquecimento; entre a evidência dos mais novos direitos do homem: A própria Lei de Acesso à Informação lescentes que dormiam no local, ocupando do passado e a exigência do futuro (2005, p. (12.527/2011) prevê que "o tratamento das o espaço da rua, o que resultou na morte 137). Consiste em poder receber informa- informações pessoais deve ser feito de for- de menores de idade e de adultos (oito no ções e difundi-las sem restrições, e tam- ma transparente e com respeito à intimida- total) e no ferimento de crianças e adoles- Como desligar o passado sem aboli-lo? bém na possibilidade de opinar e de de, vida privada, honra e imagem das pes- centes. Como superar a ofensa sem esquecê-la? se exprimir livremente. Como se pode soas, bem como às liberdades e garantias Como ultrapassar a vingança sem afundar na observar, tal direito está vinculado à li- individuais" (art. 31) e, por isso, há exigên- Sobre o segundo caso, no dia 14 de julho injustiça e na desonra? (OST, 2005, p. 137). berdade de opinião e expressão, que in- cia de consentimento prévio para fins de di- de 1958, por volta das 21 h, em Copacaba- tegra as liberdades públicas tão caras à vulgação. Importante notar, porém, que o na, no Rio de Janeiro, Aida Curi, então com o esquecimento é necessário como Grécia antiga e que mesmo dispositivo 18 anos, morreu após a queda de um edifí- o repouso do corpo e a respiração foi posteriormente dispensa o consen- cio de 12 andares. Algumas horas antes, três do espírito; ele responde à natureza restaurada pela ilus- timento quando as rapazes fizeram a abordagem na rua, atrain- descontínua do tempo, cujo prosse- tração. Dar acesso informações forem do a vítima ao lhe retirarem seus pertences. guimento, como vimos, é entrecorta- à informação sig- necessárias à defesa Quando tentava retomar seus objetos, a ví- do de pausas e intervalos, atravessa- nifica tornar públi- de direitos humanos tima foi atraída para o interior do edifício e do de rupturas e surpresas. Nietzche, co, transparente, ou à proteção do dentro de um dos apartamentos ainda em cantor do esquecimento, dá um pas- visível, algo antes interesse público e construção se defendeu das investidas dos so à frente: o esquecimento não seria obscuro, secreto geral preponderan- agressores, vindo a desmaiar em razão da tanto uma vis inertiae, uma maneira ou simplesmente te (§ 3º). exaustão física. Seu corpo ainda com vida de abandono ou de relaxamento do ignorado pela co- foi lançado à Avenida Atlântica. pensamento, quanto um "poder ati- letividade. Nesse Processos julga- vo, uma faculdade de travamento" sentido, o direito à dos pelo Superior Os dois casos, "Chacina da Candelária" - ainda um ponto comum, de resto, informação é fun- Tribunal de Justiça e "Aida Curi", foram explorados em progra- com a memória. Esta faculdade ativa damental ao exer- (STJ) envolvendo a ma da Rede Globo conhecido como "Linha de esquecimento, ele explica, é pre- cício das liberdades chamada "Chacina Direta – Justiça". Em razão das veiculações posto para a manutenção da ordem públicas e ao pleno da Candelária" e surgiram ações reparatórias por perdas e psíquica: sem ela, "nenhuma felicida- desenvolvimento o caso "Aida Curi" danos. No primeiro, a insurgência ocorreu de, nenhuma serenidade, nenhuma dos sistemas políti- trouxeram para o por parte de um dos acusados que foi pos- esperança, nenhum orgulho, nenhum cos democráticos debate jurídico a teriormente absolvido em processo crimi- desfrute do instante presente poderia (Lafer: 1988). (1998, tese de que haveria nal. No segundo, os irmãos sobreviventes existir" (OST, 2005, p. 153-154). p. 192). um direito ao esque- da vítima é que acionaram o Poder Judi- cimento. A aborda- ciário. Em ambos, o STJ explicitamente re- gem sobre esse direito implica arbitragens conheceu que o Direito Brasileiro alberga o A Declaração Universal dos Direitos Huma- A legitimidade e a universalidade do di- jurídicas entre memória e esquecimento e direito ao esquecimento e contextualizou a nos de 1948 é um importante referencial do reito à informação não lhe conferem, no en- entre ordem pública e interesses individu- questão na tensão entre o direito individual direito à informação, cuja previsão, segundo tanto, caráter absoluto. "O direito ao respeito ais. à intimidade, à vida privada, à imagem e à Célia Leite Costa, significou concretamente à vida privada é o limite nº um à liberdade honra e o direito coletivo à informação e ao que o acesso aos arquivos passou a ser re- de informação" (COSTA, 1998, p. 193). O art. O primeiro diz respeito à madrugada do exercício de memória. Especificamente o gulado por legislações específicas, não mais 5º, inc. X, da Constituição, prevê, como fun- dia 23 de julho de 1993, quando vários car- caso “Aida Curi” chegou ao Supremo Tribu- pertencendo ao domínio restrito dos histo- damentais, os direitos à intimidade, à vida ros pararam em frente à Igreja da Cande- nal Federal (STF), recebendo decisão plená- riadores. Com suporte nos estudos de Lafer, privada, à honra e à imagem, declarando-os lária no Rio de Janeiro e policiais abriram ria no sentido da existência de repercussão Costa define o direito à informação como um invioláveis. fogo contra mais de setenta crianças e ado- geral no que concerne à questão suscitada.
108 109 Os referidos casos, expostos em progra- tecimento de relevância ao mesmo tempo o exame de cada caso é que fará diferença 2. Processos Judiciais no STJ. Repercus- ma televisivo, não se prestaram ao esclareci- individual e coletiva. Pensando a amplitude para a respectiva definição, ainda que a au- são Geral no STF. O Esquecimento como mento sobre os fatos ocorridos. A finalidade da ideia de arquivo, no Estado de Direito tora entenda que quando a informação for Direito e seus Limites. era de recontar e reconstruir os eventos pas- surge o importante aspecto relacionado ao necessária ao exercício do bem comum, o sados, demonstrando como os crimes foram que significa a sua democratização. Maria- interesse público deverá prevalecer (1998, p. No caso da "Chacina da Candelária", ou não elucidados e qual tratamento judici- na Joffily, citando Elizabeth Jelín, afirma que 195). o julgamento no STJ ocorreu em sede de re- ário foi conferido aos acusados, além de re- "os arquivos podem constituir um 'espaço curso especial (nº 1.334.097 - RJ), em ação portar ao sentimento das vítimas, familiares, vivo de disputas políticas e sociais' " (2012, O presente estudo pretende proble- de reparação de danos morais, apresentado testemunhas, dentre outros protagonistas. p. 133). matizar as esferas do interesse coletivo e ao tribunal pela Globo Comunicações e Par- individual, no contexto do direito ao esque- ticipações S/A e tendo como interessado re- Os casos judiciais fo- Sobre aspectos cimento, no âmbito da divulgação televisiva corrido Jurandir Gomes de França. O autor ram tratados no contex- “Considerou-se, da Lei de Acesso à In- de fatos do passado, notadamente de even- da ação havia sido indiciado como coautor to de um direito ao es- formação, Mariana Jof- tos criminosos, tendo como ponto de parti- dos homicídios ocorridos em 23 de julho de quecimento relacionado ainda, em relação fily questiona algo rele- da as decisões judiciárias referidas. 1993, na cidade do Rio de Janeiro. Todavia, ao passado judicial e à ao réu absolvido, que vante e que se aplica à submetido a júri popular, foi absolvido por repercussão social de presente problemática: Até porque, segundo com Menelick unanimidade, prevalecendo a tese de nega- determinados crimes. é possível contar a "onde se encontra a li- de Carvalho Netto: tiva de autoria. Nos acórdãos, porém, história da “Chacina da nha que separa o públi- assumiu-se que, para, Candelária” sem a co do privado?" (2012, no paradigma do Estado Democrático de Jurandir foi procurado pela TV Globo além disso, o direito ao p. 139). Direito, é de se requerer do Judiciário que a fim de conceder entrevista para o progra- esquecimento também menção ao seu nome.” tome decisões que, ao retrabalharem cons- ma denominado "Linha Direta - Justiça", mas implica repercussões re- É próprio a uma trutivamente os princípios e regras constitu- se recusou e expressou o desinteresse em lacionadas ao fenômeno normatividade de prin- tivos do Direito vigente, satisfaçam, a um só ver sua imagem exposta em rede nacional. da internet. Terwangne cípios a convivência tempo, a exigência de dar curso e reforçar a A despeito disso, em junho de 2006, foi ao fala das três facetas do em tensionamento, crença tanto na legalidade, entendida como ar o referido programa, ocasião em que se direito ao esquecimento: o direito ao esque- motivo pelo qual subsistem princípios con- segurança jurídica, como certeza do Direito, mencionou que Jurandir foi apontado como cimento do passado judicial; o direito ao trários no sistema do direito, cujo embate quanto ao sentimento de justiça realizada, autor, mas depois absolvido em julgamento. esquecimento estabelecido pela legislação ganhará relevância e só poderá ser ilumina- que deflui da adequabilidade da decisão às Segundo consta no relatório do mi- de proteção de dados; e, numa era digital, do na singularidade de cada caso, em cada particularidades do caso concreto (1998, p. nistro Luís Felipe Salomão do STJ, o autor da a polêmica possibilidade de se estabelecer evento concreto. A tensão entre princípios 243). ação de reparação de danos morais argu- uma espécie de caducidade dos dados pes- constitucionais, portanto, pode se conside- mentou judicialmente que: soais que deveria ser aplicável ao contexto rar efetivamente relevante no plano da afir- Observando-se a discussão propicia- específico das redes sociais (2012, p. 53). mação de direitos quando ganha corpo em da pelas decisões do STJ, e que chegaram levou-se a público situação que já circunstância da vida das pessoas, e não ao STF, pode-se considerar que há um di- havia superado, reacendendo na co- Os dados e as informações sobre os casos quando pode ser trabalhada no contexto da reito ao esquecimento no direito brasileiro? munidade onde reside a imagem de remontam à problemática do acesso aos ar- abstração do direito. A partir daí, é possível falar que há efetiva- chacinador e o ódio social, ferindo, quivos. Os arquivos não se circunscrevem mente um direito ao esquecimento nos ca- assim, seu direito à paz, anonimato e ao repositório de documentos guardados Célia Leite Costa admite a tênue li- sos apresentados? Vivemos numa época em privacidade pessoal, com prejuízos di- ou armazenados em algum lugar, versando nha divisória entre a liberdade de informa- que tudo é público. Diante disso, qual seria retos também a seus familiares. Alega sobre fatos do passado. O arquivo abrange ção e o respeito à intimidade, admitindo o papel do direito? Mesmo em tal época, que essa situação lhe prejudicou so- documentos, testemunhos e quaisquer ele- não ser viável estabelecer a priori a eventual parecem remanescer importantes direitos e bremaneira em sua vida profissional, mentos que reportem a determinado acon- prevalência de cada um, motivo pelo qual limites que merecem ser preservados. não tendo mais conseguido emprego,
110110110110110110 111111111111111111 além de ter sido obrigado a desfazer- e rediscuti-los, mantendo diálogo com a so- pela proteção de valores quase sempre an- Para fundamentar a decisão, o relator uti- se de todos os seus bens e abandonar ciedade civil. Todavia, na trilha do princípio tagônicos, no caso, "de um lado, o legítimo lizou-se do Enunciado nº 531 aprovado na a comunidade para não ser morto por constitucional da dignidade humana, a infor- interesse de 'querer ocultar-se' e, de outro, VI Jornada de Direito Civil promovida pelo "justiceiros" e traficantes e também mação deve sofrer restrição quando se tratar o não menos legítimo interesse de se 'fazer CJF/STJ, com os seguintes termos: para proteger a segurança de seus fa- daqueles que, antes anônimos, foram absol- revelar' ". A abordagem judicial considerou a miliares. vidos nos processos criminais e "retornaram possível adequação (ou inadequação) do di- ENUNCIADO 531 – A tutela da digni- ao esquecimento". Considerou-se, ainda, em reito ao esquecimento para o caso de publi- dade da pessoa humana na sociedade O debate se desenvolveu nos tribunais relação ao réu absolvido, que é possível con- cações na mídia televisiva. O autor da ação da informação inclui o direito ao es- com idas e vindas, isso porque o Juiz de pri- tar a história da "Chacina da Candelária" sem pretendia o reconhecimento do direito ao quecimento. Artigo: 11 do Código Ci- meiro grau optou pela linha do sopesamento a menção ao seu nome. Por isso, concluiu-se esquecimento, significando o "direito de não vil. Justificativa: Os danos provocados de valores constitucionais, entendendo que, pelo "abuso do direito de informar e violação ser lembrado contra sua vontade, especifica- pelas novas tecnologias de informação de um lado, estaria o interesse público da no- da imagem do cidadão a edição de programa mente no tocante a fatos desabonadores, de vêm-se acumulando nos dias atuais. tícia acerca de evento que marcou a história jornalístico contra a vontade expressamente natureza criminal, nos quais se envolveu, mas O direito ao esquecimento tem sua brasileira e, inclusive, chamou a atenção da manifestada de quem deseja prosseguir no que, posteriormente, fora inocentado". origem histórica no campo das conde- comunidade internacional em face da viola- esquecimento", condenando-se a empresa nações criminais. Surge como parcela ção a direitos humanos, e, de outro, se en- ao pagamento do equivalente a R$ 50.000,00 importante do direito do ex-detento à contraria o direito individual ao anonimato e (cinquenta mil reais) a título de indenização. ressocialização. Não atribui a ninguém ao esquecimento. Feito tal sopesamento, na o direito de apagar fatos ou reescrever primeira instância, prevaleceu o direito à in- A Globo Comunicações e Participações a própria história, mas apenas assegura formação. Esse tipo de decisão, a propósito, S/A, diante da condenação em segunda ins- a possibilidade de discutir o uso que é construída sob o enfoque da ponderação de tância, apresentou recurso especial ao STJ e dado aos fatos pretéritos, mais especi- valores, revela o risco que decorre do chama- extraordinário ao STF. Para tanto, negou a hi- ficamente o modo e a finalidade com do princípio da proporcionalidade e do racio- pótese de invasão à privacidade/intimidade que são lembrados. cínio de sopesamento de princípios, os quais porque os fatos noticiados "eram públicos e comportam considerável elasticidade e dão fartamente discutidos na sociedade, fazen- No voto que prevaleceu no STJ, consta que margem a arbitrariedades. do parte do acervo histórico do povo". Além a Constituição de 1988 representa ruptura disso, o programa jornalístico, na forma de com o paradigma do medo e da censura im- Em sede de apelação, tal como consta no documentário, apenas narrou os fatos, sem posta à manifestação do pensamento, toda- voto do relator no STJ, a sentença de primei- dirigir nenhuma ofensa ao autor da ação, e via, "não se pode hipertrofiar a liberdade de ro grau foi reformada. Considerou-se que o esclarecendo que foi inocentado em pro- informação, à custa do atrofiamento dos va- dever de informar, presente no art. 220 da cesso judicial. Figurou, ainda, dentre os ar- lores que apontam para a pessoa humana". A 3 atende tanto o interesse do ci- Constituição, gumentos contrários à existência do direito decisão do tribunal abordou aspectos da his- dadão como do país, nesse último caso para ao esquecimento o de que, se reconhecido, toricidade; relacionou a história ao patrimô- a formação da identidade cultural do povo. afrontaria o direito à memória de toda a so- nio imaterial do povo, com acontecimentos e Ainda segundo os argumentos utilizados em ciedade e a privacidade equivaleria à censu- personagens; reconheceu que alguns crimes sede de apelação, a "Chacina da Candelá- ra dos tempos atuais. passam a figurar nos arquivos da história, po- ria" expressa um conjunto de episódios his- dendo ser lembrados por gerações futuras; tóricos, patrimônio do povo, e, por isso, a No STJ, reconheceu-se que o conflito con- destacou que o exercício de memória pos- imprensa pode recontá-los indefinidamente creto bem representa a opção constitucional sibilita uma visão perspectiva do presente e do futuro; e, por fim, mencionou casos para- 3. "Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não digmáticos de violação aos direitos humanos sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição." (Chacina da Candelária, Chacina do Caran-
112 113 diru, Massacre de Realengo, Doroty Stang, da a face mais clássica do direito ao esqueci- lado ao caso "Aida Curi". O Recurso Especial Os irmãos da vítima apresentaram recur- Galdino Jesus dos Santos (Índio Galdino-Pa- mento que é justamente aquela relacionada nº 1.335.153 - RJ foi igualmente relatado pelo so especial ao STJ e recurso extraordinário taxó), Chico Mendes, Zuzu Angel, Honestino ao passado judicial ou penal do indivíduo. De ministro Luís Felipe Salomão e envolveu, de ao STF. O STJ expressou linha argumentativa Guimarães ou Vladimir Herzog). fato, Terwangne destaca que a jurisprudência um lado, irmãos vivos de Aida Curi, vítima similar à verificada no caso da "Chacina da de vários países tem reconhecido o direito ao de assassinato em 1958, e, de outro, a Globo Candelária". Em ambos os casos foi mencio- A despeito de tais aspectos, a mesma de- esquecimento embasando-se nos direitos de Comunicação e Participações S/A. Uma das nado que o interesse público comporta con- cisão, valendo-se de raciocínio desenvolvido personalidade, o qual se justifica na crença principais discussões travadas no decorrer do ceito de significação fluida, não coincidindo a partir de casos do direito comparado, con- da capacidade do ser humano de mudar e processo foi justamente como o programa te- com o interesse do público, tendo o relator cluiu que: de melhorar e, ainda, na convicção de que levisivo trazia de volta imagens e sensações afirmado não ter dúvida sobre a "aplicabili- as pessoas não podem ser reduzidas ao seu de dor e de constrangimento aos familiares dade do direito ao esquecimento no cenário se os condenados que já cumpriram passado. Paga a dívida, há de se oferecer ao da vítima. Os membros da família Curi ajui- interno, com olhos centrados na principiolo- a pena tem direito ao sigilo da folha de condenado a chance de se reabilitar e de ini- zaram ação por entenderem que, passados gia decorrente dos direitos fundamentais e da antecedentes, assim também a exclusão ciar uma nova vida, sem ter que, para isso, tantos anos, foi ilícita a exploração do caso dignidade da pessoa humana, mas também dos registros da condenação no Instituto suportar a todo tempo o peso dos erros do pela emissora através do programa televisi- extraído diretamente do direito positivo infra- de Identificação, por maiores e melho- passado (2012, p. 55). vo "Linha Direta - Justiça", sendo certo que constitucional". res razões aqueles que foram absolvidos previamente a notificaram dando ciência não podem permanecer com esse estig- Nota-se, a propósito, que a decisão do STJ quanto à discordância de tal exposição. Indi- ma, conferindo-lhes a lei o mesmo direi- assumiu, na fundamentação, que o direito caram que houve enriquecimento ilícito por to de serem esquecidos. ao esquecimento na era da internet e da hi- parte da emissora porque auferiu lucros com perinformação e exposição é relevante e ao audiência e publicidade a partir da explora- Para tal conclusão foi fundamental perce- mesmo tempo delicado, mas se fez questão ção de tragédia familiar. Por isso, postularam ber que o acusado tinha sido absolvido por de estabelecer um recorte para a decisão, ou indenização por danos morais, porque a re- unanimidade e que para recontar a história seja, a demanda judicial se circunscrevia à ex- portagem os fez reviver a dor do passado, e, da "Chacina da Candelária" não era funda- posição televisiva em determinado programa ainda, danos materiais e à imagem em face mental a menção ao seu nome ou à sua e não às informações que circulam na rede da exploração comercial da falecida com ob- suposta participação. Além disso, se os con- mundial de computadores. Em endereços na jetivo econômico. denados criminalmente, que cumpriram inte- internet constam os nomes dos acusados no gralmente a pena imposta, têm direito ao es- caso da "Chacina da Candelária", as conde- Na primeira e na segunda instâncias do Ju- quecimento, para o Tribunal, com muito mais nações, as condições da liberdade, havendo diciário os pedidos foram rejeitados, prevale- razão podem exercitá-lo aqueles que foram referência, inclusive, ao nome do Jurandir cendo a convicção de que a Constituição Fe- absolvidos das acusações. Assim, "entre a Gomes de França. Isso mostra que, sem dúvi- deral garante a livre expressão da atividade memória – que é a conexão do presente com da, há dificuldades e embaraços práticos ao de comunicação, independente de censura o passado – e a esperança – que é o vínculo exercício do direito ao esquecimento numa ou licença, por isso, a obrigação de indenizar do futuro com o presente", o ordenamento época de hiperinformação e de "eterniza- surge apenas quando o uso da imagem ou as jurídico, segundo o STJ, fez clara opção pela 4 informações são utilizadas de modo a dene- ção" dos dados pela internet. segunda. grir ou a atingir a honra da pessoa retratada Com os mesmos fundamentos jurídicos ou quando isso ocorre para fins comerciais. Mesmo que o acusado não tivesse sido ab- pertinentes ao direito ao esquecimento, o STJ A hipótese do direito ao esquecimento foi re- solvido, o tribunal incorporou como adequa- também julgou pedido de reparação vincu- jeitada porque "muitas vezes é necessário re- viver o passado para que as novas gerações 4. Veja-se, a propósito, os seguintes endereços eletrônicos: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/1996/4/21/cotidiano/20.html, acesso fiquem alertas e repensem alguns procedi- em 28 de julho de 2013; http://oglobo.globo.com/rio/nenhum-dos-pms-envolvidos-na-chacina-da-candelaria-esta-preso-9350416, acesso em 06 mentos de conduta do presente". de agosto de 2013.
114 115 Os tempos atuais representam verdadeiro denizar porque, em se tratando de responsa- crime em fato de domínio público, que pode O caso “Aida Curi” chegou no STF (ARE alargamento da esfera pública, o que ficou bilidade civil, haveria de se constatar a exis- ser livremente “lembrado” pela imprensa, so- 833248), que justamente analisará a aplica- reconhecido nas decisões. É como se aspec- tência de violação de direitos, vale dizer, no bretudo na hipótese em que houve também ção do direito ao esquecimento na esfera tos do privado ganhassem dimensão pública, âmbito da ilicitude, atrelando-se o comporta- crime de natureza sexual? Note-se, a propó- civil, quando for alegado pela vítima de cri- por isso, o privado vai ficando mais intimista. mento contrário ao direito ao dano compro- sito, no caso de relatos pela imprensa de cri- me ou por seus familiares com a finalidade Todavia, o fato de algo ter sido publicizado o vado, em verdadeira relação de causalidade. mes de natureza sexual, a preservação tanto de questionar a veiculação midiática de fatos torna público? Essa foi uma das questões que Nos termos do voto do relator: da vítima quanto do acusado, normalmente pretéritos. O ministro Dias Toffoli, defendendo permearam os casos. referindo-se às iniciais dos respectivos nomes a repercussão geral, que foi reconhecida pela ou, no máximo, ao seu ofício profissional. 5 Po- maioria do plenário virtual em 11 de dezem- A despeito da argumentação jurídica coin- No caso de familiares de vítimas rém, se a vítima, além do abuso, também vier bro de 2014, afirmou que “as matérias abor- cidente, a demanda relacionada ao caso de crimes passados, que só querem a falecer, seu nome completo e sua imagem dadas no recurso, além de apresentarem "Aida Curi" foi subdividida esquecer a dor pela podem ser livremente explorados? nítida densidade constitucional, extrapolam em duas: "a primeira, re- “O caráter constitucional qual passaram em de- os interesses subjetivos das partes, uma vez lativa ao pleito de indeni- terminado momen- Ainda sobre o caso "Aida Curi", interessan- que abordam tema relativo à harmonização zação pela lembrança das do tema está reconhecido. to da vida, há uma te notar que a família não conferiu autoriza- de importantes princípios dotados de status dores passadas (ponto em Mas qual seria o seu infeliz constatação: ção à Rede Globo; uma coisa seria o órgão da constitucional”. que se insere a discussão alcance considerando os na medida em que o imprensa realizar pesquisa sobre o caso, con- acerca do direito ao esque- tempo passa e vai se sultando arquivos judiciais e demais fontes e, cimento), e uma segunda, incontáveis casos que na adquirindo um “direi- outra, expor evento, e a própria vítima, na relacionada ao uso comer- sociedade contemporânea to ao esquecimento”, televisão, num expediente de estilo sensacio- cial da imagem da faleci- na contramão, a dor nalista. Será que não haveria mesmo como da". podem fazer contrapor vai diminuindo, de contar a história sem dizer o nome da vítima esquecimento, informação modo que, relembrar no caso "Ainda Curi"? O que da vida privada Sobre a questão do di- e memória?” o fato trágico da vida, interessa ao público e por quê? A narrativa reito ao esquecimento, a depender do tempo televisada não pode ser apenas o exercício o tribunal entendeu que transcorrido, embora de curiosidade sobre fatos do passado. não seria viável contar a possa gerar desconfor- história do crime com repercussão nacional to, não causa o mesmo abalo de antes. Parece importante refletir, ademais, sobre omitindo-se a vítima, que, por torpeza do se estaria autorizada uma indefinida explora- destino, "frequentemente se torna elemento Quanto às demais indenizações, também ção midiática do assassinato da jovem Aida indissociável do delito". O tribunal, embora foram negadas porque a imagem da vítima Curi pelo só fato de serem encontráveis rela- reconhecendo que o direito ao esquecimen- não foi exposta de forma degradante ou des- tos na internet e em razão de o caso judicial to alcança a todos, ofensor e ofendidos, no respeitosa, não se vislumbrando, ainda, o seu ser objeto de estudo no âmbito de pesquisas caso concreto analisado, não haveria como uso comercial indevido, na medida em que “o acadêmicas nas universidades, como citado prevalecer, isso porque se tratava de reviver, cerne do programa foi mesmo o crime em si, no acórdão do STJ. Importante destacar que décadas depois do crime, "acontecimento e não a vítima ou sua imagem". os arquivos presentes na internet são fonte de que entrou para o domínio público, de modo informação de todo tipo, e de toda matriz, que se tornaria impraticável a atividade da Nessa hipótese, parecem remanescer algu- acerca daquilo que um dia foi notícia. imprensa para o desiderato de retratar o caso mas inquietações. Pode-se considerar como Aida Curi, sem Aida Curi". Segundo o STJ, o sendo de interesse público, e não apenas in- 5. A título exemplificativo, cita-se o caso que a imprensa noticiou de um técnico em enfermagem que teria abusado de uma paciente reconhecimento do direito ao esquecimento teresse do público ou do Estado, a sanção aos internada na UTI de um hospital em Santos (SP). Na reportagem, tanto o nome da vítima como do acusado foram preservados [disponível em não conduz necessariamente ao dever de in- crimes. Mas, até que ponto isso transforma o http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2013/06/1304020-tecnico-de-enfermagem-e-acusado-de-estuprar-paciente-em-uti-de-hospital-em-san- tos-sp.shtml, acesso em 21.8.2013].
116116116116116116 117117117117117117 O caráter constitucional do tema está re- público melhor se identifica com a ideia de caráter de exclusividade, a pessoa se senti- também a vítima e seus familiares podem ter conhecido. Mas qual seria o seu alcance con- social e de coletivo, havendo, portanto, uma ria lesada quando divulgada ou invadida sua o direito de serem esquecidos, de superar, de siderando os incontáveis casos que na socie- ampliação da esfera social. No atual contex- intimidade sem autorização (1998, p. 194). O conduzir a vida sem o peso que um evento dade contemporânea podem fazer contrapor to, o público se aproxima do social enquanto direito à intimidade é desdobramento do di- passado traumático implica. esquecimento, informação e memória? o privado se circunscreve ao círculo da inti- reito à privacidade. A vida íntima não é de midade. Com a ampliação da esfera social interesse público. Todavia, é necessário reco- Nota-se, a propósito, que o direito ao es- 3. Algumas Conclusões Possíveis sobre e a interpenetração dos domínios público e nhecer a impossibilidade de se estabelecer quecimento, a partir dos casos abordados, Esquecer para Preservar. privado na Modernidade, resultam tanto a di- critérios objetivos para distinção. apareceu com contornos mais evidentes ficuldade em estabelecer limites entre um o quando se tratou do passado judicial, cujo di- Segundo Ost, “sem memória, uma socie- outro quanto a fragilização do público (COS- Parece importante, ainda, a advertência reito deve alcançar tanto acusados que foram dade não se poderia atribuir uma identidade, TA apud ARENDT, 1998, p. 190). De qualquer de Cécile de Terwangne (2012, p. 54) no sen- absolvidos quanto culpados que cumpriram nem ter pretensões a qualquer perenidade, forma, é possível considerar que informações tido de que quando se fala em privacidade integramente a pena imposta em julgamento. mas, sem perdão, ela se exporá ao risco da pessoais podem ser públicas, mas informa- na internet, a palavra privacidade não deve repetição compulsiva de seus dogmas e de ções privadas não. ser interpretada como intimidade ou secretis- Na hipótese de casos judiciais noticiáveis, seus fantasmas” (2005, p. 42). mo porque se refere, na verdade, a outra di- que geram amplo interesse e que, em suma, Que informação pode ser considerada de mensão da privacidade, qual seja, a da auto- repercutem de forma mais geral, Terwangne A partir do caso da "Chacina da Cande- interesse histórico ou público? Os crimes em nomia individual, significando a capacidade (2012, p. 56) faz observações pertinentes ao lária" é possível falar-se em prevalência do geral, só por isso, inserem-se presumidamen- de manter o controle sobre diferentes aspec- presente estudo. Existem decisões judiciais direito à informação, em contraste com o di- te no contexto do domínio público? tos da nossa própria vida. Essa autodetermi- que podem ser consideradas como integran- reito ao esquecimento, independentemente nação, porém, é atributo exclusivo individual tes das notícias judiciais e, portanto, recordar do tempo transcorrido, quando se trata de Célia Leite Costa, com suporte em Lafer em vida? Ou se trata de direito extensível aos a decisão e os envolvidos, refletir sobre o tema com interesse histórico e em relação a e Arendt, conclui que o direito à informação familiares de determina- acontecimento, parecem atos legítimos, des- eventos vinculados ao exercício de atividade encontra limite tanto na da vítima? de que sejam preservados os nomes de me- pública por parte de uma figura pública, tal vida privada quanto na nores de idade e se atenda a outras circuns- como propõe Cécile de Terwangne (2012, p. intimidade das pesso- Segundo Habermas, tâncias que recebam especial proteção legal. 56). Todavia, como identificar um aconteci- as que, como tal, não "para fazerem um uso Todavia, com o transcurso do tempo, quan- mento como sendo de relevância histórica? é de interesse público adequado de sua auto- do não se trata mais de uma questão atual ou Mesmo o conceito de figura pública não é até porque não envol- nomia pública, garan- noticiável, não havendo uma razão que jus- evidente. Seriam públicas as pessoas ou per- ve direito de terceiros. tida através de direitos tifique uma nova divulgação da informação sonalidades exercentes de cargos públicos? A esfera da intimidade políticos, os cidadãos como notícia, o direito ao esquecimento, se- Qual seria o critério de identificação? relaciona-se com a da têm que ser suficiente- gundo a autora, anula o direito à informação. exclusividade. O prin- mente independentes Assim, o caso pode ser mencionado, mas O próprio conceito de espaço público não cípio da diferenciação na configuração de sua não se deve incluir nomes ou identificações é estanque. Trata-se também aqui de ambien- (diferenças entre os in- vida privada, assegu- pessoais. O valor informativo de um caso te de disputa de sentidos. Assim, a fronteira divíduos) marca a esfe- rada simetricamente" favorece o direito à difusão da informação, entre o público e o privado é tênue, mutável ra privada, que, por sua (2003, p. 155). mas quando o mesmo episódio deixa de ter e dependente dos campos das forças sociais vez, se opõe ao público, valor como notícia, há de prevalecer o direi- e políticas. Para os antigos, público significa- enquanto espaço cole- No caso do passado to ao esquecimento. O que haveria no caso va o espaço de livre expressão dos homens, tivo. A intimidade é co- judicial existe uma pre- "Aida Curi", ocorrido há algumas décadas, através de palavras e de atos, destinado à mandada por escolhas ocupação melhor arti- que explique sua menção reiterada no tem- abordagem de temas intrinsicamente políti- pessoais, sem padrão culada no que concerne po? Não havia nenhuma razão objetiva para cos. No que pertine aos modernos, o espaço objetivo. Observado o aos acusados, todavia, uma nova divulgação, com exploração tele-
118118118118118118 119119119119119119 visiva. Além disso, é possível falar qualquer à informação, que andam lado a lado, são A palavra independência, aqui, é Os princípios normativos constitucio- coisa sobre o que aconteceu no passado, direitos fundamentais. Mas será que o direito estruturante. Quando se deixa cap- nais da informação, da comunicação e do com qualquer abordagem? Quem poderia à informação também é passível de abuso? turar, em maior ou menor grau, di- respeito à intimidade, à vida privada e à hon- falar ou zelar por aquela que morreu? Dife- Segundo Eugênio Bucci (2010), a ideia reta ou indiretamente, por interesses ra das pessoas não possuem um conteúdo a rentemente da "Chacina da Candelária" que de independência é estruturante da profissão estranhos à integridade do direito priori que permita dizer o que tem sido feito teve, inclusive, repercussão internacional, o de jornalista. E isso significa independência fundamental da pessoa humana à de tais princípios pelos tribunais. Na realida- bárbaro crime contra a jovem Aida Curi não tanto de agentes políticos quanto de agentes informação (e à comunicação, de de, é justamente observando a articulação pode ser considerado um crime "histórico". econômicos como elemento determinan- modo mais amplo), notadamente os no âmbito das instituições formais, dentre Deve ter, certamente, provocado, no âmbito te da função social que a imprensa exerce interesses abrigados no governo, nos elas o Judiciário, é que se torna possível ob- da sociedade ambientada na década de 50, numa democracia, qual seja: noticiar fatos de partidos políticos e nos agentes eco- servar os princípios em concreto e com eles os mais variados sentimentos, especialmente interesse público. Em suas palavras: nômicos e sociais de maior influên- os significados atuais que lhes tem sido atri- considerando a tentativa dos algozes de não cia no mercado e no espaço públi- buídos. Para Habermas: serem responsabilizados pelo evento. Mas, co, o jornalismo se afasta da missão atualmente, sua exploração televisiva visa nuclear que a democracia lhe outor- Todas as gerações posteriores en- efetivamente a alguma informação? gou, qual seja, noticiar os fatos e as frentarão a tarefa de atualizar a substân- idéias de interesse público de modo cia normativa inesgotável do sistema A acessibilidade de arquivos e de informa- a ajudar a sociedade a fiscalizar o de direitos estatuído no documento da ções é fundamental para a investigação his- exercício do poder. É exatamente constituição. Na linha dessa compre- tórica, o que inclui os arquivos oficiais e as por isso que, sem a independência, ensão dinâmica da constituição, a le- informações disponibilizadas por meios de formal e material, não há jornalismo. gislação em vigor continua a interpre- comunicação em geral, acerca de casos judi- É por isso que a democracia depen- tar e a escrever o sistema dos direitos, ciais. Aliás, é relevante o papel da imprensa de da imprensa livre. Sem liberdade, adaptando-o às circunstâncias atuais (e numa democracia que, dentre outros aspec- não há imprensa – e se a imprensa nesta medida, apaga a diferença entre tos, mantém e disponibiliza ao público em ar- não é livre, a democracia não fun- normas constitucionais e simples leis). quivos que contém notícias publicadas. Toda- ciona bem [disponível em: http:// É verdade que essa continuação falível via, quando a imprensa não apenas transmite www.observatoriodaimprensa.com. do evento fundador só pode escapar notícias da atualidade, mas revolve e recons- br/news/view/que_jornalismo_ do círculo da autoconstituição discur- trói acontecimentos do passado, há de fazê se_ensina_na_escola, acesso em siva de uma comunidade, se esse pro- -lo baseada numa repercussão presente, num 21.8.2013]. cesso, que não é imune a interrupções interesse atualizado e público, e não apenas e a recaídas históricas, puder ser inter- para a mera exploração midiática do evento, pretado, a longo prazo, como um pro- expondo a vítima e seus familiares. As discussões sobre o direito ao esque- cesso de aprendizagem que se corrige cimento parecem demandar questionamen- a si mesmo (2003, p. 165). Os casos estudados colocam questio- tos desse tipo, voltados ao próprio papel da namentos, ainda, com relação ao papel da imprensa. De qualquer forma, o fato de cer- O juízo de ponderação de valores, imprensa e do jornalismo, sobretudo os de to acontecimento ter sido publicizado não o que apareceu mencionado no STJ ao se refe- tipo investigativo. Qual é a função da impren- transforma, só por isso, em interesse público; rir a decisões de instâncias anteriores, implica sa? Qual é a ética (caso existente uma) que no máximo, em interesse do público. Não se num arbitramento judiciário que por vezes se orienta a atuação da imprensa e dos jornalis- pode atribuir à imprensa, a despeito do seu descola das especificidades dos casos con- tas? Esses últimos certamente têm um papel importante papel na democracia, a monopó- cretos, já que os direitos constitucionais são fundamental na democracia. Não é por aca- lio ou a prerrogativa de transformar fatos em vistos como valores dimensionáveis a priori. so que a liberdade de imprensa e o direito notícias e notícias em interesse público. Todavia, princípios constitucionais são vin-
120120120120120120 121121121121121121 culantes e normativos na exata medida do um direito ao esquecimento mesmo no âm- constitucional como sendo o mesmo que Referências Bibliográficas compromisso judiciário que se estabelece bito de uma sociedade, como a sociedade perdura no tempo, embora seja necessário em cada caso. contemporânea, com possibilidade imensa avaliá-lo de modo performático, com a prá- Revistas, livros e artigos: de arquivar e de produzir memória. xis constitucional, que mantém a perspectiva dos fundadores da constituição, mas que a BUCCI, Eugênio. Que jornalismo se ensi- Os casos "Chacina da Candelária" e dirige criticamente contra a atualidade (HA- na na escola?. In: Observatório da impren- "Aida Curi" permitem refletir sobre o dilema, BERMAS, 2003). sa, Edição 592, publicado em 1º de junho que nunca estará definitivamente resolvido, de 2010 [disponível em: http://www.ob- entre domínio público e privado, até porque Do STF se espera que a repercussão geral servatoriodaimprensa.com.br/news/view/ o que é "público" resulta de disputadas polí- decidida possa, o quanto possível, conectar- que_jornalismo_se_ensina_na_escola, aces- ticas e sociais. Ao mesmo tempo, transcen- se com as perspectivas singulares do caso, so em 21.8.2013]. dendo os casos, é viável pensar no debate sem pretensão de estabelecer, de uma vez atual sobre o que seriam fatos históricos e por todas, o futuro do direito ao esquecimen- CARVALHO NETTO, Menelick de. A her- fatos históricos de maior relevância no con- to, o qual, decorrente dos princípios funda- menêutica constitucional sob o paradig- texto do limite de acesso e de divulgação de mentais, fica melhor alinhado com a perfor- ma do Estado Democrático de Direito. In: informações pessoais. mance contingente da práxis constitucional. Notícia do direito brasileiro. Nova série. Nº 6. Brasília: Faculdade de Direito da UnB, 1998, Quando a Lei de Acesso à Informação p. 233-250. prevê que "a restrição de acesso à informa- ção relativa à vida privada, honra e imagem COSTA, Célia Leite. Intimidade versus in- de pessoa não poderá ser invocada com o in- teresse público: a problemática dos arqui- tuito de prejudicar processo de apuração de vos. In: Estudos históricos, v. 11, nº 21, 1998, irregularidades em que o titular das informa- p. 189-199 [disponível em: http://bibliote- ções estiver envolvido, bem como em ações cadigital.fgv.br/ojs/index.php/reh/article/ voltadas para a recuperação de fatos históri- viewArticle/2066, acesso em 11 de julho de cos de maior relevância" (art. 31, § 4º) não 2013]. Pode-se considerar que não existe um ali- encerra o debate, ao contrário, inaugura uma nhamento definitivo sobre o significado que etapa importante de reflexões, no tempo pre- DE GIORGI, Raffaele. Direito, tempo e se possa atribuir ao direito ao esquecimen- sente, sobre o que significa e qual o alcance memória. Trad. de Guilherme Leite Gonçal- to. Ao contrário, vinculado que se encontra da defesa dos direitos humanos, da proteção ves, São Paulo : Quartier Latin, 2006. aos princípios de proteção à vida privada, à do interesse público e geral preponderante e imagem, à honra e à intimidade sua aplica- da recuperação de fatos históricos de maior HABERMAS, Jürgen. O Estado democrá- ção exige constante problematização. Não se relevância. Nenhum desses conceitos podem tico de direito: uma amarração paradoxal pode negar, todavia, o aspecto inovador pre- ser encarados aprioristicamente. Sua semân- de princípios contraditórios? In: Era das sente em decisões de tribunal superior que tica é fruto de disputas desta sociedade sobre Transições. Trad. Flávio Beno Siebeneichler. expressamente referem ao direito ao esque- ligar (memória) e desligar o passado (perdão) São Paulo: Tempo Brasileiro, 2003, p. 153- cimento, conectando-o com o primado dos e ligar (promessa) e desligar (questionamen- 173. direitos fundamentais. Importante notar que to) o futuro (OST, 2005). A despeito disso, é o STJ não pareceu confundir esquecer com certo que não pode existir uma relativização JOFFILY, Mariana. Direito à informação apagar. Esquecer inseriu-se no contexto do tão absoluta e aberta que impeça essa comu- e direito à vida privada: os impasses em debate sobre os limites impostos ao uso e à nidade concreta e política de homens e mu- torno do acesso aos arquivos da ditadura difusão de certas informações. Assim, haveria lheres livres e iguais de reconhecer o projeto militar brasileira. In: Estudos históricos, v.
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124 125 Estado de garantir a todos, sem exceção, es- ter um caráter dinâmico, a fim de adquirir implemento do processo digital no âmbito mas a solução definitiva desse problema pecialmente aos mais pobres, não só o direito a capacidade de se modificar e se ajustar do Judiciário no Brasil? E quanto ao acesso deverá ser objeto de outras iniciativas; constitucional do acesso à Justiça, mas tam- à realidade da sociedade, permitindo-se pelos mais pobres, que ainda hoje tem difi- bém os meios necessários ao cumprimento aplicar a norma abstrata às transformações culdade de ter ao alcance um computador E, quanto à confiabilidade do sistema e de uma justa e efetiva prestação jurisdicional. sociais, políticas e econômicas que aconte- com acesso à internet? à autenticidade e inalterabilidade dos atos cem ao longo dos tempos. processuais eletrônicos, tal cuidado requer Palavras-chave: Processo Judicial Eletrôni- 2) O procedimento eletrônico é capaz a adoção de sistemas que permitam aten- co, Conquistas e Desafios. Nas últimas décadas, a sociedade tem de dar solução ao grave e crônico proble- der a tais exigências, cuja eficiência e eficá- sido influenciada por notáveis avanços da ma da morosidade do Judiciário? cia merecem ser analisadas, tendo em vista ELECTRONIC JUDICIAL PROCESS IN THE tecnologia da informação, principalmente a sucessiva mutabilidade existente no cam- LABOR COURT: ACHIEVEMENTS AND CHAL- com o advento da rede mundial de compu- 3) Ou ainda, o procedimento eletrô- po da tecnologia da informação. LENGES OF THIS NEW TECHNOLOGICAL tadores, a internet, cuja novidade criou um nico é capaz de garantir que a tramitação TOOL novo cenário jurídico, de amplitude global, de documentos realmente possa dispor de A lei 11.419 de 19 de dezembro de 2006 afetando as relações interpessoais. É evi- confiabilidade no que se refere à identida- deu o caráter oficial à informatização do ABSTRACT dente que tais avanços são benéficos para de do emitente e à integridade do seu con- processo judicial, permitindo o uso do meio The Electronic Judicial Process is the a sociedade e grandes conquistas se deram teúdo (autenticidade e inalterabilidade)? eletrônico na tramitação dos processos ju- newest technological tool that the Judiciary, por intermédio deles. diciais, a comunicação de atos e a transmis- especially the Labor Court, makes available No que pertine ao acesso à Justiça, o são de peças processuais. to society. This paper aims to list the achie- O Poder Judiciário, por meio do Conse- novo procedimento eletrônico deverá trazer vements of this new tool, inserting it in the lho Nacional de Justiça, cuja missão é con- mais facilidades às partes que pretendem context of social reality that lives nowadays tribuir para que a prestação jurisdicional acionar a Justiça para reivindicar algum su- in the age of information, with all the benefits seja realizada com moralidade, eficiência posto direito ou resolver algum conflito sob that information technology provides. Like- e efetividade em benefício da sociedade, a tutela do Estado. Porém, é necessário ter wise, it’s intended to analyze the remaining tem-se utilizado dos benefícios da tecno- a visão mais ampla de que se trata de uma challenges, contrasting achieved benefits with logia da informação, ao implementar nos ferramenta apenas, ou seja, um meio ade- State’s commitment to guarantee everyone, diversos tribunais novas ferramentas de quado para garantir a finalidade para a qual without exception, especially the poorest, not informatização nos trâmites processuais. o Judiciário deve existir: a efetiva prestação only the constitutional right of access to justi- Da mesma forma, na Justiça do Trabalho, jurisdicional. Nesse sentido, o pleno acesso, ce, but also the means required to implement o Conselho Superior da Justiça do Traba- inclusive pelos mais pobres, deve ser tido a fair and effective jurisdictional service. lho vem realizando o mesmo trabalho de como uma meta a ser perseguida por meio informatização de todo o processo judicial de mecanismos legais e de procedimentos KEYWORDS: Electronic Judicial Process, trabalhista. que facilitem e permitam tal acesso. Achievements and Challenges. A prestação jurisdicional, no âmbito da Quanto ao aspecto da morosidade, o 1 INTRODUÇÃO Justiça Trabalhista, tem muito a ganhar com processo eletrônico, ao substituir os meca- o processo judicial eletrônico – o PJe-JT. nismos manuais burocráticos dos atos pro- A vida em sociedade tornar-se-ia impos- Mas, na mesma medida em que se espera cessuais, por procedimentos de comunica- sível sem a existência de normas capazes alcançar as vantagens dessa novidade, sur- ção eletrônica, a exemplo da vista pessoal de disciplinar as relações humanas, cuja gem também as seguintes indagações: eletrônica aos autos, na qual se terá acesso observância tenha caráter obrigatório. ao conteúdo integral do processo, e que se 1) O acesso à Justiça será ampliado dará de forma simultânea, certamente dar- Nesse sentido, a ciência do Direito deve em virtude das mudanças aplicadas pelo se-á mais celeridade ao trâmite processual,
126 127 Mas, ainda que se tenham enumeradas neira de viver (“a new way of life”). Na Na obra do mesmo autor, A TERCEIRA ma, nem se manifesta com a mesma todas as vantagens que o processo judicial verdade, a amplitude e a profundida- ONDA (The Third Wave), ele faz referência velocidade nas várias dimensões da eletrônico possa trazer à realidade processu- de das mudanças que estão aconte- ainda à importância da informação na socie- vida coletiva. [...] Globalização, por- al dos tribunais, especialmente no âmbito da cendo são tão grandes que podemos dade da terceira onda, dizendo que, por se tanto, não quer dizer uniformidade ou Justiça do Trabalho, não se pode perder de dizer que apenas duas outras vezes, tornar uma sociedade mais complexa, sem homogeneização das condições eco- vista os grandes desafios inerentes à imple- na história da humanidade, mudanças informação e sem tecnologia da informação nômicas (BARBOSA, 2010, p. 14). mentação dessa nova ferramenta eletrônica, semelhantes ocorreram. A primeira (computadores e telecomunicações), seria entre os quais o maior deles, com certeza, o vez foi quando a raça humana passou impossível geri-la. (TOFFLER, 1980). No contexto social, em que pesem os de permitir o efetivo acesso à Justiça! de uma civilização tipicamente nôma- efeitos da globalização, no sentido de inte- de para uma civilização basicamente Portanto, a sociedade primitiva, que vivia gração, propagar-se em todas as partes do 2 A SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO agrícola, sedentária. Isso se deu cer- de maneira precária para suprir as necessida- mundo, ela não é capaz de integrar toda ca de 10 mil anos des mais básicas, deu a população mundial, de cerca de seis bi- As contradições de um homem atrás. A segunda lugar à industrialização lhões de pessoas. Isso porque um número com o seu passado não incorrem jus- vez foi quando a em massa, que por sua significativo dessa população, que está à tamente em censura, senão quando raça humana pas- vez, é agora substituída margem da sociedade de consumo, não caminham do bem para o mal, da ver- sou de sua civiliza- pela sociedade da infor- dispõe de acesso às informações e nem dade para o erro. Quando, pelo con- ção predominan- mação. aos bens de consumo, nem tampouco tem trário, vão do erro para a verdade, ou temente agrícola As inovações tecno- acesso às facilidades da locomoção de um do mal para o bem, não são contradi- para uma civiliza- lógicas e a velocidade país para o outro. A grande maioria da po- ções, mas reformas, não lhe merecem ção basicamente da informação, impul- pulação mundial está distante de usufruir ferretes, senão louvores. (BARBOSA, industrial... A ter- sionada pelo surgimen- das novas tecnologias, limitando-se à ex- 1909, p. 68). ceira revolução to da rede mundial de periência da vivência local, a qual não dá está acontecendo computadores, a inter- acesso nem mesmo aos bens e serviços Entender o tempo presente e olhar para o agora. Ela come- net, causaram mudan- básicos. futuro com a intenção de melhorá-lo exige o çou por volta de ças de enorme relevân- conhecimento do passado. Nesse contexto, 1955 nos Estados cia à vida das pessoas. 3 O ESTADO DE DIREITO analisando-se o passado, ele nos remeterá à Unidos e em alguns As relações humanas atual sociedade em que vivemos: a Socieda- outros países que e sociais tiveram uma A Ciência do Direito tem como finalidade de da Informação. estavam no auge significativa mudança, regular as relações humanas, garantindo a do seu desenvol- já que a comunicação paz e a estabilidade social. O escritor norte-americano Alvin Toffler vimento industrial. por meio da internet foi apelidado de futurista, por ter consegui- Em The Third Wave cuja rapidez quase ins- Ubi societas ibi jus (onde houver do vislumbrar, nas mudanças vividas pela so- chamei essas três tantânea tem contribu- sociedade haverá direito), disse Aristó- ciedade de 1980, o nascimento dessa nova revoluções de “on- ído não somente para teles há 2.500 anos. Tal afirmação ain- sociedade. Para Toffler, de acordo com a pa- das”. Embora essa terceira onda tenha melhorar as condições de vida das pessoas, da é plenamente verdadeira. Vivendo lestra ministrada no Congresso Nacional de sido chamada por vários nomes (So- mas também para alterar a forma como a em sociedade, o homem pode ficar Informática da SUCESU, em 24-08-1993, no ciedade Pós-Industrial, Sociedade da sociedade se organiza e se comunica. Vê-se, privado do conforto material. Com al- Rio de Janeiro, conforme Resumo elaborado Informação, etc.), a melhor maneira então, o fenômeno da globalização se con- guma dificuldade ele viverá. Sem um por Eduardo Chaves: de entendê-la é contrastando-a com solidar. mínimo de ordem, porém, ou aquilo a segunda onda, a era da civilização que Jeremias Bentham denominava [...] Uma nova civilização está nas- industrial. (TOFFLER, 1993 citado por A globalização, no entanto, não mínimo ético de convivência, a vida cendo, que envolve uma nova ma- CHAVES, 2010, n.p.) afeta todos os países da mesma for- não seria possível nem por instante. A
128128128128128128 129129129129129129 insegurança, a incerteza e os abusos 4 O ACESSO À JUSTIÇA no andamento dos processos. A desi- 2012, a Relatora Especial da ONU sobre a po- destruiriam a sociedade quase na ra- gualdade social, econômica, cultural breza extrema, Magdalena Sepúlveda, pediu pidez de um terremoto. (ACQUAVIVA, Na obra clássica "O Acesso à Justiça", os dos cidadãos, o número reduzido de aos países para adotarem medidas imediatas 2010, p. 17). autores Cappelletti e Garth refletem sobre os juízes e de órgãos do Poder Judiciá- para garantir o acesso à Justiça pelos seg- principais obstáculos para o acesso efetivo à rio, a legislação bastante complexa, mentos mais pobres da sociedade. O Direito deve, portanto, moldar-se às Justiça e propõem soluções para que sejam um número grande de recursos dentre constantes mudanças vividas pela sociedade, transpostos. outros, são fatores que dificultam ou, O acesso à Justiça é um direito adaptando-se às novas tendências comporta- A expressão “acesso à Justiça’ é re- muitas vezes, impossibilitam o acesso humano em si mesmo, e essencial mentais. Tem-se, daí, que o Direito não pode conhecidamente de difícil definição, dos cidadãos à justiça ou à obtenção, para resolver as causas profundas ficar alheio à evolução tecnológica, mas deve mas serve para determinar duas fina- em tempo hábil, de uma tutela estatal da pobreza; sem acesso à Justiça, buscar meios de integrar todo o avanço tec- lidades básicas do sistema jurídico – o eficaz. as pessoas que vivem na pobreza nológico, utilizando os reais benefícios que sistema pelo qual as pessoas podem são incapazes de reivindicar e per- as novas ferramentas trazem em si, a fim de reivindicar seus direitos e/ou resolver Ainda de acordo com Cappelletti, ceber toda uma gama de direitos atender às necessidades da sociedade. seus litígios sob os auspícios do Estado o exame das barreiras do acesso à jus- humanos, ou contestar crimes, abu- que, primeiro, o sistema deve ser igual- tiça revela um padrão: os obstáculos sos ou violações cometidas contra De acordo com o pensamento do jurista e mente acessível a todos; segundo, ele criados pelos nossos sistemas jurídicos eles. [...] As pessoas que vivem na filósofo Kelsen: deve produzir resultados que sejam in- para os autores individuais, especial- pobreza enfrentam sérios obstácu- dividual e socialmente justos” (CAPPEL- mente os pobres. los para acessar os sistemas de Jus- [...] o Direito, longe de constituir- LETTI, Mauro; GARTH, Bryant, 1988, p.3). tiça [...] A falta de informação sobre se num fim, erige-se inequivoca- Nesse sentido, em entrevista dada os seus direitos, o analfabetismo ou mente à condição de meio ... Para no Dia Internacional para a Erradica- as barreiras linguísticas, juntamente Kelsen, a função do Direito está na De acordo com os autores, para que se ção da Pobreza, em 17 de outubro de com o estigma enraizado ligado à realização de fins sociais inatingíveis possa afirmar a existência de um Estado De- pobreza, também tornam mais difícil senão através dessa forma de con- mocrático de Direito, é imprescindível que para os pobres se envolverem com o trole social, fins esses que variam de os cidadãos tenham garantido o direito de sistema de justiça. [...] É fundamental sociedade para sociedade, de épo- utilizar a estrutura do Poder Judiciário para construir um sistema de justiça inclu- ca para época (GRAU, 2003 citado a satisfação e garantia de seus direitos funda- sivo que esteja próximo das pessoas, por Moreira, 2006, n.p.). mentais, dentre eles as garantias fundamen- tanto socialmente quanto geogra- E ainda, segundo Rogério Montai tais que regem o processo, como o devido ficamente. [...] Garantir o acesso à de Lima: processo legal, o contraditório, a ampla de- Justiça para os pobres exige siste- [...] Compete ao operador do di- fesa, o equilíbrio processual, a igualdade das mas judiciais funcionais e leis que reito acompanhar a evolução social partes e a imparcialidade do juiz. não apenas refletem os interesses e tecnológica para que, desta forma, dos grupos mais ricos e mais pode- busque a correta aplicação do direi- Para CAPPELLETTI (1988, citado por RIBAS, rosos, mas também levem em conta to às novas situações, seja interpre- 2011, n.p.), o bom funcionamento dos órgãos a renda e os desequilíbrios de poder. tando uma lei já existente para apli- do Poder Judiciário e o irrestrito acesso à jus- (SEPÚLVEDA, 2012, n.p.). car-lhe a um novo instituto, ou ainda, tiça são imprescindíveis para a concretização buscando novas soluções para estas de um Estado Democrático de Direito e é cla- O acesso à justiça deve ser pleno. O de- transformações sociais, adequando- ro que mudanças que visem às melhorias na sejo de todas as pessoas é que haja um se às necessidades que surgem no prestação da tutela estatal contribuem para o Estado justo, onde as diferenças não exis- dia-a-dia (MONTAI DE LIMA, 2006, fortalecimento da democracia tão almejada tam, onde a pobreza e a injustiça não se- n.p.). por todos. A sociedade exige maior agilidade jam realidade. É em busca desse ideal que
130130130130130130 131131131131131131 se deve combater a morosidade do Poder No dia 15 de março de 2012 foi julgada pelo determinem seus direitos ou obrigações Judiciário e que se deve buscar novas téc- Plenário do Supremo Tribunal Federal a ação de natureza civil, trabalhista, fiscal ou de nicas processuais e adaptar a legislação judicial mais antiga daquela Casa, depois de 52 qualquer natureza. (Art. 8º, §1º Conven- e o processo à modernidade das novas anos de trâmite processual. Trata-se da Ação ção Americana). tecnologias. É para atender esse fim que Cível Ordinária n.º 79, ajuizada pela União Fe- o Judiciário deve receber a demanda do deral em 17 de junho de 1959. Vê-se, então, É uma garantia constitucional assegurar ao indivíduo, processá-la adequadamente, que a morosidade da Justiça no Brasil não se jurisdicionado a razoável duração do processo com qualidade e conceder a ele a tutela resume apenas aos foros das instâncias inferio- e os meios adequados à celeridade de sua tra- jurisdicional, em tempo razoável e de for- res das diversas esferas judiciais e dos respecti- mitação, cumprindo assim a finalidade de uma ma eficaz. vos Tribunais de Alçada, mas até mesmo a Su- adequada prestação jurisdicional. prema Corte do País demonstra os sintomas da Isto porque, ao se considerar que o in- grave crise da morosidade pela qual atravessa Todavia, o cenário apresentado transmite a divíduo tem o direito constitucional do o Poder Judiciário. sensação de insegurança jurídica em face da acesso à justiça, mas não tem meios de morosidade do Judiciário Brasileiro, causada promover este acesso, a proteção ao di- Uma das muitas lições brilhantes e inesque- pela inadequada estrutura do Estado, que tem reito lesado, o qual busca obter junto ao cíveis de Rui Barbosa, a qual deixou registrada como consequência o acúmulo de processos Poder Judiciário, fatalmente não aconte- na “Oração aos moços”, dirigida aos bachare- judiciais nas prateleiras dos foros judiciários cerá. Portanto, essa inacessibilidade será landos de 1920 da Faculdade de Direito do Lar- pelo país afora. confundida com a ausência do direito ma- go do São Francisco, no Estado de São Paulo, é terial que este cidadão tentou proteger. E, que “justiça atrasada não é justiça, senão injus- de que “adianta ter o indivíduo um direito tiça qualificada e manifesta” (BARBOSA, 1920, material a ser protegido se este mesmo in- citado por KURY, 1997, p. 40). divíduo não possui meios para acessar o O direito de todos os cidadãos de ter o aces- Poder Judiciário e garantir a tutela 5 A MOROSIDADE DA JUSTIÇA NO BRASIL so à Justiça, consubstanciado no artigo 5º, desse direito?” (CAPPELLETTI, 1998, inciso XXXV da Constituição Federal que diz: citado por RIBAS, 2011, n.p.). O papel do Poder Judiciário no Estado “a lei não excluirá da apreciação do Poder Ju- O acesso à Justiça tanto pode Democrático de Direito é o de garantir aos diciário lesão ou ameaça de direito” (BRASIL. ser formal como material ou efeti- cidadãos os direitos fundamentais assegura- CF-88, art.5º), pode ser chamado também de vo. É meramente formal aquele que dos pela Constituição da República Federa- princípio da inafastabilidade do controle jurisdi- simplesmente possibilita a entrada tiva do Brasil. Porém, a realidade hoje vivida cional ou princípio do direito de ação. O artigo em juízo do pedido formulado pela em nossos tribunais não corresponde às ex- 8º, inciso 1 da Convenção Interamericana so- parte. Isto não basta. É importante pectativas do ordenamento jurídico vigen- bre Direitos Humanos - São José da Costa Rica, Nesse sentido, aponta Oliveira (2003, n.p.): garantir o início e o fim do proces- te, no qual se acham previstas as garantias também assegura tal direito: so, em tempo satisfatório, razoável, constitucionais. A atrofia do Poder Judiciário aconte- de tal maneira que a demora não Toda pessoa tem direito de ser ouvi- ceu em razão de vários fatores ligados sufoque o direito ou a expectativa A sociedade em geral e os profissionais da, com as devidas garantias e dentro às grandes mudanças que atingiram do direito. O acesso à justiça tem que trabalham com o Direito sabem que de um prazo razoável, por um juiz ou nosso país durante as últimas déca- que ser efetivo. Por efetivo enten- o Judiciário Brasileiro não consegue aten- tribunal competente, independente e das, ... Essa problemática conhecida da-se aquele que é eficaz. (VAR- der de forma célere, razoável e satisfatória imparcial, estabelecido anteriormente como "morosidade da Justiça", não é GAS, 2009, p. 12, citado por RIBAS, as demandas judiciais existentes nos tribu- por lei, na apuração de qualquer acu- fato novo e inesperado. É produto de 2011). nais. sação penal contra ela, ou para que se um Judiciário que tem uma estrutura
132 133 orgânico-administrativa anacrônica Se estamos diante de um procedimento 2007; e pela Resolução nº 136 do Conselho nhecimento: todas as Varas do Trabalho de e regulamentada por procedimentos eletrônico, com necessidade de adoção de Superior da Justiça do Trabalho (CSJT), de 25 Tocantins e as cinco Varas do Trabalho de Ta- que não acompanharam as mudan- certificados digitais, para a garantia de inte- de abril de 2014, a qual instituiu o Sistema Pro- guatinga-DF. ças havidas na sociedade. A crise no gridade, autenticidade e segurança, os atos cesso Judicial Eletrônico da Justiça do Traba- setor foi inevitável. processuais deverão obedecer, estritamente, lho – PJe-JT como sistema de processamento E, atuando a partir da fase de Execução, estes três requisitos, sob pena de abrirmos de informações e prática de atos processuais, denominada CLE-Cadastro de Liquidação e Desse modo, o problema do estrangulamen- espaço para os mais diversos problemas de estabelecendo parâmetros para sua implemen- Execução, em primeira etapa oito Varas do to do Judiciário está longe de ter uma solução adulteração dos atos já praticados (ALMEIDA tação e funcionamento. Mas, desde meados Trabalho de Brasília-DF, desde 29 de setem- única e definitiva. Requer, sim, uma conjunção FILHO, 2011, p. 135). de 2010, já haviam sido tomadas as primeiras bro de 2014. Em segunda etapa, mais 7 Varas de esforços de todas as esferas governamen- iniciativas no sentido de do Trabalho de Brasília- tais, no âmbito do Poder Executivo, bem como O certificado digital permite a identificação se implantar o proces- DF, a partir de 23 de mar- ações do Poder Legislativo, tais como iniciati- segura do autor de uma mensagem enviada samento eletrônico dos “...a mudança de ço de 2015; e, em tercei- vas de reformas estruturais no campo do direito por meio virtual, por meio de uma operação atos processuais nos pro- paradigmas para algo ra etapa, mais 6 Varas do processual; e da ação de todas as instâncias do matemática que usa a criptografia (SOARES, cessos judiciais trabalhis- Trabalho de Brasília-DF e Poder Judiciário, buscando maneiras alterna- 2010, p. 46). Tal documento eletrônico é ex- tas, conforme o histórico que é novo e o Juízo Conciliatório, a tivas ao formalismo dos procedimentos e nor- pedido por entidade pública definida nos ter- abaixo, apresentado no desconhecido requer a partir de 29 de junho de mas processuais que hoje regem a tramitação mos da Medida Provisória nº. 2.200-2/2001 sítio eletrônico do CSJT: abdicação de nossa zona 2015. dos processos judiciais. (Bittar, 2011). Em 29 de março de de segurança e conforto Por meio da Portaria 6 A INFORMATIZAÇÃO DOS PROCES- Algumas outras são as vantagens para o usu- 2010, por ocasião da ce- para aceitar os desafios PRE/SGJUD nº 9, de 9 de SOS JUDICIAIS ário do processo eletrônico, a citar como exem- lebração do Termo de setembro de 2015, ficou plo: “a quebra das barreiras geofísicas através Acordo de Cooperação que se dão em face de estabelecido que todas A informatização no processo judicial, novi- da internet” (ALMEIDA FILHO, 2008, p. 109). De Técnica nº 51/2010 en- um novo projeto.” as Varas do Trabalho de dade que hoje já se faz presente em algumas qualquer lugar agora é possível apresentar peti- tre o Conselho Nacional Brasília-DF, a partir de 26 esferas do Poder Judiciário, está prevista na ção nos autos. Outra vantagem, a questão dos de Justiça (CNJ), o Tribu- de novembro de 2015, Lei 11.419 de 19 de dezembro de 2006, regu- prazos processuais, que agora não se subme- nal Superior do Trabalho passarão a integrar o Sis- lamentada por meio da Resolução nº 185 do tem ao horário de funcionamento dos cartórios (TST) e o Conselho Superior da Justiça do Tra- tema do PJe-JT, na fase de conhecimento. Conselho Nacional de Justiça, de 18 de dezem- judiciais (BRASIL, Lei 11.419, §1º art. 10), mas se balho (CSJT), a Justiça do Trabalho aderiu, Do mesmo modo, todos os 24 Tribunais bro de 2013, no âmbito do Poder Judiciário. estendem até às 24 horas do último dia de pra- oficialmente, ao Processo Judicial Eletrônico Regionais do Trabalho já têm Varas do Traba- zo. E, ainda, a questão da vista pessoal eletrô- – PJe. O projeto tem como meta elaborar lho funcionando inteiramente de forma digi- A referida lei trouxe definições de termos nica dos autos, em que as partes passarão a ter um sistema único de tramitação eletrônica tal. importantes na gestão eletrônica do proces- o acesso ao conteúdo do processo de forma de processos judiciais... o módulo piloto do so. São eles: documento eletrônico, meio simultânea, contribuindo, sobremaneira, para sistema foi lançado em Cuiabá-MT em 10 de Vê-se, então, que a nova ferramenta digital eletrônico, transmissão eletrônica, assinatura a celeridade do trâmite processual. fevereiro de 2011(CSJT, 2011, n.p.). da Justiça do Trabalho foi bem aceita pelos eletrônica. usuários e pela sociedade. De acordo com as 7 O PROCESSO JUDICIAL ELETRÔNICO No TRT da 10ª Região (DF/TO), o PJe-JT palavras do ex-presidente do Tribunal Superior A Lei 11.419/06 dispõe em sua parte inicial NA JUSTIÇA DO TRABALHO foi instalado como projeto-piloto na Vara do do Trabalho, Ministro João Oreste Dalazen, quanto às formas de identificação, ao creden- Trabalho do Gama (DF) em 21 de março de a mudança de paradigmas para algo que é ciamento no Poder Judiciário e em relação à No âmbito da Justiça do Trabalho, o pano- 2012, sob a presidência do Desembargador novo e desconhecido requer a abdicação prática de atos processuais em geral por meio rama hoje é promissor. A regulamentação da Ricardo Alencar Machado. Hoje, o TRT da 10ª de nossa zona de segurança e conforto para eletrônico (BRASIL, Lei 11.419, art. 1º, § 2º, III, lei 11.419/2006 se deu por meio da Instrução Região tem as seguintes Varas do Trabalho aceitar os desafios que se dão em face de art. 2º, caput e art. art. 2º, § 1º). Normativa nº 30 do TST, de 13 de setembro de atuando com o PJe-JT, desde a fase de co- um novo projeto.
134 135 O projeto do Processo Judicial Eletrôni- garantir o direito constitucional do acesso Na Justiça Especializada do Trabalho, BARBOSA, Rui. Oração aos moços; edição co na Justiça do Trabalho – PJe/JT é muito irrestrito de todos à Justiça. Porém, a re- hoje já se concretiza a realidade do Pro- popular anotada por Adriano da Gama Kury. mais do que um simples sistema de trami- alidade vivida há décadas caracterizada cesso Judicial Eletrônico – o PJe-JT. Por – 5º ed. – Rio de Janeiro : Fundação Casa de tação eletrônica de processos judiciais. [...] pela morosidade na solução dos processos meio da lei 11.419/2006 e da iniciativa do Rui Barbosa, 1997. Toda significativa mudança de paradigmas judiciais, compromete a concretização de Conselho Superior da Justiça do Traba- implica em abdicar de nossa zona de se- uma justiça ideal. lho – CSJT, tornou-se possível que todos ________. Trecho do Discurso na Conven- gurança e conforto para enveredar por ca- os Tribunais Regionais do Trabalho do país ção Civilista. Não há original no Arquivo da minhos pouco explorados, rumo ao novo e Nesse sentido, reformas estruturais que já tenham Varas do Trabalho atuando com FCRB. Obras Completas de Rui Barbosa. V. ao desconhecido... o comprometimento e a possam sanar ou ajudar a solucionar os processos eletrônicos, desde a origem ou 36, t. 1, 1909. p. 68. Disponível em: http:// disposição de todos os magistrados e servi- problemas existentes na Justiça, em suas a partir da fase de execução do processo. www.casaruibarbosa.gov.br/scripts/scripts/ dores que compõem a Justiça do Trabalho, várias esferas, tornaram-se imprescindí- rui/mostrafrasesrui.idc?CodFrase=676. Aces- todavia, transmitem-nos a certeza e a tran- veis. Mas, isso não significa a solução defini- so em 11_agosto_ 2014. quilidade de que não ficaremos imobiliza- tiva para a morosidade da Justiça e muito dos diante da grandeza do desafio [...] sob a menos a garantia de uma prestação jurisdi- BITTAR, Danilo Silva. Considerações firme coordenação do Tribunal Superior do cional adequada, já que uma justiça rápi- acerca dos sistemas adotados pela lei nº. Trabalho e do Conselho Superior da Justiça da pode não significar uma justiça eficaz. 11419/2006 de informatização do proces- do Trabalho, com vistas a atingir o propósi- so. Revista de Direito Público – Londrina, v. 6, to maior de implantar essa nova ferramenta Desse modo, os benefícios que indubita- nº 1, p. 35-54, jan/abr. 2011. tecnológica, ... um sistema de tramitação velmente a ferramenta do PJe-JT trouxe à eletrônica capaz de atender a todos os an- sociedade só poderão ser celebrados se o BRASIL – Conselho Superior da Justiça seios e necessidades específicas da Justiça compromisso com a manutenção e aper- do Trabalho – Apresentação do projeto do do Trabalho. (CSJT, 2011, n.p.). feiçoamento dessas técnicas for realmente Processo Judicial Eletrônico na Justiça do assumido e, mais ainda, associá-lo ao ou- Trabalho – PJe/JT. Disponível em: http:// Sem dúvida, o projeto do PJe no Judi- tro compromisso de se buscar outros tan- www.csjt.jus.br/apresentacao. Acesso em: ciário, em especial na Justiça do Trabalho tos meios que sejam capazes de garantir o 7_out_2014. está caminhando muito bem, com mérito cumprimento de uma justa e efetiva pres- aos magistrados, servidores e advogados, tação jurisdicional a todos, sem exceção, ________. Decreto nº 678, de 6 de novem- porém um olhar atento não pode desviar-se especialmente aos mais pobres. bro de 1992. Promulga a Convenção Ameri- do maior propósito, senão o maior desafio, cana sobre Direitos Humanos (Pacto de São o de não deixar de fora aqueles que mais REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: José da Costa Rica), de 22 de novembro de precisam da tutela do Estado, em especial 1969. Disponível em: http://www.planalto. os mais pobres. ACQUAVIVA, Marcus Cláudio. Teoria Geral gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/ do Estado. 3º ed. – Barueri, SP: Manole, 2010. l11419.htm. Acesso em: 7_out_2014. 8 CONCLUSÃO ALMEIDA FILHO, José Carlos de Araújo. Pro- ________. Instrução Normativa nº 30 de O Brasil, sendo um Estado Democrático cesso eletrônico e teoria geral do processo setembro de 2007. Regulamenta, no âmbi- de Direito, tem no seu ordenamento jurídico eletrônico: a informatização judicial no Bra- to da Justiça do Trabalho, a Lei n° 11.419, as normas legais que permitem estabelecer sil. 4° ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2011. de 19 de dezembro de 2006, que dispõe a ordem e a paz social, no âmbito das rela- sobre a informatização do processo judi- ções humanas. BARBOSA, Alexandre de Freitas. O Mundo cial. Disponível em: http://aplicacao.tst.jus. O Poder Judiciário, dentro desse pa- Globalizado: Economia, Sociedade e Políti- br/dspace/handle/1939/3990. Acesso em: norama, tem demonstrado o esforço em ca. 5º ed. – São Paulo: Contexto, 2010. 7_out_2014.
136 137 ________. Lei nº 11.419, de 19 de dezem- José da Costa Rica. Artigo 8º, inciso 1º. Dis- bro de 2006. Dispõe sobre a informatização ponível em: http://www.pge.sp.gov.br/cen- do processo judicial; altera a Lei no 5.869, de trodeestudos/bibliotecavirtual/instrumentos/ 11 de janeiro de 1973 – Código de Proces- sanjose.htm. Acesso em: 7_out_2014. so Civil; e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ MONTAI DE LIMA, Rogério. Peculiaridades ato2004-2006/2006/lei/l11419.htm. Acesso dos contratos eletrônicos. Âmbito Jurídico, em: 7_out_2014. Rio Grande, IX, n. 31, jul_2006. Disponível em: . Acesso em 10_ago_ 2014. trutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP -Brasil, transforma o Instituto Nacional de OLIVEIRA, Moisés do Socorro de. O Poder Tecnologia da Informação em autarquia, Judiciário: morosidade. Causas e soluções. e dá outras providências. Disponível em: Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 96, 7 out. . Acesso em: 25 ago. 2014. As repercussões do Código Civil de out_2014. RIBAS, Osni de Jesus Taborda. Crise da ju- ________. Resolução nº 136 do Conselho risdição e o acesso à justiça. Âmbito Jurídi- 2002 sobre o contrato de trabalho Superior da Justiça do Trabalho, de 25 de abril co, Rio Grande, XIV, n. 94, Nov_2011. Disponí- de 2014. Institui o Sistema Processo Judicial vel em: . Acesso em: 7_out_2014. dspace/handle/1939/39001. Acesso em: 7_ 1 out_2014. SEPÚLVEDA, Magdalena. Entrevista dada Paulo Renato Fernandes da Silva no Dia Internacional para a Erradicação CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Aces- da Pobreza, em 17 de outubro de 2012. so à Justiça. Tradução e Revisão de Ellen Gra- http://www.onu.org.br/combater-pobreza cie Northfleet. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fa- -requer-melhoria-do-acesso-a-justica-para-po- Resumo: O trabalho em tela desenvolve ble impact on the labor contract institutes in bris Editor, 1988. Reimpresso / 2002. bres-afirma-especialista-da-onu/Acesso em: uma análise sobre as inovações constantes the context of neoconstitutionalism. 7_out_2014. do Código Civil Brasileiro de 2002 e suas pos- CHAVES, Eduardo. Resumo da Palestra síveis incidências sobre os institutos contratu- Palavras-chave: Novo Código Civil. Neo- de Alvin Toffler no Congresso Nacional de TOFFLER, Alvin. The Third Wave (A Terceira ais trabalhistas, no contexto do neoconstitu- constitucionalismo. Contrato de trabalho. Informática da SUCESU em 24/8/1993. Rio Onda). 4ª ed. – Rio de Janeiro: Record, 1980. cionalismo. de Janeiro, RJ. Março, 2004. Disponível em: Introdução http://www.projeto.unisinos.br/humanismo/ VARGAS, Jorge de Oliveira – Responsabili- Abstract: The screen work develops an antropos/Terceira_Onda.pdf. Acesso em: 7_ dade Civil do Estado pela demora na pres- analysis of the Brazilian Civil Code of the O presente trabalho pretende discorrer so- ago_2014. tação da tutela jurisdicional – 1ª ed., 5ª tira- constant innovations of 2002 and their possi- bre as inovações constantes do Código Civil gem, Curitiba: Juruá, 2009, p. 12. CONVENÇÃO AMERICANA. Convenção In- 1. Doutorando em Ciências Jurídicas pela Universidade Federal Fluminense - UFF. Mestre em Direito Empresarial pela Universidade teramericana sobre Direitos Humanos - São Candido Mendes. Formado em Ciências Jurídicas pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro - PUC-Rio. Advogado e Professor de Direito do Trabalho do Departamento de Ciência Jurídicas da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro – UFRRJ (E-mail: p.renato@paulorenato.
138138138138138138 139139139139139139 Brasileiro de 2002 (Lei nº 10.406, de 10 de ja- constitucional brasileiro, como são os casos não pode refugir a esse enquadramento. O neiro de 2002). Trata suas possíveis incidên- da justa causa, da proteção ao meio ambien- mesmo pode ser dito em relação à empresa cias sobre os institutos contratuais trabalhis- te de trabalho, dos assédios, do despedimen- (enquanto atividade econômica organiza- tas, sob a égide do neoconstitucionalismo, to (individual, plúrimo e coletivo), do direito da), forma de propriedade do empreende- especialmente em relação aos aspectos de coletivo etc. dor. Sobre o assunto, a doutrina civilista não sociabilidade e eticidade que informam as re- discrepa: lações contratuais, à vista do Capítulo I, Título 2. O contrato de trabalho e o princípio V (Dos Contratos em Geral) do novo Digesto da função social do contrato A partir do momento em que o Civil. direito constitucional brasileiro consi- Dentre as inovações do novo Código, derou que a propriedade tinha uma 1. O novo Direito Civil – o Neoconstitu- merece especial relevo a transparente preo- função social (art. 5º, XXIII), tendo a cionalismo e o Direito do Trabalho cupação do legislador com o aspecto social palavra propriedade uma conceitua- que passa a permear os institutos civilistas. O ção ampla, o mesmo princípio haveria De início, cumpre dizer que o Código Ci- novo sistema de Direito Civil é baseado em de ser aplicado aos direitos de crédito, vil de 2002 aproximou-se perigosamente do tríplice fundamento: a sociabilidade, a etici- ou seja, às obrigações e, consequen- Direito do Trabalho. Isso porquanto o novo 3 Além de parte dade e a operacionalidade. temente, aos contratos. (WALD, 2012) códex regulamentou em nível infraconstitu- da jurisprudência civilista já acolher esses O princípio da autonomia da vonta- cional uma série de institutos contidos, e há Nesse contexto, a expressão “perigosa- primados e a doutrina brigar por essas modi- de está atrelado ao da sociabilidade, muito represados, no texto constitucional de mente” poderia ser substituída pela expressão ficações, a Carta Civil se municiou de institu- pois, pelo art. 421 do Código Civil, de- 1988. “salutarmente”. Isto porque a mencionada tos adequados ao atual estágio evolutivo da clarada está a limitação da liberdade releitura do Direito Civil pela lente da Cons- sociedade brasileira. Uma dessas novidades de contratar pela função social do con- A grande novidade foi a verdadeira relei- tituição da República Federativa do Brasil de da legislação infraconstitucional é o artigo trato. Esse dispositivo é mero corolário tura que os tradicionais (e alguns ultrapassa- 1988 (CF/88) o aproximou mais dos valores 421 que prevê: “A liberdade de contratar será do princípio constitucional da função dos) institutos de Direito Civil sofreram, com que caracterizam historicamente o Direito do exercida em razão e nos limites da função so- social da propriedade e da justiça, nor- a finalidade de sintonizá-los com a Constitui- Trabalho.Ensejou muitas possibilidades de cial do contrato.” teador da ordem econômica. O art. ção, explicitando seus termos e observando conexão dos dois sistemas jurídicos, uma vez 421 institui a função social do contrato, o princípio da simetria constitucional. que o legislador ainda não fez o necessário O novel Código Civil explicitou o coman- revitalizando-o, para atender aos inte- revigoramento das normas trabalhistas à luz do constitucional contido nos artigos 5º, resses sociais, limitando o arbítrio dos Surgiu então um Direito Civil humanista, da Carta Magna. XXIII e 170, III 4 segundo o qual a proprie- contratantes, para tutelá-los no seio da tendo por base axiológica os mesmos va- dade atenderá a sua função social. Ora, se coletividade, criando condições para lores, fundamentos e objetivos constitucio- Hoje vivemos um tempo de dualidades, a propriedade deve desempenhar uma fun- o equilíbrio econômico-contratual, fa- nais. Superou-se a noção de Direito privado pois temos um Direito do Trabalho cuja fon- ção social, o contrato, que é o instrumento cilitando o reajuste das prestaçõese até individualista, patrimonialista e formal. Te- te é a CLT e leis correlatas, e outro, contem- utilizado para sua circulação e acumulação, mesmo sua resolução. (DINIZ, 2013) mos hoje um sistema comprometido com porâneo, forjado em parte pela doutrina e a pessoa humana, com os valores da jus- em parte pela jurisprudência. Este promove tiça 2, igualdade, distributividade e eticida- a latere da lei a necessária releitura dos ins- 3. O princípio da sociabilidade consiste na mudança do enfoque individualista para o social, conferindo preeminência aos valores co- de. Em uma palavra, podemos afirmar que titutos trabalhistas à luz das normas (regra e letivos em relação aos individuais. O princípio da eticidade revela nova perspectiva ao Direito Civil na medida em que impõe a observância dos valores éticosna interpretação das leis e dos contratos. Foi revogado o excessivo rigor formal, técnico-jurídico, típico do individualismo liberal, no vivemos sob o pálio do solidarismo social, princípios) constitucionais. Diversos institutos sentido de que tudo se resolveria através dos dispositivos expressamente positivados, em detrimento da boa-fé, da ética e da equidade. A nova econômico e contratual. carecem de colmatação ao atual sistema ordem rompe com essa concepção para reconhecer a eticidade do ordenamento. O princípio da operabilidade significa que a norma deve ser de fácil interpretação e aplicação, a fim de torná-la o mais efetiva possível. 4. Eros Roberto Grau (2012) ressalta que a função social prevista noart. 5º, XXIII, da CF/88, revela na verdade uma função social indi- 2. Como exemplo ilustrativo dessa situação podemos mencionar o parágrafo único do artigo 2.035 do Código Civil que prevê: “Nenhu- vidual da propriedade, que encontra justificação na garantia de que possa o indivíduo prover a sua subsistência e de sua família – a dignidade da ma convenção prevalecerá se contrariar preceitos de ordem pública, tais como os estabelecidos por este Código para assegurar a função social pessoa humana, portanto. Já o artigo 170, III, cuida da função social no sentido de sua utilização no desenvolvimento e exploração de atividade da propriedade e dos contratos”. econômica.
140 141 Mas o artigo 421, ao mesmo tempo em que de trabalho, abrangendo da noção (ou trabalhadores para fins de intermediação de assegura uma liberdade pública fundamental também as relações civis. requisito de vali- mão de obra não se coaduna com aquele do indivíduo, no caso, a autonomia da vonta- Se é certo que a sociedade dade) da função dispositivo. de de contratar (art. 5º, II, CF/88), impõe limi- brasileira optou pelo regime social do contra- tes, em prol do interesse geral, à vontade in- capitalista onde a livre inicia- to de trabalho. A função social do contrato, outrossim, dividual, ao dispor que o acordo de vontades tiva e a liberdade de merca- Encontra-se no se volta para assegurar que o empregador obrigatoriamente há de se conformar com a do são as regras, também artigo 186, que proporcione um meio ambiente de trabalho denominada função social do contrato. Ora, elegeu a igualdade de todos assim preceitua: 6 e adequado (seguro, sadio, ético e urbano) o contrato é o instrumento de direito que visa e uma sociedade livre, justa que permita que os trabalhadores desenvol- possibilitar o comércio jurídico dentro do te- e solidária. A função so- vam todas as suas potencialidades pessoais cido social e econômico, de tal sorte a per- cial é cumprida e profissionais, inclusive no tocante aos as- mitir o atendimento dos interesses individuais O contrato, portanto, quando a pro- pectos da diversidade de raça, origem, reli- e coletivos no intercâmbio de bens e direitos não pode servir para lesar gião,convicção de pensamento, de gênero, priedade rural voltados para o desenvolvimento e progresso interesses superiores da atende, simulta- orientação sexual etc. Logo, a contratação social. Logo, ele só pode ser manejado dentro sociedade, como aqueles neamente, se- de gestores para fins de implementação de 5 procedimentos de assédio moral e a adoção desse enfoque instrumental, a render oportu- arrulhados em valores, gundo critérios e nidade de satisfação de interesses individuais princípios e garantias so- graus de exigên- de políticas autoritárias e não democráticas dos contratantes, de acordo com o ordena- ciais. Também não pode cia estabeleci- na empresa são exemplos de inadequação mento jurídico vigente. ser meio de opressão de dos em lei, aos do pacto laboral ao mencionado princípio. uma parte sobre a outra ou seguintes requisi- Há, por conseguinte, um redimensiona- de iniquidade, hipótese em tos: Restringe-se, dessa maneira, o postulado mento da ideia de que “quem diz contratual que se desviaria de sua fina- [...] liberal da plena autonomia da vontade indi- diz justo”, porquanto agora a justiça não reside lidade social para atender a IV - explora- vidual em favor da sociedade, fixando limites mais nos aspectos formais do pacto, mas sim, interesses escusos e antissociais. ção que favoreça o bem-estar dos pro- ao seu exercício, de tal arte que a eventual e sobretudo, no concernente ao conteúdo do prietários e dos trabalhadores. desigualdade material entre os contratantes acordo, cuja validade está condicionada à ob- No âmbito das relações de trabalho, a fun- encontre como lenitivo o equilíbrio jurídico servância da sua função social. Por outro lado, ção social pode ser colhida do sistema cons- A norma em tela tem plena aplicação às forjado pela contenção dos interesses do constata-se que ocorreu uma certa publiciza- titucional pátrio, que se baseia na noção de relações de trabalho em geral, não só em mais forte. ção do Direito privado, na medida em que as equilíbrio entre os valores sociais do trabalho razão da regra isonômica entre trabalhado- duas ramificações clássicas do Direito passam e da livre iniciativa (artigo 1º, IV,da CF/88), res urbanos e rurais (caput do artigo 7º, da Como foi estudado anteriormente, o Direi- a conviver de forma homogênea num mesmo cuja regulação parte de um rol minimalista CF/88), mas, sobretudo, ante o seu caráter to do Trabalho, e consequentemente o con- plasma jurídico, onde o individual é conce- de direitos a serem respeitados que se baseia principiológico, que imanta o sistema consti- trato de trabalho, corresponde ao mais alto bido a partir do social. Ambas as disciplinas em valores éticos e humanitários universais tucional trabalhista. padrão de eficiência na regulação das rela- convivem e se articulam em perfeita harmo- (artigos 1º, III; 6º a 9º; 170; 200 e 225, da Car- ções trabalhistas no Brasil. Por seu intermédio, nia, uma vez que concretizam ideais holísticos ta Magna). A Constituição ainda fixou em seu Pelo preceito acima, a função social do outorga-se dignificação à atividade laborativa do Estado Social, não mais restrito às relações texto um marco explícito para guiar a busca contrato reside no efetivo cumprimento das dos obreiros num patamar correspondente à normas de proteção do trabalho por par- importância que mereceu a pessoa humana te dos contratantes, com especial destaque na CF/88. O contrato de trabalho já foi ges- 5. Valor difere de princípio. Aquele constitui um conceito axiológico, correspondente à ideia de qualidade das coisas, e antropológico para o empregador, detentor que é do poder tado no estuário da sociabilidade; trata-se de no sentido do querer, o desejar e o deliberar. Os princípios são conceitos deontológicos referentes a um proibir, permitir, facultar. Afirma Robert empregatício. Com efeito, a contratação de um contrato tipicamente de origem social. Alexy, que o que na dimensão dos princípios é prima facie devido, na senda dos valores é prima facie melhor. Com base em Habermas, acrescen- ta: “princípios de direito são normas jurídicas, enquanto os valores são mandados de otimização da norma, ou buscam a máxima revelação do ser das normas. Logo, infere-se que o bem jurídico caracteriza-se como valor pela máxima possibilidade de sua revelação. [...] Valor é o substrato que indica a qualidade inerente ao ser e ao obrar humanos”. 6. SILVA, 2012.
142 143 Por isso, se encaixa perfeitamente no con- uma empresa pagar a todos os seus empre- nula de pleno direito qualquer cláusula con- e profissionais dos trabalhadores; texto do novo códex, porquanto o artigo 421 gados o piso salarial normativo (previsto em tratual, individual ou coletiva, que contrarie a e) for instrumento de política pública (so- se afina plenamente com a teoria contratual instrumento coletivo negociado). No entanto, política econômica vigente no país. O art. 8º cial e econômica) de inclusão social, gerador trabalhista. um empregado desempenha atividades de da CLT também prevê que nenhum interesse de empregos. grande complexidade, como, por exemplo, o de classe pode se sobrepor ao interesse ge- O que particulariza esse tipo de contrato é engenheiro de segurança do trabalho. E en- ral.Portanto, o contrato de emprego pode ser 3. O princípio da boa-fé e o contrato de que ele viabiliza as referidas relações econô- tão a empresa, que integra um grupo econô- utilizado como alvissareiro meio de combate trabalho micas de produção ao estabelecer padrões mico, percebe a conveniência de aproveitar ao desemprego, no exato sentido do preceito coincidentes com o primado constitucional os serviços daquele engenheiro nas outras informador da ordem econômica contido no A boa-fé é uma exigência do proceder do de dignificação da pessoa humana do traba- demais empresas do grupo. inciso VIII do art. 170 da CF/88. Segundo este homem; é algo que passou da origem religio- lhador, maximizando a função social do con- dispositivo, constitui princípio da ordem eco- sa para o âmbito social da eticidade nas re- trato. A noção de dignificação do trabalho, Nesse caso, pelo piso salarial da categoria, nômica a busca do pleno emprego. De acor- lações individuais. Pode-se afirmar que cons- produtora da chamada cidadania social, sig- o empregador estaria cumprindo a lei, mas, do com a política social vigorante no país, o titui obrigação implícita às relações sociais, nifica que a ordem jurídica pátria reconheceu pelo aspecto da função social do contrato es- contrato de trabalho pode ser um poderoso cuja observância não deveria suscitar auspí- que existe um conjunto de regras mínimas de tará desvirtuando a sua finalidade econômi- instrumento de inclusão social das camadas cios de mérito. Embora não se possa ignorar proteção do trabalho que são direitos inatos ca e social. Porquanto, ao invés de contratar mais desfavorecidas da sociedade, promo- a constatação de Shakespeare (1564–1616), à personalidade humana. este tipo de empregado para cada uma das vendo assim o desenvolvimento humano e a ao se referir à sociedade de sua época, que empresas que dele necessitem, superutiliza o criação de pilares sólidos de estabilidade so- ainda hoje é de grande atualidade: “Na ve- Esses direitos muitas vezes são positivados empregado, mediante o pagamento do piso cial e econômica. 7 lhacaria destes tempos flácidos, a virtude tem como cláusulas abertas e flexíveis técnica 8 mínimo, para trabalho que deveria ser feito que pedir perdão ao vício”. também utilizada pelo novo Código Civil por vários trabalhadores e com acentuado Assim, o contrato de trabalho cumprirá capazes de acompanhar a evolução da so- grau de responsabilidade.A situação exposta sua a função social quando: ciedade sem a necessidade de alteração da colide com o princípio de comutatividade do lei. Vejam-se os casos do direito a salário jus- contrato de trabalho e viola o já mencionado a) permitir o intercâmbio de operações to e à igualdade de tratamento. São direitos inciso V, do artigo 7º, da Carta Política. econômicas de produção em nível compatí- inatos ao ser humano, previstos inclusive na vel com a democracia, com o solidarismo e Declaração Universal dos Direitos Humanos, Com efeito, o cumprimento formal da le- com a justiça contratual; de 10 de dezembro de 1948, mas que não gislação trabalhista, pode não significar, por si b) observar a efetivação dos direitos legais se amoldam a uma tipicidade casuística.Pelo só, o atendimento à função social do contra- e constitucionais dos trabalhadores; contrário, são o que Judith Martins-Costa (ci- to. Este atendimentosó é aferível pelo exame c) propiciar a efetivação dos princípios ine- tada por MELLO) chamou de janelas, pontes e do caso concreto. No exemplo dado acima, rentes à dignificação, proteção, promoção, avenidas dos modernos códigos, que os con- o contrato de trabalho estaria sendo utilizado diversidade humana e valorização social e duzem aos princípios e regras constitucionais, ao arrepio de sua finalidade social e em opo- contratual do trabalhador; dando acesso aos princípios e valores sociais, sição à norma constitucional de valorização d) garantir um meio ambiente de trabalho políticos, econômicos e integrando-os ao or- social do trabalho (artigos 1º, inciso IV; 3º, in- adequado (seguro, sadio, ético e urbano), denamento positivo. ciso I; 7º e 170, caput, da CF/88). que proporcione condições para o pleno de- senvolvimento das potencialidades pessoais Nem sempre a observância das normas Por fim, ressalte-se que o contrato de traba- tutelares do trabalho, positivadas na lei, ga- lho também é um importante mecanismo de 7. Convém sublinhar que o Direito do Trabalho não se coaduna com a ideia de trabalho a qualquer preço, ou de que a prioridade é rante a dignificação do trabalho. Quando isso política econômica e social, tanto assim que dar trabalho independente das condições mediante as quais ele será exercido. Não. Isso representaria um verdadeiro retrocesso social, além de acontece, a função social do contrato laboral a CLT, no seu artigo 623 (e a Lei nº 10.192, de infringir toda a construção normativa da Constituição da República, que, desde o seu preâmbulo, aponta para a dignificação e valorização da fica comprometida. Assim, pode ocorrer de 14 de fevereiro de 2001), estabelece que será cidadania social. 8. Hamlet, ato III, cena IV.
144 145 Consiste a boa-fé na regra de conduta que põe, no seu artigo 422, que: ”Os contratantes que houve quebra do princípio da boa-fé na prego da empregada (Súmula nº 244, III,do se funda no dever de se comportar como um são obrigados a guardar, assim na conclusão, fase pré-contratual, com prejuízo material ao TST, com a redação dada pela Resolução nº bom pai de família, probo, leal, e que respeita como em sua execução, os princípios de pro- obreiro. 185/2012 do TST). Se, por um lado, a traba- os interesses alheios. O princípio tem assento bidade e boa-fé.” A probidade é o dever de lhadora não tem a obrigação de avisar que constitucional no artigo 3º, I, da CF/88, quan- honestidade, também inata a qualquer con- O dever de lealdade é aquele que impõe está grávida, e o empregador não pode inves- do adota o parâmetro do solidarismo como duta humana. Um aspecto interessante a ser às partes que se abstenham de praticar atos, tigar tal condição, por outro, no caso específi- princípio fundamental da República. Na sea- ressaltado é que o artigo 422 fixa a boa-fé omissivos ou comissivos, que tenham por ob- co, a conduta da obreira compromete inteira- ra contratual, o princípio da boa-fé (ou solida- como regra de condu- jetivo frustrar as expectativas materializadas mente as legítimas expectativas da empresa rismo contratual) susten- ta, e, portanto, limita a no contrato, seja na conclusão, execução ou ao contratá-la. Impede, ainda, que o contrato ta o dever de as partes autonomia da vontade depois de sua extinção. Exemplo disso é o de cumpra uma de suas funções sociais, que é agirem em conformida- “O elemento confiança, dos contratantes, mas o empregado (ou ex-empregado) guardar si- o intercâmbio de operações econômicas de com a economia e a assim, atua de apenas para a conclusão gilo sobre os segredos da empresa. A coope- de produção dentro de um padrão ético de finalidade do contrato, e execução do ajuste. ração exige das partes a obrigação recíproca comportamento. de modo a conservar maneira a diminuir a Deixa de mencionar a de auxílio no desenvolvimento das atividades o “equilíbrio” entre as complexidade das fase pós-contratual, para necessárias ao cumprimento da finalidade la- O contrato trabalhista tem como uma de obrigações que configu- relações contratuais, onde o aludido dever boral de colaboração com o empregador. suas características o fato de que a lei outorga ram o sinalagma. É, por obviamente se projeta. a uma das partes, in casu, ao empregador, exemplo, o que impede reduzindo, para o sujeito, Essa deve ser a conclu- Por fim, o dever de informação e esclare- um feixe de poderes que o coloca, dentro o exercício arbitrário da a insegurança quanto são mais razoável a que cimento significa que os contratantes devem do vínculo contratual, numa posição de pre- livre estipulação de cláu- se chega diante do com- fornecer mutuamente todas as informações eminência fática em relação ao empregado. sulas ou legitima a teoria ao futuro.” promisso do novo diplo- e detalhamentos sobre o negócio, como diz Esses poderes nascem com a celebração do da aparência. ma civil no resgate do Jorge Cesar Ferreira da Silva: “São, portanto, contrato de trabalho,no qual encontram limi- valor ético. deveres que visam a permitir que as partes tes, uma vez que o empregado se acha em É o dever ético de tenham, na medida do possível, a exata di- estado de subordinação jurídica em face do comportamento reto, leal para com os inte- O princípio pode ser desdobrado em al- mensão das condicionalidades específicas da empregador. Por isso, o ordenamento justra- resses do outro contratante, tendo por funda- guns deveres (chamados de deveres secun- relação, podendo com isso melhor projetar balhista lhe confere as tarefas de organiza- mento a confiança recíproca que um deposita dários ou laterais de conduta), os quais, em- seus própriosfuturos” (2009). Assim, o empre- ção, direção, fiscalização, além do poder hie- no outro no senso de que devem agir sempre bora não se refiram diretamente ao objeto gado ao ser admitido deve imediatamente rárquico e disciplinar sobre o obreiro. A este, de acordo com as intenções manifestadas da prestação, a ele dizem respeito indireta- ser informado de que vai trabalhar em local por seu turno, cabe aobediência, colabora- e vertebralizadas nas cláusulas do ajuste. O mente, a saber: a) dever de proteção; b) de- ou atividade perigosa, se for o caso. ção, diligência e fidelidade para com aquele. elemento confiança, assim, atua de maneira ver de lealdade e colaboração; c) dever de Situação polêmica é a da empregada grá- a diminuir a complexidade das relações con- informação. O primeiro induz à proteção do vida que, contratada para atender necessi- Ora, no manejo desses poderes, o empre- tratuais, reduzindo, para o sujeito, a insegu- patrimônio e da pessoa do outro contratante. dade transitória derivada de substituição de gador deve, além de observar as leis trabalhis- rança quanto ao futuro. Com ela, a parte tem Ele pode ser ilustrado no caso de responsabi- pessoal permanente da empresa, por sessen- tas e as cláusulas do contrato, sempre pautar condições de projetar sua ação conforme um lidade pré-contratual, hipótese em que não é ta dias, apresenta no trabalho, após a admis- sua atuaçãopela boa-fé, uma vez que o res- conjunto relativamente pequeno de possibili- confundido com o dever principal da presta- são e antes de iniciar o labor, laudo médico peito ao cumprimento da legislação laboral dades, excluindo do seu planejamento aquilo ção. Assim, se todas as tratativas forem enta- (com data anterior à admissão) reportando depende da empresa. Do mesmo modo que em que confia – mais do que espera – que buladas para a concretização do contrato de risco à gravidez e recomendando repouso o seu uso ou o abuso pode comprometer a não acontecerá (SILVA, 2009). trabalho, e ocorrer de o trabalhador inclusive absoluto à obreira por noventa dias. própria existência do vínculo trabalhista. É o deixar de lado outra oferta de emprego, e a caso do empregador que não paga as horas O Código Civil de 2002 inovou mais uma empresa desistir, sem justificativa, da celebra- Nesse caso, o princípio da boa-fé entra em extras realizadas por seus empregados. Além vez ao adotar a teoria da boa-fé objetiva. Dis- ção do negócio jurídico, pode-se considerar tensão com o direito à estabilidade no em- de estar descumprindo a Constituição da Re-
146 147 pública e o contrato, revela um proceder que ta. A boa-fé, portanto, configura um elemento Art. 423 Quando houver no con- Com relação ao artigo 424, ocorre verda- rompe a confiança que o empregado nele intrínseco ao contrato de emprego, na medida trato de adesão cláusulas ambíguas deira inovação da ordem jurídica, pois o diri- depositava de que deve adimplir suas obriga- em que, limitando a autonomia da vontade das ou contraditórias, dever-se-á adotar a gismo contratual que contempla impede que ções salariais fixadas na celebração do ajuste. partes, resgata o conteúdo ético da relação ca- interpretação mais favorável ao ade- o exercício da autonomia da vontade atinja pital-trabalho. rente. a esfera dos efeitos inatos e naturais do ajus- Embora o empregado não detenha po- Art. 424 Nos contratos de adesão, te, para neutralizá-los. Note-se que a norma der disciplinar sobre o empregador, em casos 4. A boa-fé na interpretação do contrato são nulas as cláusulas que estipulem é afeta aos contratos de adesão e visa evitar como o acima, a ordem jurídica lhe faculta es- de trabalho a renúncia antecipada do aderente a que o poder econômico retire do contrato grimir o jus resistentiae, mediante o qual pode direito resultante da natureza do ne- disposições que são de sua natureza intrínse- se negar, juridicamente amparado, a cumprir A mesma ideia de boa-fé preside a interpre- gócio. ca. É o caso, por exemplo, do contrato de tra- ordens ilegais ou que extrapolem os limites do tação dos contratos, como se constata do artigo balho de um empregado que preveja que a que foi contratado. O artigo 483 da CLT apre- 113 do novo códex, que dispõe: “Os negócios O artigo 423 positiva na lei civil algo mui- empresa não manterá o plano de saúde caso senta o rol de procedimentos patronais que jurídicos devem ser interpretados conforme a to próximo à definição do princípio trabalhis- este venha a sofrer um infortúnio relacionado possibilitam ao empregado denunciar o con- boa-fé e os usos e costume do local da celebra- ta do in dubio pro misero, segundo o qual, ao trabalho. Tal disposição impõe ao traba- trato de trabalho imputando a culpa ao empre- ção.” Este dispositivo já está albergado no artigo na interpretação da lei, havendo dúvida fun- lhador uma renúncia a direito (cobertura do gador, hipótese em que vai receber todos os di- 422 quando se refere à execução do contrato. O dada sobre seus termos, deve-se optar pela plano de saúde) resultante da própria essên- reitos resilitórios como se o seu contrato tivesse Código não deixa dúvida de seu compromisso interpretação mais favorável ao destinatário cia do negócio, cuja finalidade é justamente sido rompido pela empresa. com a ética negocial. Assim, com esteio no prin- da norma laboral, o ampará-lo em caso de cípio da boa-fé, na interpretação das cláusulas empregado. Este, que doença. Pelo lado do empregador, o artigo 482 elen- do ajuste é preciso ater-se mais à intenção do até então constituía “Percebe-se, pois, ca os diversos tipos de condutas que podem que ao sentido literal da linguagem e, em prol um princípio de Direito nitidamente, O dispositivo em tela levar à aplicação de punição ao empregado do interesse social de segurança das relações ju- do Trabalho, cunhado comina de nulidade, faltoso, dentre elas, como a mais grave, a jus- rídicas, as partes deverão agir com lealdade e pela doutrina, agora o movimento bastante como sanção civil, a ino- ta causa.Esseinstituto parte da premissa de confiança recíprocas, auxiliando-se mutuamen- ganha status de norma expressivo de um Direito bservância de seu precei- rompimento grave da fidúcia depositada pela te na consecução dos fins do contrato. legal para abarcar tam- privado formal e to, como aliás faz a CLT empresa no empregado, como se constata da bém a interpretação quando deseja proteger sua própria definição: todo ato doloso ou cul- Na realidade, quando se fala em interpre- das cláusulas contra- individualista, para um algum direito laboral. É o posamente grave capaz de abalar a confiança tação do contrato na senda laboral, poucas tuais. Percebe-se, pois, Direito social de caso do artigo 9º da CLT, e a boa-fé depositada no empregado, tornando normas próprias se apresentam, como são os nitidamente, o movi- que preceitua que: “Se- impossível a manutenção do contrato de traba- casos do princípio do in dubio pro misero e a mento bastante ex- cunho material.” rão nulos de pleno direito lho (Evaristo de Moraes, citado por SÜSSEKIND, de que nenhum interesse de classe pode se so- pressivo de um Direito os atos praticados com o 2011). brepor aos interesses da sociedade. Mas ago- privado formal e indivi- objetivo de desvirtuar, im- ra, o artigo 422 traz mais um paradigma legal dualista, para um Direi- pedir ou fraudar a aplica- Assim, o artigo 422 tem perfeita adaptação para a interpretação trabalhista. Vale lembrar to social de cunho material. O velho Direito ção dos preceitos contidos na presente Con- na seara laboral, consolidando em definitivo que dois outros dispositivos9 foram criados pelo Civil patrimonialista, que fazia escárnio das solidação”. a noção de que o contrato de trabalho rende novo Código e que têm relação direta com o questões sociais que se escondiam por de- ensejo a uma duplicidade de espécies de deve- tema em análise.São os artigos 423 e 424, que trás das formas oitocentistas do Código Civil, O próprio princípio da boa-fé, no seu aspecto res: os de prestação e os genéricos de condu- preconizam: sucumbe para dar passagem às exigências de cumprimento do ajuste avençado, determi- de uma ordem jurídica onde a justiça não na que o acordo deve ser cumprido em respeito 9. Os artigos 187 e 309 do novo Código Civil são outros exemplos da preocupação ética que informou o legislador donovo Código Civil. significa apenas um parâmetro inalcançável, aos interesses recíprocos e contrapostos das par- Art. 187 –“Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico mas uma exigência social de concretização tes. A exigência social de segurança jurídica nas ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes”; art.309 –“O pagamento feito de boa-fé ao credor putativo é válido, ainda provado depois que não imediata. relações sociais constitui um imperativo ético e era credor”.
148 149 jurídico (para ambas as partes do contrato), sem o trabalho, parâmetros importantes para se o qual o contrato seria uma pantomima, sem identificar a sua função social. nenhum prestígio ou eficácia. Pelo princípio da força obrigatória dos contratos, estes devem ser A regra de conduta adequada ditada pela fielmente cumpridos, sob pena de execução em boa-fé objetiva tem perfeita adaptação na face da parte inadimplente. seara laboral, pois consolida em definitivo o contrato de trabalho como uma pluralidade Não se quer com isso dizer que o princípio de deveres: os de prestação e os genéricos da força obrigatória é absoluto, muito ao con- de conduta. Com isso, podemos asseverar trário, se nos contratos de execução continua- que a boa-fé configura, a um só tempo, um da, como o contrato de trabalho, a prestação direito fundamental dos contratantes e um de uma das partes tornar-se excessivamente elemento intrínseco ao contrato de trabalho, onerosa, com extrema vantagem para a outra, pois, ao limitar a autonomia da vontade das em virtude de acontecimentos extraordinários partes, resgata o conteúdo ético da relação e imprevistos, poderá o devedor pedir a sua empregatícia. resolução do mesmo (478, NCC). No caso, o contrato de trabalho, que é feito para durar, Bibliografia não é resolvido, mas sim adequado às novas circunstâncias. MELLO, Adriana Mandim Theodoro. A fun- ção social do contrato e o princípio da bo- A interpretação contratual trabalhista não a-fé no novo Código Civil Brasileiro, in Re- pode olvidar o princípio da boa-fé como regra vista Jurídica n. 294, abril/2002. hermenêutica, a fim de permitir que o contrato A crise do sindicato no Brasil de trabalho atinja sua finalidade socioeconô- PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições mica . Deve-se levar em conta a vontade indi- de Direito Civil. Rio de Janeiro: Gen, v. 1, vidual temperada pela necessidade de forjar 2013. em uma perspectiva kantiana justiça contratual. Tudo isso articulado com o dever de respeito recíproco aos interesses dos ROSENVALD, Nelson et ali. Curso de Direi- contratantes. Daí se consegue compreender a to Civil, Bahia: Juspodium, v. 4, 2014.. necessidade de tutela legal dos contratos de Paulo Renato Fernandes da Silva* adesão e de se imantar certas cláusulas contra- SILVA, Jorge César Ferreira. A boa-fé e a tuais como irrenunciáveis. violação positiva do contrato. Rio de Janei- ro: Renovar, 2009. Conclusão Resumo: O trabalho se propõe a investigar Summary: The study aims to investigate o chamado paradoxo sindical brasileiro, atra- the so-called Brazilian union paradox, throu- A experiência do ordenamento jurídico vés de uma perspectiva jurídico-constitucio- gh an articulated legal and constitutional laboral demonstra que o papel do Estado é nal articulada com uma análise do contexto perspective to an analysis of paternal context o de assegurar que o contrato de trabalho, pátrio a partir da teoria do imperativo categó- from the theory of the Kantian categorical im- como instrumento de intercâmbio de opera- rico Kantiano. perative. ções econômicas de produção, constitua um meio de alcançar a democracia, o solidaris- * Doutorando em Ciências Jurídicas pela Universidade Federal Fluminense - UFF. Mestre em Direito Empresarial pela Universidade Candido mo e a justiça nas relações entre o capital e Mendes. Formado em Ciências Jurídicas pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro - PUC-Rio. Advogado e Professor de Direito do Trabalho do Departamento de Ciência Jurídicas da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro - UFRRJ. E-mail: [email protected]
150 151 Palavras-chave. Sindicalismo. Crise. Possi- monia normativa tendo em vista que o consti- tonomia sindical, por seu turno, potencializa a lhadores, podados em suas possíveis funções bilidades argumentativas. Imperativo Kantia- tuinte de 1988 manteve em vigor no direito pá- estruturação e a força da organização sindical, representativas e assistenciais. Enfim, em mui- no. trio os vetustos institutos da unicidade sindical a unicidade sindical forja entes monopolizado- tos casos, são criados verdadeiros feudos nos (artigo 8º, II, CF/88), da organização monolítica res da vontade da categoria, adelgaçando a sindicatos, dominados sistemática e historica- Introdução dos trabalhadores em categorias profissionais participação democrática no seu interior. mente por grupos de interesses que se valem (artigo 8º, II, CF/88), do poder normativo da do sistema como forma de manutenção do po- O presente artigo pretende desenvolver Justiça do Trabalho (artigo 114, CF), da repre- Neste contexto, o princípio da liberdade as- der e de privilégios. uma análise dos problemas que solapam o sentação classista no judiciário laboral (chama- sociativa também é combalido pelo instituto sindicalismo no Brasil a partir de um enfoque dos juízes classistas ou leigos – artigo 115-117, da contribuição sindical compulsória dos tra- Em recente matéria publicada no jornal O baseado na teoria filosófica de Emmanuel CF/88) e da sobrevida da famigerada contri- balhadores, que passam à Globo, de 25 de agosto Kant (1724/1804), dentro de uma perspecti- buição sindical compulsória (antigo imposto condição de financiadores de 2015, denominada va crítica e dialética. sindical, artigo 8, IV, CF/88). obrigatórios de entidades “No entanto, “O clube do milhão dos das quais não participam, sindicatos”, revelou que 1. O paradoxo sindical brasileiro. Parte dos institutos acima foi expurgada da nem querem dela parti- os comerciários são só o Sindicato dos Co- Carta Política pelas reformas constitucionais cipar. Todo empregador uma das categorias merciários de São Paulo A Constituição Federal - CF/88 conferiu inu- promovidas pelas Emendas Constitucionais tem a obrigação legal de recebeu no ano passado sitado protagonismo jurídico aos entes sindi- 24/1999 (artigos 115 a 117, CF/88) e 45/2004 descontar um dia de salá- profissionais no Brasil R$29,7 milhões de reais cais, especialmente aos sindicatos profissionais, (artigo 114, CF), que proporcionaram, respecti- rios dos seus empregados, mais sujeitas a excesso a título de contribuição representativos dos interesses dos trabalhado- vamente, a extinção das figuras dos represen- no mês de março da cada de horas de trabalho sindical obrigatória. res. tantes classistas, tanto dos trabalhadores como ano, e repassar o valor dos empregadores, bem como mitigou o po- correspondente, no mês por dia...” No entanto, os co- Constituem exemplos desse novo quadro 1 de abril, para que os sin- merciários são uma das der normativo da Justiça do Trabalho. normativo a compilação dos princípios da au- dicatos (60%), federações categorias profissionais tonomia sindical (artigo 8º, I, CF/88), da liber- Com efeito, pela interpretação dominante (15%), confederações (5%) no Brasil mais sujeitas a 2 dade associativa (artigo 8º, V, CF/88), do poder na doutrina e na jurisprudência, sobrevivem no e as centrais sindicais (10%) excesso de horas de tra- 3 normativo dos instrumentos jurídicos negocia- sistema normativo de direito coletivo brasileiro, recebam os seus respectivos montantes. balho por dia, com salários médios próximos dos (convenções coletivas e acordos coletivos portanto, os institutos da unicidade sindical, da ao salário mínimo e com menos benefícios co- de trabalho - 7º, XXVI, CF/88), substituição organização monolítica dos trabalhadores em Assim, o novo regime jurídico brasileiro man- letivos de trabalho. processual ampla da categoria (artigo 8º, III, categorias profissionais e da contribuição sindi- teve em parte o antigo modelo corporativo de CF/88) e a ampliação e potencialização do di- cal compulsória. organização sindical (chamado de regime da No Rio de Janeiro, o Sindicato dos Comerci- reito de greve (artigo 9º, CF/88). Era Vargas), baseado na unicidade sindical e no ários está sob intervenção judicial da Justiça do É justamente este sistema marcado pelo sin- atrelamento institucional e sistemático dos sin- Trabalho. A diretoria foi afastada e seus mem- Esse verdadeiro salto de qualidade do siste- cretismo de modelos de organização sindical dicatos ao Estado. bros estão sendo investigados criminalmente ma de Direito Coletivo do Trabalho, entretanto, (novos e antigos), que caracteriza o denomina- por suspeita de corrupção e formação de qua- restou comprometido em sua inteireza e har- do paradoxal sindical brasileiro. Enquanto a au- 2. Constatação do cenário atual da crise drilha, dentre outros crimes. Há notícias de que sindical os diretores recebiam salários mensais em tor- no de R$50.000,00, muitos deles integrantes de 1. Os tribunais do trabalho, desde a entrada em vigor da Emenda Constitucional n. 45/04, assumiram a posição de tribunais com feição Esse modelo normativo heterogêneo tem uma mesma família que preside a entidade há arbitral, uma vez que, agora, só podem se pronunciar sobre dissídios coletivos de natureza econômica, caso ocorra o mútuo consentimento dos forjado sindicatos esvaziados, desconectados várias décadas. atores coletivos (sindicatos, na sua maioria) no sentido de aceitarem a via estatal de solução do conflito. das reais demandas e necessidades dos traba- Recentes movimentos de trabalhadores 2. A jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho - TST firmou entendimento segundo o qual é por lei e não por decisão judicial que as categorias diferenciadas são reconhecidas como tal (Orientação Jurisprudencial – OJ 36 da Seção de Dissídios Coletivos – SDC) pelo judiciário trabalhista. No mesmo sentido, a SDC-TST fixou a posição de que a comprovação da legitimidade processual das entidades sindicais se faz pelo seu registro no órgão competente do Ministério do Trabalho e Emprego, mesmo após a Constituição Federal de 1988 (OJ n. 15) 3. Os outros 10% são destinados à conta emprego e salário da União Federal.
152 153 7 vêm eclodindo à margem da representativi- sindicato patronal para legitimar e justificar O judiciário e o MPT não perceberam que, Grandes acidentes (explosões em na- dade formal dos sindicatos obreiros, o que, o negociado. Vale dizer, ambos os sindicatos no caso, o sindicato estava afastado dos inte- vios, desabamentos em obras, assédios mo- de certo modo, denuncia a falência do siste- afinaram e convergiram seus discursos para resses da categoria, e que esta, na realidade, ral e sexual sistematizados, terceirizações ma atual. Por conta deste desencontro entre manter um instrumento coletivo contrários estava sozinha se antepondo ao empregador ilegais em larga escala, violações às normas os interesses sindicais e os de algumas cate- aos interesses dos trabalhadores. e ao próprio sindicato de empregados. de meio ambiente de trabalho etc.) e lesões gorias profissionais, a grande mídia assume trabalhistas em geral poderiam ser evitadas 4 posições ainda mais polêmicas, na medida O poder judiciário trabalhista, instado a se A jurisprudência especializada atua mui- se significativa parte dos sindicatos não fosse em que tende a buscar culpados e até a cri- manifestar sobre o caso pelo Ministério Públi- tas vezes no sentido de, não só reproduzir, constituída por meros agentes produtores de minalizar situações reveladoras de exercício co do Trabalho - MPT, adotou uma posição mas de conferir tratamento restritivo e bas- instrumentos coletivos negociados, deixando de direitos fundamentais. bastante conservadora e legalista, entenden- tante conservador quanto ao tema em tela. os trabalhadores (associados ou não) reféns e do que o movimento paredista espontâneo O Direito Coletivo do Trabalho, dessa forma, vítimas de abusos de toda ordem. Mas esta não é uma situação isolada no era abusivo ante a celebração do acordo co- vivencia há muitos anos um estado de crise país. Em muitos casos os interesses dos tra- letivo pelo sindicato obreiro. permanente, especialmente no tocante ao Tudo isso potencializa o descumprimento balhadores não são acolhidos ou defendidos modelo sindical que padece de questiona- sistemático das normas fundamentais de pro- adequadamente pelo sindicato profissional. mentos quanto a legitimidade das entidades teção ao trabalho, e , por conseguinte, o re- Por vezes o ente representativo dos emprega- de representação dos trabalhadores, o que flexo ingresso de centenas de milhares ações dos se alinha com o empregador contra seus pode ser evidenciado pelo baixíssimo nível trabalhistas individuais na Justiça do Traba- representados. 5 lho todo ano, para a reparação de direitos de associados a seus quadros. das mais variadas espécies. Exemplo insólito ocorreu no contexto No final do conflito foi celebrado um novo da greve dos garis da Companhia Munici- acordo coletivo atendendo aos pleitos dos Por outro lado, paira, ainda, no ordena- pal de Limpeza Urbana do Rio de Janeiro grevistas, inclusive, com aumento salarial mento jurídico uma noção de certo modo – COMLURB, no ano de 2014. O sindicato (37%) acima do entabulado pelo sindicato limitadora do papel que o sindicato pode 6 profissional celebrou um acordo coletivo de dos trabalhadores anteriormente. exercer em uma sociedade aberta e demo- trabalho com a empresa, mas os trabalha- crática do terceiro milênio. É que as grandes dores da base perceberam que o ajuste não Sindicatos sem legitimidade e desconecta- transformações sociais e econômicas, em vir- era bom, embora tenha sido aprovado em dos das bases laborais são caminhos abertos tude dos fenômenos da globalização e da re- assembleia da categoria. para inúmeras lesões a direitos trabalhistas volução tecnológica, decorrente da informa- de natureza fundamental, pois o trabalhador tização e da robótica, geraram importantes Passaram, então, a protestar contra o acor- isoladamente não tem condições de se con- impactos sobre as relações de trabalho, uma do coletivo, a deflagrar greves espontâneas trapor ao abuso do poder empregatício do vez que os processos produtivos e a tecnolo- (independente do sindicato obreiro) e a es- empregador. gia rapidamente se amoldaram ao novo pa- tabelecer tratativas diretamente com o em- pregador. 5. Os dados oficiais do Ministério do Trabalho e Emprego (www.mte.gov.br) apontam para em torno de 10% o índice de filiação sindical Para surpresa de muitos, o sindicato pro- de trabalhadores no Brasil. fissional passou a defender o acordo coletivo 6. “A paralisação dos garis do Rio, que durou oito dias e deixou toneladas de lixo espalhados pela cidade durante o Carnaval, foi encer- rada na noite deste sábado (8) após os trabalhadores negociarem com a prefeitura um aumento de 37% no salário-base da categoria, que passará com os mesmos argumentos utilizados pelo de R$ 803 para R$ 1.100. O acordo, firmado entre a comissão de greve e a prefeitura, foi intermediado por representantes do Ministério Público do Trabalho e do Tribunal Regional do Trabalho. A reunião durou cerca de quatro horas e meia. Além do aumento, os garis conseguiram a garantia de que nenhum funcionário será demitido– durante a greve, a Comlurb havia anunciado a demissão de 300 grevistas- e um reajuste no valor do ticket alimentação, que passou de R$ 12 para R$ 20 diários. Dos 15 mil garis do Rio, 70% aderiram a paralisação, segundo a categoria, e voltarão 4. O poder judiciário incide no mesmo padrão de conduta punitiva dos movimentos sociais e sindicais anômalos, aplicando velhas e imediatamente ao trabalho.” Notícia extraída da Folha de São Paulo, de 08/03/14. superadas receitas legais, olvidando da necessidade de novos enquadramentos jurídicos, correndo o risco de ver suas decisões caírem em descré- 7. O jornal O Globo, de 12/02/15, noticiou a morte de três empregados terceirizados da Petrobrás vitimados por uma explosão em um dito e serem ignoradas. navio-plataforma da empresa, apenas como exemplo de uma rotina injustificável.
154 155 9 norama mundial, submetendo o trabalhador A teoria da moral Kantiana até hoje influên- dos elementos que lhe permitem promover co da razão, isto é, deveriam levar em conta as e as suas entidades representativas a novos cia a filosofia do direito. Com a reaproximação sua própria percepção da verdade. regras morais encimadas. 8 desafios. da esfera moral do círculo jurídico-normativo, propiciada pelo neoconstitucionalismo (que Diante desse contexto, e a fim de pautar o Para a convivência social ser viável, o ho- Esse quadro normativo rende ensejo a uma traduz a aplicação da teoria dos direitos funda- comportamento humano dentro de uma con- mem deve, a partir de sua capacidade racio- verdadeira crise de representatividade (talvez mentais ao Direito Constitucional e sua pene- cepção que tenha o homem como um fim em nal, conter a sua liberdade individual e se col- seja melhor falar em crise de legitimidade) dos tração transversal na ordem jurídica infraconsti- si mesmo, e não como meio ou coisa (a pes- matar às máximas da moralidade, que devem sindicatos profissionais, o que é constatado tucional brasileira), a questão da moralidade e soa “pertence ao reino dos fins”), Kant desen- ser incorporadas aos regimes jurídicos. Por isso, pelos baixíssimos índices de filiação espontâ- da dignidade humana está na pauta das discus- volve o imperativo categórico como método Kant assevera que o direito é o braço armado nea a estes. sões mais importantes do direito hodierno. para verificar se a diretriz da conduta é correta, da moral e que uma boa Constituição é uma se está dentro da moral. ferramenta capaz de promover condições pro- 3. A possibilidade de Para Kant a dignida- pícias à ação moral. adoção de um interpre- “Neste sentido, de humana não é uma São três as regras que compõem o imperati- tação evolutiva, lastrea- o trabalho filosófico dádiva divina haurida vo categórico, a saber: a) age de tal modo que Como destaca Gilvan Hansen “A moral implica da nos princípios kantia- desenvolvido por de forma religiosa, e sim tua ação sirva de modelo aos demais (que a num conjunto de princípios racionais auto-referen- nos uma conquista derivada sua conduta corresponda a uma máxima mo- tes (positivos ou negativos) que devem orientar a Immanuel Kant pode da capacidade racional ral, que possa ser transformada em lei univer- definição de normas a partir de uma perspectiva A possibilidade de mu- 10 ajudar a descortinar um e autônoma de cada sal); b)age de tal modo que trates a humanida- universal, tendo como referência a justiça.” dança normativa ou de pessoa (é o maior valor de, tanto na sua pessoa, como na de qualquer novas interpretações dos novo quadro interpretativo humano), o que elevou outro, como um fim em si mesma, jamais Para a filosofia kantiana, liberdade, raciona- institutos jurídicos, no atu- para o problema do o ser humano ao topo como meio (qualquer conduta ou omissão que lidade e moralidade constituem a síntese dos al contexto de mudança paradoxo sindical da escala zoológica. reduza o homem à condição de coisa viola fundamentos éticos que conferem substância à dos paradigmas da teoria esse imperativo); e c) age de tal maneira que a noção de dignidade humana. do direito, rende ensejo brasileiro.” No contexto de sua tua ação seja a de um legislador universal (as para se ousar e buscar no- perspectiva transcen- máximas da moralidade valem para todos, tem vos enfoques jurídicos so- dental (do conhecimen- o mesmo valor para todos, afastando dúvidas bre o tema. to enquanto condição de possibilidade de fazer e privilégios, o que implica em uma vigilância algo), Kant reconhece que o ser humano é da- crítica e permanente às regras morais). Neste sentido, o trabalho filosófico desen- tado de um aparato cognitivo (que chama de volvido por Immanuel Kant pode ajudar a des- “ser humano racional”), traduzido em uma ra- Os mandamentos da lei moral são transfor- cortinar um novo quadro interpretativo para o zão enquanto capacidade a ser desenvolvida, mados em imperativos para serem observados problema do paradoxo sindical brasileiro. é a noção de capacidade racional. por todos, como um princípio de validade uni- Logo, o ser humano não é uma tábua rasa, versal da conduta humana. As regras de com- Kant foi um filósofo alemão (1724-1804) que tem capacidade racional (cognitiva) que parte portamento moral devem pautar o convívio proporcionou grande contribuição à filosofia da experiência, mas não se limita a ela, pois ga- do homem em família, no trabalho, no lazer, moderna ao identificar no ser humano um arco nha autonomia própria na busca do conheci- enfim, em sociedade. Isso explica porque, para de liberdade que o torna sujeito de seu próprio mento. Por isso, afirma o filósofo alemão, que o Kant, as leis deveriam ser produto do uso públi- existir, dotado, portanto, de dignidade. ser humano não é neutro, enquanto portador 9. O uso público da razão deriva de uma opinião pública crítica e partícipe dos debates sociais, portando senhora do seu destino. Do 8. Institutos como a greve, a unicidade sindical, a negociação coletiva e o enquadramento sindical por categoria profissional merecem contrário, as normas jurídicas se transformam em meio de dominação, deixando de lado sua face de meio de emancipação da sociedade. de há muito um novo e revigorado exame em perspectiva dos princípios constitucionais e universais em tempos de neoconstitucionalismo, em 10. HANSEN, Gilvan Luiz. Conhecimento, verdade e sustentabilidade: perspectivas ético-morais em cenários contemporâneos. In REBEL particular aprofundando a irradiação normativa da noção democrática. GOMES, Sandra Lúcia; NOVAIS CORDEIRO, Rosa Inês.
156 157 É a capacidade racional que permite ao damento da proteção holística da dignidade Art. 8º É livre a associação profissio- 3.2. A contribuição sindical compulsória homem optar por garantir a sua liberdade humana com todo o seu suporte axiológico nal ou sindical, observado o seguinte: e o enquadramento sindical monolítico através da observância das máximas da mora- contido nas máximas do imperativo categó- ..................................................... lidade. A razão elabora os conceitos do bem rico. II - é vedada a criação de mais de O financiamento obrigatório dos entes sin- e do mal, conferindo-lhes caráter de normas uma organização sindical, em qual- dicais por todos os trabalhadores integrantes morais universais (valem para todos), garan- Percebe-se, dessa maneira, que o direito e quer grau, representativa de categoria da categoria profissional, filiados ou não ao tindo, por conseguinte, a convivência huma- amoral nunca estiveram afastados, pois não profissional ou econômica, na mesma sindicato, é outro ponto marcante do mode- na harmoniosa em sociedade, na medida em se constituem em círculos valorativos-cultu- base territorial, que será definida pe- lo corporativo não democrático, porquanto que estabelece os espaços e regras sociais rais diferentes e autônomos. Antes, a esfera da los trabalhadores ou empregadores arrosta as liberdades públicas mais básicas que devem presidir as relações interpessoais normatividade estatal, impositiva das regras interessados, não podendo ser inferior dos trabalhadores, como a liberdade de as- (a moralidade é estabelecida nas relações do de bem-viver, pressupõe e visa a concretizar à área de um Município; sociação. homem com o outro). as máximas da moral contidas no imperativo categórico. No caso do paradoxo sindical brasi- A concepção em tela, 14 entretanto, não se Daí porque Kant diz que a moralidade é leiro, pode-se divisar alguns aspectos mais im- harmoniza com a noção de dignidade huma- 11 que assegura e na, porquanto o direito fundamental do tra- uma conquista do homem, portantes para sua exata compreensão. Come- balhador de liberdade de escolha para qual pavimenta sua existência como sujeito de seu cemos pelo problema da unicidade sindical. sindicato deseja se filiar (ou mesmo a liber- destino, capaz de pensar, de criar, agir por dade de criação de novos entes) é injustifica- conta própria, interagir e respeitar o outro e 3.1. O problema da unicidade sindical damente represado, à guisa de manutenção de transformar a realidade em seu derredor. de um modelo que não atende a concepção O sistema da unicidade sindical foi pensado do ente como meio de proteção da vida e Neste sentido, o Estado exsurge como um 13 no início e concebido por Oliveira Vianna, das condições de trabalho dos empregados. instrumento criado pelo homem para garan- do século passado, como forma de estímulo e tir a sua liberdade de escolha (a sua digni- fortalecimento (econômico e politico) das en- O trabalhador, in casu, era tido como um 12 dade) o que é concretizado por meio das tidades sindicais, evitando a pulverização dos meio (e não fim) para a realização dos interes- normas jurídicas (liberdade nos termos da entes de representação profissional. Se na teo- ses de dominação do Estado sobre a socieda- lei), que têm o condão de compatibilizar a ria foi assim idealizado, na prática, o Governo de organizada, que é impelida e confinada a convivência do uso externo das múltiplas li- Vargas se valeu desse modelo de organização ocupar os espaços sociais determinados por berdades individuais. para promover o controle sobre o movimento este. sindical de trabalhadores, afastando a demo- Reside na proteção e na viabilização do cratização do sistema. Esse contexto histórico-normativo rendeu respeito à dignidade humana, como valor ensejo à instrumentalização do sindicato por absoluto, o fundamento central e nevrálgico A Constituição da República de 1988 man- alguns grupos voltados para a promoção de do Estado e de todo o seu aparato de normas teve o famigerado sistema do monopólio da interesses particulares e próprios destes, já jurídicas. A legitimidade do Estado, da Cons- representação sindical por categoria (unicida- que o ente sindical tem o monopólio da re- tituição e das leis repousa, portanto, no fun- de sindical), prevendo: presentação dos trabalhadores, isto é, age e negocia em nome da categoria profissional. 11. O homem não nasce com o sentimento da moralidade. A partir de sua capacidade racional vai desenvolvendo processos cogniti- vos voltados para dominar seus desejos e inclinações instintivas a fim de impor a si mesmo a observância de parâmetros éticos (são as máximas do imperativo categórico) que devem nortear a conduta das pessoas nas relações sociais. 12. Uma das muitas definições de dignidade humana parte justamente da noção de liberdade, enquanto direito fundamental de esco- 14. Ressalte-se, que, paradoxalmente, a Lei 11.648/08, inovou, parcialmente, a ordem jurídica pátria ao prever a possibilidade de haver lhas ou de autodeterminação consciente da pessoa humana, nas suas projeções profissionais, familiares, amorosas, estéticas, intelectuais, políticas, a pluralidade de centrais sindicais de trabalhadores, em que pese seu objetivo maior tenha sido reverter para estas entidades parte da contribuição corporativas etc. sindical compulsória dos trabalhadores. A nova redação do artigo 589, II, alínea “b” da CLT, dada pela referida lei, estabelece que as centrais 13. VIANNA, Oliveira . Problemas de direito sindical. Rio de Janeiro: Max Limonad Ltda, 1943. sindicais (de trabalhadores, a lei não prevê centrais de empregadores) receberão 10% da contribuição sindical anual de todos os empregados