Passado um ano, estamos de novo em tempo de Festival Mental. Um ano complexo, vivido com realidades que há muito pareciam fora dos nossos horizontes mais próximos, como a guerra na Europa e a inflação galopante, que se juntam a fenómenos que se têm vindo a disseminar sem aparente recuo, como as crises climática e dos refugiados. Os contextos são muito importantes na saúde mental, uma vez que a maior parte do sofrimento psicológico dos seres humanos radica exatamente em variáveis de contexto, exercidas e vivenciadas isoladamente ou em conjunto: pobreza, desemprego, desigualdade, violência, destruturação familiar, discriminação, entre várias outras, são as dimensões mais determinantes na diminuição do bem-estar das populações, e no surgimento de sofrimento psicológico individual/familiar ou mesmo de doenças mentais com critérios diagnósticos definidos. A recente pandemia teve um impacto muito negativo em vários aspetos da saúde mental, mas deu-lhe indiscutivelmente uma visibilidade mediática nunca antes alcançada. Na comunicação social, passámos a ser confrontados quase diariamente com notícias direta ou indiretamente relacionadas com o universo da saúde mental: sejam os problemas de acesso aos cuidados, sejam as questões mais específicas dos jovens e adolescentes, seja o exemplo de novos programas para responder a antigos (mas sempre atuais) problemas, a verdade é que este tema se tornou presença habitual nos media. Esta é uma excelente notícia, a todos os níveis: a sensibilização de uma população para a área da saúde mental representa um enorme ganho de capital social, principalmente num país como Portugal, em que todo este mundo tem estado demasiado escondido, apesar da sua transversalidade. Seria uma pena se se verificasse um retrocesso nesse capital social, com prejuízo claro quer para a sociedade em geral, quer para os doentes e seus familiares, em particular: uma vez que um dos maiores ganhos nos últimos dois anos tem sido uma descida lenta mas significativa dos níveis de estigma face à doença mental, qualquer recuo nesta fase corresponderia a uma grande perda num processo de luta pela cidadania, que tem sido tudo menos fácil. Como evitar, então, este retrocesso ? Há várias respostas e pistas possíveis, mas uma deve ser distinguida desde logo: o recuo combate-se através de iniciativas da sociedade civil que nos tragam o assunto de uma forma séria e honesta, mas embrulhado de uma forma criativa, arejada e, acima de tudo, inesperada. Tem sido essa a aposta do Festival Mental desde o seu início, com inegável sucesso: com inquietação conceptual permanente, mudando muita coisa de ano para ano, mas mantendo sempre o essencial. De facto, encontramos lá sempre o respeito pela diferença, a recusa do estigma, a proximidade ao Outro, a atitude inclusiva e a esperança. Mas também a novidade constante, o humor, o espanto e a capacidade de surpreender os vários públicos que foi criando ao longo do tempo. Este tipo de contributo é absolutamente essencial para todos nós, tanto do ponto de vista sociológico, como da saúde pública: com efeito, pensar que a saúde mental de uma população, que todos queremos assente numa perspetiva de bem-estar e capacidade de adaptação, depende maioritariamente de serviços de saúde especializados, é uma visão muito redutora da realidade. Por tudo isto, mais uma vez, a Coordenação Nacional das Políticas de Saúde Mental rende a sua homenagem sincera à Ana Pinto Coelho, ao João Gata e a todos os que tornam possível este momento de rara fruição. É um orgulho para nós a associação a este projecto de alta qualidade, desde o seu primeiro momento. Ao público, fazemos o apelo de, mais do que assistirem, participarem em algo que tem o poder de modificar muito daquilo em que têm acreditado Miguel Xavier 07

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