Revista TRT v. 19 n. 19
Primeira edição da Revista TRT 10 em formato eletrônico. Publicação técnica produzida por especialistas-magistrados, advogados e servidores públicos -, que se empenham em trazer à luz reflexões sobre os temas mais atuais e controversos do Direito, em especial o Direito do Trabalho.
Vol. 19, Nº 19 - Junho de 2015 . Artigos . Acórdãos
EXPEDIENTE ............................................................................................................................ ISSN-0104- 7027 TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 10ª REGIÃO Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região v.1, n.1, 1982/1983- . – Brasília : TRT 10ª Região, 1982/83 – . PRESIDENTE v. Desembargador ANDRÉ R. P. V. DAMASCENO Bienal: 1982/1987. VICE-PRESIDENTE Anual: a partir de 1994. Desembargador PEDRO LUÍS VICENTIN FOLTRAN Publicação interrompida durante o período de 2012 a 2014. ISSN 0104-7027 DIRETOR DA ESCOLA JUDICIAL Desembargador BRASILINO SANTOS RAMOS 1. Direito do trabalho – periódicos. 2. Jurisprudência trabalhista. VICE-DIRETOR DA ESCOLA JUDICIAL Desembargador DORIVAL BORGES DE SOUZA NETO CDD 342.6 CONSELHO CONSULTIVO DA EJUD Desembargador BRASILINO SANTOS RAMOS Desembargador DORIVAL BORGES DE SOUZA NETO Disponível em formato eletrônico no site: www.escolajudicial.trt10.jus.br Desembargador GRIJALBO FERNANDES COUTINHO Juiz GILBERTO ALGUSTO LEITÃO MARTINS Juíza SUIZIDARLY RIBEIRO TEIXEIRA FERNANDES Servidora ROSEMARY DOMINGUES WARGAS COMISSÃO DA REVISTA E OUTRAS PUBLICAÇÕES DA EJUD Desembargador BRASILINO SANTOS RAMOS Desembargador DORIVAL BORGES DE SOUZA NETO Juiz FRANCISCO LUCIANO DE AZEVEDO FROTA Juíza SOLYAMAR DAYSE NEIVA SOARES Servidora ANA CRISTINA SAMPAIO ALVES SECRETARIA EXECUTIVA Servidora ROSANA DE OLIVEIRA SANJAD COORDENAÇÃO Servidora ANA CRISTINA SAMPAIO ALVES LAYOUT E DIAGRAMAÇÃO Servidor RICARDO CONCEIÇÃO BERMÚDEZ Estagiária NAYANE CORDEIRO
APRESENTAÇÃO SUMÁRIO ............................................................................................................................ ............................................................................................................................ Artigos O direito de greve dos militares sob a análise dos A relação de trabalho doméstico movimentos paredistas segundo a Emenda e das possibilidades de Constitucional 72........................... 8 modificação do texto constitucional................................. 124 Adoecimento psíquico ocupacional no Distrito Liberdade sindical e Federal e em Tocantins sob diálogosocial.................................. 135 a ótica da psicodinâmica do trabalho..................................... 19 A aposentadoria especial e o uso de equipamento de Acidente de trabalho proteção individual........................ 142 - Caracterização da responsabilidade civil das É com grande satisfação que a Escola reito do Trabalho. Por meio de Comissão construtoras e repercussões Neoconstitucionalismo: Judicial do TRT-10ª Região apresenta a pri- própria, formada por quatro magistrados e sociais............................................. 39 uma nova visão do direito............. 154 meira edição de sua Revista, com artigos uma servidora, procuramos selecionar arti- de doutrina e jurisprudência, em formato gos e jurisprudência que possam embasar A CLT invadida A competência material eletrônico. A escolha pelo conteúdo digital estudos e decisões judiciais, dando um ca- (ou domesticando a exclusão) da justiça do trabalho para tem por objetivo permitir o amplo compar- ráter utilitário à publicação. O tardio ingresso do trabalho do- julgar controvérsias tilhamento das informações, bem como méstico na CLT .............................. 56 de apólice de seguro de empregado................................ 165 contribuir para a responsabilidade ambien- De periodicidade bianual em seu primei- tal. ro ano nesse formato, a Revista do TRT-10ª Revista em bolsas e sacolas de Região pretende tornar-se referência em te- trabalhadoras e trabalhadores: Adicional de periculosidade O mundo do trabalho ganha mais uma mática e qualidade dos textos oferecidos. Afronta à dignidade para trabalhadores da pessoa humana e em motocicletas publicação técnica produzida por especia- Num contexto de grandes mudanças sociais à inviolabilidade da - Considerações acerca listas – magistrados, advogados e servidores e novos desafios, esperamos que a Revis- intimidade,..................................... 67 da lei 12.997/2014......................... 178 públicos -, que se empenharam em trazer à ta do TRT-10ª Região possa contribuir para luz reflexões sobre os temas mais atuais e a democratização do conhecimento e o O trabalho infantil e Discriminação racial e controversos do Direito, em especial o Di- aperfeiçoamento de nossas atividades. a Previdência Social....................... 86 assédio moral no trabalho............. 190 Des. Brasilino Santos Ramos A função revisora dos tribunais: As leis 12.619/2012 e Diretor da Escola Judicial QUID JURIS?................................... 94 13.103/2015 que disciplinam a profissão de motorista - Questões controversas................. 202 A teoria dinâmica da distribuição do ônus da prova e a sua aplicação no processo Acórdãos........................................ 218 trabalhista brasileiro....................... 108
ARTIGOS
8 9 Num contraponto inicial, cabe perceber ao salário, constituindo crime a retenção do- que o dispositivo original do parágrafo único losa), XIII (jornada máxima diária de 8 horas do artigo 7º da Constituição Federal enuncia- e de 44 horas semanais, facultada compen- va aplicáveis aos trabalhadores domésticos sação de horários e a redução de jornada, os direitos previstos nos respectivos incisos mediante acordo ou convenção coletiva de IV (garantia do salário mínimo), VI (irredutibi- trabalho), XVI (adicional mínimo de 50% para lidade salarial), VIII (décimo terceiro salário), as horas extraordinárias de trabalho), XXII XV (repouso semanal remunerado, preferen- (redução dos riscos inerentes ao trabalho), cialmente aos domingos), XVII (férias anuais XXVI (reconhecimento das convenções e com adicional de 1/3), XVIII (licença à ges- acordos coletivos de trabalho), XXX (proibi- tante), XIX (licença-paternidade), XXI (aviso ção de diferença de salários, de exercício de prévio proporcional ao funções e de critérios de tempo de serviço, no admissão por motivos A RELAÇÃO DE TRABALHO mínimo de 30 dias) e Todos os direitos discriminatórios – sexo, XXIV (aposentadoria), assegurados em 1988 idade, cor ou estado ci- DOMÉSTICO SEGUNDO além da integração à vil) e XXXIII (proibição Previdência Social. restam mantidos, de trabalho noturno, A EMENDA CONSTITUCIONAL 72 acrescidos agora de perigoso ou insalubre a Todos os direi- outros com vigência menores de 18 anos e tos assegurados em de qualquer trabalho a 1988 restam manti- imediata ou dependentes menores de 16 anos, sal- dos, acrescidos agora de regulamentação vo, a partir de 14 anos, Desembargador ALEXANDRE NERY DE OLIVEIRA de outros com vigên- como aprendizes). TRT 10ª Região cia imediata ou de- específica. pendentes de regula- Doutro lado, mas mentação específica, dependentes de regu- no que já se estabe- lamentação específica, lece para estes últimos que as normas ficam estendidos os direitos contidos na A Constituição brasileira recebeu, promulgada em 02 de abril de 2013 e com vigência a vigentes para os trabalhadores em geral Constituição Federal, artigo 7º, incisos II (se- partir do dia seguinte, quando publicada, sua Emenda 72, que passa a regular as relações de não se lhes aplicam porque a Emenda guro-desemprego em caso de desemprego emprego doméstico, alterando o conteúdo anterior do parágrafo único do artigo 7º da Carta Constitucional nº 72 exige a observância involuntário), III (FGTS), IX (remuneração de de Outubro de 1988, assim agora com o seguinte teor: de normas próprias que definam a simpli- trabalho noturno superior ao trabalho diur- ficação para o cumprimento das obriga- no), XII (salário-família aos dependentes, “Art. 7º. (...) ções tributárias, principais e assessórias e sendo o trabalhador de baixa renda), XXV (...) às peculiaridades da relação do trabalho (assistência gratuita aos filhos e dependen- Parágrafo único. São assegurados à categoria dos trabalhadores domésticos para a incidência doutros aspectos. tes desde o nascimento até 5 anos de idade os direitos previstos nos incisos IV, VI, VII, VIII, X, XIII, XV, XVI, XVII, XVIII, XIX, XXI, em creches e pré-escolas) e XXVIII (seguro XXII, XXIV, XXVI, XXX, XXXI e XXXIII e, atendidas as condições estabelecidas Por isso, são acrescidos aos direitos dos contra acidente de trabalho, a cargo do em- em lei e observada a simplificação do cumprimento das obrigações tributárias, trabalhadores domésticos, com vigência pregador, para permitir o benefício previ- principais e acessórias, decorrentes da relação de trabalho e suas peculiarida- imediata desde a publicação da Emenda denciário correspondente, sem prejuízo da des, os previstos nos incisos I, II, III, IX, XII, XXV e XXVIII, bem como a sua inte- Constitucional nº 72, os contidos na Consti- indenização patronal quando o patrão in- gração à previdência social.” tuição Federal, artigo 7º, incisos X (proteção correr em culpa ou dolo).
10 11 Percebo, desde logo, que a omissão con- tempo de serviço que permitiria resguardar por gerir suas casas e a cuidar de seus filhos mento de novos direitos, como emergeria do tida no artigo 7º, parágrafo único, segundo o aqueles trabalhadores com grande tempo de ou familiares mais necessitados. Ademais, FGTS obrigatório e assim do direito decorren- texto original de 1988 persiste, ainda agora casa que eram, de um dia para outro, demiti- parece-me que houve um desvio significativo te ao seguro-desemprego, sem prejuízo de com a Emenda Constitucional nº 72, em rela- dos sem receber nada além do que as verbas da rota firme empreendida nos Governos Fer- outros direitos que, paulatinamente, pode- ção ao prazo prescricional, que não se invoca rescisórias cabíveis, perdendo qualquer com- nando Henrique e Lula, quando aprovadas as riam ser, com a devida reflexão e contínua como aquele descrito para os trabalhadores pensação pelo tempo de serviço aos mes- Leis 10.208/2001 e 11.324/2006, assim alte- observância do fluxo de formalização contra- em geral contido no inciso XXIX (prazo pres- mos empregadores e, por vezes, sem novas rando a Lei nº 5.859/1972, que dispõe sobre tual, implementados. cricional de cinco anos, até o limite de dois chances de recolocação no mercado de tra- o emprego doméstico, inserindo medidas anos após a extinção do contrato de traba- balho, a elucidar, também, a falta do seguro- paulatinas para o implemento de certos di- Cabe perceber-se, sempre, que o caput lho), assim denotando que, nas relações de desemprego para essa categoria. No contra- reitos, ainda que timidamente, alguns sob a do artigo 7º da Constituição Federal, ao qual trabalho doméstico, poderia o legislador fixar ponto da maior oneração premissa de faculdade ao o seu parágrafo único se vincula, não impede prazo diferenciado, embora corrente jurispru- ao empregador domésti- empregador doméstico, que outros direitos que permitam a melhoria dencial indique que, em não se tratando a co, havia fórmulas já en- além de normas que deso- da condição social dos trabalhadores sejam prescrição de direito trabalhista, mas de ins- tão capazes de permitir neraram os empregadores deferidos além dos que expressamente exige, tituto que o restringe, incidiria o marco pres- o devido resguardo ao domésticos e permitiram inclusive porque no plano do Direito do Tra- cricional geral dos trabalhadores urbanos e trabalhador doméstico, implemento significativo balho a Constituição, conquanto norma hie- rurais contido no referido inciso XIX do artigo sobretudo nas situações nos registros de contrato de rárquica suprema, é ponto de partida para os 7º da Constituição, também aos domésticos, decorrentes de rescisões trabalho doméstico, retiran- direitos do trabalhador e não limite. já que não deixam de ser, nas suas peculia- contratuais. Doutro lado, do da informalidade muitos ridades, também trabalhadores urbanos ou à ocasião o ponto nevrál- empregados domésticos, Contudo, se a crítica poderia ter sido fei- rurais. De todo modo, penso que nada afas- gico que se estabeleceu assim garantindo-lhes não ta antes e assim agora se perfaz, seus efeitos taria a possibilidade de ter a EC 72 já corrigi- na Assembleia Constituin- apenas direitos trabalhistas, já não têm significância maior à medida que do a falha anterior e, quando menos, indicar te dizia respeito, mais, às porque estes não se apa- a Emenda Constitucional nº 72 restou apro- que os direitos assegurados aos domésticos questões alusivas à jorna- gam à falta do registro de- vada em tempo recorde nas duas Casas do observavam o contido no inciso XIX do perti- da doméstica e ao con- vido à luz do princípio do Congresso Nacional, sem maiores debates nente artigo 7º. trole de horário, tema que contrato realidade que rege nos intercursos exigidos pela própria Consti- agora empresta maior de- o Direito do Trabalho, mas tuição para ensejar as reflexões pertinentes, Ao estabelecer o comando dos direitos bate em decorrência da assegurando-lhes direitos já assim vigente desde 03 de abril de 2013, dos trabalhadores urbanos e rurais, a Carta Emenda Constitucional previdenciários, sem pre- quando publicada. de Outubro de 1988 havia distinguindo os nº 72, sobretudo pela per- juízo daquel'outros direitos trabalhadores domésticos por considerar, plexidade de como controlar-se a jornada no trabalhistas que sequer eram previstos no Cabe, doravante, analisarmos os efeitos com acerto, que os empregadores domésti- ambiente doméstico. Parece-me, contudo, parágrafo único do artigo 7º da Constituição cotidianos das novas medidas nas relações cos não se podiam situar no mesmo patamar que, nesse particular, o constituinte derivado Federal e que passaram a integrar o elenco domésticas de trabalho. que outros empregadores, sobretudo empre- poderia ter ido em medida a garantir a jor- direitos aplicáveis ou possíveis de aplicar às sas, dadas as peculiaridades das relações de nada semanal, sem afastar o regramento das relações de trabalho doméstico. A oneração emergente da Emenda Cons- trabalho no âmbito doméstico. jornadas diárias ao ajuste entre patrões e em- titucional nº 72, é certo, transparece mais, pregados domésticos, dadas as peculiarida- Penso, portanto, que medida mais salutar de imediato, no aspecto das horas extras de- Não tenho dúvidas de que os avanços al- des que regem tais relações, sobretudo aque- seria prosseguir com a contínua regulamen- vidas, e, logo mais adiante, no implemento cançados então pelo ordenamento contido la que denota uma sobreposição necessária, tação infraconstitucional para a desoneração ao custeio do fundo de garantia por tempo no parágrafo único do artigo 7º da Constitui- por vezes, de modo a garantir que os empre- contínua dos empregadores domésticos e a de serviço, decorrendo, no pertinente à jor- ção poderiam ter sido desde 1988 maiores, gadores possam, igualmente, trabalhar, en- estimulação à formalização dos contratos de nada, sobretudo a perplexidade daqueles como a extensão do fundo de garantia por quanto os empregados domésticos acabam trabalho doméstico, atraindo ainda ao imple- que dependem de uma jornada diária mais
12 13 estendida do trabalhador doméstico para fa- Não tenho, com a devida vênia de quem um preocupante rompimento do pa- zer frente a cuidados, sobretudo, com crian- assim empresta valor a tal assertiva, o ideal radigma de formalização dos contra- ças, idosos, doentes e pessoas portadores de de que a Emenda Constitucional nº 72 simbo- tos de trabalho e do afastamento dos necessidades especiais. Com efeito, há que liza a segunda fase da abolição da escravatu- patrões para a busca de trabalhado- se perceber, parecendo não ter sido antes ra, não compartilhando da imagem fácil que res eventuais, desprovidos de maiores assim percebido, que a jurisprudência tra- se tem dado na mídia de que os empregados direitos, enquanto senhores de si pró- balhista há muito tem enquadrado aqueles domésticos são escravos de seus emprega- prios na exigência contributiva à Pre- envolvidos nas atividades de babás ou cui- dores, porque então se deveria ter a premis- vidência Social e no assegurar valores dadores, inclusive ou ainda quando deten- sa de que a Constituição de 1988, dita então de reserva para que possam ter des- tores de conhecimentos de enfermagem como Carta da Cidadania, nada mais seria cansos semanais ou anuais, preocu- básica, técnica ou superior, também como que, para muitos grupos, mera falácia. pações longe daqueles empregados empregados domésticos, já que o concei- domésticos regulamente registrados. to transpassa para todos Não significa dizer, que desempenham co- Cabe, doravante, doutro lado, que neste Ademais, fosse a estabelecer uma tidianamente trabalho País não haja trabalha- ruptura geral da condição de traba- no ambiente domésti- analisarmos os dores domésticos sub- lhadores domésticos, cabe perguntar co em prol da família. metidos a condições o por quê de não se ter emprestado toda a sem desqualificar os efeitos dos contratos en- Nessa perplexidade de efeitos cotidianos impróprias de trabalho, extensão do contido no artigo 7º da Cons- tão vigentes quanto ao ajuste do salário em como resolver as situa- das novas medidas mas isso se percebe, tituição a tal categoria, no que o parágrafo relação à jornada média estabelecida entre ções surgidas com a EC sobretudo, naqueles único seria algo do passado. Com efeito, as- patrões e empregados domésticos, porque 72, espero ter as respos- nas relações rincões em que o Esta- sim não foi porque ainda se percebeu, como doutro lado seria considerar-se, então, de tas adequadas para que do não se apresenta ou em 1988, que as relações domésticas, seja modo totalmente inadequado, que os tra- os transtornos ou sofri- domésticas nas situações em que a no campo ou na cidade, guardam distinções balhadores domésticos trabalhavam certas mentos aparentes dessa de trabalho. informalidade se sobre- em relação àquelas dos trabalhadores em horas sem qualquer remuneração, quando o oneração repentina não põe, solapando direitos geral, dado o ambiente familiar, de confian- efeito decorrente da Emenda Constitucional se transformem, ainda trabalhistas e previden- ça e informalidade cotidiana que se reveste, é considerar, apenas, que aquelas horas an- mais, como já se tem ciários legítimos, não ao contrário do ambiente das empresas em tes pagas de modo simples, quando percebi- indicado na mídia, na perda de postos de podendo ser considerados como senhores que a subordinação e os rituais se estabele- das agora como extraordinárias, devem ter o trabalho por diversos empregados domésti- feudais aqueles que, por vezes na classe mé- cem na cadeia de comando, assim como o acréscimo devido do adicional de 50% para cos ao instante que seus empregadores pre- dia, servem-se de empregados domésticos diferencial na existência de pessoal por vezes sua remuneração regular. ferem não arcar com os custos acrescidos, devidamente registrados, observando os di- destinado a gerir as próprias folhas de pa- substituindo o trabalho contínuo por aque- reitos devidos e emprestando-lhes todo o res- gamento, algo impensável no ambiente do- Nesse particular, é razoável que o empre- le eventual de trabalhadores autônomos peito exigido. méstico, em que o patrão deve ter os meios gador doméstico, ao contratar (ou ao re-rati- contratados como diaristas para, sem os de controlar, por si, todos os pagamentos e ficar os contratos então vigentes quando da direitos inerentes aos empregados domés- Nesse contraponto, a Emenda Constitucio- recolhimentos a seu cargo, sem maiores bu- EC 72), defina o horário exigido do trabalha- ticos, fazer frente a suas necessidades, ao nal nº 72, ao acrescer direitos trabalhistas ao rocracias, de modo a não ser desestimulado dor e os períodos pré-assinalados destinados instante em que deslocam filhos para cre- rol antes elencado no texto original do artigo ao registro de seus empregados domésticos. a intervalo para repouso e refeição com al- ches ou escolas de regime integral e seus 7º, parágrafo único, da Constituição, não fez moços, jantares ou lanches, segundo o des- idosos, doentes ou pessoas necessitadas muito diferente do que os efeitos que se per- No tema particular da jornada, há que se crito no artigo 71 da CLT, sem que isso corres- para asilos ou instituições de apoio, fora as- seguiam com as citadas Leis 10.208/2001 e perceber que os contratos de trabalho do- ponda exigir folha de ponto nas residências, sim do ambiente familiar em que poderiam 11.324/2006, embora, com o maior alarde, méstico passam a encontrar apenas o limi- a teor, contrário senso, do artigo 74, § 2º, da ser melhor cuidados. pareça provocar efeito contrário ao indicar te da jornada diária ou semanal de trabalho, CLT, exceto na excepcionalidade de contar
14 15 o empregador doméstico com mais de dez empregador, enquanto não chamado, nas que, por vezes, junto a outros empregados mediante acordo escrito entre empregador e trabalhadores no ambiente residencial, assim horas de descanso, ao trabalho regular ou ou aos familiares da casa onde trabalhe. Não empregado, ou mediante acordo coletivo de definindo a jornada regular para os limites de excepcional, não se podendo, sequer, consi- se há, com a devida vênia, que transformar trabalho”, considerado, ainda, por lógico, o 8 horas diárias ou 44 horas semanais, ou ain- derar o período de descanso como horário a relação doméstica num inferno, em que o dever de remunerar outras horas excedentes da de 6 horas diárias quando o trabalho se re- à disposição do empregador, porque assim empregado doméstico tenha que ser isolado trabalhadas excepcionalmente, a teor da Sú- alizar sob regime de revezamento em turnos não se pode ter o período destinado a refei- do convívio familiar para não corresponder mula 376/TS, ainda quando superado o limite ininterruptos, além de já indicar-se o eventual ção, descanso e sono. A excepcionalidade à prestação de trabalho, quando o descanso pré-ajustado, não se parecendo, por enquan- ajuste a horas extras precontratadas. de eventual chamado para atender situação pode perfazer-se, regularmente, nos limites to, aplicáveis as disposições legais decorren- emergencial e excepcional não desnatura a do bom senso e dentro do próprio ambiente tes da Lei nº 9.601/1998, quanto ao banco Por óbvio, na consideração do valor da qualidade desse chamado como se inseri- residencial. de horas, já que o colendo Tribunal Superior hora de trabalho doméstico para fins de apu- do num cotidiano, eis que o sobreaviso en- do Trabalho compreende que o preceito le- ração da hora extra não se há que afastar sejaria uma atenção contínua do obreiro na Doutro lado, quando já antevisto proble- gal exige seu estabelecimento por meio de do contido no artigo 7º, IV, da Constituição possibilidade de ser chamado, resultando ma no ambiente doméstico para a regula- convenção ou acordo coletivo de trabalho, quando garante, desde 1988, o salário mí- diminuição dos efeitos do descanso regular, ção da jornada diária, admite-se, como nos a afastar a possibilidade de ajuste individual nimo aos empregados domésticos, assim, em que o trabalhador tem o tempo a seu dis- contratos de trabalho em geral, ajustar-se, entre as partes. inclusive, nas vertentes pertinentes do valor por ou sem maior preocupação com o tra- mediante acordo individual escrito, a com- mínimo a título de hora ou dia trabalhados, balho. Sendo assim, não se há, sequer, que pensação da jornada do empregado domés- Cabe notar que, conquanto a Emenda porque, em havendo desvio desse patamar, exigir que o descanso seja realizado fora do tico, a teor da Súmula 85-I, do colendo Tri- Constitucional nº 72 tenha reconhecido a há que se perfazer a regular correção ou des- ambiente doméstico, porque não se há que bunal Superior do Trabalho, devendo, nesse possibilidade de acordos e convenções co- qualificação do salário ajustado, desde antes. admitir o absurdo de expulsar o empregado particular efeito, o eventual ultrapassar da letivas de trabalho no âmbito das relações do ambiente de trabalho enquanto no perío- jornada diária de oito horas encontrar o limi- de trabalho doméstico, não parece razoável Também se há que perceber que a Consti- do destinado a descanso intrajornada, nem te constitucional de 44 horas semanais, sob compreender os empregadores domésticos tuição fixa a duração do trabalho, assim não de confiná-lo a ambientes restritos de modo a pena de serem devidas as horas extras que como empresas para os fins do artigo 611, se compreendendo no cômputo de jornada sinalizar algo diferente, quando a exegese do sobrepõem-se eventualmente a tal limite, § 1º, da CLT, enquanto assim não se dispor, o tempo destinado a descanso intrajornada intervalo diz com período em que o trabalha- observando-se, ainda, eventuais efeitos da além de perceber-se dificuldade de constitui- ou interjornada, ainda quando o empregado dor não deve ter exigido trabalho e pode dis- referida Súmula 85-IV/TST quando descreve ção de sindicatos patronais domésticos, ou doméstico resida na residência do próprio por do tempo de descanso e refeição, ainda que “a prestação de horas extras habituais ao menos agora sua exigência para empres- descaracteriza o acordo de compensação tar campo a tal incidência, dada a inexistên- de jornada. Nesta hipótese, as horas que ul- cia de finalidade econômica como decorre trapassarem a jornada semanal normal deve- dos empregadores em geral e a desorganiza- rão ser pagas como horas extraordinárias e, ção inerente a tal categoria, ainda quando se quanto àquelas destinadas à compensação, perceba a existência de associações de do- deverá ser pago a mais apenas o adicional nos e donas de casa que ainda devem trilhar por trabalho extraordinário”. um longo caminho até estabelecerem as pre- missas inerentes à transformação em sindica- Igualmente, como antes indicado, não há tos patronais. impeditivo a precontratar horas extras, desde que observado o limite de duas horas extras No exame dos novos direitos trabalhistas já diárias, a teor do artigo 59 da CLT, quando vigentes desde a publicação da EC 72, cabe, assevera que “a duração normal do trabalho ainda, quanto a efeitos diretos incidentes so- poderá ser acrescida de horas suplementa- bre os empregadores domésticos, a proibi- res, em número não excedente de 2 (duas), ção, doravante, de contratação de menores
16 17 de 16 anos para qualquer trabalho domésti- ao FGTS e ao seguro-desemprego será a pró- portadores de necessidades especiais, mui- às onerações doravante exigidas ou para tra- co, exceto a partir dos 14 anos se considera- pria Lei nº 5.859/1972, com as alterações en- tas vezes, sobretudo nesses últimos casos, a balharem como autônomos, assim reduzin- dos aprendizes, e, ainda, o trabalho noturno tão empreendidas pela Lei nº 10.208/2001, exigir grupos em revezamento pela necessi- do valores de sustento ao instante em que ou considerado perigo ou insalubre a meno- excluída por óbvio a facultatividade do em- dade de atenção permanente, sob pena de igualmente onerados com as exigências de res de 18 anos. Nesses casos, em havendo pregador doméstico incluir o empregado termos outro problema social estabelecido, contribuição própria para garantir benefícios empregado nessas condições, o efeito ime- doméstico no regime fundiário e, assim, a assim a necessidade de o Estado aparelhar previdenciários ou para as reservas finan- diato exige a rescisão do contrato de trabalho permitir-lhe o eventual benefício do seguro- instituições capazes de cuidar dos idosos, dos ceiras necessárias a permitir-lhes folgas ou doméstico anterior, porque doravante não se desemprego. doentes e de certos portadores de necessida- férias regulares. Nisso, talvez, pode emergir lhe empresta mais licitude, pelo que antes des especiais que não podem prescindir de uma paradoxal redução do padrão de vida decorria do contido no artigo 5º, II, da Cons- Doutro lado, emerge óbvio que, inclusive atenção contínua e direta. que muitos empregados domésticos haviam tituição Federal, de que se não era obrigado de modo a evitar demissões no âmbito do- alcançado nos últimos anos, inclusive atrain- ou proibido de fazer algo mediante lei, assim méstico de trabalho, deverá haver uma deso- Por fim, quanto à garantia de assistência do pessoas que, mesmo providas de cursos se poderia deixar de fazer ou fazer, enquanto neração pela redução das alíquotas de con- em creches e pré-escola aos filhos dos em- médios ou superiores, não conseguiam colo- agora a proibição decorre de comando cons- tribuição previdenciária e de recolhimento pregados domésticos, emerge tal benefício cação no mercado de trabalho em geral, ca- titucional e inibe efeitos regulares ao contrato fundiário, inclusive porque ainda se deve so- como incumbência do Estado, mais ainda bendo notar, nesse contexto, que o trabalho assim proibido de existir. mar, num contexto a definir, os valores a títu- agora provocado a resolver o problema so- doméstico envolve, conforme precedentes, lo de salário-família e se devidos pelo INSS ou cial estabelecido, igualmente, pela demanda além daqueles clássicos, todos os que se de- Igualmente, resta vedado doravante esta- diretamente pelo próprio empregador, ainda exigida por muitos futuros ex-empregadores senvolvam no apoio familiar, inclusive assim belecer o empregador doméstico distinção que como contrapartida contributiva, como domésticos que, trabalhadores noutras esfe- enquadrando curadores de crianças, idosos e salarial, de exercício de funções ou de critério assim também a alíquota pertinente ao segu- ras, também passarão a exigir do Estado a pessoas com necessidades especiais. de admissão de empregado doméstico por ro de acidente de trabalho doméstico (SAT) incidência que lhes pertine quanto ao arti- motivo de sexo, idade, cor ou estado civil, para fazer jus à contrapartida do eventual go 7º, XXV, da Constituição Federal, porque O exíguo intervalo de tempo desde quan- sem nisso se distanciar do que o colendo Su- benefício previdenciário, ainda que possa doutro modo os trabalhadores em geral res- do aprovada a proposta em primeiro turno premo Tribunal Federal assinalou quando da ser também responsabilizado o empregador tarão prejudicados no desempenho do labor na Câmara dos Deputados até sua aprova- análise de preceito similar, assim distinguindo doméstico quando o acidente de trabalho cotidiano que se lhes exigem os respectivos ção em segundo turno no Senado Federal e que não emerge discriminação quando a ati- tenha ocorrido em decorrência de dolo ou empregadores, preocupados com os cuida- consequente promulgação pelas Mesas das vidade exigida seja inerente ao critério estabe- culpa patronal à conta de negligência, impru- dos que possam ser ministrados a seus filhos, Casas do Congresso Nacional permite vislum- lecido, em razão da natureza e das atribuições dência ou imperícia no exigir ou permitir cer- tanto mais quando desprovidos de apoio fa- específicas do emprego, mas apenas quando tos trabalhos no ambiente doméstico. miliar para tanto. se percebe num óbice sem vinculação a qual- quer elemento da atribuição a desenvolver. Quanto ao adicional noturno, a EC 72 não Concluindo, penso que acerta quem diz admite a atração das regras da CLT, ao me- que a Emenda Constitucional nº 72 quebra Com relação aos direitos dependentes de nos por ora, se assim não for expressamen- paradigmas, mas em graus diversos, porque regulamentação infraconstitucional específi- te determinado em lei específica, que pode, estabelece, em verdade, uma inversão dos ca, cabe esclarecer que alguns estão na esfe- doutro lado, estabelecer parâmetros diferen- valores que se vinham paulatinamente insti- ra do Estado e não do empregador domésti- ciados para sua apuração e ao percentual tuindo com a maior formalização dos con- co, enquanto outros dependem de fonte de incidente sobre a hora diurna de trabalho, tratos de trabalho doméstico, ameaçando custeio a ser discriminada, no que haverá ló- inclusive assim considerando as particula- com o desemprego inúmeros trabalhadores gica oneração patronal. ridades domésticas e, quiçá, e assim se es- domésticos que, sem maior formação, não pera, as necessidades de certos contratos de terão outro emprego que não o retornar ao Sem descrever exercício de futurologia, trabalho envolverem trabalho noturno para labor doméstico sob condições salariais mais parece lógico que a lei de regência quanto os cuidados com crianças, idosos, doentes e desfavoráveis para a contrapartida patronal
18 19 brar quanto fora pouco discutida em relação Nesse equilíbrio social necessário, espero, a efeitos imediatos e mediatos, mas, em se os Juízes e Tribunais do Trabalho devem en- tratando de emenda constitucional, nada contrar o ponto certo de interpretação cons- mais há que se ajustar as normas infracons- titucional e infraconstitucional condizente a titucionais que permitam, quando menos, garantir a eficácia da Emenda Constitucional evitar maior oneração aos empregadores nº 72, mais ainda pela existência de relações domésticos e assim, sem perda da qualidade de trabalho domésticas a regular, porque de vida dos empregados domésticos, permi- não me parece que o constituinte derivado tir manter, tanto quanto possível, número ra- tenha, ao estabelecer a alteração constitu- zoável de contratos em cional descrita, pretendido vigência. Tal se demons- instituir letra morta ao ins- tra, ainda agora, por- Não emerge dúvidas, tante em que sucumbissem quanto passados quase de todo modo, que para o nada os contratos dois anos da promulga- várias questões serão, de trabalho existentes atu- ção da EC 72, ainda não sob o enfoque do almente ou que pudessem conseguiu o Parlamento novo ordenamento ser firmados no futuro com definir as normas de re- a dignidade ao trabalho gulamentação, não se constitucional, devidamente remunerado, devendo, contudo, que submetidas ao como se vinha empreen- novo afã de apressar as exame da Justiça dendo, paulatinamente, no ADOECIMENTO PSÍQUICO OCUPACIONAL NO DISTRITO FEDERAL coisas possa perturbar do Trabalho... plano infraconstitucional. as reflexões necessárias E EM TOCANTINS SOB A ÓTICA DA PSICODINÂMICA DO TRABALHO a implementar medidas Como magistrado traba- PSYCHIC OCCUPATIONAL DISORDERS IN THE DISTRITO FEDERAL de melhoria nas condi- lhista, espero que a presta- AND TOCANTINS FROM THE PERSPECTIVE OF PSYCHODYNAMICS OF WORK ções de trabalho dos empregados domésti- ção jurisdicional a ser enunciada nos casos cos, sem quebrar o padrão de empregos e decorrentes pela Justiça do Trabalho de- salários, sobretudo à conta de dificuldades monstre a razoabilidade que deve decorrer Ana Cláudia de Jesus Vasconcellos Chehab1 aos patrões para manter tais profissionais em da confiança e do respeito que nos inspiram Psicóloga da Secretaria de Educação do DF casa. a Sociedade brasileira. 1 Não emerge dúvidas, de todo modo, que RESUMO da psicodinâmica do trabalho. Metodologia: várias questões serão, sob o enfoque do novo (Brasília/DF, 04 de abril de 2013 discussão teórica e análise de dados estatísti- ordenamento constitucional, submetidas ao atualizado em 01 de outubro de 2014). Introdução: O adoecimento psíquico pelo cos oficiais sobre as causas de enfermidades exame da Justiça do Trabalho que, espero, trabalho afeta inúmeros trabalhadores e em- psíquicas de acidentes de trabalho e auxílio fará prevalecer o bom senso na regular e ra- ALEXANDRE NERY DE OLIVEIRA presas, sobrecarrega os serviços de saúde e acidentes entre 2010 a 2013, confrontando zoável aplicação das normas constitucionais de previdência e desafia os operadores do com as atividades econômicas em que apa- e infraconstitucionais pertinentes ao trabalho Desembargador do Tribunal Regional Direito e da Saúde. Objetivo: quantificar e recem com maior freqüência. Resultados: O doméstico de modo a resguardar íntegras as avaliar o adoecimento psíquico pelo traba- Distrito Federal e o Tocantins tiveram juntos relações sociais que assim se estabelecem lho no Distrito Federal e em Tocantins à luz quase 1200 acidentes de trabalho por doen- no especial ambiente familiar, sem com isso, igualmente, distanciar-se das conquistas trazi- 1. Mestranda em Psicologia pela UCB, com ênfase em Psicologia, Trabalho e Direitos Humanos. Especialista em Psicologia da Educação. das aos empregados domésticos. Psicóloga da Secretaria de Educação/DF, lotada na perícia psicológica da Coordenadoria de Saúde Ocupacional. Foi servidora cedida para o TST, psicóloga do CREAS na Bahia e professora de Psicologia Jurídica.
20 21 ças psíquicas no triênio de 2010 a 2012. A A pesquisa tem como público alvo os métodos próprios. Ela se apoia na descrição e maior incidência desses males está concen- trabalhadores vinculados ao regime da no conhecimento das relações entre trabalho e trada em poucas atividades econômicas. En- Previdência Social acometidos de trans- saúde mental, que torna o trabalho central para fermidades associadas ao estresse grave e de tornos mentais ocupacionais no DF e em a formação da identidade e para a saúde men- adaptação e aos transtornos de humor, em TO. A partir da contribuição teórica da tal do sujeito (DEJOURS, 2009). O trabalho, do especial depressão e ansiedade, constituem psicodinâmica do trabalho e dos concei- ponto de vista psíquico, deve contribuir para a a maior parte desses acidentes. Conclusões: tos de doenças psíquicas e ocupacionais, construção da identidade do trabalhador e de as estratégias de defesa e de mobilização procura-se quantificar e avaliar esse ado- sua saúde mental e serve para a sua realização não foram suficientes para evitar o adoeci- ecimento psíquico. O método utilizado, ou para a sua destruição (MERLO, 2014). mento em atividades econômicas com riscos para isso, é a coleta e a análise de dados psicossociais. A doença psíquica ocupacional das estatísticas oficiais de acidentes de tra- O trabalho engloba um engajamento men- vitimiza uma coletividade de trabalhadores e balho e da concessão de auxílio acidente, tal e psicoafetivo de todo o indivíduo e de toda não apenas um indivíduo isoladamente. A nos triênios de 2010 a 2012 ou de 2011 a sua personalidade. Implica os gestos, o saber- Psicodinâmica do trabalho é útil para a com- 2013, considerando as causas, segundo o fazer, o engajamento do corpo, a mobilização preensão do problema. Código Internacional de Doenças, 10ª re- da inteligência, a capacidade de refletir, de ferência (CID-10), e a atividade de origem, interpretar e de reagir às diferentes situações, PALAVRAS-CHAVES: saúde mental; trans- de acordo com a Classificação Nacional é o poder de sentir, de pensar, de inventar (DE- torno psíquico no trabalho; doença ocupa- and anxiety, are the major causes of these de Atividades Econômicas (CNAE). JOURS, 2012, p. 24-29). “Trabalhar” vai além cional; psicodinâmica do trabalho. accidents. Conclusions: defense strategies da mera execução de uma tarefa, envolve and mobilization failed to protect the health Esse enfoque é pouco debatido no meio ju- toda a subjetividade do trabalhador, mobiliza ABSTRACT in economic activities with psychosocial risks. rídico brasileiro, apesar das inúmeras pesquisas o corpo, a inteligência, a pessoa, para produ- The psychic occupational disorder victimizes em Psicologia do Trabalho. O tema da saúde zir algo útil (DEJOURS apud MOLINIER, 2013, Introduction: the mental disorder at work a collectivity of workers and not only a sin- psíquica é atual, pois retrata um fenômeno p. 103). affects many workers and employers, puts ad- gular person. The Psychodynamics of work is cujas ocorrências vêm crescendo paulatina- ditional strain on health and welfare services useful for the understanding of the problem. mente, inclusive em Reclamações Trabalhistas; O alvo da psicodinâmica do trabalho é com- and defies the jurists and the health profes- é importante, por ser uma das maiores causas preender o que move psíquica e socialmente o sionals. Objective: quantify and analyze the KEYWORDS: mental health; psychic disor- de doença ocupacional e de afastamentos no sujeito no trabalho (MENDES e DUARTE, 2013); work’ mental disorders in the Distrito Federal der at work; occupational disease; psychody- trabalho; e traz relevante repercussão jurídica os processos psíquicos existentes; a formação and in Tocantins from the perspective of the namics of work. e socioeconômica, por atingir milhares de tra- da identidade individual e social do sujeito; o Psychodynamics of work. Methodology: theo- balhadores todos os anos, afetar o cotidiano de confronto entre o mundo externo e interno do retical discussion and analysis of official statis- INTRODUÇÃO inúmeras empresas, sobrecarregar os serviços trabalhador; o sofrimento e o prazer no labor tics on the causes of mental diseases of acci- de saúde e de previdência e exigir dos opera- e a influência da organização do trabalho na dents at work and accidents benefit between A psicodinâmica do trabalho investiga a dores do direito um conhecimento técnico-es- qualidade de vida, na saúde mental, no des- 2010 to 2013, confronting the economic ac- saúde do trabalhador à luz da vivência subje- pecializado para a análise do problema. gaste e no adoecimento do trabalhador (LAN- tivities in which they appear with most fre- tiva de prazer e sofrimento, busca entender a CMAN, 2011, pp. 41-42). quency. Results: The Distrito Federal and the correlação entre o sofrimento psíquico e a or- 1 A PSICODINÂMICA DO TRABALHO Tocantins had almost 1200 accidents at work ganização laboral e analisa as estratégias de Assim, as relações dinâmicas entre a orga- since 2010 until 2013. The highest incidence of defesas e o adoecimento provocado por esse Desenvolvida a partir dos estudos de Chris- nização do trabalho e a saúde mental cons- these diseases is concentrated in few groups sofrimento. Por essa ótica, debate-se o adoe- tophe Dejours em 1980, a psicodinâmica do tituem o objeto de estudo da técnica dejou- of related economic activities. Diseases asso- cimento psíquico pelo trabalho no Distrito Fe- trabalho, outrora psicopatologia do trabalho, é riana. Porém, não se restringe aos seus efeitos ciated with serious stress and adaptation and deral e em Tocantins, unidades da federação uma abordagem científica, de caráter clínico e nocivos, mas inclui também as situações que affectivity disorders, particularly depression da 10ª Região da Justiça do Trabalho. autônomo, com objeto, princípios, conceitos e são favoráveis à construção da saúde.
22 23 1.1 ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO zação laboral, que também geram alienação O trabalho prescrito, por sua vez, é aque- Prazer é o princípio mobilizador que “co- e sofrimento. A consequência do aumento le em que a descrição das atribuições cor- loca o sujeito em ação para a busca da gra- O estudo das dinâmicas que levam ao da produtividade, do ritmo da execução das responde ao que antecede a execução da tificação, realização de si e reconhecimento prazer e ao sofrimento no trabalho e aos tarefas e do cumprimento de metas desenca- tarefa. São constituídos de normas, tempo e pelo outro da utilidade e beleza do trabalho” seus desdobramentos, inclusive psicossomá- dearam o aparecimento de patologias men- controle exigido para o desempenho da ta- (VIEIRA et al., 2013, p. 290). Já o sofrimento é ticos, também compreende as consequên- tais relacionadas ao trabalho, como suicídios refa. Servem de fonte de reconhecimento e uma vivência subjetiva intermediária entre a cias das organizações e modelos de gestão no trabalho e enfermidades oriundas do assé- de punição para quem não cumpre a tarefa doença mental e o bem-estar psíquico (VIEI- do trabalho sobre o aparelho psíquico do dio e da sobrecarga. estabelecida. RA et al., 2013, p. 421), é um espaço clíni- trabalhador. co intermediário, que marca a evolução de O modo como o trabalho é organizado in- Trabalho, nessa perspectiva, é tudo aquilo uma luta entre, de um lado, funcionamento Com base na Ergonomia, Molinier (2013, fluencia a vida do trabalhador, apropria-se não que não está prescrito, porque não é o pres- psíquico e mecanismo de defesa e, de outro, p. 85) afirma que a organização do trabalho apenas do tempo e dos seus movimentos, mas crito que realiza o trabalho, mas a ação real pressões organizacionais desestabilizadoras. compreende a divisão técnica, social e hierár- de sua subjetividade (VIEIRA et al., 2013, p. do trabalhador. A prescrição não prevê inú- Tanto o prazer como o sofrimento são resul- quica do trabalho. A primeira é como as tare- 270). O trabalho não se resume apenas numa meras dificuldades que podem aparecer no tados da combinação entre história do sujeito fas são realizadas, a produtividade esperada, relação salarial ou empregatícia, mas consiste cotidiano de trabalho e a realidade é muito com a organização do trabalho, de como ele ou seja, as regras formais. no trabalhar, ou seja, um mais complexa do que qualquer regra ou reage às condições sociais, políticas e éticas A divisão social e hierár- modo específico de en- manual possam prever (VIEIRA et al., 2013, p da organização e dos processos de trabalho. quica do trabalho constitui O modo como o volver a subjetividade, o 271). as formas de comando e trabalho é organizado próprio corpo, e o modo Para Dejuors, o sofrimento é inerente ao de coordenação, os níveis influencia a vida de exercer o trabalho real Na lacuna existente entre o trabalho pres- trabalho porque há um conflito central entre de responsabilidade e de do trabalhador, em face do prescrito. crito e o real, encontram-se as contradições, a organização do trabalho, detentora de nor- autonomia e tudo o que os conflitos, as incoerências e as inconsistên- mas e prescrições, e o funcionamento psíqui- envolve a avaliação do tra- apropria-se não 1.2 TRABALHO PRES- cias do trabalho, que impõem dificuldades co, pautado pelo desejo. Das pesquisas reali- balho. apenas do tempo CRITO aos trabalhadores (VIEIRA et al., 2013b, p. zadas no Brasil de 1998 a 2007, percebeu-se e dos seus E TRABALHO REAL 468). Tais fatores são funcionais, caso man- A organização do tra- tenham a saúde mental do trabalhador, ou balho ganhou impulso no movimentos, mas Para Christophe De- podem ser patogênicos, quando não conse- modelo taylorista, fundado de sua subjetividade. jours (2012, pp. 127-128), guem sustentar a higidez psíquica dele. em princípios da “adminis- cada trabalhador, ao rea- tração científica do traba- lizar uma tarefa, procura 1.3 VIVÊNCIAS DE PRAZER lho”, posteriormente adaptados para outros adaptá-la “numa ordem, numa sequência de E SOFRIMENTO NO TRABALHO modelos. Henry Ford aplicou-os na indústria gestos, escolhendo os instrumentos adequa- automobilística com a esteira de produção dos” até encontrar um modo de trabalhar Para Dejours (2011b), o trabalho pode tra- em massa. No Japão, a Toyota desenvolveu próprio e pessoal, organizando o tempo em zer prazer ou sofrimento, mas um não exclui um modelo de produção flexível bastante di- fases de trabalho e de descanso e protegen- o outro, necessariamente. A noção de prazer fundido em outros países em detrimento da do o corpo contra sobrecarga em prol do seu e de sofrimento no trabalho tem sua origem rigidez e da padronização na execução das equilíbrio psicossomático. O trabalho real é na Psicanálise. Segundo Freud (1974), a bus- tarefas. essa maneira desenvolvida pelo trabalhador ca do prazer e a fuga do sofrimento fazem para lidar com as situações reais de suas ativi- parte da constituição subjetiva, da formação Novos modelos de gestão do trabalho, dades, composta por suas interações com os do ego e de todos os mecanismos de defesas dentro de um contexto neoliberal e de glo- recursos disponibilizados pela organização e individuais e coletivos, objetos da psicodinâ- balização, trouxeram novas formas de organi- com outros sujeitos. mica do trabalho.
24 25 que as vivências de sofrimento podem ser O sofrimento criativo atua como motor As estratégias de mobilização favore- 2 SAÚDE MENTAL E DOENÇAS PSÍQUICAS sinalizadas pela presença dos seguintes sen- para transformações, impulsionando a busca cem a saúde ao permitirem a ressignifi- NO TRABALHO timentos: medo, insatisfação, insegurança, de soluções que poderão beneficiar a orga- cação do sofrimento por meio da trans- alienação, vulnerabilidade, frustração, angús- nização do trabalho, contribuir para a reali- formação das situações de trabalho. Ela Saúde não é apenas a ausência de do- tia, inquietação, depressão, tristeza, agressivi- zação pessoal do trabalhador, fortalecer sua é subjetiva quando o sujeito pode se re- enças, mas também a higidez do bem-estar dade, impotência para promover mudança, singularidade e o seu pertencimento. criar, inventar-se, vivenciar o sofrimento mental, cognitivo ou psicológico (OMS, 1946; desgaste, desestímulo, desânimo, desgaste criativo e o prazer no trabalho; é coletiva OLIVEIRA, 2011, p. 125). A saúde mental é físico e emocional, desvalorização, culpa, Por outro lado, o sofrimento pode ser tor- quando se opera, em especial, a partir da um gênero que abrange um universo de fa- tensão e raiva. nar patogênico, quando o sujeito não encon- criação de espaço público de discussão tores psicossociais do indivíduo e de sua inte- tra possibilidade de negociação entre a or- e da cooperação, com o fim de eliminar ração com o meio em que vive. Dentre esses Dependendo dos processos psicodinâmi- ganização do trabalho e os seus conteúdos o custo humano negativo do trabalho, de fatores, um deles diz respeito às patologias cos desenvolvidos no trabalhar, o sofrimento subjetivos, sendo impedido de exercitar sua ressignificar o sofrimento e de transformar psíquicas. pode encaminhar-se para diferentes destinos: capacidade criativa. A liberdade de transfor- em fonte de prazer e de bem estar a orga- criativo ou patogênico. mação, gestão e aperfeiçoamento da organi- nização, as condições e as relações sócio As doenças psíquicas (distúrbios, enfer- zação do trabalho esgotam-se, restando ape- -profissionais (FERREIRA e MENDES, 2003). midades, patologias ou transtornos mentais) nas as pressões rígidas, fixas e incontornáveis, são um comprometimento ou uma disfunção a repetição, a frustração, o aborrecimento, o A ineficácia da estratégia defensiva e mental, cognitiva ou psicológica do indiví- medo ou o sentimento de impotência (DE- da mobilização e a potencialização do duo, são “condições clinicamente significa- JOURS e ABDOUCHELI, 2010, p. 137). sofrimento pode levar o trabalhador à de- tivas caracterizadas por alterações do modo pressão, à desestabilização e a uma crise de pensar e do humor (emoções) ou por 1.4 ESTRATÉGIAS DEFENSIVAS E de identidade, pois ele passa a questionar comportamentos associados com angústia DE MOBILIZAÇÃO E PATOLOGIAS suas capacidades e competências, sua pessoal e/ou deterioração do funcionamen- singularidade e seu pertencimento. Esse to” psíquico (BOJART, 2013, p. 22). Os códi- A mediação do sofrimento é composta processo de fragilização pode desenca- gos da CID-10, utilizados no presente estudo, por estratégias de defesa e de mobilização, dear patologias psíquicas e/ou somáticas, enumeram diversas espécies de patologias subjetivas ou coletivas. caracterizando o sofrimento como pato- psíquicas no capítulo 5, designando a letra F gênico. (CID F) para agrupá-las. Para não adoecerem, os trabalhadores desenvolvem estratégias de defesa diante do Nesse cenário, o sofrimento ganha for- No campo da saúde mental do trabalho, sofrimento (DEJOURS, 2012), isto é, um con- ça e as patologias do trabalho surgem estuda-se a dinâmica, a organização e os pro- junto de condutas de convivência com o so- com um agravante comum: a solidão. Tra- cessos de trabalho e as ações diagnósticas, frer. As defesas constituem a forma e o desti- tam-se das patologias de sobrecarga, de preventivas e terapêuticas de saúde (PENIDO no dado ao sofrimento (DEJOURS, 2011a). As assédio, pós-traumáticas, depressões e e PERONE, 2013, p. 33). Para Álvaro Merlo estratégias defensivas geralmente são incons- suicídios, que sinalizam que o sofrimento (2014), o adoecimento mental no trabalho cientes, individuais ou compartilhadas em está sendo agravado nos contextos atuais não é uma questão de fatalidade; decorre grupo de trabalhadores (coletivas). Há várias de trabalho. A terceirização, o autoritaris- do tipo de organização do trabalho. Para ele estratégias de defesa. As mais comuns são a mo, metas de produtividade, avaliações (2014), os males produzidos pela organização negação, em que não se admite o próprio injustas, coação e violência verbal, com- de trabalho agressiva são como um iceberg, sofrimento e a racionalização do sofrimento, petição exacerbada, fofocas e intrigas são no qual as doenças diagnosticáveis represen- em que há uma suavização da angústia, do experiências de sofrimento, que, se pro- tam a parte visível e o sofrimento psíquico medo e da insegurança presentes no contex- longada, podem conduzir a um quadro produzido pelo trabalho a parte submersa, to de trabalho. patogênico. invisível a uma visão superficial.
26 27 O sofrimento patológico em razão do tra- A doença, para ser ocupacional, deve guar- necessidades e expectativas dos trabalhado- aqueles que estão mais comprometidos com balho leva a diversas enfermidades psicos- dar nexo de causalidade com o trabalho, isto res, seus costumes, cultura e características o trabalho. somáticas, que se projetam na saúde física é, ter “relação de causa e efeito entre o evento pessoais fora do trabalho e que podem in- e mental do trabalhador. Há estudos, por e o resultado” (MONTEIRO e BERTAGNI, 2010, fluenciar, através de percepções e da expe- 3 RESULTADOS exemplo, que relacionam o desgaste psicofísi- p. 44), entre o trabalho e a enfermidade. Nas riência, o desempenho profissional, a satisfa- co no trabalho a distúrbios osteomusculares; doenças profissionais, esse nexo de causalida- ção no trabalho e na saúde. 3.1 DOENÇAS PSÍQUICAS OCUPACIONAIS doenças cardiovasculares; traumas, lesões e de é presumido pela lei, nas doenças do tra- NO BRASIL E ATIVIDADES ECONÔMICAS envenenamento por acidente de trabalho tí- balho, ele precisa ser investigado. A partir da classificação de Soraya Martins pico, etc.. Particularmente, interessam nesse (2007, pp. 141-143) e da contribuição da OIT As recentes estatísticas do Ministério da Pre- estudo as doenças psíquicas, estrito senso, As estatísticas ora examinadas sobre aci- (1986, pp. 5 ss.), de Tânia Franco (2002, pp. vidência Social (2011/2014) revelam que os ainda que o sofrimento patológico em razão dentes de trabalho incluem as doenças ocupa- 151-152) e de Christophe Dejours (2009, pp. transtornos mentais, agrupados no CID F (F00 do trabalho possa desenvolver outras enfer- cionais. O auxílio acidente, inclusive em razão 28-43), os riscos psicossociais têm origem em até F99), são a 3ª maior causa de concessão midades. de doença ocupacional, não é concedido em fatores: a) organizacionais, compreendem o de auxílio acidente no Brasil, sendo atualmen- todos os acidentes de trabalho, mas apenas conteúdo e a forma como o trabalho é orga- te responsáveis por cerca de 4% do total. No 2.1 DOENÇAS OCUPACIONAIS naqueles em que “resultarem sequelas que nizado e que trazem uma carga excessiva à quinquênio 2009/2013, foram concedidos impliquem redução da capacidade para o tra- saúde psicofísica do trabalhador; b) pessoais, 1.586.678 auxílios acidentes pelo INSS, sendo De acordo com a Lei nº 8.213/1991 (BRASIL, balho que habitualmente exercia” (art. 86, Lei costumam acompanhar as cargas psicofísicas 62.250 apenas por enfermidades psíquicas. 1991), acidente de trabalho é o que acontece 8.212/1991). Ambas as variáveis (acidentes de excessivas e que dizem respeito às capacida- a serviço da empresa ou pelo exercício do tra- trabalho e auxílio acidente) são importantes des, necessidades, costumes, cultura, carac- Considerando apenas os acidentes de tra- balho a certos segurados da Previdência e que para uma investigação sobre a causalidade terísticas e expectativas balho, os dados revelam provoca “lesão corporal ou perturbação funcio- entre trabalho e doença, bem como sobre a pessoais dos trabalhado- Não são as pessoas que os males psíquicos fo- nal que cause a morte ou a perda ou redução, existência de riscos psicossociais do adoeci- res; c) relacionais, afetos mais fracas ram a 4ª maior causa de permanente ou temporária, da capacidade para mento psíquico no trabalho. à interação do trabalha- psiquicamente que acidentes do trabalho no o trabalho” (art. 19). dor com seus colegas e Brasil em 2010 e 2011 e a 2.2 RISCOS PSICOSSOCIAIS DO TRABALHO superiores hierárquicos; correm mais riscos de 5ª em 2012, responsáveis Além do acidente típico, decorrente direta- d) coletivos, referem-se desenvolver essas por cerca de 49.000 ca- mente da atividade exercida, e de trajeto, ocor- Segundo a Agência Europeia para a Se- às estratégias coletivas de enfermidades, mas sos nesse triênio (BRASIL, rido geralmente no percurso residência-trabalho gurança e Saúde no Trabalho da União Euro- defesa e compreendem o 2014). Apenas em 2012, ou vice-versa, a Lei nº 8.213 equipara ao aci- peia (2014), os riscos (fatores ou estressores) não reconhecimento de aqueles que estão mais essas enfermidades repre- dente de trabalho a doença ocupacional, que psicossociais no trabalho são os que têm ori- que o adoecimento decor- comprometidos sentavam 2,41% dos aci- compreende a doença profissional e a doença gem em deficiências na concepção, organi- reu do modo de trabalho, com o trabalho... dentes de trabalho (BRA- do trabalho (art. 20). zação e gestão do trabalho; decorrem de um estímulos coletivos para o SIL, 2014). contexto social de trabalho problemático e aumento do ritmo de tra- A doença profissional é “produzida ou desen- podem ter efeitos negativos a nível psicoló- balho, distanciamento e Apenas 25 atividades cadeada pelo exercício do trabalho peculiar a gico, físico e social e ocasionar enfermidades falta de apoio sindical; precarização e flexi- econômicas concentram grande parte dos determinada atividade e constante da respecti- como estresse no trabalho, esgotamento ou bilização do trabalho e ausência de espaços transtornos mentais que culminaram com va relação elaborada pelo Ministério do Trabalho depressão. para discussão do sofrimento no trabalho. a concessão de auxílio acidente no triênio e da Previdência Social” (art. 20, inciso I, Lei nº A Organização Internacional do Trabalho Álvaro Merlo (2014), depois de anos de 2011/2013 no Brasil (2013/2014). Dentre 8.213/1991). A doença do trabalho é a “adqui- – OIT (1986, pp. 3-4) define os fatores psicos- pesquisas do adoecimento psíquico no tra- essas, merecem destaque 12 (doze), por rida ou desencadeada em função de condições sociais como interações entre o ambiente de balho, destaca que não são as pessoas mais também estarem entre as principais causas especiais em que o trabalho é realizado e com trabalho, o conteúdo do emprego e as con- fracas psiquicamente que correm mais ris- desses males no Distrito Federal ou em To- ele se relacione diretamente” (art. 20, inciso II). dições organizacionais com as capacidades, cos de desenvolver essas enfermidades, mas cantins:
28 29 Tabela 1 – 12 atividades econômicas das 25 maiores causas de concessão de auxílio aci- dente por transtornos psíquicos no Brasil de 2011 a 2013 Fonte: MPS; 2013/2014 (consolidado); 2011 a 2013.
30 31 Agrupando as atividades congêneres e desprezando o item “ignorado”, a distribuição des- sas enfermidades psíquicas por atividades econômicas fica assim distribuída: Das atividades conhecidas, a Admi- nistração Pública em geral (com 1 em cada 5), bancos comerciais múltiplos e caixas econômicas, transporte coletivo de passageiros municipal, atendimento hospitalar, Correios, comércio varejista em hipermercados e supermercados e limpeza em prédios e domicílio totalizam 2/3 dos casos de doença ocupacional psíquica que ensejaram o pagamento de auxílio acidente no triênio 2011/2013. Gráfico 1 – Atividades econômicas conhecidas em que ocorreram mais transtornos psíqui- cos motivadores da concessão de auxílio acidente no Brasil no triênio 2011/2013
32 33 3.2 ADOECIMENTO PSÍQUICO PELO TRABALHO NO DISTRITO FEDERAL E NO TOCANTINS Dentre o grupo de adoecimento pelo CID F, os transtornos relacionados ao stress grave e os de humor (como depressão e ansiedade) representam cerca de 95% dos transtornos psíquicos ocupacionais mais Tabela 2 – principais transtornos psíquicos causadores de acidentes de trabalho no Distrito comuns no DF e no TO (BRASIL, 2014): Federal e em Tocantins de 2010 a 2012 segundo o CID-10 Das atividades conhecidas, a Adminis- tração Pública em geral (com 1 em cada 5), bancos comerciais múltiplos e caixas econômicas, transporte coletivo de pas- sageiros municipal, atendimento hospi- talar, Correios, comércio varejista em hi- permercados e supermercados e limpeza em prédios e domicílio totalizam 2/3 dos casos de doença ocupacional psíquica que ensejaram o pagamento de auxílio acidente no triênio 2011/2013. Fonte: MPS, AEAT InfoLogo: Base de Dados Históricos de Acidentes de Trabalho, 2010 a 2012.
34 35 Das espécies (categorias) dessas enfer- Segundo dados estatístico (BRASIL, 2013), A maioria das 13 atividades econômicas ções, os quais atingem uma coletividade e midades mais comuns destacam-se apenas as atividades econômicas que mais causaram que mais causou acidentes de trabalho no não apenas o indivíduo de forma particular. 4: reações psíquicas ao stress grave e trans- acidentes de trabalho no biênio 2011/2012 DF e em TO estão na relação das 25 maiores tornos de adaptação (F43), os transtornos foram: causadoras de doenças psíquicas ocupacio- Há, no Brasil, diversos estudos em psico- de depressão episódico e recorrente (F32 e nais no Brasil: o DF com 10 atividades neste dinâmica do trabalho que examinam muitas F33) e os outros transtornos ansiosos (F41). a) no Distrito Federal: atendimento hospita- rol e o Tocantins com 7. dessas espécies de atividade econômica e lar (1.560 acidentes); construção de edifícios concluem pela presença patogênica do so- Os percentuais de doenças psíqui- (1.069); correios (829); comércio varejista de O número baixo de doenças psíquicas frimento no trabalho. Muitas delas identifi- cas causadoras de acidente do traba- mercadorias em geral - hipermercados e su- ocupacionais na Administração pública em caram alguns elementos comuns, como o lho em 2012 no DF (de 4,56%) e no TO (de permercados - (727); obras de engenharia civil geral no DF tem uma explicação. Os servido- cumprimento de metas desmedidas, estru- 3,27%) são superiores à média nacional: não especificadas (671); bancos múltiplos co- res públicos estatutários estão fora do regi- turas hierárquicas rígidas e verticalizadas, merciais (538); incorpora- me previdenciário comum e, portanto, não trabalho intenso, contato com agentes de ção de empreendimentos entram nas estatísticas do INSS ora exami- riscos, alta responsabilidade, entre outros. imobiliários (442); trans- nadas. Mas, como há empregados públicos porte rodoviário coletivo celetistas cedidos de outras esferas do ser- O adoecimento mental é apenas uma das de passageiros metropo- viço público e ocupantes de cargos de con- formas em que há a manifestação patológi- litano (421); restaurantes fiança sem vínculo estatutário, entre outros, ca do sofrimento no trabalho. O conceito de e estabelecimentos de que são regidos pelo regime previdenciário saúde mental é muito mais amplo do que o serviços de alimentação comum, esses integram o grupo de risco ati- de ausência de enfermidade. Os resultados e bebidas (385); limpeza nente à atividade exercida na Administração apresentados apontam no sentido de que o em prédios e em domicí- Pública em geral. número de trabalhadores atingidos por condi- lios (343); serviços de ca- ções de trabalho psicossociais desgastantes é tering, bufê e outros servi- Os resultados encontrados apontam para bem maior do que o constante das estatísticas ços de comida preparada a presença de fatores de riscos psicossociais oficiais da Previdência. (331), caixas econômicas de adoecimento psíquico no trabalho em (328) e Administração pú- poucas atividades econômicas. Nelas, as es- Como se não bastasse, essas condições blica em geral (288) tratégias de defesa e de mobilização subjeti- adversas podem originar outras enfermidades Gráfico 2 – Proporção de doenças psíqui- va, individuais e coletivas, em face das con- como distúrbios osteomusculares do trabalho cas ocupacionais no DF e no TO e a média b) em Tocantins: atividade ignorada (309 dições especiais ou da forma peculiar em e doenças cardiovasculares. Isso revela que o do Brasil em 2012 acidentes); atendimento hospitalar (203); que o trabalho é realizado, ao que parece, comprometimento da saúde desses trabalha- construção de edifícios (175); criação de bo- não estão sendo eficientes. O sofrimento no dores, em razão de sofrimento patogênico, vinos (160); Administração pública em geral trabalho passou a ser, para muitos, patogê- é muito mais intenso do que o mero adoeci- 4 DISCUSSÃO E ANÁLISE (159); captação, tratamento e distribuição de nico. mento psíquico ocupacional. DOS DADOS água (143); obras para geração e distribuição de energia elétrica e para telecomunicações Os números afastam a pré-concepção de CONCLUSÃO A explicação para os altos índice de do- (117); construção de rodovias e ferrovias (116); que apenas indivíduos psicologicamente frá- enças psíquicas causadoras de acidente de abate de reses, exceto suínos (100); comércio geis é que estão sujeitos a essas enfermida- A psicodinâmica do trabalho e a compre- trabalho no Distrito Federal e em Tocantins varejista de mercadorias em geral - hipermer- des. Ao contrário, a concentração dos casos ensão das vivências de prazer e sofrimento, pode estar relacionada com a grande presen- cados e supermercados - (84); transporte ro- em poucas atividades econômicas apenas das estratégias de defesa e da mobilização ça das atividades econômicas em que esses doviário de carga (80); instalações elétricas reforça à conclusão acerca da presença de subjetiva individual ou coletiva, é um instru- transtornos ocupacionais aparecem mais co- (60); produção de sementes certificadas (52) e fatores de riscos psicossociais e de condi- mento hábil a contribuir com a avaliação dos mumente. atividades de correio (52). ções de trabalho agressivas em tais ocupa- riscos psicossociais do trabalho.
36 37 O sofrimento no trabalho pode FERREIRA, Januário Justino; PENIDO, Laís de cativo Dardo, v. 10.0.45, 8 out. 2014. Parâme- levar a uma forma criativa de trans- Oliveira (Orgs.). Saúde mental no trabalho: tros: anos 2010, 2011 e 2012, CID capítulo e formação da realidade laboral, des- coletânea do fórum de saúde e segurança agrupamento e Unidade da Federação. Dis- de que haja uma certa liberdade na no trabalho do Estado de Goiás. Goiânia: ponível em: . Acesso em: 8 out. reça margem de negociação entre BRASIL. Lei nº 8.213, de 24 de julho de 2014. as imposições organizacionais e o 1991. Disponível em: . Aces- DEJOURS, Christophe. Entre o desespero estratégias de defesa e de mobiliza- so em 18 out. 2013. e a esperança: como reencantar o traba- ção fracassem, leva a um sofrimen- lho. Revista Cult, nº 139, 2009. to patogênico, podendo, em níveis ______. Ministério da Previdência Social. avançados, desencadear diversas Acompanhamento Mensal dos Benefícios ______. Addendum: da psicopatologia à enfermidades psicossomáticas. Auxílios Doenças-Acidentários Concedi- psicodinâmica do trabalho. In: LANCMAN, dos, segundo os códigos da CID-10. Janeiro Selma; SZNELWAR, Laerte Idal (Orgs.). Chris- É importante que os empregado- a Dezembro de 2009, de 2010, de 2011, de tophe Dejours: da psicopatologia à psico- res desenvolvam práticas de gestão 2012 e de 2013. Brasília: MPS, 2011/2014. Dis- dinâmica do trabalho. 3ª ed. Rio de Janeiro: que adotem a efetiva participação ponível em: . ______. Sofrimento e prazer no trabalho: -estar e a promoção da saúde psí- Acesso em: 7 out. 2014. a abordagem da psicopatologia do trabalho, quica. Por uma clínica de mediação entre psicaná- ______. Ministério da Previdência Social. lise política, Sofrimento e prazer: uma clínica Dentre as doenças ocupacionais desen- e de mobilização subjetiva para proteger a Anuário Estatístico de Acidentes de Traba- de sublimação, Inteligência prática e sabe- cadeadas pelo adoecimento psíquico do tra- saúde. O adoecimento psíquico ocupacional lho: AEAT 2012. Brasília: MPS, 2013, v. I. doria prática: duas dimensões desconheci- balho estão os transtornos mentais, que são vitimiza uma coletividade de trabalhadores e das do trabalho real. In: LANCMAN, Selma; a 3º maior causa de concessões de auxílio não apenas um indivíduo isoladamente. ______. Ministério da Previdência Social. SZNELWAR, Laerte I. (Orgs.). Christophe De- acidente no país, a 4ª causa de acidentes do Acompanhamento Mensal dos Benefícios jours: da psicopatologia à psicodinâmica trabalho em 2010 e 2011 e a 5ª em 2012. O estudo desses riscos, aliado a aborda- Auxílios Doença-Acidentários Concedidos do trabalho. 3ª e. Rio de Janeiro: Fiocruz, gem da psicodinâmica do trabalho, mostrou- pelos Códigos da Classificação Nacional de 2011b. Os transtornos psíquicos mais comuns se útil para a análise do fenômeno do adoe- Atividades Econômica-CNAE Classe, segun- estão relacionados ao estresse e ao humor cimento psíquico laboral no Distrito Federal do os códigos da Classificação Internacio- ______. A loucura do trabalho: estudo (como depressão e ansiedade). Poucas ativi- e no Tocantins, a fim de se buscar formas de nal de Doenças (10ª Revisão) CID-10. Janei- de psicopatologia do trabalho. 5ª ed. São dades econômicas concentram os casos de prevenir ou minimizar o agravamento de do- ro a Dezembro de 2011, 2012 e 2013. Brasília: Paulo: Cortez/Oboré, 2012. adoecimento psíquico ocupacional no Brasil enças relacionadas ao trabalho com ênfase MPS, 2013/2014. Disponível em: . Acesso em 12 dos auditores-fiscais da previdência social REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS out. 2014. brasileira. Brasília: Ler, Pensar e Agir, 2003. Os resultados e a análise dos dados apon- tam para a presença de diversos riscos psi- BOJART, Luiz Eduardo Guimarães. Jus- ______. Ministério da Previdência Social. FRANCO. Tânia. Karoshi: o trabalho entre cossociais nessas atividades econômicas e tificativas para iniciar o debate jurídico no DataPrev. AEAT InfoLogo: Base de Dados a vida e a morte. Caderno CRH. Salvador, nº para a insuficiência das estratégias de defesa Brasil sobre a saúde mental no trabalho. In: Históricos de Acidentes de Trabalho. Apli- 37, jul./dez. 2002.
38 39 FREUD, Sigmund. O mal-estar na civiliza- ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO ção. Pequena coleção das obras de Freud. TRABALHO. Psychosocial factors at work: Rio de Janeiro: Imago, 1974, livro 8. recognition and control. Report of the Joint ILO/ WHO Committee on Occupa- LANCMAN. Selma. Apresentação: o mundo tional Health. Occupational Safety and do trabalho e a psicodinâmica do trabalho. In Health Series. Genebra: 1986, n. 56, v. ____.; SZNELWAR, L. I. (Orgs.). Christophe De- 5. Disponível em: . Acesso em: 14 out. 2014. MARTINS, Soraya Rodrigues. Subjetividade e adoecimento por Dorts em trabalhadores de ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE um banco público em Santa Catarina. In: MEN- (OMS). Constituição da Organização Mun- DES, Ana Magnólia. Psicodinâmica do traba- dial de Saúde. Nova Iorque, 1946. Disponí- lho: teoria, método e pesquisas. São Paulo: vel em: . Acesso em 25 out. 2014. DAS CONSTRUTORAS E REPERCUSSÕES SOCIAIS psicodinâmica do trabalho. In: FREITAS, Lêda Gonçalves de (Orgs.). Prazer e sofrimento PENIDO, Laís de Oliveira; PERONE, Gian- no trabalho: pesquisas brasileiras. Curitiba: carlo. Saúde mental no trabalho: escla- 1 Antônia de Kássia Silva de Sousa Pinho Juruá, 2013. recimentos metodológicos para juristas. Advogada In: FERREIRA, Januário Justino; PENIDO, MERLO, Álvaro Roberto Crespo. O trabalho Laís de Oliveira (Orgs.). Saúde mental no que adoece mentalmente. 6º Congresso In- trabalho: coletânea do fórum de saúde e ternacional sobre Saúde Mental no Trabalho. segurança no trabalho do Estado de Goi- RESUMO nar à dinâmica do crescimento econômico Goiânia: Forum de Saúde e Segurança no Tra- ás. Goiânia: Cir Gráfica, 2013. atual com o elevado número de acidentes, balho do Estado de Goiás, 21-23 out. 2014. O presente trabalho possui a finalidade de através da análise dos dados estatísticos, for- UNIÃO EUROPEIA. Agência Europeia apresentar um estudo a respeito da caracte- necidos por órgãos oficiais e pesquisas biblio- MOLINIER, Pascale. O trabalho e a psique: para a Segurança e Saúde no Trabalho. rização da responsabilidade civil das constru- gráficas no intuito de se demonstrar os ele- uma introdução à psicodinâmica do traba- Riscos psicossociais e stresse no traba- toras nos acidentes de trabalho e as reper- mentos necessários para caracterização da lho. Brasília: Paralelo 15, 2013. lho. Disponível em: . Acesso tanto, será enfocado a importância da aplica- políticas públicas eficazes no intuito de dimi- MONTEIRO, Antonio Lopes; BERTAGNI, Ro- em: 14 out. 2014. ção das normas protecionista e consequên- nuir os números estatísticos. berto Fleury de Souza. Acidentes do trabalho cias de sua inaplicabilidade para os emprega- e doenças ocupacionais. 6ª ed. São Paulo: VIEIRA, Fernando de Oliveira; MENDES, dos da construção civil, que historicamente PALAVRAS-CHAVE: Caracterização. Re- Saraiva, 2010. Ana Magnólia; MERLO, Álvaro Roberto tem sido o carro chefe dos acidentes de tra- percussões. Elementos. Trabalhador. Res- Crespo (Orgs.). Dicionário crítico de ges- balho no Brasil, buscando sempre correlacio- ponsabilidade OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. A prote- tão e psicodinâmica do trabalho. Curiti- ção jurídica à saúde do trabalhador. 6ª ed. ba: Juruá, 2013. 1. Graduada em Direito (Centro Universitário Luterano de Palmas-Ceulp/Ulbra), Pós Graduada Lato Sensu em Direito e Processo do Trabalho (Universidade Anhanguera), Pós Graduanda em Direito Eleitoral pela Universidade Federal do Tocantins. Advogada militante em Direito do Tra- São Paulo: LTr, 2011. balho no âmbito do TRT da 10ª Região e Previdenciário no TRF 1ª Região na Seção Judiciária de Palmas/To. Email: [email protected]
40 41 1. INTRODUÇÃO Em decorrência da necessidade satis- Em face dessa realidade busca-se escla- A revelação entre direito e eco- fativa do trabalhador em ver seus direitos recer se o modelo jurídico atual está sendo nomia é tão antiga quanto à última, Os direitos trabalhistas assegurados atu- cumpridos, o presente trabalho irá de- compatível e será capaz de dirimir os con- embora seja vista como alguma coisa almente na Constituição Federal e na Con- monstrar o contexto normativo que disci- flitos trabalhistas oriundos desse desenvolvi- marginal, de pouco importância, e é solidação das Leis do Trabalho (CLT) tiveram plina os acidentes de trabalho no Brasil, mento desenfreado da construção civil no imensa a contribuição que o diálogo como maior precursor ideológico a Revolu- dando uma ênfase as normas que devem Brasil, na medida em que os trabalhadores entre Direito e Economia (ciências so- ção Francesa, onde, se iniciou a liberdade ser observadas pelos empregadores da desta quando sofrem acidente de trabalho ciais aplicadas) pode oferecer ao pro- contratual, suprimindo, por conseguinte, as construção civil e demonstrando os pres- são afetados em sua dignidade de ser huma- por soluções para questões atuais, ao corporações de ofício. supostos necessários para caracterização no. Desse modo, objetiva-se examinar como contrário do que afirmam os detrato- da responsabilidade civil das construtoras se dá e quais os elementos ensejadores da res dessa corrente de estudos (BEDIN, O contrato de tra- e as repercussões sociais responsabilidade civil do empregador nos ca- 2010, apud SZTAJN, 2005). balho só veio a se de- na vida do trabalhador sos de acidente de trabalho, a luz dos princí- senvolver a partir do O presente após o acidente de traba- pios constitucionais de proteção ao trabalho, Os efeitos do crescimento econômico que surgimento da Revo- trabalho irá lho, além de ter uma pre- utilizando-se como método a pesquisa biblio- o Brasil vive hoje podem ser verificados em lução Industrial, ten- demonstrar o ocupação constante em gráfica, análise de doutrina e posicionamen- vários segmentos, mas a construção civil me- do passado por várias trazer o entendimento to jurisprudencial, além de suporte através de rece acentuado destaque em razão da ca- mudanças ao longo de contexto normativo jurisprudencial adotado textos eletrônicos. deia produtiva que envolve e do número de décadas, mas, sempre que disciplina pelos Tribunais. empregos criados. na busca do mesmo os acidentes 2. ABORDAGEM DA ANÁLISE ECONÔMI- objetivo, utilização do É sabido que mesmo CA DA CONSTRUÇÃO CIVIL Os aspectos econômicos da construção trabalho humano (físi- de trabalho depois de tantas inova- abrangem uma gama diversa, congregando co ou intelectual) com no Brasil. ções trazidas pela Cons- A análise econômica da construção civil se uma variedade de empresas: o imobiliário, o objetivo de alavan- tituição Federal acerca mostra de grande importância car o crescimento eco- da responsabilidade civil, antes de se adentrar no estudo nômico num todo, be- existe ainda grande diver- da caracterização da responsa- neficiando tanto ao empregado quanto ao gência quanto ao tema em comento no bilidade civil das construtoras. empregador. que diz respeito a sua aplicação nas rela- A economia envolve principal- ções trabalhistas, especialmente, quando mente questões de macroeco- O Brasil nos últimos 10 (dez) anos passou se fala em acidente de trabalho. nomia como o crescimento eco- e tem passado por grandes transformações nômico, estabilidade nos preços, sociais, culturais, educacionais e principal- A falta de precisão sobre a caracteriza- nível de emprego, dentre outros. mente econômicas, fato que ocasionou um ção da responsabilidade civil nos aciden- aumento significativo na oferta de trabalho tes de trabalho, tema de tamanha impor- Quando se fala em cresci- nas mais diversas aéreas de atuação, em es- tância, deve ser profundamente discutido mento econômico, também es- pecial na construção civil, situação que tem com o intuito de estudar alternativas vol- tamos falando de mercado de gerado um número alto de acidentes de tadas à diminuição ou até inexistência de trabalho, em aumento do núme- trabalho, que historicamente já é bastante acidentes de trabalho que, a cada dia, se ro de empregos, o que interessa significativo, muitas vezes por negligência, tornam mais evidentes no Brasil com o não somente a economia como imprudência e imperícia das empresas, por crescimento econômico da última déca- também ao Direito, em especial desrespeito as normas que tratam do assun- da e o aumento da oferta de emprego nas ao do trabalho. A respeito da to, mas por outro lado por falta de orienta- mais diversas áreas, em especial nos can- importância da economia para ção e consciência dos trabalhadores. teiros de grandes obras. o direito, segue entendimento:
42 43 infraestrutura e engenharia pesada. Para fins na Europa, neste período, governos e em- ções e meio ambiente de trabalho na indús- ção funcional que cause a morte ou a perda de análise econômica, costuma-se decom- presários se deram conta que avanços e ino- tria da construção é a NR-18, que aborda ou redução, permanente ou temporária, da por a indústria da construção civil em 05 vações da época também tinham seu lado de forma minuciosa quais regras devem ser capacidade para o trabalho. (cinco) grandes segmentos: vias de transpor- ruim, mas segundo a melhor doutrina, foi observadas nos canteiros das obras, desde te (rodovias, ferrovias, portos, aeroportos e somente no ano de 1892 nos Estados Uni- sua implantação até a desmobilização após É cediço também pela definição do metrô); obras hidráulicas (principalmente hi- dos que a primeira empresa organizou um o término da construção, versando sobre o artigo 20 da lei 8.213/1991 que aci- drelétricas e obras de saneamento); edifica- departamento de segurança para seus fun- objetivo e aplicação da norma, programa de dente de trabalho pode ser decorren- ções; obras e serviços especiaito) em relação cionários. condições de meio ambiente de trabalho na te de doença profissional ou doença a 2010 e 69,4% (sessenta e quatro vírgula qua- indústria da construção (PCMAT), áreas de do trabalho, abandonando-se a ideia tro por cento) em relação a 2007. No Brasil a matéria segurança do traba- vivência, demolições, escavações, carpin- de causa involuntária e violenta, pois lho é tratada pela lei taria, armação de aço, estes dificultavam o enquadramento O desenvolvimento econômico associa- 8.213 de 1991, Con- estrutura de concre- de determinado evento, hoje se tem do a uma maior distribuição de renda, sem solidação das Leis to, estrutura metálica, consolidado que nem sempre o aci- dúvida, é um avanço conquistado pela po- do Trabalho - CLT, operações de solda- dente de trabalho é algo violento, pulação brasileira, acontece que, tanto o Po- artigos 154 a 201, gem e corte a quente, ao contrário, pode ocorrer de forma der Legislativo como o Executivo não tem se portarias, decretos, andaimes, cabos de gradativa e lenta como é o caso das atentando ao fato de que o desenvolvimento Convenções Inter- aço, máquinas/ ferra- lesões por esforço repetitivo (LER). tem de caminhar com a aplicação e fiscaliza- nacionais da Organi- mentas, equipamentos ção eficaz das normas trabalhistas existentes, zação Internacional de proteção individual 4. CARACTERIZAÇÃO DA RESPONSABIL- sob pena de se ter um número ainda maior do Trabalho - OIT, (EPI), treinamento de DIADE CIVIL de trabalhadores acidentados ou atingidos ratificadas pelo Bra- trabalhadores, acidente por doenças ocupacionais. sil, além das normas fatal, comissão interna A responsabilidade civil prevista no Códi- regulamentadoras de prevenção de aci- go Civil de 2002 se desdobra desde a parte O crescimento tem de caminhar junto com aprovadas pela por- dentes (CIPA), dentre geral do código, passando pelas obrigações as normas de proteção a vida do trabalhador, taria nº 3.214/78 do outros assuntos. até sucessões. O termo responsabilidade nos pois, do contrário toda a sociedade pagará o Ministério do Traba- remete a ideia de compromisso com aquilo preço. lho. A NR-18 assim como que nos propomos a fazer, no âmbito jurídico as demais normas regu- esta associada à obrigação de uma pessoa É oportuno ressaltar que o Brasil já criou O objetivo da se- lamentadoras, visa sal- reparar a outra pelo prejuízo causado. diversas normas envolvendo a segurança e gurança e medicina vaguardar a vida do tra- saúde do trabalhador, as quais serão descri- do trabalho é prote- balhador, ou ao menos Nos dizeres de Roberto Parizatto, pode tas transcorrer do trabalho, por ora, o que se ger a vida e saúde diminuir as possíveis ser assim definida: pretende mostrar é a relação entre desen- do trabalhador, salvaguardar a responsabili- sequelas deixadas por um eventual acidente volvimento econômico e acidentes do tra- dade da empresa, além de cumprir as deter- de trabalho, pois são nas áreas de trabalho Responsabilidade nada mais é do balho. minações legais. Para alcançar esse objeti- que as atividades prevencionista iniciam. que o dever de responder, na par- vo, a legislação brasileira atua na chamada Nos termos da lei 8.213/1991 acidente ticularidade, pelo ato tido como ilí- 3. ACIDENTE DE TRABALHO política prevencionista por meio da elabo- de trabalho é definido como: cito que tenha ocasionado dano a ração de normas regulamentadoras (NR’s) a Art. 19. Acidente do trabalho é o que ocor- outrem. O ato ilícito por sua vez é Os apontamentos históricos relatam que serem observadas pelas empresas. re pelo exercício do trabalho a serviço da em- conduta ou a omissão praticada por o assunto acidente de trabalho e suas con- presa ou pelo exercício do trabalho dos segu- alguém, contrária ä ordem e regra ge- sequências só passaram a ganhar espaço a No âmbito da construção civil a norma rados referidos no inciso VII do art. 11 desta ral, ocasionando dano (PARIZATTO. partir da revolução industrial, em especial regulamentadora que disciplina as condi- Lei, provocando lesão corporal ou perturba- 2011. p.990).
44 45 O instituto da responsabilidade civil assim trabalhador e ao meio ambiente de Diante dessa circunstância, vozes na dou- Corroborando com esse entendimento, como os demais ramos do Direito remonta trabalha. Essa responsabilidade não trina se insurgiram no sentido de considerar Amauri Mascaro Nascimento assevera: ao Direito Romano, onde, caso o devedor tem natureza contratual porque não objetiva a responsabilidade das empresas pe- não cumprisse o convencionado, era conver- há cláusula do contrato de trabalho los acidentes de trabalho, bastando para isso A Constituição deve ser interpretada como tido em escravo e respondia pela obrigação prevendo a garantia de integridade à prova do dano e do nexo causal, usando um conjunto de direitos mínimos e não de di- assumida com seu próprio corpo, no intuito psicobiofísica do empregado ou da como fundamento o fato de que não se pode reitos máximos, de modo que nela mesma de buscar a ordem e inibir atitudes lesivas de sua incolumidade (OLIVEIRA, 2011, fazer uma interpretação literal do inciso, XXVII se encontra o comando para que direitos uns para com outros. p.92-93). do artigo 7º da Constituição Federal, o qual mais favoráveis ao trabalhador venham a elucida o direito a indenização para trabalha- ser fixados através da lei ou das convenções A sistemática atual do Código Civil em seus Dallegrave Neto elucida que “em determi- dor quando incorrer o empregador em dolo coletivas. Ao declarar que outros direitos po- artigos 186 e 927 explanam que, aquele que nadas circunstâncias o dever de reparação do ou culpa e sim associá-lo obrigatoriamente dem ser conferidos ao trabalhador, a Cons- por ação ou omissão voluntária, negligência dano encontra-se situado, ao mesmo tempo, ao caput do artigo que preceitua uma série tituição cumpre tríplice função. Primeiro, a ou imprudência, violar direito e causar dano na ambiência contratual e extracontratual. É de direito dos trabalhadores, além de outros elaboração das normas jurídicas, que não a outrem, ainda que exclusivamente moral, o que ocorre, por exemplo, no caso de dano que visem à condição da melhoria social. deve perder a dimensão da sua função so- comete ato ilícito e fica obrigado repará-lo, to- moral infligido ao empregado pelo emprega- cial de promover a melhoria da condição do davia, dúvidas surgem quanto à aplicação da dor na execução do contrato de trabalho” trabalhador. Segundo, a hierarquia das nor- responsabilidade civil no caso concreto, pois a (NETO. 2008.p.82). mas jurídicas, de modo que, havendo duas doutrina costuma denominar as responsabili- ou mais normas, leis, convenções coletivas, dades em contratual, extracontratual ou aqui- Não é somente a responsabilidade contra- acordos coletivos, regulamentos de empresa, liana, subjetiva e objetiva. tual e extracontratual que tem sido discutida usos e costumes, será aplicável o que mais pela doutrina no âmbito trabalhista, existem beneficiar o empregado, salvo proibição por Diz responsabilidade contratual, porque a também posicionamentos divergentes tanto lei. Terceiro, a interpretação das leis de forma obrigação avençada entre as partes deriva de na jurisprudência como na doutrina em re- que, entre duas interpretações viáveis para a um contrato e quando, alguma das partes não lação ao cabimento responsabilidade obje- norma obscura, deve prevalecer aquela ca- cumpriu o que foi pactuado ou lesa a outra, tiva na seara laboral, isto porque, diferente paz de conduzir ao resultado que de melhor surgi o dever de indenizar, já a responsabili- da responsabilidade subjetiva que só ocorre maneira venha a atender aos interesses do dade extracontratual ou aquiliana não emergi com a comprovação de dolo ou culpa por trabalhador (NASCIMENTO, 2001, p.40). de contrato, mas sim da inobservância de um parte do empregador, naquela somente é ne- preceito legal, vindo a causar dano a outrem. cessário está presente o nexo de causalidade Além de uma interpretação mais abrangen- e o dano para responsabilizar o empregador te da Constituição, com o advento do Código Em se tratando de responsabilidade oriun- pelo evento acidente de trabalho. Civil de 2002 os ricos debates doutrinários che- da de acidente de trabalho ou doença ocu- garam à chamada teoria do risco disciplinada pacional Sebastião Geraldo de Oliveira, asse- Em princípio a verificação da culpa na no parágrafo único do artigo 927, que trata vera. construção civil se dá quando o empregador da responsabilidade independente de culpa, deixa de cumprir as normas de segurança e quando atividade desenvolvida pelo autor do A indenização por acidente de medicina do trabalho, em especial a NR 04 e dano implicar risco ao direito do outrem. trabalho ou doença ocupacional, em 18, além de outras normas aplicáveis, entre- princípio, enquadra-se como respon- tanto, nos dias atuais em que as transforma- A jurisprudência dos Tribunais do Tra- sabilidade extracontratual porque ções se dão de forma célere o trabalhador balho e do Superior Tribunal do Trabalho decorre de algum comportamento muitas vezes não tem conseguido demons- também tem aplicado à teoria do risco nas ilícito do empregador, por violação trar a referida culpa e fica a mercê de atos relações laborais, conforme se verifica nos dos deveres gerais de proteção ao lesivos praticados por empregadores. entendimentos abaixo:
46 47 Acidente de Trabalho. Respon- ra-se difícil, se não impossível, a viole direito de outrem e cause um dano. sabilidade civil do empregador. prova da conduta ilícita do empre- O que vai diferenciá-las é a existência ou Teoria do risco. Art.7º, caput e gador, tornando intangível o direi- não de dolo ou culpa e o nexo causal. inciso XXVIII, da Constituição Fe- to que se pretendeu tutelar. Não se deral. Responsabilidade objetiva. pode alcançar os ideais de justiça Na responsabilidade subjetiva, o ele- Possibilidade. O caput do art.7º e equidade do trabalhador - ínsi- mento indispensável para sua consta- da CF constitui-se tipo aberto, tos à teoria do risco -, admitindo tação é a culpa, que, pode ser definida vocacionado a albergar todo e interpretações mediante as quais, como uma negligência, a falta de diligên- qualquer direito quando mate- ao invés de tornar efetivo, nega- cia necessária na observância de uma rialmente voltado à melhoria da se, por equivalência, o direito à re- norma de conduta, ou seja, não prever condição social (......) Consentâ- paração prevista na Carta Magna. o que é previsível, porém sem intenção neo com a ordem constitucional, Consentâneo com a ordem consti- de agir ilicitamente, este fator é bastante portanto o entendimento segun- tucional, portanto, o entendimento relevante, pois é o que vai diferenciar a do o qual é aplicável a parte final segundo o qual é aplicável a par- culpa do dolo, neste último o emprega- do parágrafo único do art. 927 te final do parágrafo único do art. dor ou preposto atuam intencionalmen- do CCB, quando em discussão 927 do CCB, quando em discussão te na prática do ato ilícito. Na culpa, os a responsabilidade civil do em- a responsabilidade civil do empre- empregadores não desejam o resultado, pregador por acidente de traba- gador por acidente de trabalho mas descuidam-se vindo a contribuir di- lho. TST. SBDI-I. E-RR n.9951600- (E-RR- 9951600-44.2005.5.09.0093, retamente para existência do evento. 44.2005.5.09.0093, Rel.: Ministra Rel. Ministra Maria de Assis Cal- Maria de Assis Calsing, DJ 12 sing, DEJT 12/11/2010). Sobre a abrangência da culpa nov.2010 Sebastião Geraldo de Oliveira A análise da aplicação da responsa- entende: RESPONSABILIDADE CIVIL OB- bilidade objetiva nos acidentes de tra- Mas não somente a infração das JETIVA E SUBJETIVA. balho se mostra pertinente em razão do normas legais ou regulamento gera a 1. O caput do art. 7.º da Cons- número alarmante de acidentes ocorrido culpa. Os textos normativos, por mais tituição Federal constitui-se tipo no Brasil, sem contar que ainda se en- extensos e detalhados que sejam, aberto, vocacionado a albergar contram facilmente empregadores que não conseguem relacionar todas as todo e qualquer direito quando insistem em não observar as normas re- hipóteses possíveis do comporta- materialmente voltado à melho- gulamentadoras preventivas, por isso, os mento humano nas suas múltiplas ria da condição social do traba- tribunais têm aplicado à responsabilida- atividades. Assim, além da culpa lhador. A responsabilidade subje- de em comento com base na teoria do contra a legalidade, pode surgir a tiva do empregador, prevista no risco. culpa tão somente pela inobservân- inciso XXVIII do referido preceito cia do dever geral de cautela em sen- constitucional, desponta, sob tal No âmbito doutrinário é perfeitamen- tido lato, ou seja, do comportamento perspectiva, como direito míni- te aplicável à responsabilidade civil ob- que se espera do homem sensato e mo assegurado ao obreiro. Trata- jetiva com base na teoria do risco nos prudente que os romanos denomi- se de regra geral que não tem o acidentes de trabalho, mas a título de nam bonus pater familias. É por essa condão de excluir ou inviabilizar jurisprudência a responsabilidade subje- razão que o artigo 186 do Código outras formas de alcançar o direi- tiva tem maior aceitação, entretanto, em Civil utiliza a expressão mais ampla, to ali assegurado. Tal se justifica ambos os casos é necessário à existência violar direito, em vez de violação da pelo fato de que, não raro, afigu- de uma ação ou omissão voluntária que lei (OLIVEIRA, 2011, p.177).
48 49 Fala-se que o empregador age com culpa hipótese, não decorre do exercício Já na responsabilidade objetiva o elemen- na ocorrência de acidente do trabalho à contra a legalidade, quando o acidente de do trabalho, mas do descumprimen- to culpa é dispensável, pertinente somente à Previdência Social, até o primeiro dia útil trabalho ou doença ocupacional é gerado to dos deveres legais de segurança, conduta, o dano e o nexo causal com base seguinte ao evento e, em caso de morte, pelo descumprimento da lei e normas regula- higiene e prevenção atribuídos ao na teoria do risco. A conduta está baseada de imediato a autoridade competente. mentares que preceituam deveres para a se- empregador (OLIVEIRA, 2011, p.84). na noção de voluntariedade, podendo ser gurança, higiene, saúde ocupacional e meio uma ação ou omissão, na ação o individuo O objetivo do legislador ao criar a CAT ambiente de trabalho. A verificação da culpa pratica um ato tendo consciência do ato lesi- foi garantir ao acidentado o direito de ser nesse caso se torna mais fácil, visto que, pri- vo que esta causando, enquanto na omissão, auxiliado pelo órgão previdenciário, além meiro se observa se o empregador cumpriu existe uma omissão quanto ao conhecimen- de possuir um forte caráter estatístico, pois as leis, normas regulamentadoras e outros, to da lesividade do ato praticado. demonstra em quais segmentos está ocor- em se constatando que o acidente ou do- rendo um maior volume de acidentes, fato ença foi decorrente do descumprimento de O dano por sua vez é o feito resultante da que não agrada muito alguns empregado- alguns dos itens ficará caracterizada a culpa ação ou omissão praticada e pode se ma- res, pois nela o empregador é obrigado e o empregador arcará com a indenização nifestar de diversas formas, na construção a preencher todos os dados solicitados, cabível. civil os danos são desastrosos e vão des- como: data do acidente, hora, qual tipo de de mutilações de membros até a morte do acidente, quantas horas o empregado tra- Existe também a culpa no dever geral trabalhador, existe ainda a necessidade de balhou no dia do evento, as circunstância de cautela, na omissão do empregador em demonstração de nexo entre o evento e o em que era desenvolvido o trabalho, den- garantir um meio ambiente de trabalho se- dano, este último por si só não é capaz de tre outros. guro, o que também impõe a obrigação de gerar o direito a reparação, nem somente a indenizar o dano sofrido. Todavia, algumas existência de uma ação ou omissão, o nexo Desse modo, a CAT se mostra com um situações podem eximir o empregador de ar- causalidade é imprescindível para configu- importante elemento caracterizador do car com a responsabilidade civil, nos casos ração da responsabilidade civil. nexo causal nos acidentes de trabalho, prin- da configuração de culpa exclusiva ou culpa cipalmente nos acidentes típicos, que são os concorrente da vítima, neste último caso a Sobre o conceito de nexo causal Sergio mais frequentes na construção civil, todavia, culpa será aplicada de forma proporcional a Cavalieri diz: muitas empresas ainda continuaram omitin- ação do empregador. do a emissão da CAT no intuito de não se- Não é exclusivamente jurídico; de- rem responsabilizados, situação que só veio Outro aspecto relevante em relação à corre primeiramente das leis naturais. É ser modificada a partir da entrada em vigor culpa esta disciplinado no artigo 120 da lei o vínculo, a ligação ou relação de cau- da lei 11.430 de 2006 que criou o chamado 8.213/90, e, nesse sentido Sebastião Ge- sa e efeito entre a conduta e o resulta- nexo técnico epidemiológico (NTE). raldo de Oliveira, explana: do. (...) É um conceito jurídico norma- tivo através do qual podemos concluir Entretanto, mesmo diante das inovações Quando o empregador descuida- quem foi o causador do dano (CAVA- legislativas o de número de acidentes for- do dos seus deveres concorrer para LIERI FILHO, 2010, p. 47). necidos pelos órgãos oficiais ainda continu- o evento do acidente com dolo ou am elevados para um país que atualmente culpa, por ação ou omissão, fica Aspecto importante em relação ao nexo é considerado a sétima economia mundial. caracterizado o ato ilícito patronal, causal é a comunicação de acidente de Referidas afirmações são constatadas Anu- gerando direito a reparação, inde- trabalho (CAT) imposição legal feita para ário Estatístico de Acidente de Trabalho da pendente da cobertura acidentária. as empresas, prevista no artigo 22 da lei Previdência Social (AEAT), conforme quadro Pode – se concluir, portanto, que a 8.213/1991 e trata-se de uma comunicação abaixo, que descrimina a quantidade de aci- causa verdadeira do acidente, nessa escrita/formal a ser feita pelo empregador dentes levando em consideração os tipos.
50 51 Fonte: Ministério da Previdência e Assistência Social - Anuário Estatístico de Acidente de Trabalho da Previdência Social Por fim, se ressalta que a caracteriza- doença ocupacional, haverá não só ocorrência e o trabalho constitui via principal de integra- que antes tinha pleno vigor se vê numa si- ção da responsabilidade civil seja ela sub- de efeitos civis através da aplicação da respon- ção social, o trabalhador é visto pela sua ca- tuação que os estudiosos do serviço social jetiva ou objetiva é de grande relevância sabilidade civil, mas também previdenciários, pacidade de gerar e viabilizar cada vez mais denominam vulnerabilidade social. para aplicação da responsabilidade civil como o direito a percepção de benefícios pelo valor ao produto/serviço do seu emprega- nos acidentes de trabalho e doenças ocu- segurado ou dependentes. Tais benefícios se dor, essa tem sido a regra ditada pelo merca- Sobre a questão social nos acidente de pacionais na construção civil, considerado encontram disciplinados no artigo 18 da lei do capitalista. trabalho, segue importante entendimento: um dos segmentos mais causadores de in- 8.213/1991, sendo eles: auxílio-doença, apo- fortúnios laborais. sentadoria por invalidez, auxílio-acidente, pen- Acontece que, quando esse mesmo tra- A questão social é resultado da são por morte e reabilitação profissional, a de- balhador é acometido por um acidente ou relação capital/trabalho, traduz-se 5. REPERCUSSÕES SOCIAIS pender do grau da incapacidade sofrida. doença ocupacional que resulte, por exem- em inúmeras formas de desigualda- plo, incapacidade definitiva para o trabalho, des, dentre outros, agravos a saúde, A partir do momento em que o trabalhador No atual contexto de sociedade, onde as a sociedade de um modo geral passa a vê-lo desemprego, erosão dos sistemas é acometido por um acidente de trabalho ou relações tornam-se cada vez mais dinâmicas com outros olhos, e o próprio trabalhador de proteção social, fome e vulnera-
52 53 bilidade das relações sociais. Portan- se que esses acidentes se refletem denciais, ou seja, o entendimento atu- to, caracteriza-se como sendo um na sociedade de diversas manei- al das Cortes Superiores sobre o tema conjunto de políticos, sociais e eco- ras, e o conjunto é atingido de proposto. nômicos em que o surgimento da forma direta e indireta, não preju- classe operária impôs no curso na dicando somente o indivíduo que Através disto, identificou-se, por constituição capitalista (RODRIGUES sofreu a lesão, mas toda a coletivi- exemplo, uma evolução do pensamen- e BELLINI, 2010 apud CIRQUEIRA, dade (BEDIN, 2010, p.20). to jurídico, principalmente através de 1982, p.21). teses doutrinárias ao se admitir a apli- Outro aspecto relevante em relação às cação da responsabilidade objetiva nos A necessidade de se abordar sobre as re- repercussões sociais nos acidentes de tra- acidentes de trabalho, fato que benefi- percussões sociais dos acidentes de trabalho balho diz respeito ao “público alvo”, os aci- cia sobremaneira o trabalhador, que é na vida do trabalhador reside no fato de que, dentes atingem cada vez mais a população o hipossuficiente na relação laboral. os agravos à saúde repercutem diretamente economicamente ativa, ocorre na faixa etá- nas relações familiares provocando rupturas ria mais produtiva, ou seja, dos 31(trinta e Buscou-se ainda, demonstrar que e processos de vulnerabilidade, pois a famí- um) aos 50 (cinquenta) anos. Sabe-se que as políticas públicas no combate a re- lia é a primeira vivenciar juntamente com o na fase adulta são afetadas as relações pro- dução no número de acidentes e mor- acidentado, quando este sobrevive, os pro- fissionais, sendo que muitas vezes com a tes de trabalhadores não caminhou na cessos de exclusão impostos pela própria so- interrupção de uma carreira em ascensão mesma celeridade do desenvolvimen- ciedade. gera perturbações na vida social do traba- to econômico do Brasil, e nos dias atu- lhador. ais, ainda se tem índices alarmantes de Os acidentes de trabalho não só compro- mortes de trabalhadores e acidentados. metem a integridade física do trabalhador, É preciso que o Estado crie ou amplie as mas pode também gerar alterações psiqui- políticas sociais existentes, a fim de torná Outro fator verificado na pesquisa átrico-psicológicas que repercutem no rela- -las mais eficazes na garantia de uma vida diz respeito aos efeitos decorrentes dos cionamento intrapessoal, familiar, social e digna aos trabalhadores, voltadas especifi- acidentes de trabalho na vida do tra- laboral do indivíduo, comprometendo tam- camente a prevenção dos infortúnios labo- balhador, constatou-se que a questão bém sonhos e projetos de vida, de realização rais e no acompanhamento do acidentado social é tão importante quanto às po- pessoal. e de sua família. líticas prevencionistas de combate aos acidentes, pois o trabalhador antes de É oportuno observar que as repercus- Desde os primórdios da existência hu- 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS tudo é um ser humano, e não deve mais ser sões sociais não atingem somente o âmbi- mana o trabalho é utilizado como meio visto como objeto para trabalho e sim como to familiar, mas a sociedade da qual ele faz relacionamento e integração social, tendo O presente trabalho se propôs discutir a colaborador participante do desenvolvimento parte, conforme entendimento abaixo: assim, importância fundamental de garantir caracterização da responsabilidade civil das de nosso País. a subsistência, como também, na constitui- construtoras nos acidentes de trabalho, aten- ção da vida, nos aspectos físicos, sociais e tando-se em todos os momentos para as reper- Por último, consigna-se que apesar de não A não observância das normas mentais e, portanto, precisa lhe ser garan- cussões sociais na vida do trabalhador oriundas se tratar de uma temática tão recente no direi- de segurança e prevenção de aci- tido através do cumprimento das normas desses acidentes. to brasileiro, deve ser levado em consideração, dentes, inicialmente, era pontual e já existentes meios de continuar a usufruir Para se chegar ao objetivo proposto abor- sobretudo a escassez de estudos doutrinários individual, em face da ocorrência de forma saudável dessa integração, com dou-se de forma singela e clara sobre os ele- acerca do assunto, contudo, devido à sua am- de infortúnios laborais ser vista sob o objetivo de se alcançar o objetivo maior mentos e situações caracterizadoras da respon- plitude, o assunto não se esgotou por inteiro. a ótica de cada vítima. Contudo, que o respeito à dignidade da pessoa hu- sabilidade civil, incorporando-se ao texto não Assim, espera-se o surgimento de novos traba- com o passar do tempo, observou- mana. somente posições doutrinárias, mas jurispru- lhos nessa seara.
54 55 dá outras providên- BEDIN, Barbara. Prevenção de acidentes de cias. Disponível em: trabalho no Brasil sob a ótica dos incentivos http://www.planal- econômicos. São Paulo: LTr, 2010. to.gov.br/ccivil_03/ leis/L8213cons.htm. FILHO, Rodolfo Pamplona. Responsabilidade Acesso 03.02.2013 às civil nas relações de trabalho e o novo Códi- 20h23mim. go Civil brasileiro. Disponível em: http://jus. uol.com.br/revista/texto/6723>. Acesso em: 4 _______. Portaria abr.2011. MTB nº 3.214 de 08 de julho de 1978. MARTINS, Sergio Pinho. Direito do trabalho. Aprova as normas re- 22. ed. São Paulo: Atlas, 2006. gulamentadoras - NR - do capítulo V, título MARTINS, Sergio Pinto. Direito da segurida- II, da consolidação de social. 24. ed. São Paulo: Atlas, 2007. das leis do trabalho, relativas a seguran- NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Direito do ça e medicina do Trabalho na Constituição de 1988. 2. ed. São trabalho. Disponível Paulo: Saraiva, 2001 em: http://www010. dataprev.gov.br/ NETO, José Affonso Dallegrave. Responsabi- sislex/paginas/63/ lidade civil no direito do trabalho. 3. Ed. São mte/1978/3214.htm. Paulo: LTr, 2008 Acesso 03.02.2013 às 20h45mim. PARIZATTO, João Roberto. Manual Prático do Código Civil – Doutrina, Jurisprudência, ________.Tribu- Modelos Práticos. 2ª. Tiragem. São Paulo: Edi- nal Superior do Tra- tora Parizatto. v.1, 2011. balho. Acidente de trabalho. Responsa- ________, Sebastião Geraldo de. Indeniza- bilidade civil do em- ções por acidente do trabalho ou doença pregador. Teoria do risco. Art.7º, caput ocupacional. 6. ed. São Paulo: LTr, 2011. 7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ______. Decreto nº 3.724 de 15 de e inciso XXVIII, da Constituição Federal. janeiro de 1.919. Regula as obrigações Responsabilidade objetiva. Possibilidade. RODRIGUES, Priscila Françoise Vitaca; BELLI- BRASIL. Decreto lei nº. 5.452, de 01 resultantes dos acidentes no trabalho. Dis- E-RR n.9951600-44.2005.5.09.0093. Rela- NI, Maria Isabel Barros. A organização do tra- de maio de 1.943. Aprova a consolidação ponível em: http://www.acidentedotraba- tora: Ministra Maria de Assis Calsing. Brasí- balho e as repercussões na saúde do traba- das leis do trabalho. Vade Mecum / obra lho.adv.br/leis/DEC-003724/Integral.htm. lia, 12 de novembro 201o. Disponível em: lhador e sua família. Revista Eletrônica Textos coletiva de autoria da Editora Saraiva com Acesso 04.05.2013 às 14h58min. http://www.legjur.com/noticias/2115/ e Contextos, Porto Alegre, v. 9, n. 2, p. 345-357, a colaboração de Antonio de Toledo Pinto, tst-8-t-responsabilidade-civil-empregador ago./dez. 2010. Márcia Cristina Vaz dos Santos Windt e Lí- ______. Lei nº 8.213 de 24 de ju- -acidente-de-trabalho-acidente-de-tran- via Céspedes. 11. ed. Atual. e ampl. São lho de 1991. Dispõe sobre os Planos sito-recurso. Acesso em 26 de março de Paulo: Saraiva, 2011. de Benefícios da Previdência Social e 2013 às 09hs 17 min.
56 57 nos moldes do caput do art. 7º, como cate- prestadores de serviços rurais e domésti- goria paralela à dos empregados domésticos, cos eram considerados reles mercadorias e, ainda que possam estes atuar em zonas ur- como todo bem, tinham o seu destino com- banas ou rurais) foram, paulatinamente, pela pletamente confiado ao arbítrio de seus res- via legal e pela via constitucional, estendidos pectivos senhores. aos trabalhadores residenciais. Abolida a escravatura, com a promulga- 2 Ante o cenário de mutação do regime de ção da Lei Áurea, em 13 de maio de 1.888 , proteção do trabalho doméstico, cumpre in- os negros tornaram-se livres, mas, sem qual- dagar se persiste válida, com o vigor que a quer preparação para uma vida sem corren- retórica do texto insinua, a regra introdutória tes, continuaram atrelados às mesmas ativi- da CLT que dela expulsou, dentre outras cate- dades desempenhadas antes do ato firmado gorias, os trabalhadores domésticos. pela Princesa Isabel. Como se dava com as demais formas de trabalho, as atividades la- A CLT INVADIDA (OU DOMESTICANDO A EXCLUSÃO) 2. Breve história do trabalho doméstico borais dos ex-escravos passaram a ser regidas no Brasil pelas regras da locação de serviços. Somente O TARDIO INGRESSO DO TRABALHO DOMÉSTICO NA CLT no início do Século XX é que começaram a Não se tem notícia de que nas comunida- ser editadas, na onda das primeiras constitui- O tardio ingresso do trabalho doméstico na CLT des “precabralinas”, isto é, nas sociedades ções introdutoras de direitos sociais (sendo indígenas ocupantes do território brasileiro pioneira a Mexicana em 1.917), as primeiras até a chegada dos portugueses, em 1.500, leis brasileiras esparsas em matéria de Direi- Juiz Antonio Umberto de Souza Júnior1 houvesse pessoas a soldo a serviço das famí- to do Trabalho, endereçadas a determinadas lias. Os serviços domésticos eram realizados categorias profissionais. 1 pelos próprios integrantes dos núcleos fami- liares como ocorre até hoje em muitos lares Até a edição da primeira lei nacional de mundo afora. tutela do trabalho doméstico (Decreto-lei nº 1. Primeiras palavras ligado à escravidão e à pobreza (não só eco- 3.078/41), a prestação de tal serviço era re- nômica, mas também de proteção jurídica), Com a chegada dos achadores do Brasil, gida inicialmente, à falta de norma brasileira, O Direito, por vezes, trai a sua vocação que culminou com a promulgação da Emen- foram capturados contingentes numerosos pelas Ordenações Filipinas portuguesas de para a estabilidade, geradora de segurança da Constitucional nº 72, em abril de 2013. 3 de índios viventes no nosso território e trazi- 1.603 (Títulos XXIX e seguintes do Livro 4) , e sossego social. Seja pela obra coletiva da Afinal, de um regime consolidado excluden- das legiões de negros africanos para empres- chegando, inclusive, a estipular o prazo pres- jurisprudência, seja pela obra coletiva dos te de qualquer tutela legal laboral a favor tarem, em regime de escravidão, a sua força cricional trienal para reclamação de créditos parlamentos, em certas ocasiões emerge a dos empregados domésticos (CLT, art. 7º, a) de trabalho dividida entre a produção nos pendentes (Título XXXII) e a indenizabilidade necessidade de ajustar estruturas, atualizar passamos a um novo regime em que quase campos e as tarefas de arrumação, cozinha da remuneração correspondente ao período institutos ou revolucionar concepções. todos os direitos sociais fundamentais dos e higiene das vestimentas nas casas tanto na remanescente do contrato em caso de dis- No caso do trabalho doméstico, a história empregados urbanos e rurais (aqui a locução zona rural quanto nos centros urbanos. Tais pensa antecipada do criado (Título XXXIV). tem revelado uma gradual fuga do passado, “empregados urbanos e rurais” coloca-se, 2. “É declarada extincta desde a data desta lei a escravidão no Brazil” (sic – Lei nº 3.353/1888, art. 1º). 1. Juiz Titular da 6ª Vara do Trabalho de Brasília. Conselheiro do Conselho Nacional de Justiça (2007-2009). Dire- 3. Transcreve-se, à guisa de curiosidade histórica, o primeiro dispositivo a tratar, no Brasil, dos criados, denominação sinônima dos do- tor do Foro Trabalhista de Brasília (2013). Juiz Auxiliar da Presidência do Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região (2013- mésticos: “TÍTULO XXIX. Do criado que vive com o senhor a bemfazer, e como se lhe pagará o serviço. Posto que algum homem, ou mulher viva 2014). Mestre em Direito e Estado pela Faculdade de Direito da Universidade de Brasília. Doutorando em Ciências Jurídico-Políti- com senhor, ou amo, de qualquer qualidade que seja, a bemfazer sem avença de certo preço; ou quantidade, ou outra cousa, que haja de haver cas pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Professor de Direito e Processo do Trabalho do Curso de Direito do UniCEUB por seu serviço contentando-se do que o senhor, ou amo, lhe quiser dar, será o amo e senhor obrigado a lhe pagar o serviço, que fez, havendo – Centro Universitário de Brasília e da ENAMAT – Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados do Trabalho. Coordena- respeito ao tempo, que servio, e à qualidade do criado e do serviço. Porém, se entre elles houver contracto feito sobre o serviço, cumprir-se-ha o dor Acadêmico dos Cursos de Especialização do IDP – Instituto Brasiliense de Direito Público (Brasília) e da ATAME (Brasília, Goiânia e Palmas). que entre elles fòr tractado, como fòr direito” (sic).
58 59 Posteriormente, a matéria passou a ser f) previam-se, por outro lado, justas causas b) tratar com polidez os que se utilizarem disciplinada, embora genericamente (não para rescisão contratual pelo tomador dos eventualmente dos seus serviços; apenas em relação aos domésticos), pelas serviços (locatário) como, por exemplo, a disposições do Código Civil de 1.916 refe- perpetração de ofensas morais pelo trabalha- c) desobrigar-se dos seus serviços com dili- rentes à locação de serviços (arts. 1.216 a dor a pessoa de sua família, “vícios ou mau gência e honestidade; 1.236). procedimento do locador”, inobservância de obrigação contratual e imperícia na execu- d) responder pecuniariamente pelos danos Em linhas gerais, o antigo Código Civil ção dos serviços (art. 1.229); causados por sua incúria ou culpa exclusiva; trazia as seguintes regras a serem observa- das: g) o contrato deveria, em regra, ser cum- e) zelar pelos interesses do empregador. prido pessoalmente pelo trabalhador (art. a) a retribuição financeira só era exigível 1.232). O descumprimento de qualquer dos de- após a conclusão do serviço ou podia ser veres propiciava a ruptura do contrato. Se a paga em prestações (art. 1.219); 3. A primeira lei brasileira dos domésticos parte inadimplente fosse o empregador, o tra- balhador teria direito à indenização do aviso b) o prazo máximo dos contratos era de A primeira lei nacional a regular o trabalho prévio de 8 dias; se fosse o empregado o ina- 4 anos, impreterivelmente (art. 1.220); doméstico, de modo específico, foi o Decreto dimplente, o empregador podia dispensá-lo 4 -lei nº 3.078/41 . Segundo tal diploma legal, sem necessidade de indenizar ou comunicar c) era obrigatório o aviso prévio para res- eram considerados “empregados domésticos previamente sua intenção rescisória. cisão dos contratos sem prazo determinado todos aqueles que, de qualquer profissão ou que variava de 1 a 8 dias (art. 1.221); mister, mediante remuneração, prestem ser- 4. A expulsão dos domésticos da tutela legal viços em residências particulares ou a bene- trabalhista genérica d) podiam ser exigidos quaisquer servi- fício destas” (art. 1º). Tal diploma assegurava ços compatíveis com as forças e condições aos empregados domésticos a anotação do Eram deveres do empregador doméstico Apesar do propósito de reunir, em um só do trabalhador (art. 1.223); contrato em carteira profissional, que tam- (art. 6º): diploma legal, todas as normas trabalhistas es- bém servia de prova de quitação ou ausên- parsas (daí seu rótulo), a Consolidação das Leis e) previam-se justas causas para que o cia de pagamento dos salários e, após o sexto a) tratar com urbanidade o empregado, do Trabalho, implementada pelo Decreto-lei nº trabalhador desse por findo o contrato mês de vigência do contrato de trabalho, avi- respeitando-lhe a honra e a integridade física; 5.452/43, retrocedeu no campo da regulação como, por exemplo, a morte do locatário, so prévio de 8 dias a ser cumprido em serviço do trabalho doméstico ao excluir ostensiva- a exigência de serviços superiores às suas ou a ser indenizado (arts. 2º, caput, e 3º, §§ b) pagar pontualmente os salários conven- mente tal categoria profissional de suas dispo- forças, legalmente proibidos, moralmente 1º, 2º e 3º). cionados; sições. Reza o art. 7º da CLT: condenáveis ou estranhos ao contrato, o c) assegurar ao empregado as condições tratamento patronal com rigor excessivo, o Também definia o aludido decreto-lei os higiênicas de alimentação e habitação quan- Art. 7º. Os preceitos constantes da descumprimento contratual pelo locatário, deveres das partes no contrato de trabalho do tais utilidades lhe sejam devidas. presente Consolidação salvo quando ofensas morais ou vulnerabilidade a situa- doméstico. Interessante perceber, já naquela fôr em cada caso, expressamente deter- ção de perigo manifesto de dano ou mal época, a preocupação com o respeito à dig- Já os empregados domésticos eram obri- minado em contrário, não se aplicam: considerável (art. 1.226), norma certamen- nidade das pessoas envolvidas naquela espé- gados (art. 7º) a: te inspiradora do texto do art. 483 da CLT; cie de relação de trabalho. a) aos empregados domésticos, as- a) prestar obediência e respeito ao empre- sim considerados, de um modo geral, 4. Pouco antes, o Decreto-lei nº 3.616/41 mencionou os serviços domésticos, “assim considerados os concernentes às atividades nor- gador, às pessoas de sua família e às que vi- os que prestam serviços de natureza mais da vida familiar” (art. 1º, a), mas apenas para excluir os empregados domésticos do regime de proteção ali instituído que proibia o trabalho vem ou estejam transitoriamente no mesmo não-econômica à pessoa ou à família, aos menores de 14 anos. Mais cedo, o Decreto nº 16.107/23 regulara de forma abrangente o trabalho doméstico, mas estritamente no âmbito do território do Distrito Federal. lar; no âmbito residencial destas;
60 61 Como se lê do texto legal, somente se apli- cais e horizontais de edifícios urbanos, delibe- sições pertinentes à locação de serviços no ratificação de conquistas anteriores (13º, filia- cariam as disposições da CLT quando fosse rou-se desclassificar como doméstico o traba- Código Civil. Naquele ano foi editada a Lei ção à Previdência Social, inclusive com direi- “expressamente determinado”. Não há, no lho realizado nos condomínios residenciais, nº 5.859 que, fundamentalmente, atribuiu, to à aposentadoria, e férias anuais). texto da CLT, nenhuma outra referência ex- não voltado individualmente aos moradores como direitos novos dos domésticos (o direito plícita ao trabalho doméstico de modo que respectivos. Tais empregados, nos termos da à carteira profissional anotada já fora contem- Para operacionalizar o novo regime previ- os empregados residenciais ficaram sem a definição legal dos dois decretos-leis então plado por aquele diploma legal da década de denciário decorrente da nova ordem consti- sombra protetiva do estatuto básico dos tra- vigentes (nºs 3.078/41 e 5.452/43), eram do- 40), o gozo de férias anuais remuneradas por tucional, inclusive no tocante ao custeio das balhadores brasileiros. Logo eles, tão profun- mésticos (ainda que trabalhando simultanea- 20 dias úteis (art. 3º) e a filiação compulsória contribuições e à fruição dos benefícios previ- damente subordinados a seus tomadores, mente para várias famílias), mas, por força de à Previdência Social (art. 4º). denciários alusivos aos empregados domésti- ficaram à margem do Direito do Trabalho ple- tal lei, passaram à condição de empregados cos, foram editadas as Leis nºs 8.212/91 (Lei no, vítimas da exclusão institucional – mero urbanos destinatá- Valendo-se da mesma de Custeio da Previdência Social) e 8.213/91 espelho de outra exclusão bem mais doloro- rios de toda prote- técnica adotada na in- (Lei de Benefícios da Previdência Social), com sa que é a exclusão social, esta herdeira da ção conferida pela trodução do 13º-salário, regras diferenciadas acerca da contagem dos escravidão. CLT e legislação criou-se o vale-transpor- prazos de carência, da garantia de benefício complementar. te fora do corpo da CLT. mínimo mesmo na ausência de comprova- Vale observar, contudo, que o Decreto-lei Novamente, os domésti- ção dos recolhimentos previdenciários, da nº 3.078/41 não chegou a ser expressamente Em 1962, foi ins- cos foram contemplados forma de pagamento da licença-maternidade revogado. Em se tratando de lei especial, não tituído o 13º-salário, no mesmo instante dos e da data inicial dos benefícios de aposenta- foi tal decreto-lei revogado tacitamente pela à época conhecido demais empregados (in- doria. Antes delas a Lei nº 6.887/80 rompera CLT, norma geral (Decreto-lei nº 4.657/42, como gratificação clusive com referência com uma incompreensível limitação do salá- 5 art. 2º, § 2º) , e por isso, à época da san- natalina, para to- expressa à categoria no rio-de-contribuição ao máximo equivalente ção da Lei nº 5.859/72, já vigorava um regi- dos os trabalhado- ato que regulamentou a ao salário mínimo, elevando-o ao patamar me de proteção legal mínima do trabalho res. Como o novo mencionada lei – Decre- de 3 salários mínimos por meio do acréscimo doméstico, complementado pela legislação direito foi imple- to nº 95.247/87, art. 1º, do § 1º ao art. 5º da Lei dos Domésticos (Lei comum atinente à locação de serviços (Có- mentado pela Lei II). nº 5.859/72). digo Civil/1916, arts. 1.216 a 1.236). Reforça nº 4.090/62, ou tal constatação a menção expressa ao Decre- seja, fora da CLT, e Passo importante na Dez anos depois da contemplação dos to-lei nº 3.078/41 no texto do art. 1º da Lei nº não fez distinção inclusão dos empre- empregados domésticos nas novas leis pre- 2.757/56, a seguir comentada. entre as categorias gados domésticos, de videnciárias, o Congresso Nacional acenou de empregados, a modo mais significativo, com uma aparente novidade a favor dos em- 5. A inclusão progressiva do trabalho do- regra de exclusão no mundo normativo pregados domésticos – o FGTS. méstico no Direito do Trabalho brasileiro legal dos domésticos, já comentada, não afe- do Direito do Trabalho foi dado quando da tou a extensão do benefício a essa categoria promulgação da atual Constituição Federal. No entanto, a Lei nº 10.208/2001, imitan- O primeiro avanço legislativo na direção profissional. Depois de alinhar os vários direitos, muitos do ao avesso o antigo regime de opção dos da inserção dos empregados domésticos na inéditos, dos trabalhadores urbanos e rurais, trabalhadores pelo FGTS (Lei nº 5.107/66, art. plenitude normativa da CLT veio com a edi- Até 1.972, o contrato de trabalho domésti- finalmente equiparados entre si, atribuíram- 1º), inventou uma curiosa opção patronal pe- ção da Lei nº 2.757/56. Atento o legislador ao co era regido, como já visto, pelo Decreto-lei se aos domésticos novos direitos, no texto do los recolhimentos fundiários, acrescentando fenômeno da expansão dos conjuntos verti- nº 3.078/41 e, subsidiariamente, pelas dispo- parágrafo único do art. 7º (salário mínimo, o art. 3º-A à Lei nº 5.859/72. A novidade – a irredutibilidade salarial, repouso semanal rigor prescindível, pois os empregadores em 5. Comungando da mesma opinião de subsistência do Decreto-lei nº 3.078/41, mesmo na vigência da CLT, e afirmando que o contrato dos remunerado, terço de férias, licença-mater- geral são livres para conceder direitos que domésticos já era contrato de trabalho e não mais de locação de serviços: MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Privado, Parte Especial, Tomo nidade, licença-paternidade e aviso prévio extravasem o mínimo juridicamente assegu- XLVII, 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1984, p. 334; RUSSOMANO, Mozart Victor. O empregado e o empregador no Direito brasileiro, 7. ed. proporcional ao tempo de serviço), além da rado a seus empregados (CLT, art. 444) – não Rio de Janeiro: Forense, 1984, p. 129.
62 63 surtiu nenhum efeito relevante, pois implica ciência, proibição de trabalho noturno, insa- te rotulados como “urbanos e rurais”). Os em aumento de custos por adesão voluntária lubre ou perigoso por menores de 18 anos direitos que remanescem em zona de exclu- do devedor. e de qualquer trabalho aos menores de 16 sividade dos empregados não domésticos anos, salvo na condição de aprendiz, prote- são em maior parte incomunicáveis com o Em todo caso, vale notar que, na hipótese ção contra despedida arbitrária, FGTS (não regime dos trabalhadores do lar por serem in- de realização dos depósitos para o FGTS, os mais facultativo), seguro-desemprego, adicio- compatíveis com tal ambiente laboral. Aliás, domésticos passaram a ter direito ao segu- nal noturno, salário-família, assistência gratui- mesmo alguns segmentos dos trabalhadores ro-desemprego no valor de um salário míni- ta para abrigar seus filhos em creches e na urbanos e rurais não são beneficiários de par- mo pelo tempo máximo de 3 meses (Lei nº preescola e seguro e indenização em virtude te dos direitos contemplados nos incisos do 5.859/72, art. 6º-A, caput). de acidente de trabalho. Ficou assim o texto art. 7º da Constituição Federal. Pense-se, por promulgado em 2 de abril de 2013: exemplo, na participação nos lucros e resul- Por fim, o mesmo diploma legal estendeu tados, inexigível de instituições sem propósi- aos empregados domésticos o regime disci- Art. 7º Parágrafo único. São assegu- tos tipicamente capitalistas como igrejas, ins- plinar da CLT, prevendo a sua dispensa por 2º) e, com a revogação expressa da alínea a rados à categoria dos trabalhadores tituições filantrópicas e associações de cunho justa causa pelas mesmas hipóteses previstas do art. 5º da Lei nº 605/49, ampliou o direito domésticos os direitos previstos nos meramente acadêmico ou cultural. no art. 482, à exceção das situações de viola- dos empregados residenciais ao repouso se- incisos IV, VI, VII, VIII, X, XIII, XV, XVI, ção de segredo empresarial e de negociação manal remunerado para alcançar não só os XVII, XVIII, XIX, XXI, XXII, XXIV, XXVI, 6. O problema das lacunas no Direito do habitual por conta própria ou alheia em con- domingos, mas também os dias feriados (Lei XXX, XXXI e XXXIII e, atendidas as con- Trabalho Doméstico corrência desleal com o empregador ou em nº 11.324/2006, art. 9º). dições estabelecidas em lei e obser- prejuízo da regularidade dos serviços presta- vada a simplificação do cumprimento Problema sempre relevante nos sistemas dos (Lei nº 5.859/72, art. 6º-A, § 2º). Como a mais recente e relevante etapa do das obrigações tributárias, principais e jurídicos consiste nos métodos de suprimento claro processo de melhoria da condição jurí- acessórias, decorrentes da relação de das lacunas normativas. Aspirando o Direito Outra onda de ampliação dos direitos dica dos empregados domésticos no Brasil, trabalho e suas peculiaridades, os pre- servir como instrumento perpétuo de paz e trabalhistas dos empregados domésticos, tivemos a promulgação da Emenda Constitu- vistos nos incisos I, II, III, IX, XII, XXV e equilíbrio social, as constatações de incom- mediante a técnica de adendos à lei espe- cional nº 72/2013 que modificou substancial- XXVIII, bem como a sua integração à pletude dos sistemas abalam a confiabilidade cial dessa categoria, foi impulsionada pela mente o rol de direitos trabalhistas dos traba- previdência social. deles na conquista de seu objetivo central. Lei nº 11.324/2006: de um lado, conferiu às lhadores urbanos e rurais. Surge, então, a questão de levantamento dos empregadas domésticas grávidas a mesma A despeito de não haver, propriamente, mecanismos integradores do direito. estabilidade provisória a que já faziam jus as A par dos direitos já conquistados pela via o total estabelecimento de igualdade entre demais empregadas, vedando a sua dispen- constitucional e pela via da legislação ordi- trabalhadores domésticos e trabalhadores ur- No caso do trabalho doméstico, aparente- sa arbitrária ou sem justa causa desde a con- nária, são estendidos a tais profissionais os banos e rurais, a ementa da emenda assim mente, a situação seria singela: tendo a CLT firmação da gravidez até cinco meses após direitos ao salário mínimo quando for variá- rotulou o teor do novo texto constitucional. descartado a aplicabilidade de suas normas o parto, e garantiu a todos os domésticos a vel a remuneração, jornada de trabalho de 8 Ainda que se possa acusar de exagerada a aos criados e serviçais do lar (art. 7º, a), não mesma duração das férias dos trabalhadores horas diárias e 44 horas semanais, horas ex- retórica da ementa do novo texto constitucio- haveria espaço para utilizar as suas disposi- em geral – 30 dias (Lei nº 5.859/72, arts. 3º e tras, redução dos riscos por meio de normas nal, é fora de dúvida que o alargamento do ções, com escora na analogia legalmente 4º-A); de outro, baniu a possibilidade de efe- de saúde, higiene e segurança, proteção do rol de direitos sociais fundamentais dos em- autorizada na Lei de Introdução às Normas tivação de descontos salariais “por forneci- salário com a criminalização de sua retenção pregados domésticos aproximou-os bastante do Direito Brasileiro (LINDB – Decreto-lei nº 6 mento de alimentação, vestuário, higiene ou dolosa, reconhecimento das convenções e dos demais empregados (constitucionalmen- 4.657/42, art. 4º) ou no art. 8º da CLT , por- moradia” aos domésticos (Lei nº 5.859/72, acordos coletivos de trabalho, proibição de art. 2º-A, caput), embora proibindo também discriminação na contratação, distribuição 6. Invoca-se aqui a CLT apenas secundariamente para não cairmos numa petição de princípio: se a CLT não autori- a consideração de tais utilidades como sa- de funções e estipulação de salários em fun- za a incidência de suas normas aos domésticos, salvo quando haja determinação expressa em contrário, não se pode- lário in natura (Lei nº 5.859/72, art. 2º-A, § ção de sexo, cor, estado civil, idade ou defi- ria invocar a norma de integração das lacunas do direito constante de seu art. 8º, eis que também ela seria inaplicável. Con- tudo, a discussão seria estéril porque também a LINDB permite o recurso à analogia para suprimento de lacunas normativas.
64 65 que foi a própria lei cuja aplicação analógica vio proporcional ao tempo de serviço e do ta a sua aplicação “às leis trabalhistas” (art. extrapolação dos limites diário de 8 horas ou se poderia cogitar que proibira expressamen- repouso semanal remunerado, dentre outros 593), solução jurídica sem correlata regra no semanal de 44 horas, por exemplo), será ine- te tal empréstimo normativo (numa espécie direitos, a aplicação das normas regentes do código revogado. vitável o socorro à analogia para importar a de autoblindagem). trabalho doméstico, produzidas sem condi- solução das normas gerais consolidadas. cionamento a futura regulamentação legal Assim, se o hermeneuta insistir no apego Logo, à primeira vista, não sobraria ao apli- ou de qualquer outra ordem, se tornaria to- à literalidade do direito positivo vigente (CLT, cador do direito, às voltas com situações jurí- talmente inviável se o único apoio normativo art. 7º, a), lançará a disciplina do trabalho dicas de anomia que envolvessem o trabalho integratório fosse o direito comum, indigente doméstico a um limbo normativo, juridica- doméstico, outro canal senão valer-se do re- nas matérias trabalhistas como não poderia mente insuportável se considerarmos que a gime jurídico desimpedido mais próximo – na deixar de ser, frustrando e afrontando as ini- maior parte dos direitos conquistados pelos verdade, a figura jurídica historicamente an- ciativas parlamentares incrementadoras de domésticos, inclusive no plano constitucio- tecessora mais próxima dos contratos de tra- melhores condições de trabalho a tal catego- nal, encontra correspondência nas normas balho – que são as disposições concernentes ria de empregados. trabalhistas comuns e é prevista em normas, à locação (ou prestação, na dicção do diplo- insiste-se, de eficácia imediata. ma vigente) de serviços Um primeiro passo os- no direito comum (Cód. tensivo na direção da su- Assim, a aproximação dos conjuntos de di- Civil/1916, arts. 1.216 a O quadro, todavia, peração da barreira legal reitos trabalhistas do regime geral e do regime 1.236, e Cód. Civil/2002, sofreu gradativamente expressa imposta pela CLT especial dos domésticos induz a aplicação da arts. 593 a 609). foi dado na primeira re- CLT em tudo aquilo que não esteja regulado mudanças com a gulamentação da Lei nº por lei específica, ou seja, os institutos traba- Nesse contexto, as inclusão dos 5.859/72, com a deter- lhistas domésticos deverão observar, priorita- questões à época não empregados domésticos minação literal de que se riamente, o regramento próprio (sobretudo a reguladas pelo Decreto em um regime aplicasse aos empregados Lei nº 5.859/72) e, subsidiariamente, a CLT. É -lei nº 3.078/41, como a domésticos o capítulo das a inteligência do critério clássico de preserva- A mesma solução é defensável para a hipó- invocabilidade de justas jurídico-trabalhista férias do texto consolida- ção das normas especiais e gerais diante da tese de mora legislativa na regulamentação causas rescisórias, só po- próprio. do (Decreto nº 71.885/73, lei nova, ou seja, “a lei nova, que estabeleça dos direitos novos criados por meio de norma diam encontrar alguma arts. 2º e 6º). disposições gerais ou especiais a par das já com eficácia limitada, na esteira da jurispru- sombra nas disposições existentes, não revoga nem modifica a lei an- dência do Supremo Tribunal Federal em sede do diploma civil anterior. Com a expansão da terior” (LINDB, art. 2º, § 2º). de mandado de injunção (a disciplina provi- plataforma de direitos trabalhistas, com a su- sória do direito de greve dos servidores públi- O quadro, todavia, sofreu gradativamente cessão de inovações legais e constitucionais Assim, nos pontos em que a Lei nº cos estatutários pela aplicação adaptada da mudanças com a inclusão dos empregados aproximando os regimes geral (empregados 5.859/72 estabeleça regramento específico Lei de Greve – Lei nº 7.783/89 – dos trabalha- domésticos em um regime jurídico-trabalhis- urbanos e rurais) e especial (domésticos), não para os domésticos (por exemplo, a proibi- dores sob regime jurídico privado soa como ta próprio, ainda que menos protetivo que o há outra base normativa mais adequada para ção de descontos a título de alimentação e um bom exemplo). Naturalmente, é preciso regime jurídico-trabalhista geral. A partir do o recurso à analogia que a CLT, esvaziando moradia), tal disciplina fica confinada ao pe- convir que, dadas as peculiaridades do tra- instante em que, progressivamente, são in- significativamente o alcance da proibição rímetro de abrangência subjetiva da norma balho doméstico, nem sempre será possível troduzidos institutos de cunho tipicamente preliminar lançada no seu art. 7º, a. e, neste caso, a CLT não poderá ser utilizada. que a CLT seja observada em sua inteireza. trabalhista, em leis supervenientes à CLT, a Em contrapartida, sendo omissa a lei espe- É preciso ponderar que as singularidades do força da barreira da norma proibidora do art. Ademais, é importante destacar que, no cial dos domésticos acerca de determinado trabalho doméstico podem legitimar o apro- 7º, a, foi arrefecendo. É que, adentrando em conjunto de regras sucessoras da locação de direito assegurado pela ordem constitucional veitamento das normas da CLT com algumas aspectos peculiares do Direito do Trabalho, serviços no Código Civil de 2002, encontra-se por meio de norma de eficácia plena (a exigi- adequações, desde que sempre respeitado o como a introdução das férias, do aviso pré- dispositivo legal que taxativamente descar- bilidade do pagamento de horas extras pela núcleo essencial de cada direito.
66 67 Um caso ilustrativo de tal mitigação nor- diz respeito à relação de direito material, mas mativa era o modo de cumprimento do aviso ao rito para solução das controvérsias domés- prévio antes da entrada em vigor da Emen- ticas levadas à Justiça do Trabalho, inquestio- da Constitucional nº 72/2013: não dispondo navelmente competente para nelas atuar à anteriormente os empregados domésticos do luz do art. 114, I, da Constituição Federal. direito à limitação de sua jornada de trabalho, era impossível a opção pelo cumprimento do aviso prévio com a redução diária de 2 ho- ras de trabalho durante o respectivo período, não havendo alternativa à concessão de fol- ga em 7 dias corridos no período do desfecho contratual (CLT, art. 488, parágrafo único). Outro exemplo, projetando possíveis con- trovérsias a partir do novo direito à limitação “REVISTA EM BOLSAS E SACOLAS DE do tempo de trabalho, é a elasticidade rígida dos intervalos para repouso e refeição, so- TRABALHADORAS E TRABALHADORES: mente dilatáveis, segundo a lei, para além de 2 horas por meio de acordo escrito ou nego- AFRONTA À DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA ciação coletiva e redutíveis para aquém de 1 hora caso haja autorização do Ministério do E À INVIOLABILIDADE DA INTIMIDADE” Trabalho e Emprego (CLT, art. 71 caput e § 3º). Sendo usualmente tomadas as refeições no próprio local de trabalho, não seria perti- Para que não se pense, contudo, que o art. Desembargador Brasilino Santos Ramos 1 nente a exigência de autorização ministerial 7º, a, da CLT, seja letra morta, vale frisar que a TRT 10ª Região para compressão do intervalo intrajornada CLT continua inaplicável aos domésticos em no trabalho residencial. relação àqueles direitos que não se comuni- quem com o regime especial dos trabalhado- 7. Com jeito de conclusão res residenciais. Assim, não se pode cogitar, EMENTA: 1. Introdução. 2. Os Direitos Fun- cais - seus empregados ou terceirizados - em por exemplo, de adicional de insalubridade damentais e o Estado Constitucional. 3. Digni- bolsas, sacolas e mochilas de empregadas e Portanto, na atualidade, a CLT será a fon- ou periculosidade porque tais vantagens tra- dade e Intimidade: resistência ideológica. 4. empregados. O mesmo objetivo se alcança te formal subsidiária preferencial para pre- balhistas não estão compreendidas, por ora, A jurisprudência dos Tribunais e o tratamento quando se solicita à trabalhadora ou traba- encher as muitas lacunas normativas de um no espectro de direitos trabalhistas domésti- isonômico da dignidade do consumidor e do lhador que exiba os seus pertences que se sistema de proteção (o doméstico) agregado cos. Em tais pontos, continua hígida a norma trabalhador. 5. Conclusão. 6. Bibliografia. encontram no interior dessas bolsas, sacolas, de novos direitos comuns aos demais empre- excludente trabalhista. mochilas ou outro recipiente. gados e a vigorarem sem a necessidade de 1.Introdução qualquer interposição legislativa regulamen- Assim, a retórica excludente da CLT não é Dois pontos essenciais devem ser explora- tadora. respeitável, ao menos em sua amplitude ori- A discussão objeto deste ensaio cinge-se dos para delineamento da situação jurídica e ginal, no contexto atual de um novo regime à licitude ou não da conduta empresarial fática que permeia a questão. Também será aplicável aos domésticos de tutela do trabalho doméstico. em proceder à revista, por intermédio de fis- O primeiro deles é precisar e definir se a o estatuto processual contemplado na CLT. Aqui, é inevitável tal incidência porque não 1. Desembargador do Trabalho (TRT da 10ª Região), Especialista em Direito do Trabalho (UniCEUB-DF), Mestre em Direito do Trabalho (PUC -MG), Professor de Direito do Trabalho e Direito Processual do Trabalho (Graduação e Pós-Graduação) no UniCEUB-DF.
68 69 revista em bolsas, sacolas e mochilas de em- Idade Moderna, formou-se a consciência de somente possível por meio de uma igualda- José Felipe Ledur7 aponta três mo- pregados e empregadas - mesmo que venha que o ser humano é sujeito de direitos univer- de real de oportunidades de acesso a bens mentos históricos nas Constituições a ser realizada com moderação e razoabili- sais, posteriormente positivados na Declara- e valores fundamentais, com a melhoria das brasileiras quanto à normatividade dos dade - caracteriza ou não afronta ao direito ção dos Direitos do Homem, em 1789. condições de vida e a construção de uma so- direitos sociais. O primeiro, nas Consti- fundamental de inviolabilidade da intimida- ciedade mais justa, pois esses direitos “têm tuições de 1934, 1937 e 1946, que so- de, conforme assegura o art. 5º, inciso X, da O segundo momento, o da positivação, in- forte e inseparável vínculo com o princípio mente continham comandos endere- Constituição da República. sere esses direitos, especialmente os sociais, da igualdade (real e não meramente formal), çados ao legislador infraconstitucional 6 para a elaboração da legislação traba- nas Cartas Constitucionais, com destaque sua maior razão de ser.” O segundo aspecto é averiguar se, em pioneiro para as Cartas Políticas do México lhista e previdenciária; cada caso concreto, essa revista faz-se ne- (1917) e da alemã de Weimar (1919). Opor- Inicialmente, esses o segundo, na Carta cessária e se pode ser efetuada nos estritos tuno destacar ainda que a positivação dos direitos experimenta- de 1967, que atribuiu limites legais afetos ao poder diretivo do Direitos de primeira e segunda dimensão deu ram uma fase de mera ...os Direitos hierarquia de direitos empregador, entre eles o de fiscalizar seus origem ao Constitucionalismo Social . previsão ou programati- constitucionais aos empregados, sem afrontar-lhes a dignidade cidade constitucional, Fundamentais são direitos sociais, “de como seres humanos, valor também consti- O terceiro momento, o da efetivação, é de pouca efetividade reconhecidos modo que pretensões tucionalmente assegurado e eleito como um inerente ao modelo atual de Estado Consti- e quase nenhuma efi- universalmente a ele relacionadas po- dos fundamentos da República Federativa do tucional e exige a implementação, a concre- cácia. Em um segundo diam ser deduzidas Brasil (CF, art. 1º, inciso III). tização, a realização em sociedade desses momento, no Brasil, a partir da diretamente da Cons- direitos fundamentais sociais. especialmente após a positivação nas tituição”, e o terceiro 2. Os Direitos Fundamentais e o Estado promulgação da Car- momento surge com a Constitucional. Lúcida a análise de Mauro Vasni Paroski ta Política de 1988, Constituições. promulgação da Cons- ao afirmar que a doutrina do Estado Libe- passa-se a uma fase tituição de 1988, em Louvando-se no magistério de Joaquim ral, embora representasse um avanço em de mais efetividade, e que a conquista dos Carlos Salgado , Gabriela Neves Delgado relação ao Estado absolutista, levou a uma de concretude dessa direitos fundamentais destaca que os Direitos Fundamentais são experiência insatisfatória, aumentando as di- conquista. A própria sociais – inclusive do reconhecidos universalmente a partir da po- ferenças sociais entre os indivíduos e os gru- sociedade, principalmente por meio de “notável incremento do rol dos direi- sitivação nas Constituições. Esses direitos, no pos sociais, notadamente no campo das rela- suas organizações civis, vem exigindo tos fundamentais do trabalho” - não foi 5 curso da história, passaram por três momen- ções entre patrões e operários . Liberdade e dos operadores do Direito, principal- fruto de meras concessões ou outorga tos. No primeiro, denominado de conscienti- igualdade – apenas formal – não garantiram mente do Ministério Público e do Poder dos constituintes, “mas resultaram da zação, na passagem da Idade Média para a o progresso econômico, social e individual, Judiciário, a adoção de medidas que ação e da pressão oriunda de distintos possibilitem que essas conquistas saiam segmentos da Sociedade Civil sobre a do papel e entrem na realidade fática Assembleia Constituinte.” Aduz, ainda, 2. SALGADO, Joaquim Carlos. Princípios hermenêuticos dos direitos fundamentais. Revista do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais, cotidiana dos cidadãos. o seguinte: Belo Horizonte, v. 20, n.3, jul.-set/1966. 3. DELGADO, Gabriela Neves. Direito Fundamental ao Trabalho Digno. São Paulo: LTr, 2006, p. 56. 4. Segundo Paulo Bonavides o Constitucionalismo Social é “aquele que nas relações do indivíduo com o Estado e vice-versa faz preponderar sempre o interesse da sociedade e o bem público.” Aduz que essa forma de Constitucionalismo teve sua positivação inicial em duas Constitui- ções da América Latina: a da Venezuela, a célebre Carta bolivariana de 1811 e a do México, em 1917. Afirma o citado jurista que a Constituição do Século XIX. Ela acabou, afinal, por suscitar a indignação dos espíritos bem formados e por provocar a indispensável organização da classe mexicana deu um tratamento normativo no que diz respeito à matéria social “um teor qualitativo e quantitativo cujo alcance sobre-excede o da trabalhadora.” Ademais, “essa isonomia cedo revelou-se uma pomposa inutilidade para a legião crescente de trabalhadores, compelidos a se Constituição de Weimar promulgada em 1919, dois anos depois.” Entretanto, a carta alemã de Weimar teve repercussão imediata “contribuindo empregarem nas empresas capitalistas. Patrões e operários eram considerados, pela majestade da lei, como contratantes perfeitamente iguais em deveras para estabelecer, por seu reflexo ideológico os fundamentos do constitucionalismo social, com irradiação a outras Cartas, que receberam direitos, com inteira liberdade para estipular o salário e as demais condições de trabalho. Fora da relação de emprego assalariado, a lei assegurava assim o influxo wemariano, tão importante para a abertura da nova era constitucional inaugurada na segunda década do século XX.” (BONAVIDES, imparcialmente a todos, ricos e pobres, jovens e anciãos, homens e mulheres, a possibilidade jurídica de prover livremente à sua subsistência e Paulo. Constitucionalismo Social e Democracia participativa). Disponível em http://www.juridicas.unam.mx/sisjur/constit/pdf/6-234s.pdf. Acesso enfrentar as adversidades da vida, mediante um comportamento disciplinado e o hábito da poupança.” em: 6 set. 2011. 6. PAROSKI, Mauro Vasni. Direitos Fundamentais e acesso à Justiça na Constituição. São Paulo: LTr, 2008, p.114/116. 5. Reportando-se ao magistério de Fábio Comparato (In: A afirmação histórica dos direitos fundamentais. 4. ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva, 7. LEDUR, José Felipe. Direitos Fundamentais Sociais: efetivação no âmbito da democracia participativa. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p. 52-53) sobre a garantia formal do Estado Liberal de uma igualdade formal de todos perante a lei, PAROSKI (2008, p.115-116) destaca que 2009, p. 78-80. “O resultado dessa atomização social, como não poderia deixar de ser, foi a brutal pauperização das massas proletárias, já na primeira metade
70 71 A inserção de regras e princípios de 9 3. Dignidade e Intimidade: nos §§ 2º e 3º do artigo 5º que também são a) os fundamentos da República Federati- direito do trabalho entre os direitos e ga- direitos fundamentais os princípios por ela ado- va do Brasil (CF, artigo 1º, incisos II, III e IV): resistência ideológica. rantias fundamentais (artigos 7º a 11 da tados e os tratados internacionais. que consagram o direito à cidadania, à digni- Constituição de 1988) prova a força do dade da pessoa humana e os valores sociais O artigo 1º da Declaração Universal vínculo histórico entre os direitos sociais Os direitos fundamentais sociais, nos quais do trabalho e da livre iniciativa; dos Direitos Humanos destaca: e o direito ao trabalho e seus desdobra- estão incluídos os direitos dos trabalhadores, mentos em normas de direito do traba- possuem premissas básicas e estruturais, in- b) os objetivos fundamentais da República Todos os homens nascem livres em lho, previdenciário e coletivo. sertas na própria Carta Magna. Assim, não Federativa do Brasil, que preconizam a pro- dignidade e direitos. São dotados de basta apenas proclamá-los, em uma retórica moção do bem de todos, a construção de razão e consciência e devem agir em [...] estéril e sem concretude, mas efetivamente uma sociedade livre, justa, solidária e sem relação uns aos outros com espírito de Apesar disso, nos últimos tempos ve- aplicá-los levando-se em conta a análise sistê- discriminação (CF, artigo 3º); fraternidade. rifica-se tendência imposta pelo ‘merca- mica dos comandos constitucionais que tra- do’ que leva a restringir a qualidade dos duzem a real dimensão dos Direitos Sociais na c) em suas relações internacionais, o Brasil Discorrendo acerca da dignidade da pes- direitos sociais, especialmente aquele sociedade pós-moderna. A desejável e árdua rege-se pela prevalência dos direitos huma- soa humana José Afonso da Silva11 leciona que historicamente serviu de esteio para tarefa dos operadores do direito, na busca da nos (artigo 4º, inciso II); que ela o reconhecimento dos direitos sociais efetividade dos direitos fundamentais sociais em geral, que é o direito do trabalho. dos trabalhadores – assim entendida a coleti- d) a função social da propriedade (artigo [...] constitui um valor que atrai a re- vidade e não a individualidade atomizada –, 5º, inciso XXIII); alização dos direitos fundamentais do Quanto à positivação dos direitos funda- deve ser implementada levando-se em consi- homem, em todas as suas dimensões, mentais na Carta Constitucional de 1988, eles deração a aplicação conjunta dos seguintes e) a ordem econômica, que é fundada na e, como a democracia é o único regime estão inseridos nos Capítulos: I (Direitos e De- preceitos da Constituição da República: “valorização do trabalho humano e na livre político capaz de propiciar a efetivida- veres Individuais – artigos 5º); II (Direitos Sociais iniciativa, tem por fim assegurar a todos exis- de desses direitos, o que significa dignifi- – artigos 6º a 11); III (Direitos da Nacionalidade tência digna, conforme os ditames da justiça car o homem, é ela que se revela como – artigos 12 e 13); IV (Direitos Políticos – artigos social”, devendo ser observados, ainda, os o seu valor supremo, o valor que a di- 14/16) e V (Partidos Políticos – artigo 17). To- princípios da função social da propriedade e mensiona e humaniza. Por conseguinte, davia, a velha distinção entre direitos humanos da busca do pleno emprego (CF, artigo 170); a interpretação constitucional não tem como sendo aqueles previstos em normas e outra missão senão a de prestigiá-la, tratados internacionais, e direitos fundamentais, f) a ordem social que “tem como base o com o que se estará dando primazia a apenas os que se encontram positivados na primado do trabalho, e como objetivo o bem todos os direitos fundamentais do ho- Constituição de um determinado país, já se en- -estar e a justiça sociais.” (CF, artigo 193). mem. contra ultrapassada. Cláudio Armando Couce 8 de Menezes e et al sustentam que “também Entretanto, não obstante essa gama de Com a mesma maestria, Ingo Wolfgang serão direitos fundamentais os que mesmo não 12 direitos, escudados nas premissas básicas e Sarlet destaca que a Carta Magna de 1988, previstos na Constituição estão ligados aos prin- estruturais antes apontadas, assiste razão a em seu art. 1º, inciso III, ao eleger a dignida- cípios dela, os chamados princípios material- 10 de da pessoa humana como fundamento do Benedito Calheiros Bonfim ao afirmar: “É mente fundamentais.” No caso da Constituição indispensável que, ao lado desses pomposos Estado Democrático de Direito, reconheceu, brasileira, inferem-se das disposições insertas enunciados, sejam assegurados meios práti- de forma categórica “que é o Estado que cos e materiais à sua efetivação.” existe em função da pessoa humana, e não 8. MENEZES, Cláudio Armando Couce et al. Direitos Humanos e Fundamentais, or princípios da progressividade, da irreversibilidade e da não regressividade social em um contexto de crise. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região, v. 42, n. 83, jul./dez.2009, p. 63. 9. CF, artigo 5º: “§ 2º - “Os direitos e garantias expressas nessa Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por 10.. BOMFIM, Benedito Calheiros. Inefetividade de Direitos Constitucionais do Trabalhador. Revista Synthesis, n. 47/08, São Paulo: 2008, p.71. ela adotados ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.” 11. In http://www.tcm.sp.gov.br/legislacao/doutrina/30a03_06_05/jose_afonso3.htm - acesso em 17/09/2013. “§ 3º - Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, 12. SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. 3ª ed. Porto Alegre: Livraria por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais.” (BRASIL, 2011, p. 16). do Advogado, 2004, p. 65 e segs.
72 73 o contrário, já que o ser humano constitui a [...] a qualidade intrínseca e distintiva reito pressupõe a ingerência na esfera íntima devem eles ser preservados, pois necessá- finalidade precípua, e não meio de atividade de cada ser humano que o faz merece- da pessoa, por meio “de espionagem e divul- rios à higidez patrimonial do empresário e estatal”. Ainda, segundo o citado doutrina- dor do mesmo respeito e consideração gação de fatos íntimos obtidos ilicitamente”. ao recomendável equilíbrio entre o capital dor, por se tratar de qualidade intrínseca da por parte do Estado e da comunidade, Louvando-se nos escólios de Garcia e Aran- e o trabalho. Todavia, ao submeter-se a um pessoa humana, sua dignidade “é irrenunciá- implicando, neste sentido, um comple- go, leciona a citada magistrada e jurista que contrato de trabalho, sob o pálio do contro- vel e inalienável, constituindo elemento que xo de direitos e deveres fundamentais o direito à intimidade é o “direito a não ser le patronal e da subordinação jurídica (que qualifica o ser humano como tal e dele não que assegurem a pessoa tanto contra conhecido em certos aspectos pelos demais. não deve ser confundida com sujeição pes- pode ser destacado”. todo e qualquer ato de cunho degra- É o direito ao segredo, a que os demais não soal), o empregado não se desveste de sua dante e desumano, como venham a lhe saibam o que somos ou o que fazemos”. Ao condição de cidadão, não abdica de seus Na ótica de Fábio Konder Comparato, a garantir as condições existenciais míni- discorrer sobre o tema em comento Lélia direitos fundamentais, sejam eles individu- dignidade “é o traço distintivo entre o ho- mas para uma vida saudável, além de 16 destaca: ais ou sociais, entre eles o da inviolabilida- Guimarães Carvalho Ribeiro mem e os demais seres vivos”. Justifica-se propiciar e promover sua participação de da intimidade e o da portanto a perfeita síntese de Immanuel Kant ativa e co-responsável nos destinos da Para nós, a ‘intimi- preservação de sua vida ao asseverar que no reino das finalidades hu- própria existência e da vida em comu- dade’ é a porção mais Ademais, escapa íntima. manas nhão com os demais seres humanos. escondida que alguém pode preservar da inge- à razoabilidade Por outro lado, os rência de terceiro e até entender-se que a princípios norteadores [...] tudo tem ou um preço ou uma A efetivação da dignidade e sua concreti- de sua própria família do Direito do Trabalho dignidade. Quando uma coisa tem zação no mundo do trabalho há que se ma- nos aspectos caracteristi- proteção à intimidade e, bem assim, do contra- preço, pode-se por em vez dela qual- terializar nas condições de labor, no dia a dia, camente pessoais de sua do trabalhador está to de trabalho, encon- quer outra coisa como equivalente; da relação entre os trabalhadores e seus su- existência. No particular, afeta, tão somente, tram arrimo no princípio mas quando uma coisa está acima de periores hierárquicos. tem pertinência a obser- da boa-fé, devendo ele todo o preço, e portanto não permite vação de Arion Sayão ao seu corpo físico. sempre ser observado, equivalente, então ela tem dignidade Quanto ao direito à inviolabilidade da in- Romita: ‘A esfera da in- a fim de que não sejam 13 . (destaques do original) timidade é espécie do gênero direitos da timidade é a interior, a cometidos abusos e des- personalidade cuja gênese reside no consa- de raio menor: envolve vios de poder no exercí- Inegável, portanto, seja pela positivação grado princípio da dignidade da pessoa hu- como vimos, os aspectos mais recônditos cio do poder empregatício. O princípio da constitucional ou pelas elevadas considera- mana, eleito como fundamento da Repúbli- da vida de certos direitos do trabalhador, irrenunciabilidade, também um dos pilares ções doutrinárias, que a dignidade da pessoa ca Federativa do Brasil, a teor do art. 1º, III, aqueles que deseja guardar só para si, iso- do direito laboral, não deve se limitar ape- humana foi elevada ao ápice da pirâmide da da Carta Magna. Segundo Alice Monteiro de lando-os da intromissão do empregador nas aos direitos trabalhistas stricto sensu; ao 15 [...]’. contrário, deve se propagar aos direitos fun- axiologia jurídica, pois fonte da qual jorra to- Barros o direito à intimidade “há muito vem dos os demais direitos fundamentais. Segun- sendo conceituado como aquele que visa a damentais do cidadão ou cidadã trabalha- 14 resguardar as pessoas dos sentidos alheios, Destaque-se, por oportuno, que aqui não dor(a). E, entre esses direitos, encontra-se o do o magistério de Ingo Wolfgang Sarlet são elementos constitutivos da dignidade da pes- principalmente da vista e dos ouvidos de ou- está a se olvidar nem a se relegar a segun- da inviolabilidade da intimidade e da vida soa humana trem”. Afirma ainda que a violação a esse di- do plano os valores necessários à preserva- privada (CF, art. 5.º, X). ção do patrimônio e do poder diretivo do empregador, consagrados, respectivamen- O poder de comando do empregador é te no art. 1.º, inc. IV, da Constituição da Re- definido por Maurício Godinho Delgado17 13. Apud BRITO FILHO, José Cláudio de. Trabalho como redução à condição análoga à de escravo: análise a partir do trabalho decente e pública e no art. 2.º da CLT. Ao contrário, como sendo “o conjunto de prerrogativas de seu fundamento, a dignidade da pessoa humana. Trabalho Escravo Contemporâneo. O desafio de superar a negação. FAVA, Marcos Neves e VELLOSO, Gabriel (Coord). São Paulo: LTr, 2006, p. 135. 14. SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. 2ª ed. revista e ampliada. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002, p. 62. 16. RIBEIRO, Lélia Guimarães Carvalho. A monitoração audiovisual e eletrônica no ambiente de trabalho e seu valor probante. São Paulo: Ltr, 2008, p. 32. 15. BARROS, Alice Monteiro de. Proteção à intimidade do empregado. 2ª ed. São Paulo: Ltr, 2009, p. 34/45. 17. DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 8ª ed.2009. São Paulo: LTr. 2009, p. 590
74 75 com respeito à direção, regulamentação, Dessarte, mesmo que sejam escudados na Entretanto, com a devida vênia daque- Não é por demais relembrar que, em fiscalização e disciplinamento da economia necessidade de preservação do patrimônio e les que perfilham entendimento diverso, sendo o direito à intimidade espécie do interna à empresa e correspondente presta- no poder de comando empresarial (que não ouso externar a compreensão de que gênero direitos da personalidade o dispos- ção de serviços”. é absoluto), autoriza-se afirmar ser defesa a o controle da atividade do empregado to no art. 11 do Código Civil ao assegurar prática de atos que importem em lesão aos pelo seu empregador, ou seus prepostos, que excetuando-se “os casos previstos em O caput do art. 2º da CLT contempla o direitos da personalidade do empregado. é, em princípio, legítimo (embora não ili- lei, os direitos da personalidade são intrans- referido poder, sob uma de suas modalida- mitado), pois decorre do poder diretivo missíveis e irrenunciáveis, não podendo 19 des, qual seja, o poder diretivo do emprega- Alexandre Agra Belmonte pondere sobre patronal. Todavia, o que pode acarretar seu exercício sofrer limitação voluntária”. dor, prerrogativa que se manifesta median- o tema: afronta aos direitos fundamentais labo- Ora, o ordenamento jurídico trabalhista te o controle, a vigilância e a fiscalização [...] conclui-se que o direito à proprie- rais e, no caso em exame, no direito fun- não contempla a hipótese de violação à dos empregados. dade do empregador, do qual resulta o damental à preservação da intimidade, intimidade do trabalhador por meio de re- poder diretivo, de um lado, e o direito são os meios pelos quais são executados vista em seus pertences, mesmo porque o Não se duvida, porém, como se observou à intimidade do empregado, de outro, esses controles. princípio da irrenunciabilidade é um dos acima, que esse poder encontra limites, inclu- têm por limite a dignidade do empre- pilares do Direito do Trabalho. sive previstos em âmbito constitucional. Com gado. Mas ambos precisam, diante das Reafirmo a plena convicção de que a efeito, o Texto Fundamental (art. 5.º, caput, características próprias e especiais das revista em bolsas, sacolas e objetos pesso- Mais uma vez socorremo-nos dos ensina- 20 incisos II, LIII, LIV e X) protege a privacidade, a relações de trabalho, ser exercidos con- ais dos empregados viola suas respectivas mentos de Alice Monteiro de Barros : honra e a imagem, impedindo condutas que forme as necessidades do serviço, o intimidades. Isso porque, bolsas, carteiras, violem a dignidade da pessoa humana. que justifica a harmonização ou a pre- sacolas ou armários podem conter objetos [...] o legislador ordinário, reconhe- valência diante da máxima operaciona- afetos diretamente à intimidade da pessoa. cendo o poder diretivo, legitima a limi- 18 Gregório Peces-Barba Martínez leciona: lidade, conforme as circunstâncias. Neles, possivelmente serão encontrados tação da esfera de intimidade do em- medicamentos, tais como antidepressivos, pregado, imposta pelas exigências do O empresário, em virtude do poder anticoncepcionais, moderadores de apeti- desenvolvimento da atividade laboral, de vigilância e controle de que goza, tes, medicamentos para HIV, para epilep- mas o poder de direção também está su- pode, por si mesmo, levar a cabo sua sia, hanseníase e outros. Também podem jeito a limites, aliás, inderrogáveis, como atividade controladora ou contar com existir fotos, bilhetes ou presentes de pes- o respeito à dignidade do empregado e pessoas que em seu nome realizem soas com as quais esteja se relacionando, à liberdade que lhe é reconhecida no estas funções. Este controle por meio peças íntimas, absorventes, enfim, vários plano constitucional. A dificuldade con- de trabalhadores-colaboradores do objetos ligados à esfera da intimidade da siste em estabelecer limites entre o direi- poder diretivo e de controle empresa- pessoa e que ela não deseja ver expostos to à intimidade do trabalhador e o direi- rial não pode ser de tipo policial sobre ou compartilhados com outros. to de dirigir a atividade do empregado, a conduta dos trabalhadores. A vigi- conferido ao empregador pelo art. 2º da lância e controle deverá cingir-se a Ademais, escapa à razoabilidade enten- CLT. Aliás, a jurisprudência tem revelado comprovar o diligente cumprimento der-se que a proteção à intimidade do tra- a dificuldade, na prática, de definir até pelos trabalhadores de suas obri- balhador está afeta, tão somente, ao seu onde esse poder de direção é exercido gações e deveres laborais, ficando corpo físico. Ela se estende também aos legitimamente, como boa administração proibida toda ingerência mais além seus objetos e pertences pessoais, muitos de pessoal, e a partir de quando ele se deste âmbito (grifamos). dos quais dizem respeito apenas a ele (em- torna intolerável, por implicar invasão da pregado) ou a ela (empregada). intimidade dos empregados. 18. In Curso de derechos fundamentales: teoría general. Madrid: Universidad Carlos III Madrid. Boletín Oficial del Estado. 1999, p. 300-302, apud RIBEIRO, Lélia Guimarães Ribeiro. A monitoração audiovisual e eletrônica no ambiente de trabalho e seu valor probante. São Paulo: LTr, 2008, p. 55. 19. BELMONTE, Alexandre Agra. O Monitoramento da Correspondência Eletrônica nas Relações de Trabalho. São Paulo: LTr, 2004, vol. 68, n.º 20. BARROS, Alice Monteiro de. Proteção à intimidade do empregado. 2ª ed. São Paulo: Ltr, 2009, p. 73. 9, p. 1.034/1.035.
76 77 Diante das dificuldades para fixação dos li- equipamentos tec- 0), cuja decisão foi pu- o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e mites da intimidade do empregado e do exer- nológicos hoje blicada em 14/03/2006, Territórios, cuja jurisprudência é pacífica, en- cício do poder de comando do empregador, existentes e conhe- ao negar provimento ao tendendo que a revista em pertences de con- 21 a referida jurista sustenta : cidos. Poderá valer- apelo destacou: sumidores causa constrangimento e viola a se, também, do seu intimidade, dando ensejo a indenizações por 22 poder de comando “[...] danos morais . A nosso ver, a revista se justifica, não para não permitir Além disso, o acórdão quando traduza um comodismo do que empregados recorrido está afinado A honra e a dignidade do consumidor, que empregador para defender o seu patri- ingressem no am- com nossa jurisprudên- eventualmente venha a sofrer constrangimento e mônio, mas quando constitua recurso biente de trabalho cia. Confira-se a propó- humilhação e é obrigado a mostrar os seus per- necessário à satisfação do interesse com bolsas, sacolas sito: tences para comprovar o equívoco do disparo empresarial, à falta de outras medi- ou mochilas, for- do alarme que indica furto de mercadorias, não das preventivas; essa fiscalização visa necendo local pró- ‘RESPONSABILIDADE podem ser superiores à honra e a dignidade do a proteção do patrimônio do emprega- prio, com armários CIVIL. Loja. Dispositivo trabalhador, que, rotineira e ordinariamente, to- dor e à salvaguarda da segurança das individuais, onde os de segurança. Mercado- dos os dias, após o término do seu expediente pessoas. Não basta a tutela genérica da trabalhadores pos- ria furtada. Alarme. laboral, também é obrigado a mostrar os seus propriedade, devendo existir circunstân- sam guardá-los. O pertences, para provar que não é desonesto e cias concretas que justifiquem a revista; que é inconcebível, O soar falso do alarme que nada furtou do seu empregador, em flagran- é mister que haja, na empresa, bnes sus- ética e moralmente magnetizado na saída da te afronta aos princípios da boa-fé e da presunção cetíveis de subtração e ocultação, com injustificável, é que loja, a indicar o furto de de inocência. valor material, ou que tenham relevân- a proteção patrimo- mercadorias do estabele- cia para o funcionamento da atividade nial (necessária e legítima, repita-se) ocasio- cimento comercial, causa constran- A concessão de tratamento diferenciado ao empresarial. ne afronta à intimidade dos trabalhadores. gimento ao consumidor, vítima da cidadão consumidor e ao mesmo cidadão tra- atenção pública e forçado a mostrar balhador poderia ensejar a seguinte situação ex- [...] 4. A jurisprudência dos Tribunais e o trata- os seus pertences para comprovar drúxula: ao final do expediente o empregado de- A tecnologia também poderá ser mento isonômico da dignidade do consu- o equívoco. Dano moral que deve cide fazer compras no estabelecimento em que utilizada para evitar ou reduzir os efei- midor e do trabalhador. ser indenizado. Recurso conhecido trabalha. Após passar pelo caixa e efetuar o paga- tos da revista na intimidade dos em- e provido’ (Resp 327.679/ROSADO”. mento não poderá ter a sua sacola de compras pregados. A título de exemplo, a co- Considerando os princípios e dispositivos vistoriada, mas, paradoxalmente o empregador, locação de etiquetas magnéticas em constitucionais referidos anteriormente, es- No mesmo sentido é o posicionamento ou seu preposto, poderiam solicitar que exibisse livros e roupas torna desnecessária a pecialmente os que dizem respeito à digni- de diversos Tribunais de Justiça, entre eles seus pertences pessoais. inspeção em bolsas e sacolas, em es- dade da pessoa humana e os valores sociais tabelecimentos comerciais. do trabalho, pode-se afirmar que a dignida- de do cidadão trabalhador não é inferior à 22. JDFT - 2ª Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais; ACJ - 2009.01.1.124092-2; Relatora Juíza: Edi Maria Coutinho Bizzi - Julgado em 23/11/2010 e Publicado no DJ em 06/12/2010, p. 452. dignidade do cidadão consumidor. TJDFT - 1ª Turma Cível; APC - 20090710323878; Relator: Desembargador Esdras Neves; Revisor: Desembargador Sandoval Oliveira - Julgado O empregador é detentor de amplo di- em 11/05/2011 e Publicado no DJ em 18/05/2011 p. 73. TJDFT - 2ª Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais do DF; ACJ - 2009.01.1.1764432 - Julgado em 18/01/2011 e Publicado reito e justificada legitimidade para a prote- O saudoso Ministro Humberto Gomes de no DJ em 21/01/2011 p. 282. ção do seu patrimônio. Para alcançar esse Barros, do col. Superior Tribunal de Justiça, TJDFT - 1ª Turma Cível; APC - 20060110048489; Relatora Desembargadora Vera Andrighi - Julgado em 24/03/2010 e Publicado no DJ em 13/04/2010, p. 88. desiderato poderá utilizar-se de diversos quando do julgamento do AGRAVO DE INS- TJDFT -1ª TURMA RECURSAL DOS JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS E CRIMINAIS DO DF; ACJ - 20101160013654; Relatora: Desembargadora Rita de mecanismos, inclusive e principalmente os TRUMENTO N.º 746.578-RJ (2006/0032760- Cássia de Cerqueira Lima Rocha - Julgado em 18/01/2011 e Publicado no DJ em 03/02/2011, p. 270. TJDFT - 1ª TURMA RECURSAL DOS JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS E CRIMINAIS DO DF; ACJ - 20040110854748; Relatora: Desembargadora Leila Arlanch - Julgado em 03/05/2005 e Publicado no DJ em 1.º/8/2005, p. 77. TJDFT - 2ª TURMA RECURSAL DOS JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS E CRIMINAIS DO DF; ACJ - 20070710328549; Relator: Desembargadora: Leonor 21. BARROS, Alice Monteiro de. Proteção à intimidade do empregado. 2ª ed. São Paulo: Ltr, 2009, p. 76 e 78. Aguena - Julgado em 31/08/2010 e Publicado no DJ em 16/09/2010, p. 206.
78 79 Sem embargo da significativa corrente juris- do espaço empresarial interno. Medidas do trabalhador. Há, mesmo na lei, proi- gravidade da lesão, o grau de culpa do prudencial do Tribunal Superior do Trabalho, como o controle de portaria, as revistas, bição de revistas íntimas a trabalhado- ofensor e a sua condição econômica, o no sentido de que a revista ou pedido de exibi- o circuito interno de televisão, o contro- ras - regra que, evidentemente, no que não enriquecimento indevido da vítima ção de pertences pessoais não se constitui em le de horário e frequência e outras pro- for equânime, também se estende aos e o caráter pedagógico da medida, não afronta à dignidade da pessoa humana e en- vidências correlatas são manifestações empregados, por força do art. 5º, caput se configurando a violação aos disposi- contra guarida no poder de comando empre- do poder de controle. Por outro lado, tal e I, CF/88 (Art. 373-A, VII, CLT). Nesse tivos apontados ou a necessidade de re- 23 sarial , ainda assim, diante das razões expostas, poder empresarial não é dotado de ca- contexto, e sob uma interpretação sis- dução do valor. Assim, não há como as- e, com a devida vênia dos eminentes integran- ráter absoluto, na medida em que há em temática e razoável dos preceitos legais segurar o processamento do recurso de tes dessa corrente, entendo que a revista diária nosso ordenamento jurídico uma série e constitucionais aplicáveis à hipótese, revista quando o agravo de instrumento e rotineira em bolsas, pastas, mochilas, sacolas de princípios limitadores da atuação do a revista íntima, por se tratar de exposi- interposto não desconstitui os funda- e similares, de propriedade de empregados e controle empregatício. Nesse sentido, é ção contínua do empregado a situação mentos da decisão denegatória, que empregadas, contendo objetos pessoais, ca- inquestionável que a Constituição Fede- constrangedora no ambiente de traba- subsiste por seus próprios fundamentos. racteriza afronta ao direito de não violação da ral de 1988 rejeitou condutas fiscalizató- lho - que limita sua liberdade e agride Agravo de instrumento desprovido”. intimidade, consoante garantia insculpida no rias que agridam a liberdade e dignidade sua dignidade, intimidade e imagem Também a eg. Sexta Turma do col. Tribu- art. 5.º, inc. X, da Constituição Federal. básicas da pessoa física do trabalhador, -, caracteriza, por si só, a extrapolação nal Superior do Trabalho, quando do julga- que se chocam, frontalmente, com os daqueles limites impostos ao poder mento do RECURSO DE REVISTA 21460000- Nesse sentido é a recente decisão do col. Tri- princípios constitucionais tendentes a fiscalizatório empresarial, mormente 64.2006.5.09.0028, cuja ementa do acórdão bunal Superior do Trabalho, por meio de sua eg. assegurar um Estado Democrático de Di- quando o empregador possui outras foi publicada no DEJT de 20/5/2011, assim Terceira Turma, quando do julgamento do AIRR - reito e outras regras impositivas inseridas formas de, no caso concreto, proteger entendeu: 1055-28.2011.5.05.0101, Relator Ministro Maurício na Constituição, tais como a da "inviola- seu patrimônio contra possíveis viola- Godinho Delgado, cuja ementa do acórdão foi bilidade do direito à vida, à liberdade, à ções. Nesse sentido, as empresas têm “RECURSO DE REVISTA. INDENIZA- publicada no DEJT de 08/11/2013, verbis: igualdade, à segurança e à propriedade" plenas condições de utilizar outros ins- ÇÃO POR DANO MORAL. REVISTA EM (art. 5º, caput), a de que "ninguém será trumentos eficazes de controle de seus BOLSAS. CONFIGURAÇÃO. Se é induvi- “AGRAVO DE INSTRUMENTO. RE- submetido (...) a tratamento desumano produtos, como câmeras de filmagens. doso que a bolsa portada pela emprega- CURSO DE REVISTA. REVISTA EM BOL- e degradante" (art. 5º, III) e a regra geral Tais procedimentos inibem e evitam a da é uma expressão de sua intimidade, SAS, SACOLAS E ROUPAS DO EMPRE- que declara "invioláveis a intimidade, a violação do patrimônio da empresa e, um locus em que se guardam os seus GADO. DANO MORAL. VALOR DA vida privada, a honra e a imagem da pes- ao mesmo tempo, preservam a honra e guardados íntimos, o tratamento a ela INDENIZAÇÃO. DECISÃO DENEGATÓ- soa, assegurado o direito à indenização a imagem do trabalhador. No presente dispensado deve ser, rigorosamente, RIA. MANUTENÇÃO. O poder empre- pelo dano material ou moral decorrente caso, o TRT consignou a ocorrência de aquele mesmo que se dispensa à bolsa gatício engloba o poder fiscalizatório de sua violação" (art. 5º, X). Todas essas “revista pública, submetendo-a a uma da cliente da loja, ou das transeuntes, en- (ou poder de controle), entendido este regras criam uma fronteira inegável ao situação vexatória e constrangedora." fim. O poder empresarial não pode me- como o conjunto de prerrogativas diri- exercício das funções fiscalizatórias no Assim, ainda que não tenha havido nos cabar o balizamento constitucional gidas a propiciar o acompanhamento contexto empregatício, colocando na ile- contato físico, a revista nos pertences no âmbito da relação de emprego. No contínuo da prestação de trabalho e a galidade medidas que venham cercear da obreira implicou exposição indevi- caso em apreço, a revista dos pertences própria vigilância efetivada ao longo a liberdade, a dignidade e a intimidade da da sua intimidade, razão pela qual da empregada caracteriza dano moral, ela faz jus a uma indenização por da- dando ensejo à indenização vindicada. nos morais. Em relação ao valor arbi- Recurso de revista não conhecido.” 23. RR - 28400-15.2009.5.05.0464 Data de Julgamento: 02/10/2013, Relator Ministro: Márcio Eurico Vitral Amaro, 8ª Turma, Data de Publica- trado a título de indenização por danos Por guardar grande pertinência com a po- ção: DEJT 04/10/2013. RR - 7667-91.2011.5.12.0034 Data de Julgamento: 26/06/2013, Relatora Ministra: Maria de Assis Calsing, 4ª Turma, Data de Publicação: DEJT morais (R$ 8.000,00), o TRT pautou-se sição ora defendida, transcrevo, a seguir, fra- 02/08/2013. em parâmetros compatíveis, sopesan- ção do voto do Relator do referido Recurso RR-879100-86.2008.5.09.0010, 8ª Turma, Rel. Min.ª Dora Maria da Costa, DEJT de 24/08/2012. E-RR-306140-53.2003.5.09.0015, SBDI-1, Rel. Min. João Batista Brito Pereira, DEJT de 04/05/2012. do vários elementos convergentes, tais de Revista, o Exmo. Ministro Augusto César RR-626/2006-403-04-00.0, 1ª Turma, Rel. Min. Luiz Philippe Vieira de Melo Filho, DJ de 24/10/2008. como a intensidade do sofrimento, a Leite de Carvalho: E-RR-615.854/99, SBDI-1, Rel. Min. Aloysio Corrêa da Veiga, DJ de 19/10/2007.
80 81 “1. INDENIZAÇÃO POR DANO MO- A seu turno, o art. 373-A, inciso VI, da trato social, por todos conhecidas, bem animado que prestava serviço e se in- RAL. REVISTA EM BOLSAS. CONFIGU- CLT, veda ao empregador ou preposto dizem da inviolabilidade das bolsas de cluía entre aqueles que estariam aptos RAÇÃO. proceder a revistas íntimas nas empre- uso feminino, enquanto assim se apre- a furtar mercadorias de sua loja, dife- gadas ou funcionárias. Caberia a inda- sentam. renciando-se nessa medida. Deixava-a [...] gação: ao proteger apenas as mulheres Se é induvidoso que a bolsa porta- vexada, assim em público e despudora- O cerne da controvérsia gira em tor- das revistas íntimas, estaria o preceito da pela empregada é uma expressão mente, como se manejasse um objeto; no da condenação ao pagamento de da CLT a estabelecer prerrogativas em de sua intimidade, um locus em que se longe estava de considerá-la em sua di- indenização por dano moral em razão favor das mulheres, a violar a igualdade guardam os seus guardados íntimos, o mensão humana. da revista na bolsa dos empregados, ou de gênero estatuída no texto constitu- tratamento a ela dispensado deve ser, ri- No caso em apreço, a revista dos per- seja, a análise está adstrita à verificação cional? A resposta a essa questão é evi- gorosamente, aquele mesmo que se dis- tences da empregada caracteriza dano do procedimento adotado pela recla- dentemente negativa, pois o legislador pensa à bolsa da cliente da loja, ou das moral, dando ensejo à indenização vin- mada como dano moral, nos termos do ordinário protegeu somente a mulher transeuntes, enfim. O poder empresarial dicada. art. 5º, X, da Constituição Federal. trabalhadora pela singela razão de ela não pode menoscabar o balizamento Por essas razões, não configuradas as Na lição do Exmo. Ministro Walmir ser o segmento dos empregados que se constitucional no âmbito da relação de violações apontadas”. Oliveira da Costa, revela-se o seguinte submete, em realidade, ao vexame ou emprego, por óbvio. conceito: constrangimento da revista íntima. Que os empregadores se previnam - o dano moral é aquele que atinge A bem ver, a expressão revista ínti- instalando portas de detecção de me- o ser humano em seus valores mais ín- ma deve ser interpretada em absoluta tal ou etiquetas, como agem no tocante timos, causando-lhe lesões em seu pa- consonância com o art. 5º, X, da Carta aos(às) consumidores(as). A empregada, trimônio imaterial, como a honra, a bo- Política, seja em razão de a norma cons- por sê-lo, não cria, para eles, uma esfera a-fama, a dignidade, o nome etc., bens titucional divisar os fundamentos subs- de imunidade, infensa aos dever de res- esses que, em sua essência, isto é, con- tanciais de validade de todo o sistema peitar o direito à intimidade, à vida pri- siderados em si mesmos (do ponto de jurídico; seja em virtude de se estar a vada, à honra, à dignidade e à imagem vista ontológico), não são suscetíveis de proteger, em última análise, a intimida- das pessoas. aferição econômica, mas sim, seus efei- de da mulher trabalhadora; seja, enfim, Não custa lembrar, em respeito à má- tos ou reflexos na esfera lesada. O dano porque aos direitos fundamentais deve xima Kantiana, que a dignidade é um material, ao contrário, lesa bens corpó- ser assegurada sempre a sua máxima atributo de quem não tem preço e, sen- reos que são suscetíveis de valoração efetividade. do imanente assim é um atributo de que pecuniária - (in Dano Moral nas relações Restringir a aplicação do preceito da não tem preço e, sendo imanente assim laborais. 2ª ed., Curitiba: Juruá, 2008, CLT às hipóteses em que se desnuda ou ao homem e à mulher, únicos seres do- p.33). se toca o corpo significaria, com vênia, tados de razão e vontade, impede que No âmbito dos Tribunais Regionais do Tra- O art. 5º, I, da CRFB/88, inaugura o reduzir a mulher a uma de sua muitas sejam eles tratados como meio ou ins- balho a matéria também tem sido objeto de elenco de direitos fundamentais con- expressões, como se o direito à preser- trumento, sendo-lhes sempre garantido jurisprudência controvertida. sagrados que - homens e mulheres são vação de sua intimidade não pudesse o direito de serem regidos por condutas iguais em direitos e obrigações, nos ter- resguardar outros hemisférios de seu ou normas que os compreendam como A jurisprudência que predominava no TRT mos desta Constituição-. Por sua vez, o mundo real ou sensível que gozam de um fim. 24 da 10ª Região , caminhava no sentido de inciso X do mesmo artigo prescreve se- absoluta privacidade. A bolsa da mu- Ao revisar e expor, dia após dia, o que a inspeção em bolsas, sacolas e demais rem - invioláveis a intimidade, a vida pri- lher - sem discriminação da mulher tra- que guardava a empregada em sua bol- pertences dos empregados e empregadas, vada, a honra e a imagem das pessoas, balhadora - é dela uma extensão, o seu sa particular, a empregadora a tratou desde que efetuada com razoabilidade, de assegurado o direito a indenização pelo recôndito, o lugar indevassável onde se como se ali estivesse apenas um ente forma moderada e sem abusos, não afronta dano material ou moral decorrente de guardam os objetos de apreço pessoal, sua violação -. que só a ela cabe revelar. As regras de 24. 23 ROPS 01115-2008-103-10-00-0. Redator Designado: Desembargador Pedro Luis Vicentin Foltran, publicado em 15/8/2008; RO 0642-2008-003-10- 00-9, 3.ª Turma, Redator: Desembargador Braz Henriques de Oliveira, DEJT de 30/04/2009.
82 83 ou viola a intimidade do trabalhador e, por- é pacífica no sentido de que há afronta à O Tribunal Regional do Trabalho do Para- (TRT-PR-02436-2005-411-09-00-3-A- tanto, não dá ensejo a nenhuma reparação honra e à dignidade do consumidor que ná (9ª Região), por meio de sua Col. Segunda CO-30676-2008 – 2ª TURMA. Relator: por dano moral. eventualmente venha a sofrer constrangi- Turma, em processo da relatoria da Desem- MARLENE T. FUVERKI SUGUIMATSU. Pu- mento e humilhação em vista de ser obri- bargadora Marlene T. Fuverski Suguimatsu, blicado no DJPR em 29-08-2008) Entretanto, a partir do ano de 2012, a ju- gado a mostrar os seus pertences para também se posicionou sobre o tema: risprudência evoluiu em sentido contrário ao comprovar o equívoco do disparo do alar- DANO MORAL. REVISTA. EM BOL- entendimento até então majoritário. Neste me que indica furto de mercadorias. Ora, SAS OU SACOLAS. CONSTRANGIMEN- 5. Conclusão. sentido a ementa a seguir transcrita, emana- a honra e a dignidade do consumidor não TO. AUSÊNCIA DE JUSTIFICATIVA. da da Col. Segunda Turma daquela Corte: podem ser superiores à honra e a dignida- INDENIZAÇÃO. AVALIAÇÃO. RAZOA- O Estado Constitucional não mais compor- “ [...] de do trabalhador, que, rotineira e ordina- BILIDADE. A CLT, quando trata da Pro- ta meros anúncios dos direitos fundamentais, riamente, todos os dias, após o término do teção ao Trabalho da Mulher, expres- entre eles o respeito à dignidade da pessoa 3. REVISTA A BOLSAS DE EMPREGA- seu expediente laboral, também é obriga- samente proíbe as revistas pessoais, humana, mas exige a efetivação, concretiza- DAS E EMPREGADOS. DIREITO À INVIO- do a exibir, para fiscais do mesmo sexo e como se extrai do art. 373-A, VI. Enten- ção e a realização desses direitos, eis que no LABILIDADE DA INTIMIDADE E RESPEITO do sexo oposto, seus pertences e objetos de-se por "revistas íntimas" não só o Estado Democrático, a dignidade do ser hu- À DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. pessoais a fim de provar que não é deso- toque físico na pessoa da empregada mano se encontra no mais alto degrau da pi- (CRFB, ART.1.º, INC. III, E ART.5.º, INC. X). nesto e que nada furtou do seu emprega- mas também toda e qualquer revista a râmide da axiologia jurídica, e dela emanam PRINCÍPIO DA BOA-FÉ E DA PRESUNÇÃO dor, em flagrante afronta aos princípios da seus pertences, em bolsas ou mesmo todos os demais direitos fundamentais. DE INOCÊNCIA. TRATAMENTO ISONÔ- boa-fé e da presunção de inocência”. em armários em que cos- MICO DA HONRA E DA DIGNIDADE DO (TRT da 10ª tuma guardar seus obje- A Constituição da República estabelece CONSUMIDOR E DO TRABALHADOR. Os Região – RO nº tos pessoais, no local de entre seus princípios fundamentais (art. 1º, princípios constitucionais de inviolabili- 00236-2013-018- trabalho. Mesmo quan- incisos III e IV), a dignidade da pessoa huma- dade da intimidade e da garantia da dig- 10-00-2 - 2ª Turma do ocorrem sem contato na, os valores sociais do trabalho e da livre nidade da pessoa humana, bem como – Relator Desem- físico, as revistas provo- iniciativa. O implemento de cada um desses os pilares norteadores do Direito do bargador Brasilino cam grande constrangi- princípios não exclui os demais. Trabalho e, bem assim, do princípio da Santos Ramos – Pu- mento e se revestem de boa-fé devem sempre ser observados, a blicado no DEJT de profunda gravidade, pois O poder de comando empresarial, me- fim de que não sejam cometidos abusos 11/10/2013). além de denotar descon- diante seu poder diretivo (CLT, art. 2º), oriun- e desvios de poder no exercício do po- fiança pelo empregador, do da garantia constitucional do princípio der empregatício. Dessarte, é defesa a inibem mais seriamente da livre iniciativa, consagra a prerrogativa prática de atos que importem em lesão No mesmo sentido a empregada, que não do controle, da vigilância e da fiscalização aos direitos da personalidade do empre- a decisão proferida em dispõe de meios de re- do ambiente de trabalho, inclusive no senti- gado. Portanto, a revista diária e rotinei- Ação Civil Púlica ajui- cusa no ambiente onde do de proteger e preservar o patrimônio do ra em bolsas, pastas, mochilas, sacolas zada pelo Ministério prepondera o poder do empregador. Entretanto esse poder diretivo e similares, de propriedade de empre- Público do Trabalho, empregador. Essa sub- e fiscalizador só se legitima e encontra gua- gados e empregadas, contendo objetos nos autos do Proces- missão não se justifica rida no ordenamento jurídico mediante a pessoais, caracteriza afronta ao direito so 00879-2010-017-10- sequer pela preocupa- observância da preservação da privacidade, de não violação da intimidade, conso- 00-7, também julga- ção em proteger o patri- da honra e da imagem dos trabalhadores e ante garantia insculpida no art. 5.º, inc. do pela col. Segunda mônio, já que se faz ao trabalhadoras, diante dos limites assegura- X, da Constituição Federal. Sinale-se, ou- Turma, sendo Relator arrepio de qualquer con- dos na Constituição da República (art. 5.º, trossim, que a jurisprudência majoritária o Desembargador Brasilino Santos Ramos, sideração por sentimentos e valores caput, incisos II, LIII, LIV e X). A proteção e do Col. Superior Tribunal de Justiça e cuja ementa foi publicada no DEJT nº 30, de íntimos do trabalhador. Recurso a que a preservação do patrimônio empresarial de diversos Tribunais de Justiça do país 16/02/2012. se nega provimento. pode e deve ser objeto de mecanismos pró-
84 85 Social e Democracia participativa. Disponí- SALGADO, Joaquim Carlos. Princípios her- vel em http://www.juridicas.unam.mx/sisjur/ menêuticos dos direitos fundamentais. Re- constit/pdf/6-234s.pdf. Acesso em: 6 set. vista do Tribunal de Contas do Estado de Minas 2011. Gerais, Belo Horizonte, v. 20, n.3, jul.-set/1966. BRITO FILHO, José Cláudio de. Trabalho SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pes- como redução à condição análoga à de escra- soa humana e direitos fundamentais na vo: análise a partir do trabalho decente e de Constituição Federal de 1988. 3ª ed. Porto seu fundamento, a dignidade da pessoa hu- Alegre: Livraria do Advogado, 2004. mana. Trabalho Escravo Contemporâneo. O de- safio de superar a negação. FAVA, Marcos Neves SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pes- e VELLOSO, Gabriel (Coord). São Paulo: LTr, 2006. soa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. 2ª ed. revista DELGADO, Gabriela Neves. Direito Funda- e ampliada. Porto Alegre: Livraria do Advoga- mental ao Trabalho Digno. São Paulo: LTr, do, 2002. 2006. SILVA, José Afonso da. http://www.tcm. DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Di- sp.gov.br/legislacao/doutrina/30a03_06_05/ reito do Trabalho. 8ª ed.2009. São Paulo: LTr. jose_afonso3.htm - acesso em 17/09/2013. 2009. prios e adequados, sem a necessidade de se de afrontar os princípios da boa-fé e da pre- proceder à vexatória vistoria em pertences sunção de inocência, caracteriza, também, LEDUR, José Felipe. Direitos Fundamen- pessoais tanto dos consumidores quanto afronta ao direito de não violação da intimi- tais Sociais: efetivação no âmbito da demo- dos trabalhadores e trabalhadoras. Não há dade, consoante garantia insculpida no art. cracia participativa. Porto Alegre: Livraria do hierarquia entre a dignidade e a cidadania 5.º, inc. X, da Constituição Federal. Advogado, 2009. deles. Trabalhadores e consumidores devem ser tratados com o mesmo respeito. 6. Bibliografia. MENEZES, Cláudio Armando Couce et al. Direitos Humanos e Fundamentais, or prin- Por outro lado, não é razoável entender- BARROS, Alice Monteiro de. Proteção à in- cípios da progressividade, da irreversibili- se que a proteção à intimidade do trabalha- timidade do empregado. 2ª ed. São Paulo: dade e da não regressividade social em um dor e da trabalhadora se limita, tão somen- Ltr, 2009. contexto de crise. Revista do Tribunal Regio- te, ao corpo físico. Não há como negar que nal do Trabalho da 8ª Região, v. 42, n. 83, jul./ ela é extensiva aos seus pertences pessoais BELMONTE, Alexandre Agra. O Monitora- dez.2009. contidos em bolsas, mochilas, sacolas, pas- mento da Correspondência Eletrônica nas tas, etc. Relações de Trabalho. São Paulo: LTr, 2004, PAROSKI, Mauro Vasni. Direitos Funda- vol. 68, n.º 9. mentais e acesso à Justiça na Constituição. Com o devido respeito aos que entendem São Paulo: LTr, 2008. de forma diversa e, diante das razões expos- BOMFIM, Benedito Calheiros. Inefetividade tas, entendo que a revista diária e rotineira de Direitos Constitucionais do Trabalhador. RIBEIRO, Lélia Guimarães Carvalho. A mo- em bolsas, pastas, mochilas, sacolas e simi- Revista Synthesis, n. 47/08, São Paulo: 2008. nitoração audiovisual e eletrônica no am- lares, de propriedade de empregados e em- biente de trabalho e seu valor probante. São pregadas, contendo objetos pessoais, além BONAVIDES, Paulo. Constitucionalismo Paulo: Ltr, 2008.
86 87 sua qualidade de seres físicos, conso- no caso o menor, é a vítima multiplicada lidam a sua espécie pela procriação porque, dada sua fragilidade, inexperiência e natural. Só o Homem, porém, con- desamparo, submete-se ante a necessidade segue conservar e propagar a sua pelo medo. forma de existência social e espiritu- al por meio das forças pelas quais a Sabe-se que no Brasil somente há pouco criou, quer dizer, por meio da vonta- mais de cem anos a criança trabalhadora de consciente e da razão. (JAEGER, passou a ser objeto de proteção legal pelo 2ª edição, p. 3). Decreto nº 1.313, de 17 de janeiro de 1891, que proibiu o trabalho de crianças com idade inferior a doze anos em fábricas do Distrito É sob o enfoque da educação que inicio Federal, proibiu o labor em atividades insalu- estas breves notas sobre o trabalho infantil bres e perigosas, estipulou limites de jornada para, adiante, apontar uma das consequên- e autorizou a aprendizagem a partir dos oito cias nefastas da sua falta na formação do in- anos nas fábricas de tecidos. Depois vieram divíduo. O mesmo escritor mencionado diz o Decreto nº 22.042, de 3 de novembro de O TRABALHO INFANTIL que, para os gregos, a educação pertence 1932, a Constituição de 1934, o Decreto-Lei à comunidade e que a sociedade assenta- nº 3.616, de 1941, a Consolidação das Leis do E A PREVIDÊNCIA SOCIAL se nas leis e normas escritas e não escritas, Trabalho, a Constituição de 1946, a Constitui- logo, “toda a educação é assim o resultado ção de 1967, a Constituição Federal de 1988, 1 da consciência viva duma norma que rege o Estatuto da Criança e do Adolescente, a Juíza Débora Wust de Proença uma comunidade humana, quer se trate da Emenda Constitucional nº 20 e os tratados in- TRT 15ª Região família, duma classe ou duma profissão, quer ternacionais aprovados pelo Brasil, em espe- se trate dum agregado mais vasto, como um cial as Convenções nºs 138 (complementada grupo étnico ou um Estado.” (JAEGER, 2ª edi- pela Recomendação nº 146) e 182 da Organi- ção, p. 4). zação Internacional do Trabalho. PALAVRAS-CHAVE: Trabalho infantil. Con- RESUMO sequências jurídicas. Princípios constitucio- O indivíduo submetido ao processo de Assim, se a norma é o resultado da cons- O trabalho infantil é proibido mas produz nais. Nulidades. Obrigações do empregador. educação (e entenda-se aqui a educação ciência viva, por certo antes de 17 de janeiro consequências jurídicas, logo, deve ser re- Recolhimento previdenciário. INSS. em seus aspectos mais abrangentes) percebe de 1891 não havia educação ou pensamento conhecido em sua totalidade para que seja melhor sua realidade e a do outro pois o ou- social de que a criança brasileira era merece- expressão do princípio constitucional da pro- Todo o povo que atinge um certo tro passa a ser alguém como ele; o indivíduo dora de amparo e proteção trabalhista. No- teção integral da criança e do adolescente, grau de desenvolvimento se sente na- educado – complete-se: instruído – serve-se te-se que nos dias atuais ainda encontramos inclusive no que diz respeito aos direitos pre- turalmente inclinado à prática da edu- do instrumento das palavras, que formam fra- adultos que não têm essa consciência pela videnciários. Nulidades de Direito Civil inapli- cação. Ela é o princípio por meio do ses, que compreendem uma ideia e que con- própria falta de educação o que os leva, na cáveis. Obrigação do empregador de pro- qual a comunidade humana conserva segue se entender e exprimir-se. A educação maior parte das vezes, à repetição do mode- ceder a anotação em CTPS e de efetuar os e transmite a sua peculiaridade física e dá instrumentos ao indivíduos para “opera- lo, como demonstrado na animação “Vida recolhimentos previdenciários, com a conse- espiritual. Com a mudança das coisas, cionalizar” a vida. Maria”. quente obrigação da autarquia no reconheci- mudam os indivíduos; o tipo perma- mento do vínculo empregatício. nece o mesmo. Homens e animais, na A insensibilidade que provém da falta de Para a Organização Internacional do Tra- educação (entenda-se-a desde a formação balho o trabalho infantil deve ser abolido e no lar) impede que haja empatia e o outro, o País-Membro deve elevar a idade mínima 1. Juíza do Trabalho Substituta do TRT da 15ª Região
88 89 de admissão a emprego ou a trabalho. Preocu- tucionalmente? Seus direitos substanciais estão pou-se, ainda, em descrever as piores formas garantidos, não há dúvida. À perversidade do de trabalho infantil, a saber: todas as formas de trabalho infantil proibido não se podem aliar as EXPLORAÇÃO DE TRABALHO INFAN- escravidão ou práticas a ela análogas, o recru- nulidades do Direito Civil para prejudicá-lo. Tra- TIL. TERCEIRIZAÇÃO ILÍCITA. RESPON- tamento ou a oferta de crianças para a prosti- ta-se de trabalho proibido, logo, tem de haver SABILIDADE SOLIDÁRIA DO TOMADOR tuição, a produção de pornografia ou atuações a proteção do trabalhador infantil, por conta do DE SERVIÇOS. PROTEÇÃO INTEGRAL E pornográficas, a utilização, bem como para a trato sucessivo do contrato, da impossibilidade PRIORITÁRIA DO EXPLORADO. É veda- realização de atividades ilícitas e o trabalho sus- de restituição da força de trabalho do emprega- do o trabalho noturno, insalubre, pe- cetível de prejudicar a saúde, a segurança ou a do e para impedir o enriquecimento ilícito do rigoso e penoso a quem não comple- moral das crianças. empregador. Neste compasso, há de se reco- tou dezoito e qualquer trabalho antes nhecer a nulidade do contrato de trabalho em dos dezesseis, exceto na condição de É de conhecimento que há vários fatores que desfavor do empregador, por conta da proibi- aprendiz, a partir dos catorze anos de levam a criança (até doze anos incompletos) e ção legal, fazendo-o cessar imediatamente, pre- idade (CF, art. 7º, XXXIII; arts. 402, 403, o adolescente (entre doze e dezoito anos, assim servando-se os efeitos já produzidos. 404 e 405 da CLT; art. 67, I e II do ECA). considerados pelo Estatuto da Criança e do Ado- A contratação irregular de adolescente lescente) para o mercado de trabalho – entre os Mauricio Godinho Delgado, tratando dos ví- com 15 anos de idade por empresa in- quais a pobreza e a precarização das relações cios e defeitos do contrato de trabalho, escreve terposta, para trabalho noturno de co- laborais – mas, no meu sentir, os dois principais sobre a leta de aves, em benefício de frigorífico são a falta de educação e a desagregação fami- que as abate e comercializa, é passível liar. Na maior parte das vezes, esse mercado de Aplicação Plena da Teoria Trabalhis- de gerar vínculo empregatício direta- trabalho é informal e a informalidade conduz à ta – Há algumas situações comuns que mente com o tomador de serviços (Sú- negação de direitos. ensejam a plena aplicação da teoria mula 331, I, do C. TST). No caso, sendo justrabalhista de nulidades (afastando- patente a inidoneidade econômico-fi- A utilização da mão de obra infantil traduz se, pois, por inteiro, a clássica teoria do nanceira da terceirizada, que nem se- uma das formas de exploração do trabalho hu- Direito Civil). Ilustrativamente, o defeito quer formalizou a contratação do ado- mano e vem sendo combatida por órgãos inter- concernente ao elemento fático-jurídi- lescente, o mínimo que se pode fazer nacionais e nacionais. É sabido que o trabalho co da capacidade. Tratando-se de tra- é manter a responsabilidade solidária em tenra idade provoca danos de ordem fisioló- balho empregatício prestado por me- do frigorífico que se beneficiou dos ser- gica, moral, cultural, psicológica, de segurança, nor de 16 anos (ou 14, antes da EC n.20, viços prestados, ante a impossibilida- de salubridade e outros, retirando da criança e de 15.12.98), cabe o reconhecimento de de reformatio in pejus. Prestigia-se, do adolescente o direito à vida, à saúde, à edu- de todos os efeitos justrabalhistas ao O Tribunal Regional do Trabalho da 15ª assim, a proteção integral e prioritária cação, à cultura, ao lazer, à profissionalização, à contrato irregularmente celebrado. Região também assim já decidiu, conforme (princípios consagrados no artigo 227 convivência familiar, ao tempo de ser criança e (DELGADO, 2004, p. 508/509). ementa abaixo, apesar de haver outro julga- da CF/88; art. 1º e ss. do ECA) que deve tanto mais. do que assim não o fez por haver entendido ser devotada a crianças, adolescentes O Tribunal Superior do Trabalho já reco- que não há fundamento jurídico para o reco- e jovens, uma vez que, neste caso, a Atualmente, o inc.XXXIII do art.7º da Consti- nheceu o vínculo empregatício de menores nhecimento do vínculo empregatício (em pri- família, a sociedade e o Estado já falha- tuição Federal proíbe o trabalho noturno, peri- trabalhadores em idade inferior ao permitido meira instância) e pela “... falta de elemento ram no cumprimento de sua missão. goso ou insalubre a menores de 18 anos e qual- legalmente como, por exemplo, no julgamen- formal 'capacidade das partes', que confere Recurso ordinário a que, no particular, quer trabalho a menores de 16 anos, salvo na to do recurso de revista da reclamação tra- validade à relação empregatícia, conduz à se nega provimento. (Proc. nº 0000298- condição de aprendizes, a partir de 14 anos. balhista nº 132900-07.2006.5.12.0024 (menor improcedência do pleito de reconhecimento 18.2010.5.15.0060, julgamento disponí- Pois bem, como ficam os direitos do traba- com 15 anos de idade, não aprendiz, que so- de liame de emprego” (em segunda instân- vel em 31/10/2012, Juiz Relator José lhador com idade inferior ao permitido consti- freu acidente do trabalho). cia, Proc.nº 0000416-75.2012.5.15.0075): Roberto Dantas Oliva).
90 91 Outros Tribunais Regionais já reconhece- RE 600616 AgR / RS – RIO GRANDE DO Decisão ram o vínculo empregatício do menor de 16, SUL não aprendiz, atribuindo-lhe todos os direitos AG.REG. NO RECURSO EXTRAORDINÁ- A Turma negou provimento ao agra- trabalhistas como, por exemplo, TRT da 3ª RIO vo regimental, nos termos do voto do Região: Proc.nº 0116200-41.2008.5.03.0151 e Relator: Min.ROBERTO BARROSO relator. Unânime. Presidência do Senhor Proc.nº 0082200-67.2005.5.03.0006, TRT da 4ª Julgamento: 26/08/2014 – Órgão Jul- Ministro Marco Aurélio. Primeira Turma, Região: Proc.nº 0021900-47.1994.5.04.0411, gador: Primeira Turma 26.8.2014. TRT da 5ª Região: Proc.nº 0000464- Publicação Acórdão Eletrônico: DJE- 63.2011.5.05.0005, TRT da 6ª Região: Proc.nº 175, divulgado 09-09-2014, publicado Com base no art.90 da Instrução Normati- 0000435-44.2013.5.06.0351, TRT da 8ª Região: 10-09-2014 va INSS/PRES nº 45, de 6 de agosto de 2010, Proc.nº 0083100-11.2007.5.08.0113, TRT da 9ª AGTE.(S) : INSTITUTO NACIONAL DO a própria autarquia previdenciária admite a Região: Proc.nº 0001913-85.2011.5.09.0024 SEGURO SOCIAL - INSS contagem do tempo de contribuição abaixo e TRT da 12ª Região: Proc.nº 0002556- PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GE- do limite legalmente permitido para o tra- 41.2012.5.12.0051. RAL FEDERAL balho, desde que comprovada a atividade AGDO.(A/S) : MINISTÉRIO PÚBLICO FE- mediante documento contemporâneo em Mas, como fica a situação desse menor tra- DERAL nome do segurado, que no caso é menor balhador infantil perante a Previdência Social PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GE- trabalhador infantil. (não aprendiz e com idade inferior a 16 anos) ? O Supremo Tribunal Federal já decidiu RAL DA REPÚBLICA Trocando em miúdos, ele terá ou não algum di- neste sentido: INTDO.(A/S) : KERLIN JOCASTA LUGA- Leve-se em conta que não haverá afronta reito previdenciário ? A resposta é positiva. Terá, REZI ao sistema atuarial porque o financiamento sim, todos os direitos previdenciários, inclusive TRABALHADOR RURAL OU RURÍCULA ADV.(A/S) : LINONROSE SCARAVO- da seguridade social, o caráter contributivo anotação de contrato de trabalho em Cartei- MENOR DE QUATORZE ANOS. Contagem NATTO e o custeio de benefício estarão preservados, ra de Trabalho e Previdência Social (art.29 da de tempo de serviço. Art.11, VII, da Lei EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL EM haja vista que decorrerão do reconhecimen- Consolidação das Leis do Trabalho). Todavia, 8.213. Possibilidade. Precedentes. Ale- RECURSO EXTRAORDINÁRIO. DIREITO to judicial do vínculo empregatício e serão de em primeiro lugar, observe-se que os arts.14 e gação de violação aos arts.5º, XXXVI; e PREVIDENCIÁRIO. TRABALHADORA competência única do empregador, tanto a 13 das Leis nºs 8.212 e 8.213, respectivamente, 97, da CF/1988. Improcedente. Impos- RURAL. MENOR DE 16 ANOS DE IDA- parte dele próprio quanto a do empregado, ambas de 24 de julho de 1991, fixam a idade de sibilidade de declaração de efeitos re- DE. CONCESSÃO DE SALÁRIO-MATER- uma vez que se omitiu em época própria (le- 14 anos para a filiação como segurado faculta- troativos para o caso de declaração de NIDADE. ART. 7º, XXXVIII, DA CONSTI- tra “a” do inc.I do art.195 da CF c/c arts.78 e tivo e o § 2º art.18 do Decreto nº 3.048, de 6 de nulidade de contratos trabalhistas. Tra- TUIÇÃO FEDERAL. NORMA PROTETIVA 106 da Instrução Normativa-RFB nº 971, de 13 maio de 1999, dispõe que a filiação ao Regime tamento similar na doutrina do direito QUE NÃO PODE PRIVAR DIREITOS. PRE- de novembro de 2009). Ademais, o emprega- Geral da Previdência Social dar-se-á a partir de comparado: México, Alemanha, França CEDENTES. Nos termos da jurisprudên- dor não poderá alegar desconhecimento da 16 anos, ou seja, tais normas não tiveram suas e Itália. Norma de garantia do trabalha- cia do Supremo Tribunal Federal, o art. lei (art.3º da Lei de Introdução às Normas do redações adequadas à Emenda Constitucional dor que não se interpreta em seu detri- 7º, XXXIII, da Constituição “não pode Direito Brasileiro) e para relembrar, a limita- nº 20, de 15 de dezembro de 1998. mento. Acórdão do STJ em conformi- ser interpretado em prejuízo da crian- ção de idade para a contratação é imposta dade com a jurisprudência desta Corte. ça ou adolescente que exerce ativida- em benefício do menor e jamais em seu des- Estas inadequações não retiram os direitos Precedentes citados: AI 105.794-AgR, de laboral, haja vista que a regra cons- favor. Tanto isto é verdade que o art.243 do do menor trabalhador infantil, porque, compro- Segunda Turma, Rel.Aldir Passarinho, titucional foi criada para a proteção e Código de Processo Civil não admite o reque- vada a prestação laboral nos termos dos arts.2º DJ de 2-5-1986; e RE 104.654, Segunda defesa dos trabalhadores, não poden- rimento de nulidade pela parte que lhe deu e 3º da CLT, configura-se o vínculo emprega- Turma, Rel.Francisco Rezek, DJ de 25-4- do ser utilizada para privá-los dos seus causa. tício e o fato gerador do tributo à seguridade 1986. (AI 529.694, Rel.Min.Gilmar Men- direitos” (RE 537.040, Rel. Min. Dias To- social, nos termos do inc.I do art.195 da Consti- des, julgamento em 15-2-2005, Segunda ffoli). Agravo regimental a que se nega Tudo isto com base nos princípios constitu- tuição Federal. Turma, DJ de 11-3-2005). provimento. cionais da universalidade da cobertura da Se-
92 93 guridade Social (inc.I do § único do art.194), - É entendimento firmado neste Tribu- the employer to carry out annotation CTPS and da proteção integral especial (§3º do art.227) nal que as atividades desenvolvidas em make the compulsory social security, with the e da dignidade da pessoa humana (inc.III do regime de economia familiar, podem ser consequent obligation of the INSS in recognition art.1º c/c caput do art.227), especialmen- comprovadas através de documentos em of employment. te direcionados à criança e ao adolescente nome do pai de família, que conta com a (SARLET, 2006, p. 62). colaboração efetiva da esposa e filhos no KEY-WORDS: Child labor. Legal consequen- trabalho rural. ces. Constitutional principles. Nullities. Obliga- É preciso que se diga que há entendimen- - Recurso do segurado, conhecido e tions of the employer. Social security contribu- to doutrinário contrário como, por exemplo, provido. tion. INSS. o de Wladimir Novaes Martinez, expresso em - PREVIDENCIÁRIO – RECURSO ESPE- seu Curso de Direito Previdenciário, p. 345, CIAL – RECONHECIMENTO DE TEMPO DE Referências em razão da falta de capacidade do traba- SERVIÇO RURAL – REGIME DE ECONOMIA lhador infantil. FAMILIAR – INÍCIO DE PROVA MATERIAL – CASTRO, Alberto Pereira de Castro e LAZZA- DOCUMENTOS EM NOME DO PAI DO SE- RI, João Batista. Manual de Direito Previdenci- Por fim, uma decisão do Superior Tribunal GURADO. do INSS, mas lhe negar provimento. Vo- ário. Florianópolis: Conceito Editorial, 2007. de Justiça admitindo o tempo de serviço de - É entendimento firmado neste Tribu- taram com o Sr.Ministro Relator os Srs.Mi- trabalhador rural menor de 14 anos para fins nal que as atividades desenvolvidas em nistros LAURITA VAZ, JOSÉ ARNALDO DA de aposentadoria: regime de economia familiar, podem ser FONSECA, FELIZ FISCHER e GILSON DIPP. DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Di- comprovadas através de documentos em (Resp 541103/RS, 2003/0100696-7, Min. reito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2004. PREVIDENCIÁRIO – APOSENTADO- nome do pai de família, que conta com a Rel.Jorge Scartezzinni, publicação DJ em RIA POR TEMPO DE SERVIÇO – TRABA- colaboração efetiva da esposa e filhos no 1/7/2004, p.260). LHADOR RURAL – MENOR DE 14 ANOS trabalho rural. Para terminar, “libertar a criança das sensa- JAEGER, Werner. Paideia. São Paulo: Ed.Her- – ART.7º, INC. XXXIII DA CONSTITUIÇÃO - Em consonância com o art.143, inci- ções de medo é o primeiro passo no caminho der, 2ª edição. FEDERAL – TRABALHO REALIZADO EM so II, da Lei 8.213/91, para fins de reco- da sua educação para a valentia” (JAEGER, 2ª REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR – COM- nhecimento de tempo de serviço rural, edição, p. 1272). PROVAÇÃO ATRAVÉS DE DE DOCUMEN- a comprovação do período de carência MARTINEZ, Wladimir Novaes. Curso de Direi- TOS DO PAI DO AUTOR. não representa óbice para a concessão Conclusão, deve-se combater o trabalho to Previdenciário. São Paulo: LTr, 2014. do benefício previdenciário. infantil para que ele desapareça definitivamente - Divergência jurisprudencial demons- - Precedentes deste Corte. mas, em assim não sendo, é imperativo que se trada. Entendimento do artigo 255 e pará- - Recurso do INSS conhecido, mas des- proteja o menor trabalhador infantil de maneira SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa grafos, do Regimento Interno desta Corte. provido. integral e absoluta. Humana e Direitos Fundamentais na Consti- - A norma constitucional insculpida no tuição Federal de 1988. Porto Alegre: Livraria artigo 7º, inciso XXXIII da Constituição Fe- Acórdão CHILD LABOR AND SOCIAL SECURITY do Advogado Ed., 2006. deral, tem caráter protecionista, visando coibir o trabalho infantil, não podendo Vistos, relatados e discutidos estes au- SUMMARY servir, porém, de restrição aos direitos tos, acordam os Srs.Ministros da QUINTA TEIXEIRA, Marcelo Tolomei. Os efeitos da nuli- do trabalhador no que concerne à con- TURMA do Superior Tribunal de Justiça Child labor is prohibited but produces legal dade do contrato de trabalho por conta da idade tagem de tempo de serviço para fins pre- em, na conformidade dos votos e das consequences, so should be recognized in its en- mínima para o trabalho e por demais questões videnciários. Tendo sido o trabalho reali- notas taquigráficas a seguir, por unani- tirety to be the expression of constitutional princi- do trabalho do menor. Publicado em “Criança, zado pelo menor a partir de 12 anos de midade, conhecer do recurso interposto ple of full protection of children and adolescents, Adolescente, Trabalho” organizado por Andrea idade, há que se reconhecer o período por Jorge Franklin da Costa Araújo e lhe including with respect to social security rights. Saint Pastous Nocchi, Gabriel Napoleão Velloso e comprovado para fins de aposentadoria. dar provimento e conhecer do recurso Unenforceable nullity of Civil Law. Obligation of Marcos Neves Fava. São Paulo: LTr, 2010.
94 95 SUMÁRIO assim, que muitos atribuem natureza constitu- cional à duplicidade obrigatória de instância. I- INTRODUÇÃO Dito isso, e não obstante a existência de II-O DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO SE- sólidos argumentos contrários à constitucio- 5 GUNDO O STF E O TST nalização do duplo grau de jurisdição , o que pretendemos analisar nestas páginas é menos III-A DELIMITAÇÃO CONCEITUAL DO DU- o seu patamar hierárquico-normativo e mais PLO GRAU DE JURISDIÇÃO: AS VANTAGENS a sua significação. Afinal de contas, qual deve E DESVANTAGENS SUBJACENTES ser a extensão hermenêutica da revisão recur- sal, especialmente no contexto de um Estado IV- A PONDERAÇÃO RECORRENTE DO Democrático de Direito que prima pela “dura- PRINCÍPIO DO DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO ção razoável do processo” e pela “efetividade A FUNÇÃO REVISORA DOS TRIBUNAIS: da tutela judicial”? V- CONCLUSÃO Quid juris? Mas isso não é só. Ao discorrermos sobre I – Introdução a função revisora dos tribunais também deve- mos levar em conta o seu aspecto pragmático Juiz Fábio Rodrigues Gomes1 Instados a refletir sobre a função revisora ou consequencialista. Nos dias que correm, o Juíza Roberta Ferme Sivolella2 dos tribunais, a primeira ideia que nos ocorreu índice de confiança da população no Poder 6 TRT 1ª Região foi a daquele lugar-comum: error in proceden- Judiciário não é dos melhores . Entretanto, do ou error in judicando. paradoxalmente, este mesmo Judiciário está ABSTRACT abarrotado de antigos processos e submeti- RESUMO Dito de outro modo, enraizou-se na cultura do a avalanches de novos processos oriundos O presente artigo pretende aprofundar as This article seeks to deepen reflections jurídica brasileira o seguinte axioma: as sen- desta mesma população. Por que isso acon- reflexões acerca da função revisora dos Tribu- on the role of reviewer Courts in Brazil and tenças proferidas pelo juiz monocrático de- tece? Será que a gigantesca quantidade de nais no Brasil e no mundo, em seus aspectos around the world, in its pragmatic and con- vem submeter-se, real ou potencialmente, ao recursos e de possibilidade (quase certa) de pragmáticos, consequencialistas e principioló- sequentialist aspects, and based to princi- duplo grau de jurisdição. Isso deve ocorrer por modificação da decisão judicial de primeiro gicos. A partir da análise do papel do Juiz- de ples. From the analysis of the role of Judge- um motivo bastante simples: a inexorabilidade grau contribui para este fenômeno? primeiro e segundo grau- faz-se necessário concerning to first and second instances- it is do erro. Seja através do erro procedimental, refletir sobre a necessidade de uma mudança necessary to reflect on the need for a change seja por meio do erro de conteúdo, o Poder Estas são algumas questões que pretende- de postura, face às vantagens e desvantagens in posture, given the advantages and disad- Judiciário no Brasil erra. Mas o juiz singular, mos abordar ao longo deste ensaio, na tenta- 3 de um conceito amplo do duplo grau de juris- vantages of a broad concept of double juris- segundo opinião reinante, erra ainda mais . tiva de construir algumas soluções e, quiçá, dição. diction. De modo que não é outra a razão principal angariar alguns adeptos a elas. Ou, ao menos, da sua inclusão em um sistema processual no impelir os mais críticos a reverem suas opini- 4 PALAVRAS-CHAVE:Função Revisora dos KEYWORD: The court's reviewer function qual o “controle” é a palavra-chave . E tanto é ões. Tribunais- Duplo Grau de Jurisdição-Pondera- - Two-tier of judicial authority - Weighting ção de Valores- Justiça Real e Efetividade values of Real Justice and Effectiveness 3. Exemplo ilustrativo desta impressão é a chamada Lei da Ficha Limpa (Lei Complementar nº 135 de 04 de junho de 2010), uma vez que foi alterada no seu projeto original a fim de considerar inelegíveis apenas os parlamentares julgados por órgão colegiado, e não por juiz monocrático. 4. Cf. MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao Código de Processo Civil. Vol. V: arts. 476 a 565. 8ª ed. Rio de Janeiro: Ed. Forense, 1. Juiz Titular da 41ª VT/RJ. Mestre e Doutor em Direito Público pela UERJ. Professor da UCAM e do Grupo de Estudos Ratio Juris. Diretor 1999, pp. 235-238. Cultural da Amatra 1 (RJ). 5. Cf.MARINONI, Luis Guilherme. Precedentes obrigatórios. São Paulo: Revista dos Tribunais, pp. 185-186. 2. Juiza Substituta do TRT da 1ª Região. Mestre e Doutora em Direitos Sociais pela UCLM-Universidad Castilla La Mancha. Diretora de Imprensa 6. SABADELL, Ana Lucia. Manual de sociologia jurídica. Introdução a uma leitura externa do direito. 6ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, e Comunicação da Amatra 1 (RJ). 2013, pp. 182-184.
96 97 II – O duplo grau de jurisdição segundo ciam. Fruto de uma atividade intersubjetiva Mas isso não é só. Aproximar a normativi- dendo”, acrescentou-se a previsão de uma o STF e o TST ou discursiva, voltada para a solução racio- dade da efetividade, ou, em outras palavras, terceira instância para verificação de ocor- nal dos problemas práticos que afligem a buscar a melhor adequação dos aconteci- rência de violação de lei federal ou dispo- sociedade, o direito oscila entre duas forças mentos do mundo empírico às prescrições sitivo consitucional, e de interpretação de contrapostas: a necessidade de segurança/ normativas oficiais passa a ser a tônica do lei federal, estadual ou norma coletiva di- estabilidade/previsibilidade e a premência julgamento. Desta forma, o juiz não mais se versa da “jurisprudência consolidada” (art. 8 da aceitação/legitimidade/sentimento de apresenta como um ator “contemplativo” ou 896 da CLT). justiça dos seus destinatários. Conforme bem mero descobridor passi- salientou o jurista Miguel Reale, vo da mens legislatoris, E, para culminar, de- mas, sim, como um par- Desta forma, pois de ultrapassados A vida dos modelos jurídicos se de- tícipe do mundo da vida, o juiz não mais se todos os degraus da Jus- senvolve entre dois fatores operantes, testemunha das mazelas tiça Federal especializa- um visando a sua preservação e per- sociais, um sujeito cons- apresenta como um da, temos, também, a manência, outro reclamando a sua re- ciente do papel “garan- possibilidade de submis- 9 ator “contemplativo” forma ou substituição, o que assegura tista” de suas decisões . são da demanda à aná- à experiência dos modelos jurídicos Este novo paradigma “faz ou mero descobridor lise do Supremo Tribunal uma autocorreção, num processo de do Estado instrumento a passivo da mens Federal, através do re- O acesso à justiça foi positivado como di- marcado feedback, isto é, de contínua serviço da proteção de curso extraordinário, nas reito fundamental no ordenamento jurídico regeneração ou realimentação, que se direitos, que, derivados legislatoris. hipóteses de análise de brasileiro com o advento da CRFB/88. Mais dá em função de mutações operadas da dignidade da pessoa violação à Constituição precisamente, a Constituição de 1988 apre- no plano dos fatos, dos valores e do humana, surgem como ou à Lei federal (art. 102 sentou o seu art. 5º , XXXV como resposta próprio ordenamento normativo glo- valores exteriores à or- da CRFB/88). Isso sem aos anseios por um Estado realmente demo- bal, repercutindo imediatamente nos dem jurídica, desempenhando em face dela esquecer da previsão de outros recursos crático, diante de um contexto histórico de 10 domínios cambiantes da Hermenêuti- uma permanente função crítica” . de diversas naturezas, inclusive de ordem “inacesso” quase absoluto ao Poder Judici- 7 ca jurídica . regimental, hábeis a corrigir os “erros” da ário. Portanto, o viés material do duplo grau instância a quo, bem como da rotineira Não há como negar que as decisões judi- de jurisdição (busca da melhor solução), formalização de Súmulas como meio de É necessário se ter em mente a realidade ciais têm um importante papel neste proces- somado à nova inserção do Judiciário conter o impulso criativo (e supostamente política e social brasileira para que se possa so evolutivo. E, justamente por isso, deve-se dentro do chamado “constitucionalismo equivocado) dos juízes singulares. compreender porque este princípio foi con- garantir que “erros” atribuíveis ao julgador democrático” ou “neoconstitucionalis- sagrado e influenciou toda uma hermenêuti- primário não inviabilizem a garantia de efeti- mo”, transformou a possibilidade de revi- A bem de ver, o Poder Legislativo seguiu ca voltada à ratificação da emancipação do vação do direito postulado pelo cidadão. Em são das decisões de primeiro grau em ver- este mesmo ideário ao trazer a previsão da Poder Judiciário. O mote agora seria a mino- tese, esta garantia se desdobraria no duplo dadeira exigência institucional. Indo além, Súmula vinculante, através da inserção do ração das desigualdades sociais, ao menos grau de jurisdição (e no consequente poder ao privilegiar-se a suposição de ocorrência art. 103-A na Constituição. Com a EC nº no que tange à possibilidade de apreciação revisional dos Tribunais) sob o aspecto mate- de “error in judicando” ou “error in proce- 45/2004 permitiu-se ao STF dos conflitos de interesses por uma autorida- rial do princípio do acesso à justiça. Dito de de supostamente legítima. E nem poderia ser outro modo: não só declarar o direito, mas 8. “Os ‘contemplativos’ são cem vezes piores – não sei de nada que suscite tanto desânimo como este gênero de ‘poltrona objetiva’” (NIET- diferente, em se considerando que a ciência satisfazê-lo, no sentido de desenvolver ferra- ZCHE, Friedrich. A genealogia da moral. 2. ed. São Paulo: Editora Escala, 2007, p 149). jurídica é permeada de valores e modulada 9. Conforme o “garantisto jurídico” de Luigi Ferrajoli, o sistema jurídico reveste-se em uma “forma de direito” que se preocupa com aspectos mentas para viabilizar tal satisfação de ma- formais e substanciais que devem existir para que o direito seja válido. Essa junção de aspectos formais e substanciais teria a função de resgatar a pelas experiências daqueles que o viven- neira mais justa. possibilidade de se garantir, efetivamente, aos sujeitos de direito, todos os direitos fundamentais existentes, como se tal categoria de direitos fosse um dado ontológico para que se pudesse aferir a existência ou não de um direito; a validade ou não de uma norma FERRAJOLI, Luigi. Derecho y Razón – Teoría del Garantismo Penal. Madrid: Trotta, 1998, p. 851. 10. MAGANO, Octavio Bueno. X Congresso Ibero-Americano de Direito do Trabalho e da Previdência Social, Montevidéo, 1989, t. I: “La de- 7. REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. 26. ed. revista. São Paulo: Saraiva, 2002. terminación de la norma más favorable”, p. 1.
98 99 de ofício ou por provocação, me- de natureza econômica, política, Dito isso, caberia ao Judiciário Suprema Corte Americana, que pode servir 14 diante decisão de dois terços dos seus social ou jurídica” . O conteúdo dar o passo adiante e, de modo van- de parâmetro para o TST e STJ;c) a quanti- membros, após reiteradas decisões demasiadamente subjetivo trazi- guardista, manusear o conceito de dade astronômica de recursos que desem- sobre matéria constitucional, aprovar do por este preceito represou a transcendência social, isto é, o da bocam atualmente nos Tribunais Superiores súmula que, a partir de sua publica- sua auto-aplicabilidade e, assim, “existência de situação extraordiná- não tem permitido uma apreciação mini- ção na imprensa oficial, terá efeito estimulou a visão de necessida- ria de discriminação, de comprome- mamente satisfatória das causas submeti- 15 vinculante em relação aos demais de de regulamentação . Logo, timento do mercado de trabalho ou das ao crivo final das instâncias superiores, órgãos do Poder Judiciário e à admi- apesar de ter constituído uma de perturbação notável à harmonia a par de se acumularem processos sem nistração pública direta e indireta, nas resposta ao desmesurado núme- entre capital e trabalho", tendo como perspectiva de julgamento a médio ou até a esferas federal, estadual e municipal. ro de recursos que tramitam nas mote, ainda, o caráter estimulador de longo prazo, exige uma rápida solução para Cortes superiores, a interpretação conflituosidade entre patrões e em- o problema, no sentido de se criar mecanis- sedimentada pelo TST acabou por pregados, pela possibilidade de recur- mo de redução do quantitativo de proces- A mesma Emenda trouxe, ainda, a alteração 16 esvaziar o objetivo primário desta so contínuo ao Judiciário . Como já sos a ser efetivamente examinado por essas 11 do art. 102 da CRFB/88 , afirmando que a exis- inovação: a efetividade e celerida- asseverava o Ministro Ives Gandra da Cortes.(...). tência da repercussão geral da questão cons- de do provimento jurisdicional. Silva Martins, existem diversos argu- titucional suscitada é requisito necessário para mentos legitimadores da concretização imediata Ademais, o Tribunal Superior do Trabalho o conhecimento de todos os recursos extra- 17 De fato, a construção desenvolvida pela ju- da regra da transcedência, dentre os quais : tem-se mostrado preocupado com o ma- ordinários, inclusive em matéria penal, sendo risprudência acabou por confundir a discriciona- (...)a) o TST goza da mesma natu- remoto recursal a que é submetido. Neste “preliminar formal” de admissibilidade recur- riedade judicial com a arbitrariedade. Decerto, reza do STF, de instância extraordinária, passo, persevera na tentativa de refrear a in- 12 sal . Segundo o texto do diploma processual determinado grau de discricionariedade faz-se atuando por delegação na interpretação terposição de recursos inadequados ou pro- civil, haverá repercussão geral “sempre que o ínsito a toda e qualquer atividade judicante, eis final do ordenamento jurídico-trabalhista telatórios, seja no momento do seu exame recurso impugnar decisão contrária a súmula que a abertura semântica dos enunciados nor- infraconstitucional, razão pela qual o tra- de admissibilidade (e o exemplo a ser citado ou jurisprudência dominante do Tribunal”, sen- mativos acarreta uma escolha inexorável do ma- tamento a ser dado, em termos de meca- é o da necessidade de pré-questionamento do que sua análise depende da “ existência, ou gistrado. Uma deverá ser a sua opção, dentre as nismos redutores de recursos ao STF, deve para a interposição de recursos de revista, não, de questões relevantes do ponto de vista várias alternativas possíveis. Entretanto, esta li- ser adotado também para o TST (e STJ); b) 18 econômico, político, social ou jurídico, que ul- berdade de escolha não é absoluta. Longe disso, em âmbito trabalhista ), seja já na primeira 13 o STF adotou mecanismo de seleção de instância, facultando ao Juiz a aplicação das trapassem os interesses subjetivos da causa” . ela é altamente limitada, tanto pelos parâmetros recursos (argüição de relevância) duran- penalidades pecuniárias previstas em lei. E o linguísticos pré-fixados pelo ordenamento jurídi- te a vigência da Constituição Federal de mesmo se pode dizer do Supremo Tribunal Sob raciocínio similar, e mesmo antes de uma co-processual, como também pelo imperativo 1967/69 (à qual se cogita de retorno, sob Federal. Atento a este problema, a Suprema reforma constitucional de tamanha envergadura, constitucional de fundamentação, previsto no o rótulo de "repercussão geral" da ques- Corte, através de seu então presidente, o o art. 896-A da CLT já determinava o exame pré- art. 93, IX da CF/88. O dever de justificar sua tão constitucional), seguindo o modelo da Min. Cesar Peluzo, redigiu a PEC nº 15/2011, vio e necessário ao conhecimento do recurso, a decisão coloca um severo obstáculo às opções fim de que fosse verificado “se a causa oferece hermenêuticas movidas por idiossincrasias ou transcendência com relação aos reflexos gerais frivolidades do juiz desavisado. 16. Cf. o PL 3267/00. 17. Cf. “O critério de transcendência no recurso de revista," disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/revista/rev_20/artigos/ IvesGandra_rev20.htm. 18. Cf. explicitam a Súmula 297 do C. TST e a OJ 62 da SDI-1 do C. TST, in verbis: 11. Cf. Art. 102, § 3º da CRFB/88 : “No recurso extraordinário o recorrente deverá demonstrar a repercussão geral das questões constitucionais SÚMULA 297 : PREQUESTIONAMENTO. OPORTUNIDADE. CONFIGURAÇÃO (nova redação) - Res. 121/2003, DJ 19, 20 e 21.11.2003 discutidas no caso, nos termos da lei, a fim de que o Tribunal examine a admissão do recurso, somente podendo recusá-lo pela manifestação de I. Diz-se prequestionada a matéria ou questão quando na decisão impugnada haja sido adotada, explicitamente, tese a respeito. dois terços de seus membros”. II. Incumbe à parte interessada, desde que a matéria haja sido invocada no recurso principal, opor embargos declaratórios objetivando o 12. A preliminar formal de repercussão geral é exigida em todos os recursos extraordinários interpostos de acórdãos publicados a partir de 3 pronunciamento sobre o tema, sob pena de preclusão. de maio de 2007, quando do estabelecimento das normas necessárias à execução das disposições legais e constitucionais sobre o dito instituto, III. Considera-se prequestionada a questão jurídica invocada no recurso principal sobre a qual se omite o Tribunal de pronunciar tese, não quando da entrada em vigor da Emenda Regimental nº 21/07 ao RISTF (QO-AI 664.567, Min. Sepúlveda Pertence) obstante opostos embargos de declaração. 13. Cf. art. 543-A, §§1º e 3º do CPC. OJ 62. PREQUESTIONAMENTO. PRESSUPOSTO DE ADMISSIBILIDADE EM APELO DE NATUREZA EXTRAORDINÁRIA. NECESSIDADE, AINDA QUE SE 14. Cf. art.896-A da CLT TRATE DE INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA (republicada em decorrência de erro material) - DEJT divulgado em 23, 24 e 25.11.2010 15. Cf. o acórdao proferido no julgamento do processo nº TST-RR-1071-16.2011.5.06.0016, relator Min. Aloysio Correa da Veiga , publicado É necessário o prequestionamento como pressuposto de admissibilidade em recurso de natureza extraordinária, ainda que se trate de incom- no DOU de 21/02/13. petência absoluta.
100 101 na qual propôs a alteração do recurso extra- tos que lhes são demandados, caberá a eles, to, surgem as maiores dúvidas. ordinário para uma ação rescisória extraor- agora mais do que antes, o protagonismo Não propriamente de natureza dinária, e o recurso especial para uma ação institucional de não se deixar levar pela falsa normativa, pois pode-se afir- rescisória especial, a fim de permitir o trânsito premissa do erro latente à atuação do magis- mar com relativa tranquilidade em julgado das decisões antes da revisão per- trado de primeira instância. Pois, se não for que o estado de coisas implí- mitida pelos arts. 102 e 105 da Constituição assim, o desnaturar do real e inafastável nú- cito a este valor institucionali- Federal. cleo essencial do direito ao duplo grau recur- zado está bem consolidado. A sal será uma consequência inevitável: ao in- rigor, as questões tormentosas 19 O chamado “abuso de recursos” ou o vés de garantirem a possibilidade de a parte surgem de outra linha de racio- mau vezo do exercício do devido processo ouvir uma segunda opinião e, quiçá, retificar cínio, o de natureza pragmáti- legal propicia a aplicação de medidas co- erros (de procedimento ou de julgamento) ca ou consequencialista. Basta ercitivas, tais como a aplicação das multas eventualmente cometidos, estarão abrindo pensar na seguinte pergunta: previstas arts. 14, V, 17 , VII, 18, §2º e 538, § as portas de um dantesco inferno processu- quais as vantagens e desvan- único do CPC. Tais medidas possuem caráter al, cujos círculos ou instâncias de sofrimento tagens da interpretação atual não só punitivo, mas especialmente pedagó- mostrar-se-ão infinitos. do princípio do duplo grau de gico, refletindo, assim, uma postura almejada jurisdição? e requerida do Poder Judiciário, pois tratam- III – A delimitação conceitual do duplo se de meios legítimos de efetivação dos di- grau de jurisdição: as vantagens e desvan- As vantagens do duplo grau reitos do cidadão. A distorção do exercício tagens subjacentes de jurisdição são, talvez, as do direito ao acesso a justiça traz prejuízos mais aparentes. A amplitude do acesso à justi- inarredáveis à sua própria efetividade, na me- Apesar de não ser o objetivo deste ensaio ça como garantia constitucional; a revisão (ou dida em que dificulta sobremaneira a solução afirmar a estatura jurídica do duplo grau de reforma) da decisão de primeiro grau como (...) o juiz é uma partícula de substân- dos conflitos de interesses daqueles que dele jurisdição, imaginemos, apenas como hipóte- meio de corrigir eventuais erros que impos- cia humana que vive e se move dentro fazem uso. se de trabalho, que a Constituição brasileira sibilitem o exercício do direito legítimo pela do Direito; (...) A sentença poderá ser tenha abraçado o duplo grau de jurisdição no parte; o guarnecimento da Constituição e sua justa ou injusta, porque os homens ne- O paradoxo exposto leva à reflexão acerca seu art. 5º, LV. observância contra possível violação através cessariamente se equivocam. Não se da necessidade de criação de novos meca- de decisão judicial. Todos estes papéis da fun- inventara ainda uma máquina de fazer nismos a serem disponibilizados ao Poder Ju- A partir daí, a primeira discussão vislum- ção revisora dos Tribunais são de fácil visuali- sentenças.No dia em que for possível diciário, com o fim de, se não eliminá-lo, ao brada deve ser a atinente à sua natureza nor- zação quando da análise da importância de decidir os casos judiciais, como deci- menos reduzí-lo. Mesmo que em momento mativa. Neste sentido, podemos reconduzi-la submissão da demanda a “todos os meios e dem as carreiras de cavalos, mediante posterior à interposição dos recursos. O que à estrutura de regra, mais exatamente a de recursos” inerentes ao contraditório e à ampla um olho eletrônico que registra fisica- importa é frisar a importância dos Tribunais organização judiciária, nos moldes do art. 92 defesa. mente o triunfo ou a derrota, a concep- Superiores neste desiderato. da CRFB/88 e da interpretação explicitada na ção constitutiva do processo carecerá 20 de sentido, e a sentença será uma pura Súmula nº 356 do C. TST , como também a De fato, não há como se considerar que o 21 declaração, como queria Montesquieu. Não obstante todo o esforço demonstrado de princípio , na esteira da parte final do in- Magistrado de primeiro grau, por mais apto e pelo TST e pelo STF na efetivação dos direi- ciso constitucional aludido. E aqui, neste pon- dedicado que seja aos seus misteres, não seja Enquanto não se fabrica essa máquina passível de equívoco, mormente porque o ele- de fazer sentenças, o conteúdo huma- mento humano somado ao isolamento do Ju- no, profundo e entranhável do Direito 19. O chamado “abuso de recursos” tem sido matéria invocada por diversos juristas, como chama atenção o professor Canotilho, ao alertar ízo a quo acentuam as imperfeições do julga- não pode ser desatendido nem deso- que tais recursos protelatórios acabam levando à dilação dos prazos e negativa de cumprimento do provimento jurisdicional ,através da interposi- ção de medidas que visam , em verdade, à nova análise do direito ordinário ( conforme seminário internacional promovido em Luanda, capital de 22 do. Conforme bem salienta Eduardo Couture, becedido(...) . Angola, sobre o tema “O Direito de Acesso à Justiça Constitucional” nos Estados-membros da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP), em notícia dsiponível em http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=183528 , acesso em. 20. O rito de alçada, que não permite a interposição de recursos à decisão de 1o grau foi entendido como recepcionado pela Constituição. 21. Cf. o conceito de DWORKIN, Ronald. In:I diritti presi sul serio. Bologna: il Mulino, 1982, p.90. 22. COUTURE, Eduardo Juan. Introducion al Estudio Del Proceso Civil. Buenos Aires :Depalma, 1988.p.75.
102 103 Por outro lado, a certeza de submissão da da opinião dos seus pares, acarretaria uma berdade, estando muito mais perto da Seja qual for o modelo priorizado, o que sua demanda à revisão por órgão Colegia- profusão de opiniões conflitantes que dificil- prática de um ato de insanidade. En- se busca é a simbiose entre o iter processual do (e não apenas um Magistrado) traslada mente pacificariam a sociedade. Trocar-se-ia quanto isto, o juiz que contraria a po- e o comprometimento pessoal e institucio- maior segurança ao cidadão e responde aos a demora pelo caos, aprofundando o senti- sição do tribunal, ciente de que a este nal do magistrado, com vistas à produção de 26 anseios de uma sociedade que se viu imersa mento de injustiça. cabe a última palavra, pratica ato que, uma decisão razoável . Desde a mais vetus- em um histórico de desigualdade social e di- ao atentar contra a lógica do sistema, ta época não foi outro o objetivo almejado tadura política. Este perigo de deslegitimação às avessas significa desprezo ao Poder Judiciário pela sociedade e pela evolução da função re- foi contornado pelo sistema judicial norte-a- e desconsideração para com os usuá- visora dos Tribunais. Conceitos do século XX 24 A visão crítica, contudo, permite vislum- mericano, no qual se atribui o devido peso rios do serviço jurisdicional . podem ser utilizados aqui como denotação brar algumas notas capazes de desafiar a har- aos precedentes (stare decisis). De acordo de contemporaneidade, ao considerar que monia das “vantagens” aludidas. com este desenho institucional, o respeito aos E acrescente-se ainda mais um detalhe “o escopo da Jurisprudência e, em particu- precedentes no âmbito horizontal (dentro do que faz toda a diferença. No sistema pautado lar, da decisão judicial dos casos concretos, é A contradita mais imediata à duplicidade próprio Tribunal que proferiu a decisão) ou no stare decisis a observância da ratio deci- a satisfação de necessidades da vida, de de- de instância é a constatação de que o Juiz de no vertical (por seus Tribunais inferiores) co- dendi (elemento da decisão que é efetiva- sejos e aspirações, tanto de ordem material 27 primeiro grau seja o agente mais apto a iden- loca-se como principal meio de garantia da mente vinculante) não é um caminho de fer- como ideal, existentes na sociedade” . Sob tificar o que é relevante, além de mais capaci- segurança jurídica da ordem normativa, da ro infenso a desvios e/ou aperfeiçoamentos. tal concepção mediana, o papel da função tado a valorar e conferir coerência ao conjun- igualdade de tratamento do jurisdicionado e O Juiz não é obrigado a portar-se como um revisora dos tribunais ganha contornos que, to probatório apresentado na fase instrutória, da legitimidade do sistema como um todo, autômato e seguir cegamente as diretrizes ao fim e ao cabo, garantem a satisfação das haja vista sua identidade (e proximidade) na medida em que estimula a coerência en- já sedimentadas. A teoria da argumentação necessidades da mesma sociedade que re- física com o desenvolvimento dos meios de tre o pensamento dos juízes (com destaque é utilizada de maneira sofisticada o bastan- 23 prova manejados pelas partes. Neste sentido, especial para a Corte Suprema) . A bem da te para permitir o afastamento de preceden- a banalização dos recursos, numa sucessão verdade, a observância de precedentes não tes em virtude das peculiaridades do caso inesgotável de caminhos aptos a anular ou re- pode e não deve ser considerada uma inva- concreto (restrictive distinguishing) ou para formar as decisões de primeiro grau, sugere são à autonomia judicial. Neste diapasão, po- permitir a aplicação do precedente ao caso uma falha irremediável e grotesca do sistema demos pontuar, juntamente com o Professor concreto, a despeito de suas peculiaridades de julgamento ou, por assim dizer, do próprio Marinoni, que: (ampliative distinguishing). Em suma, no siste- Poder Judiciário como expressão do Poder ma norte-americano apresenta-se uma discri- Estatal, deslegitimando-o. Em tempos de exa- o juiz ou o tribunal não decidem para cionariedade judicial tão ou mais intensa do cerbada descrença popular na efetividade da si, mas para o jurisdicionado. Por isso, que a exercida por aqui, com a possibilidade, Justiça, tal componente mostra-se altamente pouco deve importar, para o sistema, inclusive, de revogação do precedente indi- explosivo para a manutenção do Estado De- se o juiz tem posição pessoal, acerca de 25 cado (overrulling) . Ou seja, lá, como aqui, mocrático e Constitucional de Direito. questão de direito, que difere da dos tri- está mantida a nossa boa e velha conhecida: bunais que lhe são superiores. O que re- a independência do Juiz na formação do seu Mas se esta é uma posição atraente para almente deve ter significado é a contra- “livre convencimento motivado”. os que anseiam por um julgamento rápido dição de o juiz decidir questões iguais e desburocratizado, ela também carrega de forma diferente ou decidir de forma 24. MARINONI, Luiz Guilherme. “Aproximação crítica entre as jurisdições de civil law e de common law e a necessidade de respeito aos pre- consigo o risco de fragmentação do sistema. cedentes no Brasil”. Curitiba: Revista da Faculdade de Direito - UFPR, 2009. nº. 49. p.36. distinta da do tribunal que lhe é supe- 25. TARUFFO, Michele. Precedente e giurisprudenza. Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura Civile. A. 61, n. 3 . Milano: Giuffrè, 2007 .p. 800- Com efeito, a pulverização do controle social rior. O juiz que contraria a sua própria 808. Sobre o estudo dos precedentes, cf., também, BUSTAMANTE, Thomas da Rosa de. Teoria do precedente judicial: a justificação e a aplicação exercido sobre o juiz singular, deixando-o à de regras jurisprudenciais. São Paulo: Noeses, 2012. decisão, sem a devida justificativa, está 26. Sobre a maturação do conceito de decisão razoável, com especial destaque para a sua atribuição às sentenças produzidas pelos juízes vontade para decidir, independentemente muito longe do exercício de qualquer li- de primeiro grau, cf. CLAUS, Ben-Hur Silveira , “A função revisora dos tribunais – a confirmação da sentença razoável como ponto de partida para a necessária construção de uma nova concepção de recorribilidade no julgamento dos recursos de natureza ordinária”. Revista LTr, ano 77, nº 10, outubro/2013, São Paulo, pp. 1187 e seq. 27. Tal era o conceito da denominada “Jurisprudência dos Interesses” alemã, preconizada por Phillip Heck. In: PESSÔA, Leonel Cesarino. A 23. Cf. MACCORMICK, Neil. Rhetoric and the rule of law: a theory of legal reasoning. Oxford: Oxford University Press, 2005. teoria da interpretação jurídica em Emilio Betti. São Paulo:Ed. Sérgio Fabris, 2002 .
104 105 corre aos Tribunais, garantindo-lhe a análise Mas antes que façamos isso, volta a ser re- gados pelo juiz de primeiro grau, por força democrática dos conflitos de interesse, por- levante sublinhar a sua maleabilidade norma- do art. 831, § único da CLT. Mais uma vez, quanto respaldada em entendimentos preté- tiva. Não que esta característica traduza algo percebemos uma drástica restrição genéri- ritos geradores de um mínimo de segurança de muito novo na jurisprudência ou na teo- ca (em tese) do princípio do duplo grau de e estabilidade jurídica ao cidadão. ria, especialmente em virtude daquilo que jurisdição em prol de outros princípios, tais há muito nos ensinou o jusfilósofo alemão como o da cooperação processual e da du- Trata-se de entender que o acesso à justiça Robert Alexy. Nos dias de hoje, a necessária ração razoável do processo. não é a mera provocação do Poder Judiciá- imbricação entre a estrutura normativa dos rio, mas, fundamentalmente, é o “direito de princípios e possibilidade de sua pondera- Já no campo da concretude, várias são acesso à ordem jurídica justa”, assim consi- ção/relativização/flexibilização no caso em as decisões judiciais que deram ensejo ao 30 derada aquela que se sustenta no direito à in- particular são tidos como lugar-comum . sopesamento do princípio do duplo grau formação, na preocupação da adequação/ de jurisdição. Mencionamos rapidamente repercussão entre a interpretação da ordem Entretanto, a par desta sua peculiar natu- a Súmula 100, inciso VII do TST, segundo a jurídica e consonância com a realidade sócio reza dúplice (estrutural e metodológica) para qual “ão ofende o princípio do duplo grau -econômica do país, no direito a uma função a resolução dos problemas concretos sub- de jurisdição a decisão do TST que, após estatal racionalmente organizada e formada metidos ao julgador, os princípios também afastar a decadência em sede de recurso por juízes comprometidos com a realização podem ser ponderados em abstrato, pelo le- ordinário, aprecia desde logo a lide, se a 31 da ordem jurídica justa, no direito a preorde- gislador . E isso vem sendo feito com certa causa versar questão exclusivamente de nação dos instrumentos processuais capazes regularidade pelo legislador brasileiro, como direito e estiver em condições de imediato de promover a participação efetiva das par- se verá a seguir. julgamento”, e a OJ nº 70 da SDI-1 do TST, tes na construção da solução a ser aplicada Na esfera processual trabalhista encon- proibindo o recurso ordinário em face de e, finalmente, no direito à remoção de todos Com efeito, ao lançarmos mão do direito tramos uma das ponderações em abstrato decisão em agravo regimental interposto os obstáculos que se anteponham à concreti- processual comum encontramos, com facili- mais acachapantes do sistema jurídico bra- em reclamação correicional. 28 sileiro. Falamos da supressão explícita do zação destes pressupostos . dade, exemplos nos quais o princípio do duplo grau de juridição cedeu lugar a outros princí- duplo grau para os processos cujo valor da Poder-se-ia argumentar, ainda, com as IV – A ponderação recorrente do princí- pios de igual status normativo. Vejam a hipó- causa coincida com o valor de alçada pre- Súmulas 259 (permitindo a impugnação de pio do duplo grau de jurisdição tese da antecipação de tutela, positivada nos visto no art. 2º, §§3º e 4º da Lei nº 5.584/70. acordo judicial apenas por meio de ação arts. 273 e 461 do CPC. A partir da leitura destes Deveras, nestes enunciados normativos en- rescisória), 285 e 393 (atribuindo efeito de- Depois de tudo o que foi referido em torno dispositivos percebe-se facilmente que o Poder contramos a permissão para o encerramen- volutivo aprofundado a recursos parciais) da importância normativa e pragmática do Legislativo conferiu maior peso ao princípio da to do processo em primeira instância quan- do TST, todas com o mesmo pando de fun- princípio do duplo grau de jurisdição, com efetividade da prestação jurisdicional em detri- do a estimativa econômica da controvérsia do: a possibilidade de restrição ou promo- ênfase na influência por ele exercida sobre mento do duplo grau de jurisdição. E o mesmo não ultrapassar dois salários mínimos. Logo, ção pontual e justificada do princípio do o desenho institucional do Poder Judiciário se pode entrever no art. 515, §3º do CPC, na vê-se que não só o principio do duplo grau duplo grau de jurisdição sempre que os brasileiro, devemos destacar, nesta etapa fi- medida em que autoriza ao Tribunal apreciar de jurisdição foi sopesado como, mais do contornos fáticos e jurídicos da casuística nal do nosso ensaio, como ele vem sendo o mérito da causa, ainda que este não sido jul- que isso, foi circunstancialmente anulado. analisada assim autorizem. modulado na prática. A ideia agora é ilustrar gado pelo primeiro grau. Novamente, efetivida- Uma opção que, apesar de legislativa, foi, o que dele vem sendo feito e, portanto, tor- de prevalecendo sobre o duplo grau. Mas os referendada pelo TST, através das suas Sú- Vê-se, portanto, que a despeito de sua 29 mulas nº 71 e 356. nar mais palpável a sua dimensão empírica . exemplos não encerram aqui. indiscutível relevância no desenvolvimento institucional e normativo do sistema judicial 28. Cf. WATANABE, Kazuo, Acesso à Justiça e sociedade Moderna, in Participação e processo, São Paulo, Ed. RT, 1988. Além disso, vale salientar também a brasileiro, o princípio do duplo grau de ju- 29. ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Trad. Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2008, pp. 32-34. atribuição da qualidade de coisa julgada risdição sofre de frequentes modulações na 30. Idem, p. 85 et seq. formal e material para os acordos homolo- sua extensão. 31. Idem, ibidem.
106 107 É certo que os exemplos coligidos dão De plano, deve o magistrado, solitário REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS vidência Social, Montevidéo, 1989, t. I: La de- a impressão que a opção hermenêutica é, que é, a todo momento repisar que o poder terminación de la norma más favorable, p. 1. via de regra, pela sua redução normativa. que lhe é confiado não é um poder em si ALEXY, Robert. Teoria dos direitos funda- Mas há hipóteses, sim, em que a ampliação mesmo, ou, caso contrário, correrá o sério mentais. Trad. Virgílio Afonso da Silva. São Pau- MARINONI, Luiz Guilherme. Aproximação também é uma alternativa escolhida pelo risco de tornar-se uma força bruta alheia ao lo: Malheiros, 2008, pp. 32-34. crítica entre as jurisdições de civil law e de intérprete, como no caso de permitir-se tempo e ao espaço que ocupa. Para tornar- common law e a necessidade de respeito judicialmente a recorribilidade de decisão se uma autoridade legítima e, assim, agre- BARROSO, Luis Roberto. A dignidade da aos precedentes no Brasil. Curitiba: Revista interlocutória, não obstante o disposto no gar valor, respeito e credibilidade às suas pessoa humana no direito constitucional da Faculdade de Direito - UFPR, 2009. nº. 49. art. 893, §1º da CLT (vide Súmula nº 214 do decisões, deve o juiz singular levar a sério a contemporâneo. A construção de um con- p.36. TST). sua atribuição maior de pacificador social, ceito jurídico à luz da jurisprudência mun- sabedor de que o processo deve ser lido dial. Belo Horizonte: Ed. Forum, 2013. ________________________. Precedentes Em síntese, o que importa destacar por como um instrumento dialético voltado obrigatórios. São Paulo: Revista dos Tribunais, ora é a via de mão dupla embutida na es- para a cooperação e de que a sua palavra BUSTAMANTE, Thomas da Rosa de. Teoria pp. 185-186. trutura principiológica do duplo grau de é mais uma a ser ouvida, e não a última ou do precedente judicial: a justificação e a apli- jurisdição. Para o bem ou para o mal ela a única que importa. cação de regras jurisprudenciais. São Paulo: MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentá- vem sendo percorrida diuturnamente pelo Noeses, 2012. rios ao Código de Processo Civil. Vol. V: arts. Legislativo e pelo Judiciário, quando as cir- Auscultar cuidadosamente as partes 476 a 565. 8ª ed. Rio de Janeiro: Ed. Forense, cunstâncias práticas os impulsionam numa envolvidas no problema a ser dirimido é CLAUS, Ben-Hur Silveira . A função reviso- 1999, pp. 235-238. ou noutra direção. E, por estas e outras, a imprescindível, de modo a transformar-se ra dos tribunais – a confirmação da sentença existência do poder revisional dos tribunais num facilitador, num catalizador ou num razoável como ponto de partida para a neces- NIETZCHE, Friedrich. A genealogia da mo- não deve ser considerado um axioma para indutor de uma solução construída a várias sária construção de uma nova concepção de ral. 2. ed. São Paulo: Editora Escala, 2007, p 149. a busca da melhor solução judicial. Pode mãos. Não é à toa que o art. 764 da CLT recorribilidade no julgamento dos recursos de até a vir a sê-lo no momento atual, mas insiste na fórmula da conciliação como me- natureza ordinária. Revista LTr, ano 77, nº 10, PESSÔA, Leonel Cesarino. A teoria da inter- nada impede que no futuro e de lege feren- canismo a ser estimulado no início, meio outubro/2013, São Paulo, pp. 1187 e seq. pretação jurídica em Emilio Betti. São Pau- da espaços institucionais infensos a duplici- e fim do processo do trabalho. Pois a de- lo:Ed. Sérgio Fabris, 2002 . dade de instância sejam criados ou, como liberação autônoma sobre como conduzir COUTURE, Eduardo Juan. Introducion al Es- no caso do processo do trabalho, amplia- as nossas vidas é a noção mais comezinha tudio Del Proceso Civil. Buenos Aires :Depal- REALE, Miguel. Lições Preliminares de Di- dos. que se atribui ao tão propalado princípio da ma, 1988.p.75. reito. 26. ed. revista. São Paulo: Saraiva, 2002. 32 dignidade humana . V – Conclusão DWORKIN, Ronald. In: I diritti presi sul serio. SABADELL, Ana Lucia. Manual de sociologia Todavia, se isso não for possível, que a Bologna: il Mulino, 1982, p.90. jurídica. Introdução a uma leitura externa do É tempo de abreviar o debate acerca da sua sentença seja vista como fruto de um direito. 6ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, função revisora dos tribunais. Mas deseja- diálogo direito com os demandantes e, si- FERRAJOLI, Luigi. Derecho y Razón – Teo- 2013, pp. 182-184. mos deixar aqui uma mensagem final, espe- multaneamente, de uma interlocução indi- ría del Garantismo Penal. Madrid: Trotta, 1998, cialmente ao juiz de primeiro grau que nos reta com os seus colegas de jurisdição. Pois, p. 851. TARUFFO, Michele. Precedente e giurispru- lê. Relembrá-lo, agora e sempre, do papel assim, de um jeito ou de outro, será vista denza. Rivista Trimestrale di Diritto e Proce- crucial que lhe cabe nesta mudança de pa- como o produto bem acabado do respeito MACCORMICK, Neil. Rhetoric and the rule dura Civile. A. 61, n. 3 . Milano: Giuffrè, 2007 radigma por que passa o direito como um e consideração devidos a todos os que es- of law: a theory of legal reasoning. Oxford: .p. 800-808. todo. tão no mesmo barco institucional. Oxford University Press, 2005. WATANABE, Kazuo, Acesso à Justiça e so- MAGANO, Octavio Bueno. X Congresso Ibe- ciedade Moderna, in Participação e processo, 32. Por todos, cf. BARROSO, Luis Roberto. A dignidade da pessoa humana no direito constitucional contemporâneo. A construção de um ro-Americano de Direito do Trabalho e da Pre- São Paulo, Ed. RT, 1988. conceito jurídico à luz da jurisprudência mundial. Belo Horizonte: Ed. Forum, 2013.
108 109 ABSTRACT igualdade formal das partes. Todavia, há ou- tras soluções que atendem melhor as diretri- The dynamic theory of the burden of proof zes da Constituição e os seus princípios. Elas is being used in Brazil, despite the silence of têm especial aplicação nos casos de extrema the procedural legislation. Founded in cons- dificuldade da prova, em que uma parte pos- titutional and procedure principles, the dy- sui uma vantagem em relação à outra. Trata- namic theory has applications because the se da teoria dinâmica da distribuição do ônus general and static rule is insufficient for the so- da prova, que fornece resultados mais ade- lution of all the court cases, especially when quados à tutela dos direitos fundamentais. the proof is diabolic. The Bill of the new code of Civil Procedure provides for its application, É importante compreender a teoria dinâ- which has important place in the Labour Pro- mica do ônus da prova, sua origem, conceito, cess. Know, understand and study this theory finalidade, aplicação, características, princí- A TEORIA DINÂMICA DA DISTRIBUIÇÃO is necessary to jurists. This article contributed pio norteador e efeitos, a partir de um breve to the debate on the adoption of dynamic levantamento bibliográfico, jurisprudencial e DO ÔNUS DA PROVA E A SUA APLICAÇÃO theory in labour procedural. legislativo. Trata-se de tema atual, que tem sido bastante discutido nos debates de uma NO PROCESSO TRABALHISTA BRASILEIRO KEYWORDS: Burden of proof. Dynamic nova legislação processual, e que tem amplo theory of the distribution of burden of proof. e relevante campo de aplicação no Processo Diabolic proof. Ability to proof. Principle of do Trabalho, ante as dificuldades encontra- 1 parity of arms. das em muitos litígios. Por meio dessa teoria, Juiz Gustavo Carvalho Chehab TRT 10ª Região é possível alcançar mais isonomia no trata- INTRODUÇÃO mento das partes litigantes, melhor aplicar o Direito à espécie e realizar, de modo mais Nos processos judiciais, os fatos controver- satisfatório, a Justiça em face das peculiarida- tidos, como regra, dependem de prova. Essa des do caso concreto. RESUMO tudar essa teoria é cada vez mais necessário comprovação exige um esforço das partes aos operadores do direito. Esse artigo procu- em coletar dados suficientes para embasar o 1 A PROVA E O SEU ÔNUS A teoria dinâmica do ônus da prova está ra contribuir ao debate da adoção da teoria convencimento do Juiz. Comprovar é averi- sendo utilizada no Brasil, apesar do silêncio dinâmica na seara processual trabalhista. guar a verdade necessária para chegar a uma A palavra “prova” tem muitos significados dos diplomas processuais. Fundada em prin- certeza sobre um fato. Muitas vezes, porém, e conceitos, podendo se referir ao ato de pro- cípios constitucionais e processuais, a teoria PALAVRAS-CHAVES: Ônus da Prova. Teo- os elementos constantes dos autos do pro- var, ao meio de prova ou ao resultado dos dinâmica tem aplicação porque a regra geral ria dinâmica de distribuição do ônus da pro- cesso não são suficientes para a formação atos praticados para a formação da convic- e estática do encargo probatório é insuficien- va. Prova diabólica. Aptidão para a prova. da convicção da veracidade ou da certeza ção do Juiz (VICENTINI, 2012, p. 1). te para a solução de todos os casos judiciais, Princípio da paridade de armas. de um fenômeno ou de um acontecimento. especialmente quando se está diante da cha- Como a lide não pode ficar sem solução, a A prova serve para, de algum modo, mos- mada prova diabólica. O projeto de lei do THE DYNAMIC THEORY OF THE DISTRI- ciência jurídica propõe a adoção de regras trar a certeza de um fato ou a verdade de novo Código de Processo Civil prevê sua apli- BUTION OF BURDEN OF PROOF AND ITS atinentes ao ônus da prova. uma afirmação (COUTURE, 1993, p. 215), cação, que tem lugar importante no Processo APPLICATION IN THE BRAZILIAN LABOUR para demonstrar, em juízo, a certeza ou a do Trabalho. Conhecer, compreender e es- PROCESS No Brasil, o Processo Civil e o Trabalhis- falsidade do fato relacionado com a causa. ta possuem regras sobre a distribuição do Provar é um meio lícito e apto para firmar 1. Mestre em Direito Constitucional pelo IDP/DF, especialista em Direito do Trabalho pelo UniCeub, Juiz do Trabalho substituto do TRT da 10ª encargo da prova baseado na premissa da o convencimento do juiz (SANTOS, 2001, p. Região e Secretário-geral da Amatra 10.
110 111 198). Para Francesco Carnelutti (1950, p. 258), dia (1970, p. 427), o ônus da prova subjetivo Aperfeiçoando a doutrina italiana (PACÍFI- 3 A TEORIA DINÂMICA DA DISTRIBUIÇÃO prova, em sentido estrito, é a que permite co- compreende uma norma de conduta para as CO, 2001, pp. 168-169), Leo Rosenberg (2002, DO ÔNUS DA PROVA nhecer a existência material de um fato que o partes, em que pese preservar a liberdade p. 131) afirma que o autor deve comprovar a Juiz tem que valorá-lo juridicamente. em apresentar a prova em juízo. ocorrência dos fatos, os pressupostos do direito A teoria da distribuição dinâmica do ônus em que se funda seu pedido, e o réu os requisi- da prova (teoria dinâmica do ônus proba- O objeto da prova é os fatos deduzidos pe- Há várias teorias sobre o ônus da prova e tos da norma apta a repelir a demanda, os pres- tório ou carga dinâmica da prova) parte da las partes em juízo, seu destinatário é o Juiz a melhor técnica para solução da controvér- supostos de uma norma destrutiva, impeditiva premissa que “a prova incumbe a quem tem e sua finalidade é a formação da convicção sia acerca do fato litigioso. Dentre elas, desta- o excludente do pleito. melhores condições de produzi-la, à luz das acerca da verdade dos fatos para que a lide cam-se a teoria estática e a dinâmica. circunstâncias do caso concreto. Em outras seja solucionada (THEO- São princípios que servem de premissas palavras: prova quem pode” (DIDIER JR et al., DORO JÚNIOR, 2009, p. 2 A TEORIA ESTÁTICA para essa teoria o do dispositivo, que atribui a 2007, p. 62). 412). Há várias teorias DO ÔNUS DA PROVA sorte dos rumos do processo à diligência e ao sobre o ônus interesse da parte, e o da justiça distributiva, 3.1 ORIGEM E CONCEITO O ônus da prova é uma O sistema processual isto é, da igualdade das partes (CHIOVENDA, regra que “se destina a da prova e a brasileiro adotou nos arts. 1925, pp. 252-253). Não há um dever de provar, A teoria dinâmica teve origem na Argenti- iluminar o juiz que chega melhor técnica 818 da Consolidação das mas apenas um ônus, um encargo, pelo qual na, tendo como principal precursor Jorge W. ao final do procedimento para solução Leis do Trabalho (CLT) e o litigante assume o risco de perder a causa se Peyrano (1992, p. 263, tradução nossa), que sem se convencer sobre 333 do Código de Pro- não provar os fatos necessários ao reconheci- sobre ela assim discorreu: como os fatos se passa- da controvérsia cesso Civil (CPC), a teoria mento em juízo do direito subjetivo que alega ram” (MARINONI, 2008, acerca do estática do ônus da prova ter (THEODORO JÚNIOR, 2009, p. 420). Para identificar a categoria de p. 325). A discussão sobre (teoria clássica), inspirada “ônus probatório dinâmico”, temos o ônus da prova só tem fato litigioso. na doutrina italiana de A teoria estática não leva em considera- visualizado – entre outros – como pertinência quando estão Chiovenda, Carnelutti e ção “o direito fundamental à tutela jurisdicio- fazendo parte da mesma aquela ausentes elementos sobre Betti (PACÍFICO, 2001, p. nal adequada e efetiva (art., 5º, XXXV, CF), segundo a qual cabe o ônus proba- a ocorrência dos fatos aptos a embasar a con- 167), distribuindo-o de acordo com as alega- além de partir da premissa de que ambos os tório para quem - pelas circunstân- vicção do juiz (PALACIO, 2003, p. 398). ções das partes e com a natureza dos fatos litigantes estão em paridade de armas e, por cias do caso e independentemen- deduzidos em juízo. isto, têm iguais condições de produzir a pro- te de agirem como demandante Ônus da prova não é uma obrigação im- va” (CAMBI, 2009, p. 353). Por isso, ela “atrofia ou demandado - está em melhor posta às partes, mas um encargo, uma facul- Por essa regra, “aquele que alega possuir nosso sistema, e sua aplicação inflexível pode posição para produzir a respectiva dade que a parte tem em apresentar as pro- um direito deve, antes de mais nada, demons- conduzir a julgamentos injustos. ‘Não se nega prova. vas que apoiam os motivos por ela adotados trar a existência dos fatos em que tal direito se a validade da teoria clássica como regra geral, (CARNELUTTI, 1950, p. 344), uma faculdade alicerça” (SILVA, 2003, p. 342). O autor deve mas não se pode admitir tal regra como infle- de executar um ato em seu próprio interesse demonstrar os fatos constitutivos do seu direi- xível e em condições de solucionar todos os Essa teoria difundiu-se e passou a ser ado- (ECHANDIA, 1970, p. 427). to, aqueles que são suficientes para produzir casos que a vida apresenta’ ”(DIDIER JR et al., tada em diversos países, normalmente de um efeito jurídico (CHIOVENDA, 1925, p. 257) 2007, p. 62). forma supletiva a outras teorias, como a está- A doutrina costuma bipartir o ônus da pro- e que originaram a relação jurídica deduzida tica, anteriormente exposta. va em subjetivo e objetivo. “Ônus de prova em juízo (res in iudicium deducta) (CÂMARA, Há situações em que não incide a regra dos subjetivo é o encargo atribuído à parte, en- 2008, p. 378). O réu incumbe comprovar os arts. 818 da CLT e 333 do CPC, mas, ao contrá- Teoria dinâmica do ônus da prova é a que quanto ônus da prova objetivo é a regra de fatos impeditivos, modificativos ou extintivos rio, o encargo da prova será daquele que tem distribui o encargo probatório à parte que, julgamento que dessume da falta de provas do direito, que demonstrem que das alega- melhores condições em fazê-lo, independente- pelas circunstâncias do caso concreto, tem para se concluir tem razão e que não a tem” ções do autor “não decorrem os efeitos por mente da natureza ou de quem alega o fato maiores condições para produzir a prova do (VICENTINI, 2012, p. 1). Para Hernando Echan- ele pretendidos” (DINIZ, 1998, p. 443). controvertido. fato controvertido.
112 113 Dessa definição, identificam-se os elemen- A teoria dinâmica ajuda a dirimir o proble- Para a aplicação dessa teoria dinâmica no tos caracterizadores da teoria dinâmica: a) ma da “prova diabólica”, que é “aquela que Processo Civil e do Trabalho brasileiro, não distribuição do encargo probatório, na qual é impossível, senão muito difícil de ser pro- há necessidade de integração ou de reforma o encargo da prova é imputado a uma das duzida” (DIDIER JR et al., 2007, p. 60). Para legislativa, basta aplicar os princípios e os dis- partes; b) circunstâncias do caso concreto, Alexandre Câmara (2005, p. 15): positivos acima referidos. que revela que sua incidência é excepcional considerando a dificuldade concreta na pro- Não se trata, porém, de se fixar ou- Eduardo Cambi (2009, p. 361) defende dução de uma prova; c) por quem tem maio- tra regra estática de distribuição do que, constatada a desigualdade real entre as res condições em produzir a prova, segundo ônus da prova, mas de criar-se um partes e que uma delas tem melhores condi- a qual o encargo é imposto a quem se mostra sistema excepcional, que só pode ções para produzir a prova do fato controver- mais apto a realizar a prova do fato contro- funcionar onde a regra geral opera tido, o juiz “tem o dever de inverter o ônus vertido. mal, já que foi elaborada para casos da prova, sob pena de sua omissão ser in- normais e correntes, o que não cor- constitucional, por deixar de tutelar o direito A teoria dinâmica não é uma nova opor- responde ao caso concreto. O que fundamental à tutela jurisdicional adequada, tunidade a quem não provou um fato de vi- se busca é, tão-somente, retirar de efetiva e célere prevista no art. 5º, XXXV e rar o jogo em desfavor da outra. Ela não tem uma parte o ônus de produzir provas LXXVIII, da CF”. aplicação quando a parte simplesmente não diabólicas. demonstra o fato que aduziu em juízo. Tra- O Superior Tribunal de Justiça (STJ, 2013) ta-se de uma medida excepcional, incidente entendeu aplicável ao Processo Civil brasilei- quando o sistema tradicional e estático do A aplicação da teoria dinâmica no Proces- ro a teoria dinâmica do ônus da prova no Re- encargo probatório é insuficiente para permi- so Civil e no Processo do Trabalho decorre curso Especial nº 1.286.704/SP. No mesmo sentido: Agravo Regimental no tir que uma das partes comprove o alegado. da incidência dos seguintes princípios (DIDIER Agravo em Recurso Especial nº 216.315/RS Não se procura, com a teoria dinâmica, JR et al., 2007, p. 64): a) igualdade (arts. 5º, (BRASIL, STJ, 2012). obrigar uma parte a fazer prova contra si. caput, da Constituição e 125, I, CPC) – deve CIVIL E PROCESSO CIVIL. [...] PRO- Apenas ela é chamada a colaborar na pro- haver uma paridade real de armas, e não VA. ÔNUS. DISTRIBUIÇÃO. [...] Ainda que a atual legislação processual dução da prova na qual se mostra mais apta apenas formal, promovendo-se o equilíbrio ... omissis ... civil (e trabalhista) não contemple expressa- ou que tem melhores condições de realizá entre as partes com a atribuição do ônus da 6. Nos termos do art. 333, II, do mente a teoria dinâmica do ônus da prova, -la. Sua inércia em contribuir com a instrução prova a quem tem meios para satisfazê-lo; b) CPC, recai sobre o réu o ônus da pro- princípios constitucionais e de processo civil processual não é ilícita, mas atrai as consequ- lealdade, boa-fé e veracidade (arts. 14, 16 a va da existência de fato impeditivo, permitem sua aplicação a situações excep- ências de o ônus da prova sobre si recair. 18, e 125, III, CPC) – a parte não pode agir modificativo ou extintivo do direito do cionais quando a regra da distribuição está- ou se omitir de forma ardilosa para prejudicar autor. tica mostrar-se insuficiente para o caso con- 3.2 FINALIDADE, APLICAÇÃO E o ex-adverso; c) colaboração com a Justiça 7. Embora não tenha sido expres- creto. CARACTERÍSTICAS (arts. 339, 340, 342, 345 e 355, CPC) – todos samente contemplada no CPC, uma têm o dever de ajudar o magistrado a desco- interpretação sistemática da nossa Fredie Didier Jr. e outros (2007, p. 62) Um dos princípios da prova é o da igual- brir a verdade dos fatos; d) devido processo legislação processual, inclusive em apontam as seguintes características da dis- dade de oportunidades para a prova, segun- legal (art. 5º, LIV, da Constituição) – o proces- bases constitucionais, confere ampla tribuição dinâmica do encargo probatório: do a qual as partes têm igualdade de opor- so devido é que produz resultados justos e legitimidade à aplicação da teoria a) o ônus da prova não é repartido prévia e tunidades para obter provas e contraprovas equânimes; e) acesso à Justiça (art. 5º, XXXV, da distribuição dinâmica do ônus da abstratamente, como acontece na teoria es- (ECHANDIA, 1970, p. 124). A teoria dinâmica Constituição) – a distribuição do ônus da pro- prova, segundo a qual esse ônus recai tática, mas, sim, casuisticamente, em face tem a finalidade precípua de garantir, concre- va não pode ser impossível a uma das partes, sobre quem tiver melhores condições das peculiaridades do caso concreto e/ou da tamente, essa igualdade, de permitir, no caso sob pena de negar-lhe o acesso a tutela efeti- de produzir a prova, conforme as cir- aptidão para a prova; b) a distribuição não sob exame, a paridade de armas. va do Estado. cunstâncias fáticas de cada caso. [...] é estática e inflexível, mas dinâmica; c) não
114 115 importa a posição processual das partes, se 3.4 REQUISITOS PARA APLICAÇÃO DA TEO- A verossimilhança decorre de um juízo Danilo Knijnik (2006, pp. 947, 950-951) estão no polo ativo ou passivo da demanda; RIA DINÂMICA de probabilidade, em que os fatos deduzi- descreve algumas situações em que incide a e d) não é relevante a natureza do fato con- dos por uma das partes são provavelmente teoria dinâmica: a) um litigante detém o co- trovertido e sim quem tem maiores possibili- Em sua origem, a teoria dinâmica parte verdadeiros, se analisados com base em in- nhecimento especial sobre o fato objeto da dades de prová-lo, ou seja, não interessa para de duas premissas: a desigualdade entre as dícios e no que ordinariamente ocorre (má- prova (ex. eficiência do EPI); b) o papel que a a teoria dinâmica se o fato aduzido em juízo partes em demonstrar o fato controvertido xima de experiência). A regra ou máxima de parte desempenhou no fato gerador da con- é constitutivo, modificativo, impeditivo ou ex- no caso concreto e a maior aptidão da uma experiência “decorre do que normalmente trovérsia, por ser o único que está com a pro- tintivo do direito. delas em produzir a prova. O art. 6º, VIII, do acontece, fazendo parte da cultura normal va (ex. anotações em folha de ponto); c) con- CDC, por outro lado, aponta dois requisitos do juiz” (MARTINS, 2003, p. 316). Ela gera duta culposa que privilegia um demandante 3.3 PRINCÍPIO DA APTIDÃO alternativos: a verossimilhança ou a hipossu- uma “presunção natural que tem por fonte (ex. discriminação velada); d) por violação PARA A PROVA ficiência. uma norma da experiência” (DAMASCENO, dos deveres de cooperação do demandante 1974, p. 35) e pode ser elidida com a prova privilegiado (ex. esconder documentos). A teoria dinâmica consagra o princípio da em contrário. aptidão para a prova, segundo o qual o ônus 3.5 EFEITOS probandi pertence ao litigante que tem me- Em sua origem, a verossimilhança não é lhor condição para fazê-lo. O art. 6º, VIII, do requisito para aplicação da teoria dinâmica, A aplicação da teoria dinâmica enseja, na Código de Defesa do Consumidor (CDC, Lei “nem enseja a inversão do ônus da prova, prática, a inversão do ônus probatório, não 8.078/1990) adotou referido princípio ao faci- na medida em que se situa na fase valora- por mero arbítrio do juiz, nem para “compen- litar a defesa do consumidor, “inclusive com tiva do juiz” (PACÍFICO, 2001, pp. 157-158). sar a inércia ou a inatividade processual do li- a inversão do ônus da prova, a seu favor, no Todavia, o legislador do CDC quis dar a ela tigante inicialmente onerado” (KNIJNIK, 2006, processo civil, quando, a critério do juiz, for o mesmo tratamento da hipossuficiência p. 947), mas em respeito aos princípios acima verossímil a alegação ou quando for ele hi- probatória, mas permitindo contraprova. De destacados. A parte que, pela teoria estática possuficiente, segundo as regras ordinárias de qualquer sorte, também aqui a parte contra não tinha o encargo probatório, é chamada a experiências”. a qual incorre a presunção de veracidade do colaborar com o juízo em face de sua maior fato possui melhor aptidão para a produção aptidão em produzi-la. Nesse caso, o autor Fredie Didier Jr. e outros (2007, p. 58) de- da prova. A outra, por outro lado, encontra ou o réu são instados a produzirem provas, fendem que essa inversão do ônus da prova maior dificuldade em demonstrá-lo e, por que podem ser contrárias a seus interesses. é técnica que prestigia o princípio da igualda- isso, sua afirmação, ancorada no que ordi- de e não pode ter sua utilização limitada às nariamente acontece, ganha a presunção de A aptidão para a prova pode recair sobre causas de consumo. Armando Porras López veracidade. Se a prova fosse fácil, não have- fato negativo ou positivo. O réu, por exem- (1956, p. 251) sustenta que um dos princípios ria motivo para a “facilitação da defesa” na plo, pode ser chamado a fazer prova nega- da prova no processo do trabalho é de que, exata dicção do art. 6º, VIII, do CDC. tiva do fato constitutivo do direito do autor independentemente de condição de autor e este ter que demonstrar a ausência do ou réu, deve provar quem está apto a isso. A hipossuficiência do CDC é de ordem pro- Logo, ambas as hipóteses do CDC (hipos- fato modificativo, impeditivo ou extintivo do Márcio Túlio Viana (1993-1994) argumenta batória ou técnica, e não econômica como suficiência e verossimilhança) pressupõem direito. A doutrina alerta para a dificuldade que, quase sempre, deve-se inverter o ônus defendem alguns (RODRIGUES, 2003, pp. que uma das partes está mais apta do que a da prova do fato negativo. Não é crível exi- da prova em favor do empregado, pois é 210-211), e compreende os dois requisitos da outra para a produção da prova, razão para gir prova impossível do fato negativo, como o empregador quem detém, em geral, os teoria dinâmica: desigualdade de partes e ap- a desigualdade concreta entre elas em com- no caso das negativas absolutas, de negati- meios de prova. Carlos Alberto Reis de Paula tidão para a prova. É hipossuficiente a parte provar o fato controvertido. Esses requisitos vas de fatos indefinidos (LOPES, 2002, p. 34) (2010, p. 113), na mesma linha, afirma que a que tem grande dificuldade para a produção (aptidão para a prova e desigualdade real ou diabólica reversa (KNIJNIK, 2006, p. 948). inversão do ônus da prova “é uma das pecu- da prova em relação à outra parte, que tem das partes) estão presentes nas situações Isso inverte a lógica que justifica e embasa a liaridades do processo do trabalho”. maiores meios de produzi-la. que requerem prova diabólica. teoria dinâmica. Ao contrário, a prova do fato
116 117 negativo ou positivo deve ser muito mais fácil relacionadas à impossibilidade ou à com a Justiça também estão presentes no trabalho, em face das estatísticas sobre a fal- de ser obtida do que o inverso. excessiva dificuldade de cumprir o en- Processo do Trabalho. ta de prevenção e porque “é muito mais fácil cargo nos termos do caput ou à maior para o empregador provar que cumpriu suas 3.6 O ANTEPROJETO DO NOVO CPC E A TE- facilidade de obtenção da prova do O art. 818 da CLT apenas traz uma regra obrigações contratuais do que o empregado ORIA DINÂMICA fato contrário, poderá o juiz atribuir o geral sobre o ônus da prova, sendo silente demonstrar o descumprimento das mesmas”. ônus da prova de modo diverso, des- acerca de suas peculiaridades. É costume Elaine Vasconcelos (2005, p. 104) conside- O Senado Federal formou, em 2009, uma de que o faça por decisão fundamen- aplicar, de forma majoritá- ra que, pela interpreta- comissão de jurista para elaboração de um tada. Neste caso, o juiz deverá dar à ria e complementar, o art. ção judicial, o encargo anteprojeto para um novo Código de Processo parte a oportunidade de se desincum- 333 do CPC no cotidiano O art. 818 da de comprovar a ausên- Civil. O texto original, apresentado em 2010, bir do ônus que lhe foi atribuído. das lides trabalhistas. Nesse CLT apenas traz cia de conduta discrimi- consagrava o princípio da aptidão para a pro- contexto, a facilitação pro- natória é dos acusados, va como decorrência da isonomia processual § 2º A decisão prevista no § 1º des- batória do art. 6º, VIII, do uma regra geral quando houver “ele- e adotava a teoria dinâmica como exceção à te artigo não pode gerar situação em CDC guarda consonância sobre o ônus da mentos de presunção teoria estática do ônus da prova. que a desincumbência do encargo com os princípios do Pro- acerca da veracidade pela parte seja impossível ou excessi- cesso do Trabalho e têm prova, sendo silente dos fatos narrados na Submetido à deliberação, o texto aprovado vamente difícil. lugar nas situações de de- acerca de suas petição inicial”. Em arti- pelo Senado Federal (Projeto de Lei iniciado sigualdade de armas entre go publicado (CHEHAB, no Senado nº 166/2010) suprimiu a menção as partes e a dificuldade peculiaridades. 2010, pp. 52-71), defen- a esse princípio, mas manteve a igualdade de Como o texto foi modificado, o projeto de real de uma delas em de- di a aplicação da teoria tratamento entre as partes, inclusive quanto lei do novo CPC foi devolvido ao Senado Fe- monstrar o fato, também dinâmica do ônus da ao ônus probatório, “competindo ao juiz velar deral, devendo, ao que tudo indica, ser man- presentes nessas deman- prova em processos de pelo efetivo contraditório” (CHEHAB, 2011, p. tida à menção da teoria dinâmica para atenu- das. A teor do art. 769 da CLT, é possível a discriminação no emprego; examinei, em es- 50). A regra geral chancelada era de aplicação ar o rigor da teoria estática do ônus da prova, aplicação analógica desse dispositivo do pecial, a legislação da União Europeia (1997, da teoria estática do ônus da prova, possibili- especialmente no caso de prova diabólica. CDC, como defende boa parte da doutrina art. 4º, p. 8), dos Estados Unidos (VALLEJO e tando a incidência da teoria dinâmica (BRASIL, (ex: TEIXEIRA FILHO, 2009, pp. 974-978). MOURRAILLE, 2009, p. 14), da Espanha (1981) 2010, arts. 357 e 358). 4 O PROCESSO DO TRABALHO E A TEORIA e de Portugal (2003); e destaquei a condena- DINÂMICA DO ÔNUS DA PROVA Guilherme Feliciano (2008, p. 111) afirma ção imposta ao Brasil pela Corte Interame- A Câmara dos Deputados (Projeto de Lei nº que a teoria dinâmica prevalece no proces- ricana de Direitos Humanos (2006) por, em 8.046/2010) manteve a previsão da aplicação A teoria dinâmica do ônus da prova tem so do trabalho, devendo ser considerados processo judicial, exigir prova direta da dis- da teoria dinâmica (BRASIL, 2014, pp. 434 e incidência no Processo do Trabalho, por im- aspectos como “a verossimilhança das alega- criminação em uma seleção de emprego de 485). A redação final do texto aprovado as- posição constitucional, em face de princípios ções, as constelações de indícios, as funções uma candidata afrodescendente. segura “às partes paridade de tratamento no comuns com o Processo Civil, ou pela aplica- do processo (instrumentalidade) e a pondera- curso do processo, competindo ao juiz velar ção analógica do art. 6º, VIII, do CDC. ção harmônica dos direitos fundamentais em Segundo publicação da OIT (2003, p. 70, § pelo efetivo contraditório” (art. 7º). Nas dispo- colisão”. Defende, ainda, sua “especial apli- 196, tradução nossa): sições acerca do encargo probatório, a teoria O acesso à Justiça, a igualdade entre as cação” nas ações trabalhistas que envolvam estática continua como regra geral, mas a te- partes, a ampla defesa e o contraditório, e o o meio ambiente, a discriminação, a intimi- Provar em um processo judicial oria dinâmica é aplicável (art. 380, §§ 1ºe 2º) devido processo legal, princípios insertos na dade e a privacidade e o assédio sexual ou que tem havido discriminação é di- nos seguintes termos: Constituição, dependem da plena e da igual moral (FELICIANO, 2008, pp. 105-106). fícil, ainda que não se pretenda de- oportunidade das partes em produzirem as monstrar a intenção do imputado. Na Art. 380. [...] provas dos fatos que aduzem em juízo. A Raimundo Simão de Melo (2006, p. 30) maioria dos casos que versam sobre § 1º Nos casos previstos em lei ou paridade real de armas, a lealdade, a veraci- argumenta pela aplicação do art. 6º, VIII, do opções de contratação, demissão, diante de peculiaridades da causa, dade e a boa-fé processuais e a colaboração CDC em ações que discutem acidentes do remuneração e promoção, é o em-
118 119 pregador que tem a informação per- cessão dos vales-transporte, ônus do prova a oportunidade de produzi-Ia. Na primeira hipótese, o Juiz, antes de tinente. Nos casos de assédio sexual qual não se desincumbiu. Recurso de Nessa lógica, quando se inverte o iniciada a instrução processual, adverte as não costuma haver testemunhas. As- revista não conhecido. ônus é preciso supor que aquele que partes de que devem contribuir para a com- sim, a fim de ajudar aos demandan- Há amplo campo para aplicação vai assumi-lo terá a possibilidade de provação dos fatos controvertidos segundo a tes e proporcionar a realização de da teoria dinâmica do ônus da prova cumpri-lo, sob pena de a inversão do aptidão para a prova e/ou de que poderá ser justo juízo, cada vez são mais os pa- no Processo do Trabalho, ante a difi- ônus da prova significar a imposição aplicada a teoria dinâmica do ônus da prova íses que transferem ao empregador culdade probatória que, normalmen- de uma perda, e não apenas a trans- (ou a inversão probatória) caso comprovada o ônus da prova para refutar as ale- te, acomete uma das partes e a apti- ferência de um ônus. A inversão do a dificuldade ou a impossibilidade na produ- gações uma vez que o demandante dão para a prova que a outra parte ônus da prova, nessa linha, somen- ção de determinada prova. Com isso, as par- apresentou os primeiros indícios de possui. te deve ocorrer quando o réu tem a tes têm ciência prévia de que a não apresen- discriminação. possibilidade de demonstrar a não tação de uma prova (não identificada) pode 5 PROCEDIMENTO existência do fato constitutivo. conduzir a uma eventual decisão contrária, O Tribunal Superior do Trabalho (TST) can- segundo regras excepcionais de aferição do celou a Orientação Jurisprudencial nº 215 A rigor, a aferição de quem pertence o encargo probatório. da sua Subseção I de Dissídios Individuais, ônus de comprovar determinado fato é reali- que tratava do encargo probatório da satisfa- zada pelo magistrado no momento do julga- Na segunda situação, ante a peculiarida- ção dos requisitos para recebimento do vale mento quando, não havendo demonstração de do caso concreto, o Juiz noticia a outra transporte, por aplicar a teoria dinâmica, da circunstância fática aduzida por uma das parte de que ela é considerada apta a pro- conforme lição do precedente assim emen- partes, é preciso decidir a lide (ônus da pro- duzir a prova do fato determinado (de que tado (BRASIL, TST, 2011): va objetivo). Não haveria, a princípio, espa- incide a teoria dinâmica sobre ele ou de que ço para, na instrução processual (ou antes), há inversão probatória em seu desfavor), pos- [...] 4. VALE-TRANSPORTE. INDENI- indicar a parte mais apta para provar o fato sibilitando, assim, que a apresente em juízo. ZAÇÃO. ÔNUS DA PROVA. Este co- controvertido. O momento ideal para isso é antes da oitiva lendo Tribunal Superior do Trabalho, das testemunhas, podendo, a critério do Juiz, por meio da Orientação Jurispru- Todavia, cresce no meio jurídico a ideia de haver inversão na ordem dos depoimentos. dencial nº 215 da SBDI - 1, entendia que o Juiz não pode surpreender as partes. O ser ônus do empregado provar o anteprojeto do novo CPC abriga essa noção, A lei ou a jurisprudência pacífica atribuem, preenchimento dos requisitos indis- ao vedar decisão com base em fundamento em situações específicas, o meio de prova pensáveis à obtenção do vale-trans- do qual as partes não tiveram oportunidade apto a demonstrar determinado fato, tais porte. Contudo, revendo seu posi- de se manifestarem e ao estabelecer que o como: recibo de pagamento ou de depósito cionamento, referida Orientação foi Juiz deve oportunizar que a parte se deso- bancário, registro de horários para emprega- cancelada. Desse modo, pela pró- nere do ônus que lhe foi atribuído (BRASIL, dores que possuem mais de dez empregados, pria teoria da distribuição dinâmica 2014, arts. 10 e 380, § 1º, in fine, pp. 96, 435 Em que pese a crítica de que a concessão termo de rescisão do contrato de trabalho do ônus da prova, é notório que se e 485). Carlos Barbosa Moreira (1997, p. 306) dessa oportunidade pode indicar prejulga- (instrumento de rescisão ou recibo de quita- apresenta mais propício ao empre- adverte que as normas sobre a repartição do mento da lide, é aconselhável, no contex- ção) homologado pelo sindicato profissional gador comprovar que o emprega- ônus probatório abrigam regras de compor- to atual da evolução do Direito, que o Juiz, ou órgão do Ministério do Trabalho para em- do não satisfez os requisitos para a tamento destinadas aos litigantes. Para Luiz diante da teoria da distribuição dinâmica do pregado com mais de um ano de serviço e concessão do vale-transporte que Guilherme Marinoni (2009, pp. 328-329): ônus da prova, conceda a parte à possibilida- aviso de concessão de férias (arts. 74, § 2º, ao trabalhador provar que o satisfez. de em produzir a prova. Para isso, há dois ca- 135, 464 e 477, §§ 1º e 2º da CLT); determina- Nesse contexto, incumbe ao recla- A inversão do ônus da prova, em minhos: uma advertência genérica, dirigida a ção de exibição de prova documental no atu- mado a prova de que o reclamante principio, deve dar à parte que ori- ambas as partes, ou específica, considerando al CPC (arts. 355 a 359) e acordo escrito para não satisfazia os requisitos para con- ginariamente não possui o ônus da a particularidade da matéria em debate. a compensação de horários na Súmula nº 85,
120 121 I, do TST. Nesses casos, é desnecessário haver mente os direitos dos cidadãos, os ridade de armas), segundo as peculiaridades ______. Superior Tribunal de Justiça. prévia ciência de eventual aplicação da apti- quais não podem ficar entregues à do caso concreto e em observância do devi- Agravo Regimental no Agravo em Recurso dão para a prova. sua própria sorte e risco. O magistra- do processo legal. Especial nº 216.315/RS. Segunda Turma. do não se pode contentar com uma Relator Ministro Mauro Campbell Marques. Algumas vezes, apenas durante os depoi- igualdade puramente formal entre os A teoria dinâmica do ônus da prova tem Diário de Justiça eletrônico de 6 nov. 2012. mentos ou no curso da instrução é que se litigantes, tendo o dever de, ao dirigir aplicação quando a regra estática dos arts. percebe que se está diante de uma prova o processo, assegurar às partes igual- 818 da CLT e 333 do CPC, estão em descon- ______. Superior Tribunal de Justiça. Re- diabólica, que há indícios da verossimilhança dade de tratamento e prevenir ou re- formidade com a Constituição Federal, acar- curso Especial nº 1.286.704/SP. Terceira da alegação de uma das partes ou que uma primir qualquer ato contrário à digni- retando “a inutilidade da ação judiciária e a Turma. Relatora Ministra Nancy Andrighi. Di- delas tem maior aptidão em apresentar uma dade da justiça (art. 125, I e III, CPC). vedação oculta de acesso efetivo ao Poder ário de Justiça eletrônico de 28 out. 2013. prova em juízo. Mesmo aí, é conveniente [...] Não se pode exigir de alguém Judiciário” (KNIJNIK, 2006, p. 950). Por isso, oportunizar a produção da prova (documen- provas além do que esteja ao seu al- sua incidência “atende ao escopo social do _____. Tribunal Superior do Traba- tal ou oral), a partir de então, a quem estiver cance demonstrar, porque isso gera processo, que é eliminar conflitos mediantes lho. Recurso de Revista nº 82900- mais apto a fazê-la, ainda que não se men- um ônus probatório diabólico. [...] Os critérios justos” (PAULA, 2010, p. 122). 49.2007.5.03.0143. Segunda Turma. Re- cione a inversão do onus probandi, o art. 6º direitos fundamentais, especialmen- lator Ministro Guilherme Augusto Caputo do CDC ou expressões como “sob pena de te os de caráter social (art. 6º da CF), Aplicar a teoria dinâmica do ônus da pro- Bastos. Diário Eletrônico da Justiça do Tra- confissão”. não podem ficar desprotegidos pela va no Processo do Trabalho, considerando a balho de 18 nov. 2011. aplicação desmedida do art. 333 do peculiaridade do caso concreto e a maior ap- CONCLUSÃO Código de Processo Civil, a ponto de tidão probandi de uma das partes, é medida CÂMARA, Alexandre Freitas. Doenças criar um ônus tão rigoroso ao deman- de Justiça e que melhor atende ao Direito e preexistentes e ônus da prova: o problema O Juiz é o destinatário da prova, que serve dante que torne impossível a tutela aos direitos fundamentais insertos na Consti- da prova diabólica e uma possível solução. para demonstrar a certeza de um fato ou a dos direitos materiais. tuição Federal. Revista Dialética de Direito Processual. veracidade de uma afirmação. Não havendo São Paulo: Dialética, nº 31, 2005. prova, a solução do fato controvertido de- As regras de ônus da prova não podem REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS correrá da aplicação das regras pertinentes servir de obstáculo processual a tutela de ______. Lições de Direito Processual Ci- ao ônus da prova. O Processo Civil e o do direito, devem sempre considerar as possibi- AROCHENA, José Fernando Lousada. La vil. 18. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. Trabalho, porém, não estão presos às regras lidades reais e concretas de cada parte em prueba de la discriminación y del acoso gerais e estáticas do ônus da prova inseridas demonstrar suas alegações, e recaírem não sexual y moral en el proceso laboral. Dis- CAMBI, Eduardo. Direito constitucional à nos arts. 333 do CPC e 818 da CLT. A moder- necessariamente sobre quem alega, “mas ponível em . Aces- ______. Neoconstitucionalismo e neo- dinâmica da distribuição do ônus da prova, dições de produzir a prova necessária à solu- so: 23 ago. 2014. processualismo: direitos fundamentais, po- que tem amparo constitucional, nos princí- ção do litígio” (MALLÊT, 1999, p. 153). líticas públicas e protagonismo judiciário. pios do processo e na lei, e que considera BRASIL. Câmara dos Deputados. Reda- São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. a efetiva capacidade probatória das partes, A teoria dinâmica, que parte da premissa ção final ao Projeto de Lei de nº 8.046, de especialmente nos casos de prova diabólica. da desigualdade real de uma das partes e da 2010. Brasília: Diário da Câmara dos Depu- CARNELUTTI, Francesco. Instituciones del maior aptidão de uma delas na produção da rados. 27 mar. 2014. Proceso Civil. 4 ed. Buenos Aires: Ediciones Como adverte Eduardo Cambi (2009, pp. prova, tem especial aplicação no processo Jurídicas Europa-America, 1950, v. I. 364-366): do trabalho. Ela prestigia a colaboração e a ______. Senado Federal. Comissão Dire- participação das partes, garante efetivo aces- tora. Parecer nº 1.741, de 2010. Disponí- CHEHAB, Gustavo Carvalho. O princípio O juiz não pode ser mero ex- so à tutela jurisdicional adequada e efetiva; vel em . vista do TST. Brasília: Lex Magister, v. 76, nº 3, mas [deve] assegurar concreta- tes não apenas formal, mas também real (pa- Acesso: 25 ago. 2014. jul.-set/2010.
122 123 ______. Projeto do novo Código de Pro- KNIJNIK, Danilo. As (perigosíssimas) doutri- jo. Genebra: Oficina Internacional do Tra- TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio. Curso cesso Civil: algumas novidades que já podem nas do “ônus dinâmico da prova” e da “situ- balho, 2003. de Direito Processual do Trabalho. São ser utilizadas. Revista Jurídica Consulex. ação de senso comum” como instrumentos Paulo: LTr, 2009. Brasília: Consulex, a. XV, nº 341, abr./2011. para assegurar o acesso à Justiça e superar PACÍFICO, Luiz Eduardo Boaventura. O a propatio diabolica. In: FUX, Luiz; NERY JR., ônus da prova do Direito Processual Ci- THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso CHIOVENDA, Giuseppe. Princípios de De- Nelson e WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (co- vil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. de Direito Processual Civil. 50. ed. Rio de recho Procesal Civil. Madrid: Editorial Reus, ords). Processo e Constituição: estudos em Janeiro: Forense, 2009, v. I. 1925, t. II. homenagem ao Professor José Carlos Bar- PALACIO, Lino Enrique. Manual de De- bosa Moreira. São Paulo: Revista dos Tribu- recho Procesal Civil. 17. ed. Buenos Aires: UNIÃO EUROPEIA. Conselho da CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HU- nais, 2006. Abeledo Perrot, 2003. União Europeia. Diretiva nº 97/80/ MANOS. Caso nº 12.001. Simone André Diniz CE de 15/12/1997. Official Journal of vs. Brasil. Informe nº 66/2006. 21 out./2006. LÓPEZ, Armando Porras. Derecho Proce- PAULA, Carlos Alberto Reis. A especifi- the European Communities. ed. em in- Disponível em: . Acesso: dos Tribunais, 2002. les de la responsabilidad profesional. In: 23 ago. 2014. COUTURE, Eduardo Juan. Fundamentos MORELLO, Augusto M. (coord) e outros. Lãs del Derecho Procesal Civil, 3. ed. (póstuma). MALLET, Estêvão. Discriminação e proces- Responsabilidades Profesionales – Libro VALLEJO, María Laura Rojas; MOURRAIL- Buenos Aires: Depalma, 1993. so do trabalho. Revista do TST. Brasília, v. 65, al Dr. Luis O. Andorno. La Plata: LEP, 1992. LE, Camila Soto. La carga de la prueba en nº 1, out.-dez./1999. casos de discriminación. Bogotáa: Univer- DAMASCENO, Fernando Américo Veiga. PORTUGAL. Ministério da Solidariedade sidad de Los Andes, maio/2009. A prova pela verossimilhança e o direito do MARINONI, Luiz Guilherme. Curso de Pro- e da Segurança Social. Lei nº 99/2003. trabalho. Revista do TRT da 3ª Região. Belo cesso Civil: Teoria Geral do Processo. 3. ed. Disponível em: . Acesso: 25 ago. criminação nas relações de trabalho: a 2014. possibilidade de inversão do ônus da pro- DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; MARTINS, Sérgio Pinto. Direito Processual va como meio eficaz de atingimento dos OLIVEIRA, Rafael. Curso de Direito Proces- do Trabalho. 19. ed.. São Paulo: Atlas, 2003. RODRIGUES, Marcelo Abelha. Ação civil princípios constitucionais. Revista do TST. sual Civil. Salvador: Juspodivm, 2007, v. 2. pública e meio ambiente. São Paulo: Fo- Brasília, v. 71, nº 2, maio-ago./2005. MELO, Raimundo Simão de. Responsabi- rense Universitária, 2003. DINIZ, Maria Helena. Dicionário Jurídico. lidade objetiva e inversão da prova nos aci- VIANA, Márcio Túlio. Critério para a in- São Paulo: Saraiva, 1998, v. 3. dentes de trabalho. Revista LTr. São Paulo: ROSENBERG, Leo. La carga de la prue- versão do ônus da prova no processo do LTr, v. 70, nº 1, jan./2006. ba. 2. ed. Montevidéu-Buenos Aires: Edito- trabalho. Revista do TRT da 3ª Região. ECHANDIA, Hernando Devis. Teoria Gene- rial IbdeF, 2002. Belo Horizonte: TRT da 3ª Região, jul./1993- ral de la Prueba Judicial. Buenos Aires: Vic- MOREIRA, Carlos Roberto Barbosa. Notas jun./1994, nº 53. 1 CD-ROM. tor P. de Zavalia, 1970, t. 1. sobre a inversão do ônus da prova em bene- SANTOS, Washington dos. Dicionário ju- fício do Consumidor. Revista de Processo. rídico brasileiro. Belo Horizonte: Del Rey, VICENTINI, Fernando Luiz. Teoria da dis- FELICIANO, Guilherme Guimarães. Distri- São Paulo: Revista dos Tribunais, nº 86 abr.- 2001. tribuição dinâmica do ônus da prova. Jus buição dinâmica do ônus da prova no Proces- jun./1997. Navegandi. Teresina: jun. 2012. Disponível so do Trabalho. Revista do Tribunal Regional SILVA, Ovídio A. Baptista. Curso de Pro- em: . Acesso em: 22 set. 2014.
124 125 PALAVRAS-CHAVE: Militar. Greve. Proibição. ões, inclusive, em que os soldados precisavam formar verdadeiras barreiras humanas para pro- 2 tegerem seus territórios de batalha . THE RIGHT OF MILITARY STRIKE UNDER THE MOVEMENTS AND THE POSSIBILITIES OF Sempre se exigiu daqueles que serviam à CONSTITUCIONAL TEXT MODIFICATION segurança das nações uma série de restrições físicas e psicológicas, as quais almejavam, de ABSTRACT certo modo, a alienação dos combatentes em relação à sua própria condição massacrante. This article examines the factual and legal con- text in which they are inserted some labor rights Ademais, por estarem em frequentes situa- of the military, especially in regard to strike and ções de perigo, os jovens soldados eram expos- unionize, constitutionally prohibited (art. 142, § tos a diversas dificuldades de campo, as quais 3, IV) in the Brazilian legal system. Moreover, we deveriam ser superadas de modo ágil e ausente highlight the manifestations military of strikethat de grandes reflexões, a fim de não prejudicar a weakened the validity of the constitutional text, condução rígida exigida das tropas combaten- which, in the face of social pressure applicant, tes. O DIREITO DE GREVE DOS MILITARES turns out to be unsustainable. Meanwhile, what is sought is the regulation's own right of resistan- Sendo assim, não cabia àqueles servidores SOB A ANÁLISE DOS MOVIMENTOS ce of these workers who currently find them- o desenvolvimento de ideias, e, sim, o mero selves hampered in their agendas claiming the uso físico e brutal da força para obter vitórias, PAREDISTAS E DAS POSSIBILIDADES DE situation which, before a garantist State demons- independentemente das condições em que se trates the incoherence of the constitutional pro- encontravam. Pelo contrário, quanto piores os MODIFICAÇÃO DO TEXTO CONSTITUCIONAL vision against the real wishes of population, the meios de subsistência, mais qualificados esta- text of contrasting real sense that should guide riam os combatentes. the norm, namely social justice. 1 Jamile Morais Vasconcelos No Brasil, entretanto, percebe-se que os Advogada KEYWORDS: Military, Strike. Prohibition. militares passaram a se fazerem, de fato, pre- sentes somente a partir do século XIX, tendo 1 INTRODUÇÃO em vista a ocupação lusitana forte durante o RESUMO social recorrente, vem se mostrando insustentá- período colonial, o que impediu a formação vel. Nesse ínterim, o que se procura é a regula- Desde os tempos pré-romanos, percebe-se, uníssona das tropas brasileiras (MANCUSO, Este artigo analisa o contexto fático-jurídico ção do próprio direito de resistência desses tra- conforme relatos históricos, a preocupação em 2008, p.8). em que estão inseridos alguns direitos trabalhis- balhadores que, atualmente, se veem tolhidos incitar nas condutas militares um rigor excessivo, tas dos militares, em especial, no que concerne em suas pautas reivindicatórias, situação a qual, em decorrência, principalmente, das próprias Vê-se, desse modo, que as Forças Arma- à greve e à sindicalização, constitucionalmente diante de um Estado garantista, demonstra a condições por que passavam os combatentes das, no contexto brasileiro, ganham respal- proibidas (art. 142, § 3º, IV) no direito brasileiro. incoerência do dispositivo constitucional frente diante das lutas por terras e povos. Havia ocasi- do de formação nacional somente com a Ademais, salientam-se as manifestações milita- aos reais anseios da população, descompassan- res paredistas que fragilizaram a validade do dis- do o texto do real sentido em que se deve pau- 2. “[...] Estes pontos nortearam, por conseguinte, algumas das ações desenvolvidas pelos romanos no campo político ao longo dos séculos I positivo constitucional, o qual, diante da pressão tar a norma, qual seja a justiça social. a III d.C. Observamos um longo processo de envolvimento das legiões romanas com as fronteiras orientais, notadamente nas províncias da Síria, Judéia, Arábia Petréia e com o reino da Armênia, além dos territórios disputados e invadidos por Trajano. Estas ações tinham os mais variados fins: defesa contra agressões partas, domínio de áreas de transito comercial, interferência na política externa, etc. [...]”. BUENO (2007) apud BRAGA 1. Advogada (OAB/CE nº 27.830). Graduada em Direito pela Universidade Federal do Ceará em 2012.2. Contato:[email protected] (2008, online)
126 127 6 independência do Brasil, herdando raízes Nesse contexto, percebe-se que, no Bra- Partindo dessa premissa, fizeram-se ne- cairia no STF, seria julgada inconstitucional” . portuguesas para a condução de seus ser- sil, mesmo permeados pelas tradicionais cessárias as breves considerações históri- 3 Diante dessa ainda relutante aceitação dos vidores . restrições inerentes às condições de comba- cas aqui tecidas, a fim de embasar uma das tentes, a ativa participação dos militares na pertinentes justificativas para a proibição do juristas frente à extensão de direitos trabalhis- Nesse trilhar, a partir de sua formação, os formação da história brasileira deu oportuni- exercício paredista e sindical aos servidores tas plenos aos servidores públicos militares, militares tornaram-se protagonistas, em diver- dade a esses servidores de passarem por ex- públicos militares: o enquadramento dos mi- surgiram manifestações dos próprios traba- sos episódios da vida pública brasileira, seja periências políticas e sociais, de certo modo, litares como “cidadãos de segunda catego- lhadores, no caso, policiais e bombeiros, exercendo uma liderança indispensável nos não oportunizadas em outras nações. ria”. membros das Forças Militares Auxiliares, que, acontecimentos que desencadearam a pro- insatisfeitos com as condições laborais a eles clamação da República, em 1889, seja apoian- A partir disso, é natural que se indague O motivo desse rebaixamento, além das disponibilizadas, fomentaram a discussão do movimentos reformadores da política na- o porquê do tolhimento ao direito de greve próprias e tradicionais condutas militares mais contundente do tema em análise neste cional, como o Tenentismo e a Revolução de dos militares, mantido na própria Constitui- que sempre exigiram esforços absurdos dos artigo. 4 1930, seja assumindo, de fato, a direção polí- ção de 1988 , haja vista a comprovação fá- cidadãos responsáveis por atividades rela- tica do País, conforme se deu no Golpe Militar tica da classe em relação ao seu poder de cionadas à segurança nacional, relaciona- 2 OS MOVIMENTOS MILITARES PAREDISTAS de 1964, o qual gerou um regime autoritário e transformação social de direitos. se a certo revanchismo político no contexto repressivo, até hoje criticado pelos principais de criação da Constituição Federal de 1988, Os anos de 2011 e 2012 foram marcados historiadores e intelectuais da Nação. por ter sido realizada logo após um longo pela ocorrência de inúmeras greves ao lon- período militar de opressões. go do País, tendo seu ponto ápice quando os De todo modo, apesar da entrada tardia próprios militares paralisaram suas atividades dos “servidores da pátria” em papéis impor- Ainda que se estivesse em uma transição nos estados do Ceará, da Bahia e do Rio de tantes da política no Brasil, eles se mostraram democrática, ocupantes de altos cargos mili- Janeiro. A classe, até então, tolhida em di- bem mais ativos do que as corporações mili- tares preocuparam-se em manter a suposta reitos trabalhistas, fez-se ouvir nacionalmen- tares de países europeus e dos próprios Esta- unidade e hierarquia rígida exigidas dos cida- te, pressionando governos por melhorias nas dos Unidos. Senão, vejamos o que disciplina a dãos que desempenhassem funções de sacri- condições de trabalho e por salários mais dig- mesma historiadora supramencionada, MAN- fício pelo País. nos das atividades desempenhadas. CUSO (2008, p. 7): Até hoje, mesmo após mais de vinte anos Mesmo de encontro ao que preceitua o Por outro lado, as Forças Ar- 5 da chamada “Constituição cidadã” , ainda texto constitucional no seu art. 142, § 3º, IV, madas no Brasil tiveram maior en- prevalece a corrente doutrinária que sustenta os militares, organizados por meio das pre- volvimento em questões internas a impossibilidade de greve dos servidores mi- maturas associações, entraram em greve, ge- que nos países Europeus e nos EUA, litares, alegando motivos de segurança nacio- rando um clima de insegurança nas popula- desempenhando papel predomi- nal. O próprio ministro do Supremo Tribunal ções dos estados brasileiros. nantemente político. Embora essa Federal (STF), Marco Aurélio Mello, esboçou seja uma característica encontrada sua opinião acerca do tema: “A greve é um Infelizmente, a mídia pouco se importou em muitos países originários de es- tema social. Mas, neste caso, ela é inconstitu- em tecer maiores discussões acerca dos an- truturas coloniais da América Latina, cional, é ilegal. Se viesse uma lei legitimando seios dos servidores, preferindo enfatizar os África e Ásia, no Brasil a história mili- o direito de greve de militares, ela fatalmente excessos ocorridos durante os movimentos. tar se confunde em muitos momen- tos com a própria história do país. 5. “[...] Repito: esta será a Constituição cidadã. Porque recuperará como cidadãos milhões de brasileiros...Esta Constituição, o povo brasileiro 3. Conforme registra ALCÂNTARA (2007, p. 36-37): “As Forças Armadas Nacionais passaram a existir na Proclamação da Independência, porém me autoriza a proclamá-la, não ficará como bela estátua inacabada, mutilada ou profanada [...]” – Trecho do discurso de Ulysses Guimarães em seu processo histórico de formação, no entanto, é bem anterior, tendo suas raízes no período colonial, nas lutas contra as invasões estrangeiras e 27 de julho de 1987. (BONAVIDES, ANDRADE, 2004) no espírito das grandes navegações portuguesas”. 6. Notícia de 08-12-2012, no site G1: Greve de policiais militares é ilegal, afirma ministro do Supremo. Disponível em: . Acesso em: 10 dez.2012.
128 129 É certo que os eventuais abusos ocorridos Apesar da interferência da po- antigas estagnações ideológicas da cultura Nesse sentido, é que se aponta a negocia- durante as temporadas paredistas ganham pulação no episódio, não parece militar, as quais pretendiam forçar as corpo- ção coletiva como um instrumento essencial força quando um direito não é devidamen- que ela tenha se solidarizado com rações a aceitarem quaisquer condições a na construção dos direitos, notadamente te regulado, em especial, quando se trata de a causa dos policiais. Agiu muito elas disponibilizadas, com vistas a não ma- diante de uma situação de crise como assim garantias trabalhistas. Com os militares, não mais em defesa de seus próprios cular a famigerada segurança nacional. o é a paralisação de atividades trabalhistas. poderia ser diferente. interesses (a segurança pública) do Desse modo, punir os manifestantes, me- que sensível às reivindicações da Saliente-se que a atuação das Forças diante prisões, mostra-se como a pior con- Importante salientar, nesse contexto, o Polícia. Interessante observar que a Armadas na garantia da lei e da ordem é duta a se ter durante um período já bastante que leciona LIMA (2012, p. 89): população recriminou o Governo, sempre subsidiária e só pode ocorrer even- tenso de negociações. Resta, assim, a con- antes de fazer qualquer censura à tualmente, em situações extremas, porque cessão de anistia a todos os envolvidos, in- atitude paredista dos policiais, uma essa missão foi reservada clusive, sendo uma das A realidade dos últimos anos, postura bem diversa da adotada constitucionalmente, em condições impostas pe- deparando-se com o achatamen- em face de outras categorias. caráter primário, aos ór- Ademais, percebe-se los grevistas à entabu- to dos soldos e a tacanha política gãos de Segurança Públi- lação do acordo para o salarial dos governos, aliados a ca, como a Polícia Militar que associações vêm término da greve. outros problemas relacionados ao Ademais, em 2011, bombeiros chegaram (SILVA, p. 701-705). sendo formadas para deficiente aparelhamento da Po- a ser presos no Rio de Janeiro, gerando melhor organizar os Ademais, percebe-se lícia, à jornada estafante e à falta imensas comoções sociais, por deflagrarem Logo, percebe-se que, que associações vêm de condições para desempenhar greve. Nessa ocasião, gerou-se sério mal-es- dificilmente, os servido- militares, contornando a sendo formadas para o arriscado serviço, dentre outros, tar entre a população fluminense e o go- res diretos das Forças Ar- vedação constitucional melhor organizar os mili- tem se modificado. A proibição vernador Sérgio Cabral, que, em primeiro madas mostram-se ávi- ao direito de tares, contornando a ve- constitucional é enfrentada nos pronunciamento, havia chegado a agredir dos por pleitear direitos dação constitucional ao quartéis. Os policiais atropelam a os trabalhadores grevistas detidos median- trabalhistas, restando aos sindicalização. direito de sindicalização. Constituição, passam por cima das te infelizes afirmações. policiais militares, que leis, pisoteiam as ordens judiciais e desempenham ordinaria- Enfim, pelo exposto, vão às ruas, de arma em punho, Na Bahia, também no início de 2012, mente a atividade de prezar pela seguran- o fenômeno social acabou ultrapassando o gritando palavras de ordem e can- os militares entraram em greve. Sem tanto ça dos estados, organizarem-se para lutar próprio direito, já que a norma constitucional tando o hino de Geraldo Vandré, apoio da população, eles tiveram de convi- pelas melhorias da classe. de proibição não tem mais como se legitimar música símbolo do grito contra a ver com inúmeras críticas ao movimento, pelos fatos frequentemente ocorridos. Faz- ditadura. em especial, devido aos inúmeros casos de De todo modo, devem-se retirar algumas se urgente uma modificação no paradigma abusos cometidos pelos grevistas durante a lições desses acontecimentos paredistas normativo-constitucional, sob pena de gerar paralisação. ocorridos no Brasil nos últimos anos. cada vez mais insatisfações sociais que pode- No Ceará, houve, no início de 2012, o rão culminar em novos episódios de insegu- que muitos chegaram a chamar de greve Outros Estados, como Rondônia e Mara- Primeiramente, tornou-se evidente a in- rança e medo à população brasileira. exemplar dos policiais militares e bombeiros. nhão, passaram por manifestações milita- satisfação dos militares frente às péssimas Chegou-se a decretar estado de emergên- res, mas não tiveram tanta visibilidade mi- condições de trabalho, evidenciadas pela 3 OS MEIOS DE MODIFICAÇÃO DO TEXTO cia, devido à adesão maciça dos ligados às diática como as anteriormente citadas. falta de organização da segurança pública CONSTITUCIONAL corporações. A própria população, diante do no território brasileiro. Logo, não adianta caos instalado nas cidades, pressionou as au- Nesse cenário, percebe-se que os mili- forçá-los, nem mediante determinação ju- A efetivação de um direito pode ser rea- toridades competentes a negociarem com os tares passaram a questionar, fortemente, o dicial, a retomarem as atividades quando lizada de diferentes modos, desde a própria grevistas. Essa questão é bem trabalhada nas próprio sistema político e hierárquico em estão dispostos a legitimarem seu direito mudança no paradigma social até a elabora- palavras de LIMA (2012, p. 91): que estão inseridos, desprendendo-se das paredista. ção da norma. Entretanto, a primeira opção
130 131 se mostra como uma medida, verdadeira- sar-se essa possibilidade de questionamento da Art. 142, §3º, IV da CRFB/88. Logo, admitir a in- 1988 após um longo período ditatorial em que mente, legítima para a modificação no orde- validade de normas da Constituição, tendo em constitucionalidade do mencionado dispositivo autoridades militares estiveram no poder. Logo, namento jurídico pátrio. vista a necessária mudança de paradigma cons- demonstraria a prevalência dos direitos sociais naquele contexto de elaboração da norma pelo titucional frente às pressões sociais. trabalhistas que permitem aos cidadãos se ma- Poder Constituinte Originário, a legitimidade Os militares, por meio dos diversos movi- nifestarem contra condições laborais insatisfató- para o dispositivo era mais evidente, diante de mentos ocorridos, em especial, a partir do sécu- Nesse sentido, vale salientar o que preceitua rias e prejudiciais à dignidade dos trabalhadores. todo o desgaste social com a classe das Forças lo XXI, tentam pressionar as autoridades judiciais LARENZ (1997, p. 495): Armadas e Auxiliares. e legislativas a reverem o dispositivo constitucio- nal exarado no art. 142, § 3º, IV. De entre os factores que dão motivo a 3.2 A Proposta de Emenda à Constituição uma revisão e, com isso, frequentemente, (PEC) nº 186/2012 Nesse contexto, urge analisar as formas de a uma modificação da interpretação an- efetivar o direito de greve dos militares, traba- terior, cabe uma importância proeminen- Após vinte e quatro anos da promulgação da lhando tanto com as proposições já iniciadas no te à alteração da situação normativa. Tra- Constituição Federal de 1988, finalmente, o Con- âmbito legislativo quanto a partir do controle de ta-se a este propósito de que as relações gresso Nacional se manifestou no sentido de mo- constitucionalidade da norma originariamente fácticas ou usos que o legislador histórico dificar o texto constitucional no que diz respeito constitucional, o que, apesar de ser uma teoria tinha perante si e em conformidade aos à vedação do direito de greve e de associação negada pelo STF, a mutação constitucional já quais projetou a sua regulação, para os sindical aos militares. pautada em alguns julgados da Corte denota se- quais a tinha pensado, variaram de tal melhantes resultados. modo que a norma dada deixou de se O Deputado Pastor Eurico encabeçou a Pro- ‘ajustar’ às novas relações. É o factor tem- posta de Emenda à Constituição (PEC), a fim de 3.1 O Controle de Normas Constitucionais poral que se faz notar aqui. Qualquer lei modificar a redação do art. 142, § 3º, IV na se- está, como facto histórico, em relação ac- guinte forma: Primeiramente, cumpre explicitar a difícil pos- tuante como o seu tempo. Mas o tempo sibilidade de reanálise do texto constitucional também não está em quietude; o que no As Mesas da Câmara dos Deputados frente ao atual entendimento do Supremo Tri- momento da gênese da lei actuava de e do Senado Federal, nos termos do § bunal Federal, pois, como uma possibilidade de modo determinado, desejado pelo le- Nesse sentido, é preciso ressaltar que a inter- aceitação do direito de greve aos servidores pú- gislador, pode posteriormente actuar de pretação constitucional deve progredir junto aos 3º do art. 60 da Constituição Federal, blicos militares, fazer-se-ia necessária uma revi- um modo que nem sequer o legislador apelos sociais que se forem impondo. Isso por- promulgam a seguinte emenda ao texto são do conteúdo originário da própria Constitui- previu, nem, se o pudesse ter previsto, es- que as leis, e a Constituição é uma delas, não constitucional: ção Federal de 1988, a fim de torná-lo inválido, taria disposto a aprovar. podem ignorar a realidade que pretendem re- Art. 1º O inciso IV do parágrafo 3º do diante da falta de legitimidade fática. gular, sob pena de absoluta ineficácia dos seus art. 142 da Constituição Federal passa a 7 vigorar com a seguinte redação: No caso do direito de greve dos militares, a preceitos . Todavia, essa via de controle ainda se mostra ocorrência de movimentos paredistas envolven- IV – ao militar, nos termos e limites distante de ser posta em prática em decorrên- do a classe já denota a insatisfação social com A interpretação constitucional deve progredir definidos em lei, são garantidos o direito cia da posição do STF explicitada na Ação Direta a proibição constitucional. Além disso, para que junto aos apelos sociais que se forem impondo. à livre associação sindical e o direito de de Inconstitucionalidade nº 815-3, julgada em essas manifestações acontecessem, associações A proibição da greve e da criação de sindica- greve e de outras formas de manifesta- 28/03/1996, tendo como Ministro relator Morei- diversas foram criadas para tomar frente das re- tos aos militares foi inserida da Constituição de ção coletiva; (NR) ra Alves. clamações trabalhistas dos militares, tendo em vista a impossibilidade de organização sindical. 7. Nesse trilhar, preceitua MENDES; MÁRTIRES; BLANCO, 2009, p 91-92: “Apesar disso, cumpre insistir na advertência de Hans-Georg Gadamer, a nos dizer que o intérprete, para compreender o significado de um texto, embora deva olhar para o passado e atentar para a tradição, não pode De todo modo, ainda que o Supremo man- ignorar-se a si mesmo, nem desprezar a concreta situação hermenêutica em que ele se encontra – o aqui e o agora – pois o ato de concretização tenha-se resistente à teoria da inconstitucionali- Faz-se evidente, então, as inúmeras tentativas de qualquer norma jurídica ocorre no presente e não ao tempo em que ela entrou em vigor. Uma coisa é fundir os horizontes de compreensão do texto; outra, bem diversa, é desconhecer que a aplicação de toda norma jurídica tem em dade de normas constitucionais, cumpre anali- da classe militar de confrontar a legitimidade do mira resolver problemas atuais, segundo critérios de valor que vigoram no presente, e por decisão de quem – hic et nunc – dispõe de legitimidade para criar novos modelos jurídicos ou simplesmente preservar a validade dos que foram editados anteriormente.”
132 133 Art. 2º Esta Emenda Constitucional disciplinados porque os Comandan- trabalhistas da classe militar. Esses indivíduos 4 CONCLUSÃO entra em vigor na data de sua publica- tes estão preocupados e levando ao pouco têm real interesse na melhoria fática ção. Ministro da Defesa e ao Chefe do Po- da categoria, pois se mostram muito distantes A partir das argumentações desenvolvi- der Executivo as necessidades dos da realidade da maioria dos policiais e bom- das neste trabalho, conclui-se que, de fato, a seus subordinados, que os Coman- beiros. formação militar em muito contribuiu para a Essa PEC encontra-se, desde junho de dantes das Forças e o Ministro da De- Nesse trilhar, deve-se destacar também justificativa de tantas proibições no gozo dos 2012, na Comissão de Constituição, Justiça fesa são os legítimos representantes, a possibilidade de humanização dos servi- diversos direitos trabalhistas às corporações. e Cidadania da Câmara dos Deputados e, os porta-vozes dos anseios dos seus dores das Forças Armadas e Auxiliares caso ao que tudo indica, demorará a ser votada subordinados. fossem a eles permitidas Nesse trilhar, percebe- em Plenário, a não ser que novos aconteci- Ora, sabidamente, isso não é ver- as diferentes formas de se forte influência históri- mentos pressionem pela urgência de modifi- dade. A partir do momento em que manifestação trabalhista. Ao ampliar os seus ca para o sustento da ve- cação do texto constitucional. os Comandantes das Forças e o Mi- Isso porque acarretaria direitos trabalhistas, dação do direito de greve nistro da Defesa são da livre escolha uma aproximação dos aos militares. Entretanto, Na redação de justificativa para a propo- e exoneração do Presidente da Repú- militares a outras classes, a classe militar os novos servidores pro- situra da PEC, são explicitados alguns argu- blica, assim como as promoções dos o que evitaria confrontos mostrar-se-ia mais piciaram a mudança na mentos acerca de convenções internacio- oficiais generais são também subme- violentos quando tives- atuante nas lutas postura da classe frente nais ratificadas pelo Brasil, as quais garantem tidas ao crivo do Chefe do Executivo, sem de conter movimen- aos meios de manifesta- a liberdade sindical e a manifestação coleti- é evidente que estes homens passam tos grevistas de diferentes sociais pelas rem suas reivindicações va de todos os trabalhadores, independente- a representar este Poder perante os trabalhadores. melhorias das laborais à sociedade. Por mente da área que exerçam. seus subordinados, e não os seus su- isso, eclodiram diversos bordinados perante o Poder Executivo, Desse modo, ao am- condições laborais. movimentos paredistas, Merecem destaque alguns trechos da jus- como se apregoa pelos quartéis afora. pliar os seus direitos tra- marcadamente a partir do tificação: [...] balhistas, a classe militar século XXI. mostrar-se-ia mais atuante nas lutas sociais A greve está inserida no direito de Faz-se evidente, ao longo das justificativas, pelas melhorias das condições laborais, situa- O próprio crescimento das manifestações resistência, na categoria dos direitos a preocupação do parlamentar em salientar a ção que seria benéfica para a própria forma- trabalhistas no âmbito do serviço público naturais inerentes ao ser humano, segregação nítida dada aos servidores públi- ção dos chamados “servidores da pátria”, os exercido pelos civis foi um ponto importan- dos direitos fundamentais do traba- cos militares no que concerne ao tratamento quais, com o tempo, flexibilizariam suas con- te para o fortalecimento da classe dos ser- lhador, enquanto pessoa humana, dos pleitos trabalhistas comuns a todas as ca- dutas no tratamento dos movimentos reivin- vidores públicos em geral. Logo, inevitáveis dos direitos que dispensam normas tegorias laborais. dicatórios. se mostram os novos anseios sociais no que para serem exercidos, pois todo o concerne à permissão da greve e da sindicali- homem tem o poder-dever de lutar Atualmente, os militares, historicamente Logo, espera-se que todas essas discussões zação aos militares. pelos seus direitos, de lutar pela me- vistos com certa antipatia frente ao período sejam levadas a Plenário com a proposição lhoria das condições sociais [...] ditatorial extenso por que passou a política legislativa do Pastor Eurico ora explicitada. As sugestões explanadas neste estudo É histórico, no âmbito das Forças brasileira, acabaram sendo tolhidos na sua surgiram a partir de meios alternativos de Armadas, a lengalenga (sic) de que própria liberdade de expressão diante das Espera-se que o Poder Legislativo dose os pesquisa científica, como a vivência na área é necessário dar o exemplo, de sa- precárias condições que assolam a seguran- reais impactos da permanência da proibição trabalhista, o que permite uma maior sensi- crificar o militar em favor da Pátria ça pública no Brasil. do art. 142, § 3º, IV da CRFB, a fim de que se bilização para a causa grevista, bem como – a qual tudo se dá e nada se pede opte pelo avanço nos paradigmas interpreta- a tentativa de inserção de novas formas de –, que a hierarquia e a disciplina de- Ademais, a proposta apresentada abre tivos da nossa Constituição, com vistas a am- modificação da validade constitucional, a fim vem ser mantidas a todo o custo, azo à discussão acerca das autoridades que pliar os direitos sociais aos militares, causa já de prevalecer o que melhor se adequar à re- que os militares devem manter-se têm competência para expor as reclamações fartamente pleiteada pela classe. alidade social.
134 135 BRAGA, Ronaldo. Da proteção dos direi- tos sociais dos servidores militares diante de limitações constitucionais. In: Âmbito Ju- rídico, Rio Grande, XI, n.60, dez 2008. Disponí- vel em: Acesso em 30 nov.2012. LARENZ, Karl. Metodologia da ciência do direito. Tradução de José Lamego. 3. ed. Re- formulada. Lisboa: Fundação Calouste Gul- benkian, 1997. LIMA, Francisco Gérson Marques de. Gre- ve: um direito antipático. Vitória: Revista de Direitos e Garantias Fundamentais, n.11, p. Por fim, deve-se atentar para as péssimas 53-117, jan/jun. 2012. Disponível em: . Acesso em: 10 greve dos militares, já que a classe, sem ou- jan.2013. 1 tras opções de negociação, tem de paralisar DesembargadorJulio Bernardo do Carmo MANCUSO, Amanda Pinheiro. A HISTÓRIA TRT 3ª Região suas atividades em prol de obter conquistas salariais e qualificatórias. MILITAR: notas sobre desenvolvimento do campo e a contribuição da História Cultural, Vê-se, então, que a norma constitucional Grande Dourados: Revista História em Refle- 2 a força, já que um trabalhador sozinho, sem In Memoriam vem se mostrando maléfica à boa condução xão: v. 2, n. 4. Disponível em: aliados, isolado no exercício de sua atividade do Estado garantista de direitos, haja vista a . Acesso em: 3 nov.2012. com seus colegas de profissão, de defender cumprimento rigoroso e metódico da legisla- fim de mitigar futuros, estes, sim, ensejadores seus direitos sociais mínimos, além de poder ção do trabalho, olvidando que todo e qual- de resultados desastrosos para o País. MENDES; MÁRTIRES, BLANCO. Curso de Di- participar de toda e qualquer política social quer trabalhador tem sim o direito universal a reito Constitucional. São Paulo: que tenha como objetivo determinar e regu- uma vida decente. 5 REFERÊNCIAS Saraiva, 2009. lamentar as suas condições de trabalho. Tome-se o exemplo clássico, sempre cita- ALCÂNTARA, Fernando Diogo de. Defesa SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Não pode ser olvidado que, em termos do, do famoso feixe de varas, figurativamen- do estado: as Forças Armadas nas constitui- Constitucional Positivo. 31. ed. São Paulo: de Direito Coletivo do Trabalho, a união faz te demonstrando a força da união coletiva, ções brasileiras: 1822/2004. s.ed., 2007. Malheiros, 2008. 1, Julio Bernardo do Carmo é desembargador federal do trabalho presidente da 4a. Turma e da 2a. SDI do Egrégio Tribunal Regional do Tra- BONAVIDES, Paulo; ANDRADE, Paes de. His- SÜSSEKIND, Arnaldo. Direito Internacional balho da 3a. Região. do Trabalho. 3.ed. atual. e com novos textos. 2. In Memoriam. Dedico o presente trabalho doutrinário a duas figuras notáveis do juslaborismo nacional, Alice Monteiro de Barros e Amauri tória Constitucional do Brasil. Brasília: OAB Mascaro Nascimento, que dedicaram toda uma vida ao engrandecimento do Direito do Trabalho, através de um sacerdócio árduo e incansável, Editora, 2004. São Paulo: LTr, 2000. seja no magistério ou na magistratura, onde sempre brilharam pelas suas judiciosas lições de direito e que legaram para a posteridade obras jurí- dicas de grande envergadura que durante anos a fio moldaram a inteligência jurídica nacional.
136 137 onde facilmente seria possível ao patronato ce dos indices otimizadores da prosperidade para que as relações coletivas de trabalho de sua livre escolha, bem como o direito de romper uma ou outra vara, não tendo força, empresarial. adotassem, pouco a pouco, uma fisionomia nelas se inscrever, a par de estabelecer um todavia, para destruir o feixe inteiro. nitidamente institucional, assim estabelecida conjunto de garantias que objetivavam o livre Diante da realidade irreversível da globali- no âmago de cada nação, tudo coincidindo funcionamento das organizações de classe, E dentro desta perspectiva da união coleti- zação no mundo moderno, onde as empre- com a expansão e o aprofundamento da no- devendo as autoridades públicas se absterem va de trabalhadores, a partir de instrumentos sas procuram ao máximo obter lucros escor- ção de democracia. de toda e qualquer intervenção, não poden- legais postos à sua disposição pelo moderno chantes em detrimento da real valorização do seja dissolvê-las ou suspender pela via ad- Estado Democrático de Direito, sempre sob a do trabalho humano, os sindicatos são con- Vemos assim, pouco a pouco, sendo cria- ministrativa seu livre funcionamento. tutela inafastável do sindicato de classe, re- tinuamente desafiados para não só adquirir das instituições de amparo ao trabalho digno presenta um papel relevantíssimo a chama- uma melhor expressividade, que se mensura e decente, à medida em que se acirrava a A Convenção 98 (1949) prevê a proteção da liberdade sindical principalmente quando através do raio de ação de sua representati- exploração capitalista, cujo objetivo era ex- contra a discriminação sindical, a proteção aliada ao imprescindível diálogo social, cer- vidade em face dos integrantes da categoria, plorar ao máximo a força de trabalho do ser das organizações de trabalhadores e de em- tamente, as ferramentas como também são leva- humano, sem oferta de nenhuma contrapar- pregadores contra todos os atos de ingerên- mais importantes propicia- dos a intensificar ao má- tida salutar, seja em termos de salários condi- cia estatal em seu funcionamento, a par de das pelo Direito Coletivo Vemos assim, ximo as possibilidades zentes ou de condições seguras de trabalho, adotar medidas objetivando promover e fa- do Trabalho para se alcan- pouco a pouco, de um diálogo social. pois o que imperava nesse odioso mundo ca- vorecer a negociação coletiva. çar um quadro estável de pitalista eram as mansardas do proletariado, justiça social, de defesa e sendo criadas Melhor representati- massa servil que não conseguia retirar de sua Em virtude dessa convenção, os trabalha- de reforço dos princípios instituições de vidade e uso constante força de trabalho o mínimo necessário para dores devem se beneficiar de uma proteção democráticos que devem do diálogo social são as ter uma vida respeitosa. adequada contra os atentados à liberdade sin- inspirar as nações livres do amparo ao ferramentas imprescin- dical, especialmente contra toda e qualquer mundo civilizado. trabalho digno díveis para que os sindi- Após a primeira guerra mundial, surgiram medida que tenha como objetivo subordinar catos possam arrostar, os primeiros sinais de uma tomada de cons- o emprego de um trabalhador à condição de O que se observa em e decente. de forma decente, uma ciência a respeito de uma coordenação de que não se filie a determinado sindicato, ou muitos países do mundo é heterogeneidade sem- forças internacionais mais efetivas que passa- mesmo que dele se dissocie para obter o em- que as organizações sindi- pre crescente do mundo ram a atuar nos planos politicos e social, daí prego, sendo que, de igual sorte, não podem cais, legítimas associações do trabalho, a qual exige porque foram criadas simultaneamente em ser discriminados ou pressionados em virtu- que representam e defendem os direitos respostas diversificadas e adaptadas a cada 1919, a Sociedade das Nações (ancestral das de de sua filiação sindical ou de sua partici- sociais dos trabalhadores, não raro são ob- contexto social. Nações Unidas ) e a Organização Internacio- pação em atividades sindicais. jeto de ataques, principalmente nos países nal do Trabalho. onde se adota uma política neo-liberal, pois Se se observar sua criação e evolução divisam nessas incursões e intervenções à nos diversos países do mundo, constata-se, A Organização Internacional do Trabalho liberdade sindical típicas medidas necessá- de fato, que os sindicatos desenvolveram-se (OIT) adotou em 1948 e 1949 duas conven- rias para que se oponham freios e barreiras progressivamente em exato compasso com ções que enunciam os principais elementos obsoletas para se alcançar a construção de as alterações da economia mundial, tudo da liberdade sindical e do direito de organi- uma pseudo economia moderna, estrutura- provocado e tendo como epicentro a Revolu- zação dos trabalhadores, tendo igualmente da nos moldes do livre mercado, onde o tra- ção Industrial, de cujo seio surgiram paulati- realçado a importância da negociação co- balhador é considerado um mero produto na namente grandes conglomerados industriais. letiva. obtenção da riqueza, reputando-o peça sem nenhum valor, onde despido de sua dignida- O nível miserável de vida dos trabalha- A Convenção 87 ( 1918) consagra o direito de humana, é visualizado como mero fator dores nesta fase de implementação da Re- dos trabalhadores e dos empregadores, sem de produção, quase um empecilho ao alcan- volução Industrial no mundo rendeu balizas prévia autorização, de constituir organizações
138 139 No que pertine ao diálogo social, a pró- cepções diferentes a propósito do papel do Esta experiência de aproveitamento má- de seus trabalhadores, livre do assédio e in- pria Organização Internacional do Trabalho o Estado, principalmente no âmago das rela- ximo de mão de obra barata em países que junções de um capitalismo desvairado. define como inclusivo de todos os tipos de ções existentes entre o capital e o trabalho. não contam com uma legislação social pro- negociação ou pura e simplesmente a troca tetiva acaba gerando problemas de típica Em que consiste realmente o diálogo so- de informações entre os representantes do Tais relações e concepções a respeito do governança mundial, tendo os países mais cial ? governo, os trabalhadores e os empregado- verdadeiro papel do Estado no mundo da evoluidos industrialmente sugerido medi- res, no que pertine a questões de interesse economia e do trabalho foram permitidas ou das de combate ao dumping social, inclusi- Como já foi ressaltado alhures o diálogo comum ligadas à política econômica e social. mesmo provocadas pelas alterações ocor- ve mediante a inserção de cláusulas sociais social é definido pela Organização Interna- ridas nas relações de força existentes entre nos contratos internacionais de comércio, cional do Trabalho como inclusivo de todos eles, e também pela evolução tecnológica objetivando assim um equilibrio mais es- os tipos de negociação ou mais simplesmen- dos meios de comunicação e de transporte, correito da livre competição por mercados, te como a troca de informações entre os re- fatores que favorecem em grande medida a sem a ameaça da chamada concorrência presentantes do governo, os trabalhadores e mundialização das atividades de produção, desleal. os empregadores a propósito de questões de conjugadas ao recurso às subcontratações interesse comum ligadas à política econômi- ocorridas nos países em desenvolvimento. A idéia seria boicotar os países que ado- ca e social. tassem esse tipo de concorrência desleal, Esta subcontratação faz-se sentir em um impondo além de multas pecuniárias e in- O diálogo social pode existir sob a forma primeiro momento naqueles setores onde denizações, a chamada restrição de consu- de um proceso tripartite, atuando o governo predominava uma mão de obra desqualifica- mo de seus produtos no mercado mundial. ora como parte oficial do diálogo ou pode da ou pouco qualificada, com disponibilida- também ser composto de relações bipartites de assim de um bom mercado de trabalho, Trata-se de uma luta inglória porque os entre trabalhadores e empregadores, atuan- depois progressivamente em cenários diver- países mais desenvolvidos industrialmente do as organizações sindicais e patronais, com sificados que dependem de tal mão de obra, são os primeiros a dar o mal exemplo de fa- ou sem participação direta do governo. tida por um bom mercado de trabalho, já zer instalar nos países carentes de proteção que não ostentava a proteção de uma legis- social e de legislação trabalhista eficaz as A consulta pode ser institucionalizada ou lação social ou de um direito do trabalho in- suas multinacionais, obtendo com tais arti- informal, ou uma combinação de ambas. terventivo, não encontrando assim barreiras fícios lucros exorbitantes. à expansão desse tipo de mercantilismo. A consulta pode ostentar um nível nacio- Surge daí a grande importância de uma nal, regional ou ser restrita ao âmbito da em- Tudo isso poderia representar a institucio- internacionalização das organizações de presa. nalização de uma concorrência desleal ou trabalhadores, de sindicatos, que possam mesmo o mero oportunismo de capitalistas combater com armas eficazes a transnacio- A consulta pode ser interprofissional, seto- atraídos pela possibilidade de lucros mais nalização da finança. rial ou uma combinação de ambas. Esse modelo de diálogo social funcionou exorbitantes, aproveitando-se da miséria e da bem naqueles países que optaram pela ado- ausência de organização de países menos Dentro deste contexto crucial de comba- Para que o diálogo social funcione, o Es- ção do Estado-Providência. desenvolvidos ou que em meio a explosões te efetivo à transnacionalização da finança tado não pode adotar uma postura passiva, de desenvolvimento econômico e de aque- exerce papel decisivo o incremento do diá- mesmo quando não figura como o ator direto O Estado do bem-estar social foi colocado cimento de mercado, oferece bolsões de logo social entre as instituições representa- no desenvolvimento do processo interativo. em xeque a partir dos anos 80, tendo como misérias compostos por trabalhadores não tivas de trabalhadores e dos empregadores causa igualmente a queda ou influência de protegidos adequadamente pela legislação com os governos locais e internacionais ob- A função precípua do diálogo é criar um poder do bloco soviético que ocorreu no fim do trabalho, citando-se o exemplo da China jetivando o alcance por parte de todos os clima politico e civil estável, que permita a deste mesmo decênio, fazendo surgir con- e dos chamados tigres asiáticos. países de um nível de vida decente e digno organização de empregadores e de trabalha-
140 141 dores funcionar livremente, sem receio de A CSI tem grande vínculo ou proteção de trabalhadores invisíveis e sem direitos, represálias. peso no cenário in- social. como também porque eles desejam estar ternacional e ocupa em condições de negociar em favor de traba- Mesmo naquelas situações onde as re- um território de lu- A preocupação lhadores organizados segundo os tradicionais lações dominantes são oficialmente bipar- tas e reivindicações aqui é com os traba- esquemas sindicais. tites, é preciso que o Estado forneça uma que se confronta de lhadores imigrantes, peça de sustentação essencial às ações das forma mais favorável costumeiramente ex- Vale ressaltar a dimensão enorme e multi- partes envolvidas no diálogo, colocando à com as grandes em- plorados sob o manto forme dessa economia informal onde não se sua disposição mecanismos jurídicos e ins- presas multinacio- da clandestinidade, aplicam as proteções legais dos trabalhado- titucionais que lhes permitam agir de forma nais. cujo número se eleva res formais e onde são ressentidas organiza- eficaz. em termos globais a ções que possam reagrupar tais trabalhadores De fato, os sin- 191 ( cento e noventa com o objetivo de perseguir uma qualidade A intensificação desse diálogo para o pla- dicatos têm muitas e um ) milhões de pes- de vida mais decente. no internacional, objetivando um concerto dificuldades para soas, sendo todos eles entre as nações e os órgãos institucionais se organizarem e extremamente vulne- Se no âmbito do trabalho informal, degra- representativos de trabalhadores e empre- também de adapta- ráveis em face de sua dante e clandestino, o diálogo social ainda gadores pode em muito contribuir para a rem suas ações ins- exclusão social. não logrou práticas justas de um trabalho dig- erradicação de atos antisindicais e do dum- titucionais frente à no e decente, sua eficácia é cada vez mais in- ping social em escala mundial. volatilidade das ati- Muitos imigrantes tensa no âmbito do trabalho formal, se consi- vidades de empre- trabalham na clandesti- derarmos que as boas práticas laborais foram Muitos estudiosos já propagam que esta endimentos trans- nidade e escapam por alcançadas através desse meio de interação “globalização sindical” já se encontra em nacionais e de sua meios artificiosos de social, sendo exemplo disso, dentre inúmeros curso e cada vez mais se amplia, ou seja, política econômica seus arregimentadores outros, a jornada de oito horas de trabalho, sindicatos expressivos reagrupando um de subcontratações do campo de visão dos a proteção à maternidade, a proteção con- grande número de sindicatos nacionais são e de externalização sindicatos clássicos. tra os acidentes de trabalho, o combate ao criados e estão em pleno desenvolvimento. de suas atividades trabalho escravo e infantil e toda uma gama mais essenciais. Eles – os imigrantes clandestinos são filia- de direitos sociais dos trabalhadores que an- Cite-se como exemplo a criação em dos ao imenso domínio da economia infor- tes de se tornarem perenes nos textos legais 2006 da Confederação Sindical Internacio- Cita-se a miúde o exemplo das zonas mal, que por definição designa atividades incluiram o rol de lutas dos sindicatos de clas- nal (CSI), fruto da aproximação da Confede- francas, onde prevalece a mão de obra do econômicas que, seja no aspecto da legisla- ses e de atores sociais comprometidos com a ração Internacional dos Sindicatos Livres e bom mercado, majoritariamente feminino, ção ou da prática trabalhista, não são cober- dignidade do trabalho humano. a Confederação Mundial do Trabalho. que fica à mercê dos empreendedores in- tos pelas disposições formais de proteção ao ternacionais, tudo com a cumplicidade dos trabalho. Em suma a plena liberdade sindical asso- A Confederação Sindical Internacional governos-sede que aceitam e favorecem o ciada ao diálogo social têm a grande virtude (CSI) conta atualmente com 400 ( quatro- surgimento dessas zonas francas totalmente Os sindicatos reputam da mais alta im- de alcançar para os trabalhadores, seja no centos ) sindicatos que representam 200 ( desobrigadas do cumprimento de um direi- portância constituir organizações no seio da âmbito formal ou informal, condições mais duzentos ) milhões de trabalhadores. to do trabalho e fiscal tutelares. economia informal, porque eles se deram dignas de trabalho, procurando o ponto de conta de que torna-se inadiável aglutinar de equilíbrio entre o capital e trabalho, que há Ela, a CSI, se coloca em posição de van- Deve ser realçado igualmente nesse con- forma mais organizada e institucional a mão de sempre prestigiar a existência de um tra- tagem e de interlocutora de peso para en- texto a exploração impiedosa do trabalho de obra informal, não apenas porque tais tra- balho digno e decente. cetar operações de lobbying junto a Institui- dos imigrantes, um labor marginalizado balhadores alijados do mercado de trabalho ções Multilaterais. porque cada vez mais emprendido sem constituem uma significativa massa operária Belo Horizonte, 24 de junho de 2014.
142 143 Repercussão Geral suscitado pelo Instituto sentadoria especial e uso de equipamento Nacional da Previdência Social, e a maté- de proteção individual. Agravo em Recurso ria, que foi objeto de apreciação pela Cor- Extraordinário n. 664.335. te Suprema no último dia 09, foi concluída. KEY-WORDS: Social Security. Social Se- RESUME curity Law. Social security benefit. Special retirement. Personal protective equipment. This paper discusses about the, recently Granting of special retirement. Special acti- pacified, granting of special retirement to vity. Inappropriate environment. Unhealthy workers who have used during the imple- environment . Precedent Class National Stan- mentation of activities in environments that dardization of Federal Special Court. General damage physical health and integrity, proper Repercussion special retirement and personal and effective personal protective equipment protective equipment use. Grievance in extra- (PPE). There is understanding in the sense that ordinary appeal n. 664.335. there is provision of PPE does not justify the A APOSENTADORIA ESPECIAL E O USO granting of social security benefit since the 1 – INTRODUÇÃO worker is not subjected to the harmful effects DE EQUIPAMENTO DE PROTEÇÃO INDIVIDUAL of harmful environment - heeded thesis by O presente artigo, em que pese a recentíssi- THE SPECIAL RETIREMENT AND THE PERSONAL PROTECTIVE EQUIPMENT Federal Court of Justice. There are also tho- ma decisão prolatada pelo Supremo Tribunal se who advocate that be due to retirement, Federal, nos autos do Recurso Extraordinário 2 even if effective use of PPE, as this can not com Agravo , visa expor as teses que foram 1 cancel at all, the harmful effects of inappro- abordadas a favor e contra a concessão da Lílian Pinho Dias Advogada priate environment, providing, for the benefit, Aposentadoria Especial quando do forneci- repair properly and accurately, the injury to mento efetivo do Equipamento de Proteção the worker. The Supreme Court accepted the Individual – EPI, ou seja, quando o ambiente request of General Effect raised by the Natio- de trabalho é inadequado, porém, os respec- nal Institute of Social Security, and the matter, tivos malefícios não atingem concretamente RESUMO são do benefício previdenciário, uma vez que o trabalhador não se sujeitou aos ma- that was object of apreciattion by the Supre- o trabalhador, em virtude do EPI efetivo que O presente artigo trata da discussão, lefícios do ambiente nocivo – tese acatada me Court. neutralize seus efeitos. recentemente pacificada, acerca da con- pelo Supremo Tribunal Federal. Há, ainda, cessão da aposentadora especial aos tra- os que advogam ser devida a referida apo- PALAVRAS-CHAVE: Seguridade Social. Di- A cizânia então existente passa a não ter balhadores que tenham utilizado, quando sentadoria, mesmo no caso de uso efetivo reito Previdenciário. Benefício previdenciá- mais razão ante a decisão definitiva da Corte da execução das atividades em ambientes do EPI, uma vez que esse não é capaz de rio. Aposentadoria Especial. Equipamento de Suprema, a qual fixou “(...) teses que deverão que causam prejuízos à saúde e integrida- anular, em absoluto, os efeitos maléficos proteção individual. Concessão da aposenta- ser aplicadas a pelo menos 1.639 processos de física, o devido e eficaz equipamento do ambiente inadequado, prestando, pois, doria especial. Atividade especial. Ambien- judiciais movidos por trabalhadores de todo de proteção individual (EPI). Há entendi- o benefício, a reparar devida e exatamen- te inadequado. Ambiente insalubre. Súmula o País que discutem os efeitos da utilização mento no sentido de que havendo forneci- te, o prejuízo causado ao obreiro. O Supre- Turma Nacional de Uniformização do Juiza- de Equipamento de Proteção Individual (EPI) 3 mento do EPI não se justificaria a conces- mo Tribunal Federal acolheu o pedido de do Especial Federal. Repercussão Geral apo- sobre o direito à aposentadoria especial.” 1. Lílian Pinho Dias, advogada, especialista em Direito e Processo do Trabalho pela Universidade Anhanguera-Uniderp; professora de Direito do 2. Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 664335. Trabalho e Seguridade Social no curso técnico Pronatec, na Rede de Ensino CECON/MG. 3. http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=281259
144 145 Assim, no presente artigo, serão expostas Com efeito, segurados que tenham tra- EMENTA: PREVIDENCIÁRIO. APO- a hipótese de exposição do trabalhador aos as correntes, o posicionamento do Tribunal balhado nas situações acima mencionadas SENTADORIA ESPECIAL. ELETRICITÁRIO. agentes nocivos à saúde, devendo ser consi- Nacional de Uniformização do Juizado Espe- possuem o direito de aposentar-se aos vinte COMPROVAÇÃO. APRESENTAÇÃO DE derado todo o ambiente de trabalho. (grifos 5 cial Federal, a decisão final do STF, a tese de e cinco, vinte ou quinze anos , conforme o PPP E DE LAUDO TÉCNICO PERICIAL. nossos) proteção à saúde do trabalhador que, con- caso, como forma de reparação pelo dano UTILIZAÇÃO DE EPI. NÃO DESCARAC- juntamente, à observância do princípio da decorrente das condições especiais. TERIZAÇÃO DA INSALUBRIDADE. JU- O Tribunal Superior do Trabalho, prévia fonte de custeio, não enseje o paga- ROS DE MORA E HONORÁRIOS ADVO- por seu turno, também segue esse mento, às custas da Previdência Social, de A discussão então travada era se o traba- CATÍCIOS. CRITÉRIOS pensamento, evidenciado na Súmula uma situação inexistente. lhador que executa atividades em ambiente 1. Pretensão de aposentadoria es- 289: prejudicial, mas que recebe EPI efetivo que pecial, mediante o reconhecimento INSALUBRIDADE. ADICIONAL. 2 – A CONCESSÃO DA APOSENTADORIA neutralize os efeitos pejorativos do ambiente, do tempo de serviço de natureza es- FORNECIMENTO DO APARELHO DE ESPECIAL E O USO DE EQUIPAMENTO DE faria ou não jus à aposentadoria especial. pecial, compreendido no período de PROTEÇÃO. EFEITO (mantida) - Res. PROTEÇÃO INDIVIDUAL 27/06/1986 a 27/07/2012, cujo pleito 121/2003, DJ 19, 20 e 21.11.2003 Para parte da doutrina a mera exposição foi deferido pelo MM. Juiz sentenciante. A aposentadoria especial é um benefício ao risco seria um fator de concessão, pois Omissis O simples fornecimento do apa- previdenciário pago pelo Instituto Nacional “(...) independe do atingimento da capaci- 8. O uso de EPI não descaracteriza relho de proteção pelo empregador 6 não o exime do pagamento do adi- do Seguro Social (INSS), ao beneficiário se- dade laboral.” . Ou seja, seria absolutamen- a atividade como insalubre. A prevale- gurado que tenha desempenhado suas ati- te prescindível a demonstração do concreto cer o entendimento do Instituto Nacio- cional de insalubridade. Cabe-lhe vidades laborais em ambiente inadequado, prejuízo físico, sendo suficiente a comprova- nal do Seguro Social, em verdade, que tomar as medidas que conduzam à assim considerado aquele prejudicial à sua ção da potencialidade de sua ocorrência, o dariam os trabalhadores, na contramão diminuição ou eliminação da noci- saúde ou à integridade física. risco. Assim tem se manifestado a doutrina, da política nacional de segurança do vidade, entre as quais as relativas ao conforme se segue: trabalho, estimulados a não usarem o uso efetivo do equipamento pelo em- O fator determinante da concessão deste EPI, haja vista que o seu uso afastaria pregado. (grifos nossos) benefício é o exercício em ambiente insalu- (...) o direito ao benefício dispensa, o direito à aposentadoria especial (ou bre que, em razão da exposição à associa- por parte do interessado, a prova de à contagem do tempo de serviço em ção de agentes físicos, químicos ou biológi- ter havido tal prejuízo físico, bastan- condições especiais). 4 do, consoante filosofia da lei, a mera 8 cos, gera um desgaste na vida do obreiro . Omissis. (grifos nossos) Por esta razão, a lei busca reparar financeira- possibilidade de sua ocorrência, isto 7 mente o trabalhador concedendo-lhe apo- é, a probabilidade de risco.” O Enunciado 21 do Conselho de Recur- sentadoria após um período reduzido de sos da Previdência Social (CRPS), reza que labor. Os Tribunais Regionais Federais já proferi- o mero fornecimento do EPI não é capaz de ram inúmeras decisões neste sentido, enten- considerar como não exposto o trabalhador A título de exemplo, cita-se os ruídos, dendo que os EPIs têm bastado, apenas, para a agentes nocivos, pois deve-se analisar todo vibrações, calor e pressão anormal, como reduzir os efeitos pejorativos do labor em o ambiente de trabalho. In verbis. agente nocivo físico; névoas, poeira, gases, ambiente nocivo, de modo que o seu uso como químicos; bactérias, fungos e parasi- não descaracteriza, pura e simplesmente, a O simples fornecimento de equi- tas como agentes biológicos. natureza especial da atividade. pamento de proteção individual de 4. Desde a edição do Decreto n. 2.172/97 (que aprovou o Regulamento dos Benefícios da Previdência Social), não se considera mais como atividades trabalho pelo empregador não exclui especiais as atividades penosas e perigosas, mas tão somente as insalubres. No entanto, o STJ entende que esta restrição não goza de base legal, razão pela qual reconhece a natureza especial de atividades que exponha em risco a integridade física do trabalhador em ambiente periculoso. Cita-se o julgado no Recurso Especial n.1.306.113/SC. 5. Referido tempo foi instituído em 1960, através da Lei n. 3.807/60, e a partir de então, foi mantido pelas legislações subsequentes. 8. ACÓRDÃO - Origem: Tribunal Regional Federal - 5ª Região. Classe: Apelação / Reexame Necessário - Número do Processo: 6. HORVATH JÚNIOR, Miguel. Direito Previdenciário. São Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 207. 08012287320134058300. Código do Documento: 342984. Data do Julgamento: Órgão Julgador: Quarta Turma Relator: Desembargador Federal 7. MARTINEZ, Wladimir Novaes. Questões atuais envolvendo a aposentadoria especial, in Revista de Previdência Social, n. 217, dez/1998, p. 1.049-1.055 Bruno Teixeira (Convocado).
146 147 Por fim, a Súmula 09 da TNU, especifica- Percebe-se, pois, claramente, que o foco É mister a aplicação concreta, imediata e também acaba sendo ignorado neste caso, mente quanto ao agende nocivo “ruído” dis- do benefício especial em análise é a saúde efetiva das normas de proteção à saúde e não já que ao se conceder o referido benefício, põe que: do trabalhador, o que é corroborado pelo a concessão de benefício previdenciário que sem ter havido a contraprestação do em- ordenamento jurídico, notadamente pela repare o dano já impingido. Este é o objetivo pregador no caso de EPI neutralizador, o O uso de Equipamento de Prote- Constituição da República (CR), no inciso principal da lei e a prova disto é que cessado prejuízo estaria sendo de toda a sociedade. ção Individual (EPI), ainda que elimi- XXII, do art. 7º, ao deixar claro a necessida- o contato com o agente agressor, não é mais ne a insalubridade, no caso de expo- de de normas de saúde, higiene e segurança devido o pagamento de adicional. A palpitante decisão do Supremo pare- sição a ruído, não descaracteriza o que reduzam os riscos inerentes ao trabalho. ce ter se atentado para esta realidade, haja tempo de serviço especial prestado. Caso o fornecimento do EPI seja eficaz e vista que a partir de agora o Princípio da (grifos nossos) Deste modo, o primordial não seria dis- neutralize a nocividade do meio ambiente Isonomia, outrora desrespeitado, não mais cutir-se o deferimento ou não de aposenta- de trabalho, torna-o, pois, o será já que emprega- Para esses posicionamentos – outrora dorias desta natureza, mas sim a fundamen- como se abaixo dos limites É mister a aplicação dos que laborem em cristalizados, o fornecimento ou não do EPI tal proteção à integridade físico-psíquica do de tolerância – estabeleci- concreta, imediata ambiente não insalubre seria indiferente para fins de caracterização obreiro evitando-se a sua exposição a agen- dos no art. 68 do Decreto não farão jus, igualmen- do labor em ambiente insalubre, bastando 10 e efetiva das normas tes nocivos, protegendo-o dos malefícios la- 3048/99 , estivesse o tra- te, a aposentadoria es- a simples circunstância de sê-lo inadequado borativos e poupando-o das consequências balhador, já que ele não de proteção à saúde pecial. para resultar na concessão da Aposentadoria desfavoráveis. sofre os reflexos do am- e não a concessão Especial. biente nocivo. de benefício Explica-se: com toda Ocorre, no entanto, que não se verifica a cizânia doutrinária, Antes, todavia, de mencionar o entendi- no Brasil a adoção do sistema de proteção Diante desta visão, um previdenciário que até a publicação da mento oposto ao acima asseverado, é salutar à saúde do empregado, mas sim a prática trabalhador que atua em repare o dano decisão do STF, empre- destacar a finalidade do benefício especial, diuturna do método denominado “Mone- ambiente inadequado, mas já impingido. gados sem os efeitos conforme as lições de Maria Lúcia Luz Leiria: tarização do Risco”, que consiste em com- que, no entanto, usufrui de maléficos do ambiente pensar o trabalho exercido em condições EPI eficaz que neutraliza a laboral – seja porque A finalidade do benefício de apo- especiais, contrariando toda a sistemática nocividade do ambiente efetivamente nele não sentadoria especial é sua SAÚDE, protetiva. laboral, não faria jus ao recebimento da apo- executavam suas atividades, seja porque reduzindo o tempo de serviço/con- sentadoria especial. Este, inclusive, é o novel utilizavam EPI eficaz –, gozavam de trata- tribuição para fins de aposentadoria. Os índices de acidentes de trabalho e do- posicionamento do STF, externado nos autos mento diferenciado, pois, aquele que la- Tem, pois, como fundamento o tra- enças ocupacionais apurados (vide anexo), do ARE nº 664335 que, por decorrer de deci- borava em atividades prejudiciais, porém, 11 balho desenvolvido em atividades demonstram dois pontos essenciais, quais são com repercussão geral , vincula todos os com uso efetivo de EPI (logo, sem sofrer os 12 ditas insalubres. Pela legislação de sejam, a ineficácia do sistema de compen- demais órgãos do poder judiciário . efeitos maléficos do ambiente), fazia jus a regência, a condição, o pressuposto sação – uma vez que não elimina e, menos aposentadoria especial pelo mero fato de determinante do benefício está liga- ainda, inibe as agressões à saúde do traba- Ora, como já salientado, hodiernamen- ter estado exposto a tal ambiente, em con- do à presença de agentes perigosos lhador; e que o sistema não está realmente te nota-se que o preceituado pelo Princípio trapartida, aquele que também não sofria ou nocivos (químicos, físicos ou bioló- focado na proteção à saúde do trabalhador, da Proteção tem sido olvidado em favor da os efeitos maléficos do ambiente, desta vez gicos) à saúde ou à integridade física pois, se assim estivesse, diante dos índices monetarização do risco. O Princípio da Pre- pelo fato de em tal local não atuar, não pos- do trabalhador, e não apenas àque- alarmantes, teria adotado medida interrup- cedência da Fonte de Custeio, por sua vez, suía este direito. las atividades ou funções catalogadas tiva dos danos à saúde laboral e não permi- 9 tido o crescimento das reparações. em regulamento . (grifos nossos) 10. O anexo IV do Decreto traz a relação (enumerativa e não exaustiva) dos agentes nocivos químicos, físicos e biológicos. Ele é mencionado no caput do art. 68 do Decreto. 11. As decisões proferidas em sede de Recurso Extraordinário geram eficácia erga omnes e efeito vinculante aos demais órgãos do Poder 9. LEIRIA, Maria Lúcia Luz. Direito previdenciário e estado democrático de direito: uma (re)discussão à luz da hermenêutica. Porto Alegre: Judiciário na solução de casos cuja discussão seja idêntica ao apreciado pelo STF. Livraria do Advogado, 2001, p. 164. 12. Vide artigos 543-A e 543-B do Código de Processo Civil.
148 149 Mesmo havendo toda a desarmonia acer- representativa a ser proferida pelo STF Por fim, e não menos importante, é salutar Contudo, na eventualidade de haver dúvi- ca do tema, muitas decisões já acompanham condiciona o julgamento do pedido de destacar que se o próprio direito do trabalho, das sobre a real eficácia do EPI, a manifesta- este último entendimento. In verbis. uniformização. Caso a Corte entenda cujo caráter é mais protetivo que a Segurida- ção já estampada no acórdão prolatado é a que o reconhecimento de atividade es- de Social, entende que a concessão de EPI de que deverá ser reconhecido ao benefício Ementa: ATIVIDADE ESPECIAL. EPI pecial sem correlata obrigação do em- efetivo afasta o pagamento do respectivo adi- previdenciário em homenagem ao Princípio 14 EFICAZ. SOBRESTAMENTO DO PRO- pregador em recolher a contribuição cional de insalubridade , consoante se de- do In Dubio pro Operario. CESSO NA TURMA RECURSAL. OMIS- adicional para o SAT ofende o princípio preende dos termos do item 15.4.1 da NR-15 15 SÃO DO ACÓRDÃO RECORRIDO. PRE- da preservação do equilíbrio financeiro da Portaria 3214/78 e art. 191 da Consolida- 16 JUÍZO NO JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE e atuarial e da necessidade de prévia ção das Leis do Trabalho – CLT. , conclusão DO PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO. fonte de custeio, o uso de EPI eficaz de- diversa geraria uma incoerência no ordena- MATÉRIA DE ORDEM PÚBLICA. ANU- verá ser levado em conta para desca- mento jurídico, que é UNO. LAÇÃO DE OFÍCIO DO ACÓRDÃO RE- racterizar o enquadramento da ativida- CORRIDO. 1. Período de 13/07/2001 de especial. 3. Período de 01/10/2002 Diante das assertivas acima, com a devida a 30/09/2002. O acórdão recorrido a 12/10/2009. O requerente alegou vênia, os posicionamentos contrários terão considerou que a exposição a agentes que o acórdão recorrido não reco- que se curvar, pelo menos em concreto, à químicos ficou descaracterizada por nheceu a aplicação do fator 2,33 para recentíssima decisão proferida pelo Pretório causa do uso de EPI – equipamento conversão de atividade especial em Excelso, cujos termos seguem: de proteção individual. O autor arguiu comum. Ocorre que, especificamente divergência jurisprudencial apontan- em relação a esse período de tempo “o direito à aposentadoria especial do acórdãos paradigmas segundo os de serviço, o acórdão recorrido não pressupõe a efetiva exposição do tra- quais o uso de EPI não descaracteriza analisou qual seria o fator de conver- balhador a agente nocivo a sua saú- atividade especial. 2. O pedido de uni- são aplicável. A sentença reconhe- de, de modo que se o Equipamento formização de jurisprudência envolve ceu atividade especial nesse período de Proteção Individual (EPI) for real- a seguinte questão: o fato de o traba- e condenou o INSS a convertê-lo em mente capaz de neutralizar a nocivi- lhador utilizar equipamento de prote- tempo comum mediante a utilização dade, não haverá respaldo à conces- ção individual (EPI) capaz de reduzir do fator de multiplicador 1,40. O autor são constitucional de aposentadoria os efeitos nocivos de um agente insa- interpôs recurso inominado pedindo a 17 especial” (destaques nossos). lubre afasta o seu direito à contagem aplicação do fator de conversão 2,33. do tempo de serviço especial para a E o acórdão ficou omisso nesse ponto. aposentadoria? No Recurso Extraor- 4. Omissis. 5. Acórdão anulado de ofí- 14. Ementa: AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. ADICIONAL DE INSALUBRIDADE. EPI. IDENTIFICAÇÃO DO FABRICANTE OU dinário com Agravo nº 664.335, de cio. Prejudicado o pedido de uniformi- IMPORTADOR E FALTA DO CERTIFICADO DE AUTORIZAÇÃO. A existência ou não do nome do fabricante ou importador, no equipamento, não foi relatoria do Ministro Luiz Fux, o Plená- zação de jurisprudência. Baixados os prequestionada (Súmulas nºs 126 e 297 do TST). Reconhecida a plena eficácia do EPI fornecido pela reclamada, ainda que o equipamento não autos à Turma Recursal de origem, o se apresente com o certificado de autorização do Ministério do Trabalho, o caso bem se enquadra na hipótese de neutralização por medida de rio do Supremo Tribunal Federal reco- ordem geral (art. 191 da CLT c/c o item 15.4.1 da NR-15), vez que constatada a proteção ao trabalhador. A autorização oficial pressupõe a garantia nheceu a existência de repercussão processo deverá ficar sobrestado até o de proteção. Porém, a proteção eficaz deve prevalecer sobre as formalidades legais, tendo em vista que se coaduna com a própria previsão legal. STF julgar o recurso representativo de Agravo de instrumento a que se nega provimento. [TST. Processo: AIRR 5976600212002502 5976600-21.2002.5.02.0900 Relator(a): Pedro Paulo geral da questão constitucional à luz Manus Julgamento: 27/08/2008. Órgão Julgador: 7ª Turma, Publicação: DJ 05/09/2008.] (grifos acrescidos). dos artigos 195, § 5º, e 201, caput e § controvérsia sobre o uso de EPI eficaz 15. 15.1 São consideradas atividades ou operações insalubres as que se desenvolvem: 15.4.1 A eliminação ou neutralização da insalubridade deverá ocorrer: 13 1º, da Constituição Federal. A decisão (ARE nº 664.335). (grifos acrescidos) a) com a adoção de medidas de ordem geral que conservem o ambiente de trabalho dentro dos limites de tolerância; b) com a utilização de equipamento de proteção individual. 15.4.1.2 A eliminação ou neutralização da insalubridade ficará caracterizada através de avaliação pericial por órgão competente, que com- prove a inexistência de risco à saúde do trabalhador. (grifos acrescidos) 13. Processo PEDILEF 50102600720124047009 PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO DE INTERPRETAÇÃO DE LEI FEDERAL Relator(a) JUIZ FEDERAL LUIZ 16. Art . 191 - A eliminação ou a neutralização da insalubridade ocorrerá: CLAUDIO FLORES DA CUNHA Sigla do órgão TNU Data da Decisão 12/06/2013 Fonte/Data da Publicação DOU 28/06/2013 pág. 114/135 Decisão I - com a adoção de medidas que conservem o ambiente de trabalho dentro dos limites de tolerância; Acordam os membros da Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais, por maioria, anular o acórdão recorrido e declarar II - com a utilização de equipamentos de proteção individual ao trabalhador, que diminuam a intensidade do agente agressivo a limites de prejudicado o incidente de uniformização. tolerância. 17. Trecho contido na fundamentação do acórdão.
150 151 sequências pejorativas do labor, da mesma ANEXOS forma que jamais se poderá impingir à autar- quia federal o pagamento de aposentadoria O número total de acidentes de trabalho registrados no Brasil aumentou de 709.474 casos especial àquele que em situação maléfica em 2010 para 711.164 em 2011. não estava, sob pena de se ferir a preconiza- da isonomia constitucional, bem como a pre- Acidentes de Trabalho registrados 2007-2011 cedência da fonte de custeio já esplanadas. Sendo assim, no presente momento, dian- te do teor da decisão proferida pela Corte Su- prema, a desavença doutrinária sobre o tema objeto do presente artigo, até surgimento de eventual mudança legislativa, terá que se manter exclusivamente na seara doutrinária, posto que concretamente imperará os co- mandos da maior instância do poder judici- ário brasileiro. REFERÊNCIAS - CASTRO, Carlos Alberto Pereira de, LAZ- CONCLUSÃO ZARI, João Batista. Manual de direito previ- denciário. 16.ed. – Rio de Janeiro: Forense, O tema ora discutido justifica-se apenas 2014. em sede doutrinária, não sendo, por ora, ca- paz de contribuir para um deslinde diverso - AMADO, Frederico. Direito Previdenciá- da decisão exarada, recentemente, pelo Su- rio. In: GARCIA, Leonardo de Medeiros (Co- premo Tribunal Federal, nos autos do ARE ord.). Coleção Sinopses para concursos. 3. 664335, haja vista o respectivo trânsito em ed. Juspodium: Bahia, 2013. julgado ocorrido em 04 de março do corren- te ano. Entretanto, o peso dos argumentos - HORVATH JÚNIOR, Miguel. Direito Previ- dissonantes, futuramente, pode sim ensejar a denciário. São Paulo: Quartier Latin, 2005. mudança de entendimento, pois o Direito é uma ciência aberta a ajustes e está, a todo o - LEIRIA, Maria Lúcia Luz. Direito previ- tempo, buscando efetivamente concretizar a denciário e estado democrático de direito: justiça e levar a igualdade entre os cidadãos, uma (re)discussão à luz da hermenêutica. extirpando as injustiças e desigualdades por- Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001. ventura detectadas. - MARTINEZ, Wladimir Novaes. Questões O que não se pode é permitir que o traba- atuais envolvendo a aposentadoria especial, lhador efetivamente atingido pelo ambiente in Revista de Previdência Social, n. 217, Número total de acidentes fatais no período comparativo de 2007 a 2001. Fonte: MPAS inadequado sofra unilateralmente as con- dez/1998. Fonte: sítio TST: http://www.tst.jus.br/web/trabalhoseguro/dados-nacionais.
152 153 Acidentes de trabalho registrados em 2011 Dados percentuais por macrorregião
154 155 se elaborar um redesenho dos ordenamentos Walber de Moura Agra informa que jurídicos vigentes à época, objetivando alocar a Constituição no ponto central e mais importante o neoconstitucionalismo tem como do ordenamento, estabelecer como essência e uma de suas marcas a concretização fim deste sistema político-jurídico o homem, por das prestações materiais prometidas meio do resguardo jurídico de sua dignidade pela sociedade, servindo como fer- e de seus direitos fundamentais, o que mostra ramenta para a implantação de um sua vocação axiológica, e a inclusão, nos docu- Estado Democrático Social de Direito. mentos normativos, de princípios e conceitos Ele pode ser considerado como um jurídicos indeterminados, de forma a possibilitar movimento caudatário do pós-moder- um “espaço” maior de interpretação e raciocí- nismo. Dentre suas principais caracte- nio jurídico do intérprete e aplicador do Direito, rísticas, podem ser mencionadas: a) criando-se uma nova dogmática de hermenêu- positivação e concretização de um tica constitucional. catálogo de direitos fundamentais; b) onipresença dos princípios e das re- As Constituições europeias, neste contexto, gras; c)inovações hermenêuticas; d) NEOCONSTITUCIONALISMO: do ponto de vista material, deixam de ser meros densificação da força normativa do documentos retóricos e de inspiração política e Estado; e)desenvolvimento da justiça UMA NOVA VISÃO DO DIREITO passam a ter força normativa, aplicação de seus 2 distributiva . preceitos (especialmente dos direitos fundamen- tais) aos casos concretos, servindo necessaria- Acrescenta ainda que o modelo normativo Manfredo Schwaner Gontijo mente de referência e orientação à produção, neste Constitucionalismo é o axiológico e “o ca- Servidor do TRT 3ª Região à interpretação e à aplicação das normas infra- ráter ideológico do constitucionalismo moderno constitucionais, em razão de sua característica era apenas o de limitar o poder, o caráter ideo- de centralidade do sistema. lógico do neoconstitucionalismo é o de concre- 3 tizar os direitos fundamentais. Caracterização bém possibilitaram que os réus se defendessem Pedro Lenza informa que das acusações que lhe foram perpetradas. Não Vale destacar que é nesta fase que surgem O Neoconstitucionalismo, fundado na filoso- obstante, o Tribunal, ao decidir, inovou, descon- a lei e, de modo geral, os Pode- os direitos chamados de 3ª dimensão, chama- fia neopositivista (pós-positivista) foi um movi- siderando os postulados da escola exegética, na res Públicos, então, devem não só dos difusos, quais sejam, o direito à paz, ao meio mento de transformação do Estado e do Direito, qual a lei se confundia com o Direito, e proferiu observar a forma prescrita na Cons- ambiente, ao desenvolvimento, entre outros. em especial da Constituição, que surge, na Eu- sua decisão levando em consideração valores tituição, mas, acima de tudo, estar Eles são incluídos nas Cartas Constitucionais ela- ropa, na segunda metade do século XX, tendo essenciais da sociedade, criando, desta forma, em consonância com o seu espírito, boradas após o fim da 2ª Guerra Mundial. como um dos principais marcos o julgamento um positivismo moderado. Daí em diante e não o seu caráter axiológico e os seus ocorrido na cidade de Nüremberg, Alemanha, se podendo mais admitir violações de direito le- valores destacados.” No aspecto for- Alex Muniz Barreto citando Gilmar Mendes, no período compreendido entre 1945 e 1949. galizadas, passa a haver, gradativamente, uma mal, ela assume a posição suprema Inocêncio Coelho e Paulo Branco informa que inter-relação entre o direito e a moral, na sua for- do ordenamento jurídico, irradian- o Neoconstitucionalismo tem as seguintes ca- 1 Tal julgamento exemplificou, de forma clara, ma de interpretação e aplicação. do toda a sua força sobre ele . racterísticas “a) mais Constituição do que leis; os paradoxos do positivismo clássico, na medi- da em que as mesmas leis que possibilitaram No entanto, para que se viabilizasse uma lei- aos juízes que condenassem nazistas por atro- tura moral do Direito, com a inclusão dos valores 1. LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 16 ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 63. cidades cometidas contra seres humanos tam- na sua interpretação e aplicação, foi necessário 2. AGRA, Walber de Moura. Curso de direito constitucional. 4 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008. p. 31. 3. AGRA, Walber de Moura. Curso de direito constitucional. 4 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008. p. 31.
156 157 b)mais juízes do que legisladores; c) mais ção da República de 1988, que segundo o das. Aliás, o marco inicial desse des- Paulo Bonavides informa que “a ideia de princípios do que regras; d) mais pondera- professor Kildare, sofreu fortes influências prestígio deu-se com o término da princípio, segundo Luis-Diez Picazo, deriva da ção do que subsunção; e)mais concretiza- do jurista português Gomes Canotilho e do Primeira Guerra Mundial, quando os linguagem da geometria, onde designa ver- 4 5 dades primeiras”. Acrescenta, ainda, a defini- ção do que interpretação. ” jusfilósofo socialista espanhol Elias Diaz. constituintes, não se contentando em organizar o poder político, inseriram, ção de Crisafulli, de 1952, qual seja Pode-se dizer que o Neoconstitucionalis- Esta Constituição conseguiu promover na seara constitucional, normas eco- 6 mo marca uma transição de um Estado Le- uma eficiente transição entre o Estado au- nômicas e constitucionais. ” princípio é, com efeito, toda norma gislativo de Direito, influenciados pela dou- toritário existente à época da ditadura mi- jurídica, enquanto considerada como trina inglesa de supremacia do Parlamento litar e o Estado Democrático de Direito. determinante de uma ou de muitas ou- e da francesa com enfoque na lei, como Já nos seus primeiros artigos consagra os Princípios e Regras Constitucionais expressão do povo, para um Estado Cons- fundamentos e os objetivos da República, tras subordinadas, que a pressupõem, titucional de Direito, influenciado pela su- a separação dos poderes estatais, o prin- Faz-se necessário, primeiramente, esta- desenvolvendo e especificando ulte- premacia da Constituição do modelo ame- cípios aplicáveis nos âmbitos internos e belecer a conceituação e a distinção entre riormente o preceito em direções mais ricano, tendo como referências europeias a externos do Estado, os direitos e garantias princípios e regras constitucionais, pois, no particulares (menos gerais), das quais Constituição da Itália (1947), da Alemanha fundamentais e afirma o Supremo Tribunal Neoconstitucionalismo, para se atender ao determinam, e portanto resumem, po- (1949), de Portugal (1976) e da Espanha Federal como o Órgão de jurisdição consti- clamor pela concretização dos direitos fun- tencialmente, o conteúdo: sejam, pois, (1978) e na América do Sul, a Constituição tucional, o que revela, com clareza, a sua damentais, os princípios se elevaram à cate- estas efetivamente postas, sejam, ao Brasileira de 1988. aptidão à corrente neoconstitucionalista. goria de normas, pois passaram a prescrever contrário, apenas dedutíveis do respec- 8 um “dever ser” e consequentemente, adqui- tivo princípio geral que as contém. Subsequentemente à elaboração das Como críticas mais comuns ao Neocons- riram força normativa. Segundo Robert Alexy, Cartas Constitucionais foi necessária a cria- titucionalismo podem ser citadas as seguin- “Princípios são, tanto quanto regras, razões ção de Tribunais Constitucionais, os quais tes: totalitarismo constitucional; inclusão de para juízos concretos de dever-ser, ainda que 7 teriam a função de guardiões das normas matérias supérfluas e em demasia na Cons- de espécies muito diferentes. ” Doutrinaria- previstas nas referidas Cartas. Estes Tribu- tituição, como normas de índole financei- mente, pode-se dizer que norma é gênero da nais surgiram em diversos países, destacan- ra, cultural, educacional e esportiva, oca- qual são espécies princípios e regras. do-se os seguintes: Alemanha (1951), Itália sionando sua banalização; existências de (1956), Chipre (1960), Turquia (1961), Grécia normas contraditórias no texto constitucio- Princípio, palavra derivada do latim prin- (1975), Espanha (1978), Portugal (1982), Bél- nal, o que gera a perda de sua autoridade cipium, significa ponto de partida e o seu gica (1984), Polônia (1986), Argélia (1989), e unidade; falta de efetividade das normas conjunto revela os valores que dão origem Hungria (1990), Rússia (1991), República programáticas. ao ordenamento jurídico. Eles são os seus Tcheca (1992), Romênia (1992), República pilares, a sua fundamentação e irradiam por Eslovaca (1992), Eslovênia (1993), África Uadi Lammêgo Bulos assevera todo o conjunto de normas. Os princípios dos Sul (1996) e Moçambique (2003). orientam os legisladores no trabalho de ela- o certo é que, na contemporanei- boração da lei, orientam os intérpretes em No Brasil, o movimento neoconstitucio- dade, a ampliação do contéudo das sua função hermenêutica e os aplicadores nalista chegou tardiamente, algumas dé- constituições acabou desvalorizan- da norma na concretização fática do direito. cadas após o seu início na Europa, e teve do-as. Elas não mais gozam daquele Além destas funções tradicionais, são eles, como marco a promulgação da Constitui- respeito de outrora. Foram banaliza- ainda, a própria norma a ser aplicada ao caso concreto. 4. BARRETO, Alex Muniz. Direito constitucional positivo. Leme, São Paulo: Edijur, 2013. p. 73. 6. BULO, Uadi Lammêgo. Curso de direito constitucional. 3 ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 24. 5. CARVALHO, Kildare Gonçalves. Direito constitucional – Teoria do Estado e da Constituição – Direito Constitucional Positivo. 16 ed. 7. ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais - Tradução de Virgílio Afonso da Silva. 5 ed. alemã. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 87. Belo Horizonte: Del Rey, 2010. p. 271. 8. BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 18 ed. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 255-257.
158 159 Curioso mencionar que os Princípios Ge- O mesmo autor apresentas as distinções zirem os seus efeitos. Elas não são rais de Direito eram, na doutrina positivista, a segundo Dworkin: somente expressão de um ser, mas última fonte a ser consultada, haja vista a pre- também de um dever ser. visão contida no artigo 4º, da antiga Lei de 1 – os princípios não exigem um Introdução ao Código Civil – LICC. No entan- comportamento específico, isto é, Konrad Hesse vincula esta força to, esta situação se transformou, na medida estabelecem ou pontos de partida normativa ao pressuposto de eficá- em que estes princípios sagraram-se normas ou metas genéricas; as regras, ao cia da Constituição. Segundo este aptas a serem imediatamente aplicada. contrário, são específicas ou em autor, tal eficácia se concretizará se pautas; 2 – os princípios não são as normas da Constituição forem Regras podem ser conceituadas como aplicáveis à maneira de um ‘tudo elaboradas em consonância com enunciados normativos que prescrevem fatos ou nada’(all or nothing), pois enun- a história, com os anseios, com os e condutas intersubjetivas, a serem aplicadas ciam uma ou algumas razões para aspectos políticos, econômicos, so- diretamente pelo operador do direito. Elas decidir em determinado sentido, ciais, culturais e com as tendências são, em sua essência, reflexos dos princípios sem obrigar uma decisão particu- dominantes da sociedade, se hou- e valores cultivados pela sociedade. lar; já as regras enunciam pautas ver uma vontade das pessoas em dicotômicas, isto é, estabelecem cumprir os seus comandos (vontade Com relação à diferenciação entre prin- condições que tornam necessá- de Constituição) e, principalmente, cípios e regras, Alexy menciona os critérios ria sua aplicação e consequências se ela incorporar o estado espiritu- da generalidade, da determinabilidade dos que se seguem necessariamente; al de seu tempo (geistige Situation). casos de aplicação, da forma de seu surgi- 3 – os princípios tem um peso ou Acrescenta-se, ainda, a este rol a mento, do caráter explícito de seu conteúdo importância relativa (dimension of capacidade da Constituição de se 9 axiológico e das razões de sua origem . weight), ao passo que as regras tem adaptar a novas situações, o que uma imponibilidade mais restrita; será possível por intermédio do ma- Kildare Gonçalves Carvalho, citando Ca- assim, os princípios comportam nejo de princípios constitucionais, notilho, apresenta os seguintes critérios dis- avaliação, sem que a substituição os quais evitam o sue engessamen- tintivos: de um por outro de maior peso sig- to da Carta. Como última condição a) Grau de abstração: os princí- nifique a exclusão do primeiro.; já Pode-se afirmar, de maneira geral, que de eficácia, assevera o autor que a Constitui- pios são normas com um grau de as regras, embora admitam exce- na aplicação de princípios utiliza-se como ção não deve ter como pilar uma estrutura abstração relativamente elevado; as ções, quando contraditadas provo- método a ponderação, lembrando que eles unilateral, devendo prever parte da estrutura regras possuem um abstração relati- cam a exclusão do dispositivo co- podem ser aplicados em graus diferentes de- contrária, ou seja, aos direitos fundamentais vamente reduzida. b) Grau de deter- lidente; 4 – o conceito de validade pendendo da situação jurídica em análise, e deve se contrapor os deveres, à divisão de minabilidade na aplicação do caso cabe bem para as regras (que ou na aplicação de regras utiliza-se a tradicional poderes deve se contrapor uma dose de con- 12 concreto: os princípios, por serem são válidas ou não o são), mas não subsunção. centração de poder, entre outras situações . vagos e indeterminados, carecem para os princípios, que, por serem Força Normativa da Constituição A normatividade da Constituição pressu- de mediações concretizadoras, en- submetidos à avaliação de impor- põe, como toda regra dotada do atributo da quanto as regras são suscetíveis de tância, mais bem se encaixam no Força normativa da Constituição significa imperatividade, que a sua inobservância en- 10 11 aplicação direta . conceito de legitimidade. seja a aplicação de medidas de coação. Não a aptidão e o poder que as normas constitu- cionais (princípios e regras) têm para produ- obstante, afirma Luis Roberto Barroso que “o 9. ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais - Tradução de Virgílio Afonso da Silva. 5 ed. alemã. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 87 e 89. 10. CANOTILHO, José Joaquim Gomes apud CARVALHO, Kildare Gonçalves. Direito constitucional – Teoria do Estado e da Constituição – Direito Constitucional Positivo. 16 ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2010. p. 666. 11. DWORKIN apud CARVALHO, Kildare Gonçalves. Direito constitucional – Teoria do Estado e da Constituição – Direito Constitucional Positivo. 16 ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2010. p. 666. 12. HESSE, Konrad. A Força Normativa da Constituição. Trad. Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor. 1991. p. 20-21.
160 161 desenvolvimento doutrinário e jurispruden- ção da crescente conquista da eficácia social DJ 11.3.2005); b) resulte da inércia 12/11/2013 cial na matéria não eliminou as tensões inevi- das Constituições, atributo bastante concla- do próprio aparato judicial em aten- RECURSO ORDINÁRIO EM MAN- táveis que se formam entre as pretensões de mado pelos doutrinadores do neoconstitu- dimento ao princípio da razoável DADO DE SEGURANÇA 17.735 MATO normatividade do constituinte, de um lado, cionalismo. duração do processo, nos termos do GROSSO e, de outro lado, as circunstâncias da realida- art. 5º, LXXVIII (cf.: HC 85.237/DF, rel. RELATOR :MIN. LAURITA VAZ de fática e as eventuais resistências do status Aspecto que vale ressaltar é o atual mo- Min. Celso de Mello, Pleno, unânime, SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA quo”. vimento de judicialização das relações polí- DJ 29.4.2005; HC 85.068/RJ, rel. Min. ticas e sociais, iniciado após 1988, na qual o Sepúlveda Pertence, 1ª Turma, unâ- “É cabível a impetração de manda- Poder Judiciário tem um papel fundamental nime, DJ 3.6.2005; HC 87.164/RJ de do de segurança contra ato adminis- na concretização dos valores previstos na minha relatoria, 2ª Turma, unânime, trativo que impôs sanção disciplinar Constituição, por intermédio de seus julga- DJ 29.9.2006; HC 86.850/PA, rel. Min. de demissão ao servidor, porquanto os mentos, demonstrando assim a força de suas Joaquim Barbosa, 2ª Turma, unâni- atos administrativos comportam con- normas. me, DJ 6.11.2006; e HC 86.346/SP, trole jurisdicional amplo. Nesses casos, rel. Min. Joaquim Barbosa, 2ª Turma, o controle não se limita aos aspectos Lembra-se, ainda, da gradativa força nor- unânime, DJ 2.2.2007); ou, c) seja in- legais e formais do procedimento. mativa que as normas programáticas vêm compatível com o princípio da razo- Deve o Poder Judiciário examinar a ra- adquirindo ao longo dos anos, por meio da abilidade (cf.: HC 84.931/CE, rel. Min. zoabilidade e a proporcionalidade do aplicação dos princípios na solução das lides, Cezar Peluso, 1ª 8 Turma, unânime, ato, bem como a observância dos prin- alcançando, desta forma, os objetivos intrín- DJ 16.12.2005), ou, quando o excesso cípios da dignidade da pessoa huma- secos dos programas almejados. de prazo seja gritante (cf.: HC 81.149/ na, culpabilidade e da individualização RJ, rel. Min. Ilmar Galvão, 1ª Turma, da sanção. Precedentes do STJ.” Seguem, abaixo, transcrições de alguns unânime, DJ 5.4.2002; RHC 83.177/ acórdãos pesquisados, com trechos revela- PI, rel. Min. Nelson Jobim, 2ª Turma, 26/05/2010 dores da aplicação concreta da norma cons- unânime, DJ 19.3.2004; HC 84.095/ MANDADO DE SEGURANÇA 14.405 titucional: GO, rel. Min. Joaquim Barbosa, 2ª DISTRITO FEDERAL 14/05/2013 Turma, unânime, DJ 16.12.2005; e RELATOR :MIN. NAPOLEÃO NUNES Neste capítulo, serão demonstrados, por HABEAS CORPUS 108.527 PARÁ HC 87.913/PI, rel. Min. Cármen Lúcia, MAIA FILHO intermédio de julgados recentes das Cortes RELATOR :MIN. GILMAR MENDES 1ª Turma, unânime, DJ 7.12.2006).” SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Judiciais Brasileiras e Portuguesas, a aplica- SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL ção, nos casos concretos, da força normati- 18/04/2013 “O exercício do poder administra- va da Constituição Portuguesa na segunda “Com relação ao pedido de alvará RECURSO EXTRAORDINÁRIO tivo disciplinar corporifica sempre ati- metade dos século XX e da Constituição da de soltura, tendo em vista o excesso 567.985 MATO GROSSO vidade materialmente jurisdicional, República Brasileira após a sua promulgação de prazo na duração da prisão pre- RELATOR :MIN. MARCO AURÉLIO por isso que no seu desempenho é em 1988. ventiva, o STF tem deferido a ordem SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL mister que a Administração proceda somente em hipóteses excepcionais, como um autêntico Julgador, inclu- Contrariando à teoria de Ferdinand Lassa- nas quais a mora processual: “O SENHOR MINISTRO GILMAR sive assimilando a força normativa le segundo a qual a Constituição jurídica (ou MENDES - São situações das mais di- dos princípios constitucionais, sem o normativa) não passava de um pedaço de a) seja decorrência exclusiva de versas. O fato é que, por princípio de que a exegese jurídica se torna pobre papel que nada mais era do que a expressão diligências suscitadas pela atuação segurança jurídica, nós entendemos e desprovida dos seus fins: justiça e das forças reais de poder (Constituição real), da acusação (cf.: HC 85.400/PE, rel. que é inconstitucional, mas que au- equidade. Littera enim occidit,spiritus sem qualquer força normativa, estes exem- Min. Eros Grau, 1ª Turma, unânime, torizamos a sua aplicação por um autem vivificat (Apóstolo Paulo, Cor. plos terão o condão de mostrar a materializa- período.” II, 3;6).”
162 163 Hermenêutica Constitucional aplicador do direito tem a possibilidade de se cessões recíprocas, procurando preservar o Ressalta-se que, na interpretação em valer da discricionariedade e de uma abran- máximo possível de cada um dos interesses análise, além dos aspectos já menciona- Com o surgimento do Neoconstituciona- gência maior de interpretação e complemen- em disputa ou, no limite, (ii) procederá à es- dos, deve-se se levar em consideração, na lismo, uma nova forma de se interpretar a tação do direito, frente às situações concretas colha do direito que irá prevalecer, em con- operação do direito, a presunção de consti- Constituição desenvolve-se a partir da segun- sobre as quais recairá a sua aplicação. creto, por realizar mais adequadamente a tucionalidade dos princípios e regras cons- da metade do século XX, em decorrência 14 vontade constitucional.” titucionais, da unidade, da razoabilidade e da força normativa adquirida pelas normas Sobre o assunto, Marcelo Novelino afirma da efetividade. constitucionais, pela supremacia da Carta que O mesmo autor alerta para o cuidado que Constitucional em relação ao ordenamento um dos grandes desafios do Ne- se deve ter com relação à argumentação, à Informa-se, por fim, que os modelos tra- jurídico e pela positivação dos princípios no oconstitucionalismo consiste no de- razão prática e ao controle da racionalidade dicionais de interpretação, tais como o gra- corpo da Constituição. senvolvimento de parâmetros racio- das decisões proferidas. Segundo Barroso, matical, o lógico, o histórico, o sistemático nais, objetivos, operacionalizáveis e o teleológico continuam válidos na inter- A força normativa dos princípios e regras para que a ponderação não conduza as decisões que envolvem a ativi- pretação constitucional. constitucionais, a qual está vinculada ao a um decisionismo ou a um subjeti- dade criativa do juiz potencializam o princípio da ótima concretização da norma vismo exacerbado. Ao mesmo tem- dever de fundamentação, por não es- CONSIDERAÇÕES FINAIS (Gebot optimaler Verwirklichung de Norm), po, a complexidade desses parâme- tarem inteiramente legitimadas pela impõe uma interpretação que tem como in- tros não pode ser elevada a ponto de lógica da separação de poderes – por O presente estudo demonstrou a impor- cumbência promover a concretização fática inviabilizar sua utilização na prática esta última, o juiz limita-se a aplicar, no tância da Constituição para a sociedade. No dos preceitos insculpidos na Carta Constitu- 13 caso concreto, a decisão abstrata to- entanto, para que a Constituição faça valer cional, o que traz um rol de desafios aos in- jurídica cotidiana . mada pelo legislador”. E, ainda, infor- os preceitos que nela estão contidos, ou térpretes e aplicadores do direito, na medida Ocorrência inerente à interpretação e apli- ma que “para assegurar a legitimidade melhor, para que ela demonstre a sua força em que surge a necessidade de se manipu- cação da Constituição e à interpretação das e a racionalidade de sua interpretação normativa, faz-se necessário que a socieda- lar na seara dos casos concretos conceitos e normas infraconstitucionais em conformida- nessas situações, o intérprete deverá, de se conscientize de sua relevância jurídi- enunciados abstratos, tais como os princípios de com a Constituição são os conflitos entre em meio a outras considerações: (i) ca, política, econômica, social e cultural. e as cláusulas gerais. regras, os quais serão dirimidas pelos critérios reconduzi-la sempre ao sistema jurí- Esta conscientização é o que Konrad Hesse cronológico, hierárquico e de especialidade. dico, a uma norma constitucional ou 16 chama de “vontade de constituição”. A supremacia da Constituição em relação Nos conflitos entre princípios, será utilizada a legal que lhe sirva de fundamento – a ao ordenamento jurídico pressupõe que todo ponderação e a proporcionalidade e quando legitimidade de uma decisão judicial Ressalta-se que a Constituição, para al- o conjunto de normas infraconstitucionais houver uma antinomia entre princípios e re- decorre de sua vinculação a uma deli- cançar seus objetivos, deve, ainda, ser for- deve ser constituído, interpretado e aplicado gras, aplicar-se á, primeiramente, a regra por beração majoritária, seja do constituin- te, característica verificável com a sua inco- de acordo com o que dispõe as normas cons- ser mais específica, mais amoldada ao caso te, seja do legislador; (ii) utilizar-se de lumidade e com o respeito às suas normas titucionais. concreto e por ser expressão dos princípios. um fundamento jurídico que possa ser nos momentos de crises vivenciados pelo No entanto, cada caso concreto deverá ser generalizado aos casos equiparáveis, Estado, a exemplo de situações em que as A previsão dos princípios constitucionais, analisado em sua particularidade, podendo que tenha pretensão de universalida- instituições democráticas, a soberania e o a partir deste novo modelo constitucional, haver situações em que os princípios afasta- de: decisões judiciais não devem ser seu território ficam ameaçados pela instabi- marca uma grande alteração na hermenêuti- rão a aplicação de regras tidas como injustas casuísticas; (iii) levar em conta as con- lidade social. Ela deve, ainda, ser capaz de ca constitucional, ao elevá-los à condição de numa determinada situação jurídica. sequências práticas que sua decisão inspirar e mobilizar a sociedade em prol de 15 norma. Como os princípios tem uma densi- produzirá no mundo dos fatos . um objetivo comum. dade menor do que as regras e um grau de Luís Roberto Barroso afirma que no méto- abstração e plasticidade maior, o intérprete e do da ponderação o intérprete “(i) fará con- 14. BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e Transformações do Direito Constitucional Contemporâneo - Parte I – Disponível em: www.jus.com.br. Acesso em: 20/03/2013. 15. BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e Transformações do Direito Constitucional Contemporâneo - Parte I – Disponível em: www.jus.com.br. Acesso em: 20/03/2013. 13. NOVELINO, Marcelo. Direito constitucional. 3 ed. São Paulo: Método, 2009. p. 56. 16. HESSE, Konrad. A Força Normativa da Constituição. Trad. Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 1991. p. 20-21.
164 165 Parte I – Disponível em: www.jus.com.br. Acesso em: 20/03/2013. BOBBIO, Norberto; MATEUCCI, Nicola; PAS- QUINO, Gianfranco. 5 ed. Brasília: Universidade de Brasília, 1983. v. 1. BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitu- cional. 18 ed. São Paulo: Malheiros, 2006. Por fim, conclui-se que a Constituição é um “A COMPETÊNCIA MATERIAL DA elemento perene e indissociável do Estado, pois ______. Do estado liberal ao estado social. 5 nela estão as expressões dos princípios, dos va- ed. Belo Horizonte: Del Rey, 1993. JUSTIÇA DO TRABALHO PARA JULGAR lores, das aspirações e dos objetivos sociais. Ela cria um vínculo jurídico entre as pessoas a ela BULO, Uadi Lammêgo. Curso de direito cons- CONTROVÉRSIAS DE APÓLICE submetidas, estabelece um rumo a ser seguido titucional. 3 ed. São Paulo: Saraiva, 2009. e assegura harmonia, liberdade e independên- DE SEGURO DE EMPREGADO” cia social. CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direi- to constitucional e teoria da constituição. 2 ed. REFERÊNCIAS Coimbra, Portuga: Livraria Almedina, 1998. “The substantive jurisdiction of the Labour Court to AGRA, Walber de Moura. Curso de direito CARVALHO, Kildare Gonçalves. Direito cons- adjudicate controversies employee insurance policy” constitucional. 4 ed. Rio de Janeiro: Forense, titucional – Teoria do Estado e da Constituição 2008. – Direito Constitucional Positivo. 16 ed. Belo Ho- 1 Juiz Marcel Lopes Machado rizonte: Del Rey, 2010. TRT 3ª Região ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamen- tais - Tradução de Virgílio Afonso da Silva. 5 ed. FIORAVANTI, Maurizio. Constituición de la alemã. São Paulo: Malheiros, 2008. antigüedad a nuestros días. 3 ed. Madri: De La Editora Trotta, 2011. Resumo: O presente estudo tem por obje- to appreciate the legal controversy about the ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios – da to uma análise, reflexão e interpretação acer- hiring of the life insurance policy and /or of definição à aplicação dos princípios jurídicos. 4 HESSE, Konrad. A força normativa da consti- ca da competência material da Justiça do accident by the employer on behalf of its em- ed. São Paulo: Malheiros, 2005. tuição. Trad. Gilmar Ferreira Mendes. Porto Ale- Trabalho para apreciar as controvérsias jurídi- ployees, segment now securitized. gre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 1991. cas sobre a contratação da apólice de seguro BARRETO, Alex Muniz. Direito constitucional de vida e/ou acidentária pelo empregador, a Palavras Chaves: Apólice de Seguro. Ori- positivo. Leme, São Paulo: Edijur, 2013. LENZA, Pedro. Direito constitucional esque- favor de seus empregados, com empresa do gem da Obrigação. Natureza do Conflito. matizado. 16 ed. São Paulo: Saraiva, 2012. segmento securitizado. Competência. Justiça do Trabalho. BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo – Os Conceitos LOEWENSTEIN, Karl. Teoria de la constituci- Abstract: The object of this study is an Key-Words: Insurance Policy. Origin of Fundamentais e a construção de um novo mo- ón. Trad. Alfredo Galego Anabitarte. Barcelona: analysis, reflection and interpretation about Obligation. Nature of Conflict. Competence. delo. São Paulo: Saraiva, 2009. Ariel, 1979. the substantive jurisdiction of the Labour Court Labour Court. ______. Neoconstitucionalismo e transforma- NOVELINO, Marcelo. Direito constitucional. 3 1. Marcel Lopes Machado. Juiz do Trabalho do TRT da 3ª Região, auxiliar da 1ª Vara do Trabalho de Uberlândia – MG, pós graduado em ções do direito constitucional contemporâneo - ed. São Paulo: Método, 2009. Direito Material e Processual do Trabalho/UFU; pós graduado em Filosofia do Direito e Direito Público/Faculdade Católica de Uberlândia-Dominis, professor do curso de pós graduação em Direito Material e Processual do Trabalho/UFU.
166 167 3 Sumário: 1. Introdução. 2. A Natureza qualquer modo, lacunas que devem dos trabalhadores, existem precedentes da da norma invocada ”, logo, data vênia dos do Conflito e sua Competência Material. 3. ser preenchidas pelo juiz e sempre per- própria jurisprudência trabalhista que não ad- r. entendimentos em contrário, a Justiça do Emenda Constitucional 45/2005. A atual re- mitem ambigüidades e incertezas que, mitem sua competência material para apre- Trabalho detém competência para apreciar dação do art. 114, VI e IX/CR. 4. Tutela da em última análise, devem ser resolvi- ciação desta matéria, como se observa: e julgar as ações indenizatórias “lato sensu” 2 ordem jurídica dos direitos sociais e a Com- das na via judiciária” . fundadas na existência da relação de empre- petência da Justiça do Trabalho. Interpreta- EMENTA: DENUNCIAÇÃO À LIDE. SE- go. ções. Exclusão das Incoerências Jurídicas. 5. GURADORA. A competência material Conclusão. 6. Bibliografia. A contratação de apólice de seguro de da Justiça do Trabalho encontra-se pre- Trata-se, inclusive, de competência histó- vida e/ou acidentária pelo empregador, a fa- vista no art. 114 da Constituição da Re- rica, antes mesmo do advento da Emenda Summary: 1. Introduction. 2. The Nature vor de seus empregados, tem previsão no art. pública, não contemplando, todavia, as Constitucional n.º 45/2004, e que inclui, por- of Conflict and its Material Competence. 3. 458, § 2º, V/CLT, que fixa expressamente sua ações que envolvam empresas segura- tanto, a hipótese jurídica de reparação de da- Constitutional Amendment 45/2005. The cur- natureza jurídica de utilidade não salarial, e, doras e empregadores, acerca do cum- nos materiais de apólice de seguro, eis que rent wording of art. 114, VI and IX/CR. 4. Pro- portanto, se trata, inequivocamente, de uma primento de apólice de seguro. (TRT 3ª sua origem, derivação e fundamento legal é tection of legal rights and social competence parcela ou benefício de direito privado/civil, Região – 1ª T. – RO 00270-2010-043-03- a pré-existência do contrato de emprego, art. of the Labour Court. Interpretations. Exclusion mas instituído em razão e função do contrato 00-2 – Rel. Juiz Conv. Eduardo Aurélio 444/CLT. of Legal Inconsistencies. 5. Conclusion. 6. Bi- de emprego, arts. 2º e 3º/CLT. Pereira Ferri – DJMG 30/09/2011). bliography. Isto porque, esta pré-existência do contra- Ainda, a contratação deste benefício pelo EMENTA: COMPETÊNCIA DA JUSTI- to de emprego é condição essencial (e não empregador com empresa securitária, a fa- ÇA DO TRABALHO. INDENIZAÇÃO DO acidental e/ou natural) do negócio jurídico 1. Introdução: vor de seus empregados, decorre também, PRÊMIO DE SEGURO. LIDE ENTRE SE- de seguro (vida e/ou acidentário) com a em- da previsão do art. 444/CLT, que estabelece GURADO E SEGURADORA. NATUREZA presa securitária, e, o conflito que daí surge, Pretende-se, por este estudo, fazer uma uma cláusula geral de livre estipulação e/ou AUTÔNOMA. Cabendo à Justiça do Tra- decorre da vantagem concedida, ainda que análise e interpretação acerca da compe- contratação de benefícios entre as partes, balho dirimir conflito de interesses en- indireta, da existência e condições contratu- tência material da Justiça do Trabalho para com o objetivo de implementar uma melho- tre empregado e empregador e outras ais daquele vínculo, arts. 444 e 458, § 2º, V/ apreciar as controvérsias jurídicas sobre a ra nas condições sociais dos trabalhadores, controvérsias decorrentes da relação CLT. contratação da apólice de seguro de vida e/ art. 7º, “caput”/CR. de trabalho, aparteia-se da seara atávi- ou acidentária pelo empregador, a favor de ca trabalhista a questão surgida entre seus empregados, com empresa do segmen- E, em inúmeros outros casos, observa-se segurado e seguradora, com vínculo to securitizado. também, que esta obrigação tem previsão jurídico clássico com o contrato de se- e origem em disposições existentes nos ins- guro. (TRT 3ª Região – 3ª T. – RO 00525- “Encontra-se implícito, em outras trumentos normativos, acordos coletivos e/ 58.2011.5.03.0043 – Rel.ª Des. Emilia palavras, o reconhecimento de que ou convenções coletivas, arts. 7º, XXVI e 8º, Facchini – DEJT 21/01/2013). na interpretação judiciária do direito III/CR e art. 613, IV/CLT, que regulamentam legislativo está ínsito certo grau de outras condições de trabalho das categorias. 2. A Natureza do Conflito e sua Competên- criatividade. O ponto, de resto, tor- cia Material: nou-se explícito pelo próprio Barwick Não obstante tratar-se de instituto forne- quando escreve que ainda “a melhor cido em razão do contrato de emprego e/ Na fixação da competência material, de- arte de redação das leis”, e mesmo o ou até mesmo das normas coletivas que re- ve-se observar que a “índole de um conflito uso da mais simples e precisa lingua- gulamentam novas e diferentes condições e deriva de sua origem e de seu objeto, e não gem legislativa, sempre deixam, de benefícios em favor da categoria profissional 2. CAPPELLETTI, Mauro. Juízes Legisladores? (Trad. Carlos Alberto de Oliveira). Sergio Antônio Fabris Editor: Porto Alegre, p. 20/21. 3. DALAZEN, João Orestes. Competência Material Trabalhista. LTr: 1994, p. 51.
168 169 É justamente a pré-existência do vínculo voz final da autoridade. Toda vez que Aliás, antes mesmo do advento da Emen- e, assim, decorrente da relação de traba- de emprego, como condição essencial do interpretam um contrato, uma relação da Constitucional n.º 45/2004, e, portanto, lho, não importando deva a controvérsia negócio jurídico securitário, que permite, real (...) ou as garantias do processo e na vigência da redação original do art. 114/ ser dirimida à luz do Direito Civil. (STF – 1ª inclusive, instituir o pagamento do prêmio da liberdade, emitem necessariamen- CR, o STF já se manifestou neste sentido: Turma – RE 238.737-4/SP – Rel. Min. Se- mensal da apólice para a empresa securitá- te no ordenamento jurídico partículas púlveda Pertence – DJU 05/02/1999). ria, e, não ao empregador propriamente dito, dum sistema de filosofia social. As de- JUSTIÇA DO TRABALHO. COMPETÊN- através de descontos mensais dos salários cisões dos Tribunais sobre questões CIA. CONST., ART. 114. AÇÃO DE EMPRE- dos trabalhadores, descontos estes, incontro- econômicas e sociais dependem da GADO CONTRA O EMPREGADOR, VISAN- Neste aspecto, a Corte Constitucional cor- versamente tidos por lícitos pela legislação e sua filosofia econômica e social, mo- DO A OBSERVANCIA DAS CONDIÇÕES rigiu a posição jurisprudencial do STJ, para jurisprudência trabalhista, art. 462/CLT e Sú- tivo pelo qual o progresso pacífico do NEGOCIAIS DA PROMESSA DE CONTRA- quem, a fixação da incompetência material mula 342/TST. nosso povo, no curso do século XX, TAR FORMULADA PELA EMPRESA EM DE- trabalhista decorria da causa de pedir e pedi- dependerá, em larga medida de que CORRÊNCIA DA RELAÇÃO DE TRABALHO. dos fundados no Direito Civil, e não, na pró- Portanto, a relação jurídica securitária que os juízes saibam fazer-se portadores 1. COMPETE A JUSTIÇA DO TRABALHO pria relação jurídica material das partes, ou surge entre empregado, empregador e em- duma moderna filosofia econômica e JULGAR DEMANDA DE SERVIDORES DO seja, os pedidos de indenização fundamen- presa securitária, pode ser compreendida social, antes de que superada filosofia, BANCO DO BRASIL PARA COMPELIR A EM- tos no Direito Civil seriam da competência da como um contrato anexo àquele de empre- por si mesma produto de condições PRESA AO CUMPRIMENTO DA PROMESSA Justiça Comum. go, que lhe é pré-existente, ou, em outras pa- econômicas superadas”. (Da mensa- DE VENDER-LHES, EM DADAS CONDI- lavras, sem a pré-existência do contrato de gem enviada pelo Presidente THEO- ÇÕES DE PREÇO E MODO DE PAGAMEN- Como muito bem assinado pelo professor TO, APARTAMENTOS QUE, ASSENTINDO 6 emprego, com a conseqüente utilidade for- DORE ROOSEVELT ao Congresso Ame- Antônio Álvares da Silva : necida pelo empregador, art. 458, § 2º, V/ ricano em 08 de dezembro de 1908 EM TRANSFERIR-SE PARA BRASILIA, AQUI 5 VIESSEM A OCUPAR, POR MAIS DE CINCO CLT do desconto salarial compartilhado do (43 Cong. Rec., Part I, p. 21)” . empregado, art. 462/CLT e Súmula 342/TST, ANOS, PERMANECENDO A SEU SERVIÇO “Toda questão, de qualquer na- é impossível a existência do contrato securi- EXCLUSIVO E DIRETO. 2. A DETERMINA- tureza, que for conteúdo de uma re- tário multilateral. ÇÃO DA COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO lação de emprego ou de trabalho, TRABALHO NÃO IMPORTA QUE DEPENDA obrigação de contratar, obrigação de Tem-se então, na hipótese de recusa do A SOLUÇÃO DA LIDE DE QUESTÕES DE DI- dar, um apartamento sob certa con- pagamento da apólice, um conflito trabalhis- REITO CIVIL, MAS SIM, NO CASO, QUE A dição, inscrição em plano de saúde, 4 PROMESSA DE CONTRATAR, CUJO ALE- transferência de quotas, promessa de ta impuro/atípico , cuja competência mate- rial é da Justiça do Trabalho, independente- GADO CONTEUDO E O FUNDAMENTO DO empréstimo, e tudo mais que provier mente que a solução o mérito da controvérsia PEDIDO, TENHA SIDO FEITA EM RAZÃO do contrato de trabalho, será compe- tenha que ser apreciada e julgada segundo as DA RELAÇÃO DE EMPREGO, INSERINDO- tência da Justiça do Trabalho. normas do Direito Civil, como expressamente SE NO CONTRATO DE TRABALHO. (STF – T. (...) prevê o art. 8º/CLT. Pleno – CJ 6959-6/DF – Rel. Min. Sepúlve- Se à determinação da competên- da Pertence – DJU 22/02/1991). cia da Justiça do Trabalho não im- Os principais criadores do direito porta a natureza da solução da lide, (...) podem ser, e frequentemente EMENTA: Justiça do Trabalho: com- mas sim que o fundamento do pedido são, os juízes, pois representam a petência: ação de reparação de danos tenha sido feito em razão do contra- decorrentes da imputação caluniosa irro- to de trabalho, abriu-se efetivamente gada ao trabalhador pelo empregador a a porta para o desenvolvimento da 4. Idem, Ibidem, p. 56. Ainda, leciona o eminente Ministro: “Em síntese, conflito trabalhista de natureza jurídica é o que se estabelece visando pretexto de justa causa para a despedida competência da Justiça do Trabalho”. à interpretação ou aplicação de norma jurídica preexistente, assim considerada a que emane do contrato de emprego ou de qualquer das fontes formais do Direito do Trabalho: lei, convenção ou acordo coletivo, regulamento ou sentença normativa (esta, singularidade apenas do direito brasileiro)”. Idem., op. cit., p. 58. 5. CAPPELLETTI, Mauro. Juízes Legisladores? (Trad. Carlos Alberto de Oliveira). Sergio Antônio Fabris Editor: Porto Alegre, 1993. 6. In Pequeno Tratado da Nova Competência Trabalhista. LTr: 2005, p. 238/239.
170 171 sobre o acidente de trabalho e/ou doença palavras utilizadas, pelos métodos interpre- advento da EC 45/2004, inserem-se no âm- ocupacional que vitima o trabalhador, cuja tativos gramatical, sistemático e teleológico, bito de competência material da Justiça do pretensão reparatória se insere no rol de sua intenção expansionista e ampliativa, já Trabalho: seus direitos sociais, art. 7º, XXVIII/CR, e se que se parte da premissa que não existem “(...) quaisquer outras lides a propó- situa na 3ª hipótese acima de competência palavras inúteis na Constituição. sito de direitos e obrigações que decor- material da Justiça do Trabalho. ram da relação de emprego, mesmo Logo, quaisquer ações indenizatórias, que não se estabeleçam entre empre- 3. A Emenda Constitucional 45/2004. A em sentido lato, que tenham origem e fun- gado e empregador, como se dá com atual redação do art. 114, VI e IX/CR: damento na relação de trabalho, serão da a ação civil pública trabalhista, ou com competência da Justiça do Trabalho, o que o dissídio sobre complementação de A Emenda Constitucional n.º 45/2004 incluiu, portanto, as controvérsias indeniza- aposentadoria entre empregado e en- teve por objetivo promover a chamada “Re- tórias sobre o pagamento da apólice de se- tidade de previdência fechada institu- forma do Poder Judiciário” e apresentou im- guro. ída pelo empregador, quando a com- portante papel de reafirmação da importân- plementação de aposentadoria não é cia da Justiça do Trabalho, ao compreender Inclusive, a jurisprudência do TST evolui criada pelo empregador”. 7 e fixar dentro de sua competência material, neste sentido . diversos conflitos de índole e naturezas dis- A adoção de solução jurídica diversa, tintas da relação de emprego propriamente Compreende-se, portanto, que esta com- mesmo após o advento da EC 45/2004, com dita, que até então, não se inseriam em seu petência material é fixada em razão da ma- a redação dada ao art. 114, VI/CR, incorrerá âmbito jurisdicional. téria ter origem e fundamento no contrato no risco de se materializar, ainda que invo- Este, inclusive, é o fundamento atual da de emprego, e não das normas da teoria da luntariamente, o vício da interpretação re- jurisprudência trabalhista consolidada, ao Desta emenda, extrai-se a nova redação responsabilidade civil utilizadas para solu- trospectiva, já advertida pelo professor e hoje fixar a competência material da Justiça do dada ao art. 114, incisos VI e IX/CR, que ção da controvérsia, bem como, não em ra- 9 Ministro Luís Roberto Barroso : Trabalho para: 1. apreciação da reparação fixam, expressa e textualmente, a compe- zão do eventual sujeito passivo da obrigação por danos morais que tenham origem no tência material da Justiça do Trabalho, para indenizatória a ser cumprida, se o emprega- “Atente-se para a lição mais relevan- contrato de emprego, Súmula 392/TST. 2. apreciar e julgar: 1. as ações de indenização dor propriamente dito, a empresa securitária te: as normas legais têm de ser reinter- apreciação da reparação por danos mate- por dano moral ou material, decorrentes da contratada, ou ambos. pretadas em face da nova Constitui- riais que tenham origem na frustração do relação de trabalho. 2. outras controvérsias ção, não se lhes aplicando, automática seguro-desemprego por culpa do empre- decorrentes da relação de trabalho, na for- Inclusive, como muito bem explicitado e acriticamente, a jurisprudência forja- 8 gador, Súmula 389/TST. 3. apreciação das ma da lei. pelo Ministro João Orestes Dalazen , com o da no regime anterior. Deve-se rejeitar reparações por acidente de trabalho e/ou doenças ocupacionais (STF – T. Pleno – CC A partir de sua vigência, parece não ha- 7. "CONTRATO DE SEGURO DE VIDA. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. O direito postulado é proveniente do contrato de trabalho 7204/MG – Rel. Min. Carlos Ayres Brito – DJU ver dúvida, quanto à disposição do inciso celebrado entre as partes, afigurando-se competente a Justiça do Trabalho, a teor do art. 114 da Constituição Federal. No contexto em que foi decidida a matéria, não há margem para se concluir pela violação dos dispositivos citados, uma vez que se trata de obrigação originária da rela- 09/12/2005), todas questões cuja solução VI do art. 114, da competência material tra- ção de emprego entre o Reclamante e a CEF. Recurso de Embargos não conhecido." (SBDI-1 – E-RR 5.132/2002-921-21-00.8 – Rel. Ministro Carlos será fundada na teoria da responsabilidade balhista para julgar as ações indenizatórias Alberto Reis de Paula – DJU 10/06/2005) "COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. SEGURO. PAGAMENTO DE INDENIZAÇÃO SUBSTITUTIVA. OBRIGAÇÃO DECORRENTE DA RELAÇÃO civil. decorrentes da relação de trabalho, na qual DE EMPREGO. A competência da Justiça do Trabalho tem como fator determinante, no caso, a circunstância de que o reclamante somente é se inclui, à evidência, as da relação de em- beneficiário do plano de seguro em razão da condição de empregado da empresa. Recurso de Embargos de que não se conhece." (SBDI-1 – E-RR 864/2003-102-03-00.7 – Rel. Ministro João Batista Brito Pereira – DJU 21/09/2007) Ademais, não se pode deixar de observar prego. "AGRAVO DE INSTRUMENTO. BENEFÍCIO DECORRENTE DA RELAÇÃO DE EMPREGO. SEGURO DE VIDA CONTRATADO PELA EMPREGADORA. que esta controvérsia, acerca do inadim- COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. Compete à Justiça do Trabalho julgar pedidos relativos a direitos e vantagens previstos na legislação trabalhista. O fato de o seguro de vida constituir-se em obrigação assumida pela empregadora, e que aderiu ao contrato do trabalho do autor, não plemento da obrigação securitária, decorre Destaca-se, sobretudo, que o texto consti- desloca a competência para a Justiça Comum, pois diretamente ligado ao contrato de trabalho (artigo 114 da Constituição Federal de 1988). Agra- também, muitas vezes, como efeito anexo tucional utilizou a expressão “ações” no plu- vo de instrumento a que se nega provimento." (6ª T. – AIRR 76740-08.2006.5.03.0025 – Rel. Ministro Aloysio Corrêa da Veiga – DJU 06/06/2008). 8. In A Reforma do Judiciário e os Novos Marcos da Competência Material da Justiça do Trabalho no Brasil (In COUTINHO, Grijalbo Fernandes e secundário, da lide originária e primária ral, o que reforça na busca do sentido das e FAVA, Marcos Neves. Nova Competência da Justiça do Trabalho. LTr: 2005, p. 153). 9. In Interpretação e Aplicação da Constituição. 6ª ed. Saraiva: 2004, p. 70/71.
172 173 uma das patologias crônicas da her- e/ou acidentária pode, também, decorrer 4. Tutela da ordem jurídica dos direitos so- E para que se não corra esta ris